Política

Quando não se julga de acordo com a prova dos autos, mas pela convicção predeterminada, não se encontra ação republicana, mas se age para servir à majestade

Está claro até para o médio entendedor que a “república” agiu em defesa dos interesses dos Estados Unidos, contra a nação brasileira. Foto: Reprodução

Faz alguns anos que a imprensa resolveu denominar o grupo encastelado na Justiça, no Ministério Público e na Polícia federais atuante na capital paranaense, de “República de Curitiba”. Não sei quem inventou, mas o nome pegou e todos o usam indiscriminadamente.

O grupo se autodenominava originalmente de “Lava Jato”, também não sei por quê. Talvez porque algum dia, algum deles pretendeu lavar a sujeira existente na política brasileira. É possível, mas foi um sonho de uma noite de inverno. Entre o sonho e a realidade há uma distância muito grande, e um novo nome veio revelar a atividade do grupo: “Vaza Jato”. Foi com o vazamento de parte de suas ações – é bem verdade que a menor parte, a mais importante continua guardada a sete chaves – que o Brasil veio a conhecer mais a fundo o que faz a dita “República” de Curitiba.

Sempre achei esse nome despropositado. República? Na verdade a maioria dos seus componentes eram procuradores da República, assim se justificava o nome. Mas nunca me convenci. Depois começaram a surgir outras conversas. “República” é a denominação usada para grupos de pessoas afins, que comungam dos mesmos problemas, e têm os mesmos propósitos, como as repúblicas estudantis. Aí começa a se justificar a denominação da dita chamada “República” de Curitiba. Ela foi formada por juízes – ao menos um juiz, chefe-geral –, por procuradores e por delegados da Polícia Federal que comungavam do mesmo objetivo, como a Vaza Jato tem revelado.

Qual era mesmo o objetivo? Publicamente, o combate à corrupção, mas efetivamente, o combate ao partido que governava e, por extensão, a todos os partidos que estivessem à esquerda do espectro político. Até alguns componentes de partidos de centro e direita foram alcançados, na medida em que apoiavam os governos à esquerda. Afinal o combate à corrupção sempre foi uma grande bandeira usada em importantes momentos do Brasil republicano. Nos últimos tempos devemos nos lembrar de Jânio Quadros, o homem da vassoura, que pretendia varrer a corrupção. Mais adiante foi a vez do Collor de Melo, o caçador de marajás (não sei se de maracujás, como diziam alguns). Ambos vitoriosos, ambos renunciaram! Não podemos esquecer neste meio, também a importância desta bandeira para desconstruir, ou melhor, derrubar governos que estivessem pendendo para ideias mais avançadas... Getúlio foi vítima em 1954, e seu sucessor trabalhista, João Goulart, dez anos depois, foi derrubado pelo movimento contra a corrupção e a subversão, como diziam os militares que deram o golpe de 1964. Assim, a bandeira “contra a corrupção” mais uma vez teria um importante papel para mudar o cenário político e a vontade popular expressa nas urnas: primeiro, derrubar a presidenta Dilma que gostava de bicicleta, “pedalava”; depois, impedir a candidatura de Lula, inviabilizando o PT e a esquerda; ao fim, eleger o Bolsonaro. Estava concluída a tarefa, pensavam.

Quanta ação republicana...

Antes disso, vamos passar em revista alguns dos mais importantes componentes da dita cuja “república”. A mesma sempre foi presidida por um juiz, a maior autoridade. Um juiz que dizem não chegou a ser advogado, embora bacharel em Direito fosse, pois nunca passou no exame da Ordem, mas a juiz conseguiu chegar. Mas tinha outras habilidades, como utilizar o “control C e o control V, que usou, abusou e ensinou. E tinha suas convicções... Aliás, convicções comuns de toda a “república”, naturalmente. O juiz negociou as consequências de suas atitudes: ajudava a eleger o presidente, mas queria um posto no STF, com uma passagem pelo Ministério da Justiça, estava de bom tamanho. Desde que fosse um superministro!

E assim foi. Tomou posse no ministério com todos os poderes, inclusive juntando mais de uma pasta e ainda queria funções de outras. Era também o ministro da polícia – não mais chefe de Polícia como antigamente, antes da Constituição de 1945. Constituía-se no grande ministro que simbolizava no governo o “combate” à corrupção. Entre seus grandes feitos acobertou plenamente a ação da milícia ou da familícia, deixando em paz todos os “Queirozes”. Mas ainda assim não serviu ao chefe capitão e foi defenestrado. Aí pensou em se apresentar à sociedade como o grande futuro salvador da pátria, como se os brasileiros não conhecessem sua responsabilidade na implantação do governo genocida no país.

Com o ministério e a saída dele, seus amigos ficaram um pouco desapontados, mas, como ainda tinham – ou têm – grandes apoios, se tranquilizaram. Apoio inclusive de uma certa potência do norte, que hoje está insegura com o futuro do capitão; aquela potência que determina como os subalternos devem agir, como disse há pouco um grande negociante de minério sobre a Bolívia: fui eu quem deu o golpe, sim, e dou quantos quiser! Pois é...

Os procuradores da dita “república”, dirigidos pelo menino Dallagnol, têm passado um cortado. Dallagnol é esperto; sabe gostar de dinheiro e onde buscá-lo; profere boas e rendosas palestras no “combate” à corrupção; chegou à façanha de articular bilhões de reais num espúrio acordo na calada da noite com o Departamento de Justiça da dita potência do norte, dinheiro a ser subtraído da Petrobras, para um seu “instituto”, claro, de “combate” à corrupção. Como não deve ter lastimado Dallagnol quando seu esquema falhou numa ação do STF. Aliás do mesmo STF do qual ele sempre disse: temos gente lá; fulano, beltrano, é dos nossos! Mas tem outros procuradores façanhosos na “república”: tem um Paludo que quer censurar e processar a imprensa por revelar suas relações – e naturalmente da “república” – com os doleiros... Republicana “república”...

A “república” se assentava num tripé: o terceiro era formado por delegados e agentes da Polícia Federal. Não me lembro do nome dos delegados nem de suas façanhas. Mas não podemos esquecer de um agente que se tornou símbolo da dita cuja Lava Jato ou República de Curitiba: o japonês da federal. Era o símbolo, presente em todas as operações espetaculosas da “república”, aparecia sempre com seus óculos escuros certamente para esconder a ironia que os olhos refletia: um criminoso contrabandista das barrancas do Paraná nas operações de “combate” à corrupção! Grande republicano...

Não se pode negar que a “república” de Curitiba realizou grandes façanhas. Embora agora se diga “arrependida” de ter colocado Bolsonaro no poder, e ter perdido algumas mamatas, não deixa de contabilizar grandes êxitos. Arrependidos ou não, elegeram o capitão, destruíram a indústria da construção civil nacional e puseram a pique a Petrobras. O capitão e o Guedes, concluirão a missão.

Afinal não eram esses os grandes propósitos revelados pela Vaza Jato?

Está claro não só para o bom, mas até para o médio entendedor, que a “república” agiu em defesa inconfessável dos interesses dos Estados Unidos, contra a nação brasileira. Membros do Departamento de Justiça norte-americano já revelaram isso claramente. Acordos foram feitos à revelia do governo brasileiro, e tendo por trás o FBI e a CIA. Era uma necessidade para a nação do norte: a indústria de construção civil brasileira estava muito agressiva com obras no mundo inteiro, inclusive tendo apoio do Estado brasileiro para isso. O país deve servir aos interesses estadunidenses, assim eles pensam e agem. Era preciso refrear isso, destruir a potente indústria da engenharia nacional, engenharia que ultrapassou os limites de um país subdesenvolvido. E o petróleo? Ah! Com os principais fornecedores mundiais – Oriente Médio e Venezuela – conturbados, era preciso que a nova descoberta do nosso pré-sal servisse aos interesses. Afinal, como país subjugado, o Brasil deve mandar o petróleo para lá e comprar de lá os combustíveis elaborados. O lucro, é deles, naturalmente. Para essas e outras missões a “república” precisava limpar a cena política, eliminando opositores indigestos, defensores da independência nacional. E assim fizeram.

Mas, afinal, houve uma “República de Curitiba”? Pelo pouco que vimos até aqui, não! Nenhuma das ações do dito grupo foram republicanas, ao contrário, foram e são monárquicas. E monárquicas absolutistas. Senão vejamos.

Quando não se julga de acordo com a prova dos autos, mas pela convicção predeterminada, não se encontra ação republicana, mas se age para servir à majestade.

Quando na Justiça se articulam partes que deveriam ser independentes e autônomas, em detrimento de outra parte, agem de forma republicana? Não, mais uma vez servem a interesse majestático preestabelecido que deve ser atendido independente da lei.

Quando se negocia cargos futuros ou mesmo palestras para “educar” contra a corrupção, em troca de vantagens financeiras, usando as prerrogativas funcionais para tal, age-se de forma republicana? Mais uma vez não, as vantagens são pagamentos dos trabalhos escusos executados em benefício de sua majestade.

Quando se transforma o grupo num agente todo poderoso que a ninguém presta contas, nem mesmo a seus superiores, transformando-o num verdadeiro país, república ou nação autônoma, até para relações externas, age-se republicanamente? Não, a majestade impera, pode até mudar o rei, mas o reino é o mesmo.

Quando o grupo adotou práticas escusas para favorecer politicamente os seus candidatos, escolhendo o momento “X”, exato, para tomar certas medidas, divulgar delações, como agora começa a revelar o próprio Supremo Tribunal Federal, agia de forma republicana ou servia à majestade?

Enfim, onde está, na atuação do grupo de Curitiba o res publica, o interesse público? Toda a ação do grupo correspondeu ao res privata; atendia aos interesses do grupo, da majestade, e não do povo. E assim o fizeram e tentam continuar fazendo no ocaso de sua existência, de forma absoluta, como absolutistas que são. Mas não perderão por esperar o dia em que a justiça verdadeira se faça e veremos atrás das grades os verdadeiros criminosos.

Não há, pois, como não chamar o grupo de Curitiba de “Monarquia de Curitiba”, e monarquia absolutista!

Roberto R. Martins é fundador do PT, historiador e escritor