Internacional

O acordo tem como meta global manter o aquecimento  do planeta bem abaixo de 2 °C e perseguir nos esforços para limitar o aumento de temperatura em 1,5 °C

O Acordo de Paris constitui concreto e relevante instrumento para a comunidade internacional começar a trilhar um novo caminho com a união de todos os países para o combate à mudança global do clima e redução de emissões, que é a única solução para resolver um dos maiores desafios da agenda mundial

O acordo de Paris tem como meta limitar o aumento do aquecimento do planeta a 1,

O Acordo de Paris tem como meta limitar o aumento do aquecimento do planeta a 1,5 °C. (Foto: Jacky Naegelen/Reuters)

Com a adoção do Acordo de Paris, a 21ª Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas marca a transição do sistema Top-down do Protocolo de Quioto, no qual apenas os países desenvolvidos (sem a participação dos Estados Unidos e do Canadá no primeiro período de compromisso e adicionalmente sem Japão e Rússia no segundo período) tinham metas de cumprimento de redução de emissões de gases de efeito estufa para um sistema bottom-up, em que todos os países passam a ter metas de redução ou limitação de emissão de maneira determinada voluntariamente por cada país.

A COP 21 foi a maior conferência, com mais de 30 mil participantes e com a maior presença de chefes de Estado (150). O sucesso alcançado deve-se a um trabalho cuidadoso e hábil da Presidência Francesa da COP (chanceler Laurent Fabius), com envolvimento dos chefes de Estado no início da conferência e condução firme, polida e transparente.

O documento do acordo consta como anexo de dezesseis páginas (29 artigos) de uma decisão com dezenove páginas. Aparentemente, os Estados Unidos não precisariam ratificar o acordo no Congresso, pois a maior parte da legislação para o cumprimento já se encontra aprovada e não há nenhum requisito mandatório que crie custos adicionais para os países.

O acordo tem como meta global manter o aquecimento do planeta bem abaixo de 2 °C e perseguir nos esforços para limitar o aumento de temperatura em 1,5 °C. Prevê, ainda, uma avaliação agregada do progresso em relação ao alcance do objetivo a cada 5 anos a partir de 2023. Haverá, adicionalmente, um diálogo facilitador entre as Partes em 2018. O objetivo do acordo e a avaliação agregada também têm em seu escopo elementos de adaptação aos impactos adversos da mudança do clima e de meios de implementação. O acordo estabelece ainda um quadro de transparência ampliada para ação e apoio, construído a partir dos sistemas existentes na Convenção.

A entrada em vigor do acordo dar-se-á com a ratificação por 55 Partes, com ao menos 55% das emissões globais de acordo com a informação mais recente submetida pela Parte. O Brasil, segundo este critério, representa 2,48% das emissões globais. O acordo trata ainda em detalhe de adaptação, perdas e danos, tecnologia e formação de capacidade.

Um ponto decisivo para o sucesso da COP 21 de Paris foi a decisão adotada na COP de Lima de que os países deveriam submeter suas contribuições antes da COP 21. Com isso, o Acordo de Paris não tratou sobre as metas dos países, que já haviam sido submetidas previamente à COP 21 com base nas respectivas determinações nacionais.

Todos os países participam do acordo por meio da submissão de uma Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês). Atualmente 187 Partes (das 196) já submeteram suas NDCs (95,4% das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – UNFCCC). Cada submissão sucessiva de cada Parte deverá representar uma progressão além de sua contribuição atual e refletirá a mais alta ambição possível. Os países desenvolvidos deverão continuar com a liderança assumindo metas absolutas de redução de emissão para a economia como um todo e os países em desenvolvimento deverão continuar ampliando seus esforços de mitigação e são encorajados a mover ao longo do tempo para metas de limitação ou redução de emissão para toda economia.

O Acordo de Paris cria três modalidades de mecanismos de mercado: métodos cooperativos – cooperação voluntária na implementação de suas NDCs pela transferência de resultados de mitigação internacionalmente, que amplia o esforço de cooperação nos moldes do Comércio de Emissões da União Europeia; Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), que generaliza a ideia do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto para todos os países e permite o envolvimento de entidades públicas e privadas autorizadas pelas Partes, correspondendo a um esforço adicional além da NDCs; e, finalmente, Método de não Mercado basicamente para apaziguar os oponentes dos mecanismos de mercado.

O papel do Brasil na COP 21

O Brasil foi um protagonista da COP 21, com as participações da presidenta Dilma Rousseff na abertura da Conferência e da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, por solicitação da Presidência Francesa, presidindo os trabalhos sobre diferenciação, que era o ponto de conflito mais difícil de ser resolvido no Acordo de Paris. A ministra Izabella foi assessorada ainda pelo embaixador Luiz Alberto Figueiredo, com vasta experiência diplomática na Convenção sobre Mudança do Clima, e, ainda, pelo embaixador José Antônio Carvalho, que chefiou os negociadores da delegação. Todo esse contexto garantiu o resultado exitoso da Conferência, na perspectiva do governo brasileiro.

O processo brasileiro de preparação para a COP 21, incluindo a elaboração da Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC na sigla em inglês), começou com consultas amplas à sociedade, conduzidas pelo Itamaraty, em 2014, de forma abrangente e transparente, incluindo governo, academia e organizações não governamentais. Houve, adicionalmente, durante todo o ano de 2015, diálogos de alto nível com segmentos importantes da economia brasileira (governo, setor privado) e representantes da sociedade (governo, academia e organizações sociais).

A NDC brasileira é bastante simples na forma de entendimento, mas com alto grau de ambição. O ponto de referência, ano base, é 2005. A Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é a redução de 37% das emissões de gases de efeito estufa em 2025 em relação ao ano-base. O Brasil ainda submeteu uma Contribuição Indicativa Subsequente (não definida no Acordo de Paris) de redução de 43% das emissões de gases de efeito estufa em 2030. A redução é absoluta em relação ao ano-base e a cobertura é de 100% do território nacional, toda economia e os seguintes gases de efeito estufa: CO2, CH4, N2O, SF6 e as famílias de gases PFCs, HFCs (principais gases de efeito estufa).

O Brasil utilizou na sua NDC a métrica do GWP-100 anos, definida no 5° Relatório de Avaliação do Painel Intergovenamental sobre Mudança do Clima (IPCC AR5). Sobre a adaptação, frisou a dimensão social – em especial, os mais vulneráveis, e desenhos de políticas de acordo com o Plano Nacional de Adaptação. Quanto aos meios de implementação, embora não seja condicionada a apoio internacional, a NDC deverá ser implementada sem abrir mão do uso de recursos provenientes dos Mecanismos Financeiros da Convenção e quaisquer outras modalidades de cooperação e apoio internacionais.

Deve-se lembrar que o Brasil reduziu as suas emissões em 41% de 2005 a 2012. No período de 2004 a 2012, o PIB cresceu 32%, 23 milhões de pessoas saíram da pobreza e houve redução de 52% das emissões (GWP). A NDC prevê ainda o crescimento do PIB do Brasil até 2030, crescimento da renda per capita e da população, cuja estabilização é esperada ocorrer somente a partir de 2040, segundo o IBGE. Portanto, a NDC do Brasil exigirá um esforço considerável de redução de emissão de gases de efeito estufa e se caracteriza como muito ambiciosa. O resultado, alcançado no período de 2004 a 2015, deu-se em razão da redução de emissões devido ao desmatamento em 79%. Em decorrência, os setores mais intensivos em emissões atualmente (com base em 2012) são agropecuária e energia (com participação de 37% cada). O Brasil tem um mix de energia com uma grande participação de energia renovável (39,4% em 2014), ao passo que, em 2012, o mundo tinha apenas 13,2%, e a OCDE, 8,6%. O mesmo panorama se repete na geração de eletricidade com uma grande participação de energia renovável no Brasil (74,6% em 2014) ao passo que, em 2012, o mundo tinha apenas 21,2%, e a OCDE, 19,7%.

As medidas da NDC brasileira são consistentes com a meta de 2 °C adotada no Acordo de Paris, por meio do aumento do percentual de biocombustíveis sustentáveis para 18%; fortalecimento do Código Florestal em todos os níveis da administração pública; eliminação do desmatamento ilegal na Amazônia brasileira até 2030 e compensação de emissões de gases de efeito estufa resultantes da supressão legal de vegetação até 2030; restauração e reflorestamento de 12 milhões de hectares de florestas até 2030 para múltiplos propósitos e participação de 45% de energia renovável no mix energético até 2030.

A meta de 45% de energia renovável poderá ser atingida por um leque de políticas e medidas, incluindo expansão do uso de outras fontes renováveis além da hidrelétrica no mix total de energia entre 28% e 33%; expansão do uso de fontes de energia não fósseis domésticas, aumentando o percentual de renováveis (além das hidrelétricas) na geração elétrica para pelo menos 23% (o que significa mais que dobrar o patamar atual), ampliando a participação de eólica, solar e biomassa; e aumento de eficiência energética.

No setor de agropecuária, as medidas principais focam na restauração adicional de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030 e ampliação em 5 milhões de hectares de sistemas integrados lavoura-pecuária-florestas até 2030.

Os desafios que estão colocados quanto à mudança do clima

Recente estudo do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) dos Estados Unidos apresenta um mapa global de temperaturas para janeiro de 2016. Esse mapa confirma que janeiro foi o nono mês seguido de recordes de temperatura média da superfície terrestre. Mas, além disso, foi mais incomum na medida em que teve a maior temperatura acima daquela que seria considerada normal para qualquer mês. A camada de gelo do Ártico atingiu seu menor ponto durante um mês de inverno. A sequência de nove meses seguidos de recordes anteriores, de junho de 1997 a fevereiro de 1998, foi devido à última grande ocorrência do El Niño. E está ainda atrás da sequência de dez meses, ocorrida em 1944. É provável que com um novo recorde de temperatura previsto para fevereiro de 2016, a atual sequência empate com aquela referente a 1944.

A essa notícia veio se somar a informação de que as temperaturas do Polo Norte encontram-se ao redor de 0 °C, muito acima da média habitual no inverno (cerca de 20 °C acima do normal).

E acrescenta mais urgência o recente estudo publicado pela National Academy of Sciences dos Estados Unidos, de um grupo de cientistas que reconstruiu a história do nível do mar do planeta por 3.000 anos, levando-os a concluir que a taxa de crescimento do nível do mar no século 20 é extremamente provável de ter sido mais rápida do que durante todo o período anterior.

No contexto em que o esforço da sociedade mundial para mitigar as emissões de gases de efeito estufa está apenas começando, os sinais de aquecimento global estão ficando cada vez mais claros. O Acordo de Paris constitui concreto e relevante instrumento para a comunidade internacional começar a trilhar um novo caminho com a união de todos os países para o combate à mudança global do clima e redução de emissões, que é a única solução para resolver um dos maiores desafios da agenda mundial.

Carlos Augusto Klink é secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente

José Domingos Gonzalez Miguez é secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente

Adriano Santhiago de Oliveira é diretor do Departamento de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente