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Para se tirar um presidente legitimamente eleito, por meio de impeachment, há que se ter comprovado crime de responsabilidade. Sem a existência de crime, é golpe

O impasse que o próprio processo de impeachment gera repercute negativamente na economia. Temos que derrotá-lo e, em seguida, tomar todas as medidas que protejam o emprego das pessoas e a renda das famílias. Aqueles que querem o impeachment propõem a adoção de programas que provocarão maior desemprego e perda de direitos para os trabalhadores

Milhares estiveram na Praça da Sé para mostrar que são contra o golpe e a favor

Milhares estiveram na Praça da Sé para mostrar que são contra o golpe e a favor da democracia. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Foi emocionante ver a Praça da Sé lotada no aniversário de 52 anos do golpe civil-militar de 1964. Cerca de 60 mil pessoas se reuniram em frente à Catedral de São Paulo no dia 31 de março, debaixo de chuva, para mostrar que conhecem muito bem o que aquele golpe significou e, justamente por isso, estão convencidas de que não podemos permitir outro golpe no Brasil.

Por que chamamos de golpe a campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff? Os motivos são muitos. E a cada dia ficam mais evidentes. Alguns alegam que o impeachment é legítimo porque se trata de um instrumento previsto na Constituição Federal. Acontece que a previsão constitucional do impeachment não torna legítimo o atual processo. Outro impeachment pode ser legal, este não é.

Para se tirar um presidente legitimamente eleito, por meio de impeachment, há que se ter comprovado crime de responsabilidade. Sem a existência de crime, é golpe. E Dilma não cometeu crime de responsabilidade. Na democracia, o respeito à Constituição é inviolável. Na última vez em que a Constituição foi rasgada para que um golpe fosse deflagrado, em 31 de março de 1964, o pesadelo durou 21 anos. Centenas de brasileiros foram assassinados, outros foram obrigados a deixar o país, políticos foram cassados e direitos civis foram suprimidos.

O pedido de impeachment que está em análise é uma peça frágil, que não se sustenta. Um compêndio de acusações que não para em pé. Ele não prova nenhum crime da presidenta. Em outras palavras: dizer que cartão vermelho está previsto nas regras do futebol não é argumento para que um juiz expulse de campo um jogador que não cometeu falta grave, como aparece num vídeo recente, narrado pelo jornalista Juca Kfouri.

Tem muita gente reclamando do governo, sentindo os efeitos da crise, e achando que as coisas vão melhorar se tirarem a Dilma, o que é uma inverdade. E por pensarem desse jeito, acham que o impeachment é justo, sem se dar conta de que insatisfação, sem crime, não é motivo para impeachment.

Tem muita gente entusiasmada com a Lava Jato, com os vazamentos que mostram empresários e políticos de diversos partidos envolvidos em suspeitas de corrupção, com a lista da Odebrecht ou as planilhas dos Panama Papers. Dilma está na lista? Não está. Dilma está nas planilhas? Não. Ela é investigada na Lava Jato? Não é.

O pedido de impeachment que está sendo analisado na Câmara dos Deputados menciona as tais pedaladas fiscais, que nem sequer existem no ordenamento jurídico. Sobre esse ponto, é preciso elucidar que o governo jamais contraiu operação de crédito com bancos públicos, como alegado no pedido. O que ele fez foi a contratação de um serviço, como bem demonstrou o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, em audiência na Comissão Especial, e também a defesa apresentada pelo José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União.

A presidenta Dilma também é acusada de editar seis decretos que teriam causado rombo no orçamento, o que é igualmente incorreto. Os remanejamentos nas despesas autorizados por esses decretos não acarretaram acréscimo no volume total de despesas da União, sendo absolutamente inconsistente a acusação de que teriam comprometido o orçamento.

Além disso, o Congresso Nacional, a quem cabe analisar as contas do governo, ainda não o fez em relação ao ano de 2015, de modo que um pedido de impeachment com o argumento de que houve crime de responsabilidade fiscal não se sustenta em absoluto. Trata-se visivelmente de uma tentativa da oposição de chegar ao governo no tapetão, atropelando as leis, transformando em julgamento político o que deve necessariamente ser um julgamento jurídico.

A proposta de impeachment patrocinada pelo presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Eduardo Cunha (esse sim investigado, réu, suspeito de crimes), que acatou o pedido em retaliação ao governo e ao PT, no mesmo dia em que votamos a favor da admissão de seu processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara, é uma forma de promover um golpe. Sem farda nem tanques, mas golpe.

É preciso barrar o golpe e superar o tema do impeachment, porque ele tem interditado o governo, impedido que o Legislativo e o Executivo se debrucem sobre coisas mais urgentes e que poderão de fato contribuir para o futuro do Brasil e dos brasileiros. É evidente que esse impasse, essa obstrução colaboram para uma agenda negativa e atrapalham a superação da crise, porque reforçam uma sensação de desconfiança no plano internacional, nos mercados, nos investidores, nos meios de produção.

O impasse que o próprio processo de impeachment gera repercute negativamente na economia. Temos que derrotá-lo e, em seguida, tomar todas as medidas que protejam o emprego das pessoas e a renda das famílias. Aqueles que querem o impeachment propõem a adoção de programas que, se forem efetivados, provocarão maior desemprego e perda de direitos para os trabalhadores.

Por tudo isso, dizemos que é golpe. E por tudo isso é fundamental participar de todos os eventos contra o golpe e a favor da legalidade, do Estado de Direito e da democracia. As atividades nas ruas e nas redes são permanentes. O ato do dia 31 de março na Praça da Sé foi um deles. Haverá outros. Estaremos prontos para defender nosso país.

Não vai ter golpe.

Paulo Teixeira é deputado federal (PT/SP).