Internacional

O diálogo no campo da sustentabilidade, cada vez mais importante na transição para uma economia de baixo carbono, pode criar oportunidades para investimentos em todas as áreas nos dois países

O planeta está aquecendo e o homem é o principal responsável pelas mudanças catastróficas que vêm ocorrendo. Foto: ONU

Com o final da Guerra Fria, após a queda do muro de Berlim em 1989 e a fragmentação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no ano de 1991, a agenda internacional de combate ao “comunismo” dá lugar a discussões de novas e velhas temáticas, tais como: fome no mundo, erradicação da pobreza, degradação ambiental e terrorismo internacional. A sensação era de que o capitalismo triunfara como sistema hegemônico de produção, sob a égide dos Estados Unidos da América do Norte (EUA). Era o início do que se convencionou chamar de uma nova ordem mundial, uma ordem praticamente unipolar.

Com relação à degradação ambiental realizou-se no ano seguinte, 1992, a Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Rio 92, primeiro grande encontro promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) após o início da nova ordem mundial. Nessa conferência, identificou-se a necessidade de estabelecer normas regulatórias das relações entre os Estados-Nações no que se referia às questões ambientais. Ao conjunto de instituições, documentos, acordos, tratados e regras que dispõem sobre a regulação das ações humanas sobre o clima, que ultrapassam as fronteiras dos Estados Nacionais, se convencionou chamar de ordem ambiental das mudanças climáticas, que por sua vez faz parte da ordem ambiental internacional.

A preocupação com a degradação ambiental aumentou desde o final dos anos 1960 e a partir dos anos 1970, quando desastres ambientais ocorreram causando milhares de mortes e chamando atenção do mundo. A comunidade científica e os organismos internacionais, desde então, vinham alertando para a necessidade de reformas nos sistemas produtivo e de consumo de forma a preservar o planeta1.

O Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), divulgado em agosto de 2021, dá um alerta máximo. O planeta está aquecendo e o homem é o principal responsável pelas mudanças catastróficas que vêm ocorrendo no mundo. António Guterres, secretário-geral da ONU, ao comentar o relatório adverte que “os alarmes são ensurdecedores e as evidências são irrefutáveis: as emissões de gases de efeito estufa da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento estão sufocando nosso planeta e colocando bilhões de pessoas em risco imediato. O aquecimento global está afetando todas as regiões da Terra e muitas das mudanças estão se tornando irreversíveis”.2

Dentre as principais atividades humanas que causam o aquecimento global e, consequentemente, as mudanças climáticas destacam-se: a queima de combustíveis fósseis (derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural) para geração de energia, atividades industriais e transportes; conversão do uso do solo e florestas (desmatamentos e queimadas para transformação em pastagens); agropecuária; descarte de resíduos sólidos (lixo). Todas estas atividades emitem grande quantidade de dióxido de carbono (CO2) e de gases formadores do efeito estufa.

Brasil e China têm tido uma parceria de longa data na defesa do direito ao desenvolvimento de seus países, e ocupam posição de liderança junto aos países em desenvolvimento no enfrentamento com os países avançados, na busca de formas mais sustentáveis de combater as mudanças climáticas, sem prejudicar o crescimento de suas economias e o bem-estar de seus cidadãos. Interessa examinar o histórico dessa parceria, e quais são as perspectivas de atuação conjunta na “retomada verde” pós- Covid-19.

  1. Revisitando a participação da China e do Brasil na ordem ambiental internacional das mudanças climáticas

O Brasil e a China são atores fundamentais na ordem ambiental internacional das mudanças climáticas.

No front externo, já atuam conjuntamente no G77 – coletivo criado em 15 de junho de 1964 pela Declaração Conjunta dos Setenta e Sete Países emitida na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês). Com 77 membros fundadores, todos países em desenvolvimento, a organização foi constituída com o intuito de promover os interesses econômicos coletivos de seus membros e criar uma maior capacidade de negociação junto às Nações Unidas. Hoje congrega 135 países que buscam assegurar seus interesses domésticos de crescimento econômico, defendendo a soberania nacional e o direito ao desenvolvimento, respeitando o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”3. Atuam sob a forte influência de dois participantes de peso, a China e a Índia, duas grandes potências emergentes. O G77 tornou-se o maior grupo negociador nas diferentes Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (conhecidas ao longo do tempo como Conferências das Partes – COP).

A China, hoje o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) da economia mundial, e o principal país emissor de gases de efeito estufa, tem grande interesse em permanecer no grupo para usufruir das vantagens decorrentes de sua classificação como país em desenvolvimento ou de desenvolvimento tardio. Sua posição nas negociações sempre foi garantir, internacionalmente, a ausência de metas de redução das suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), como estratégia para proteger seu interesse de desenvolvimento econômico, tido como prioridade doméstica para o governo chinês.

Em 1990 o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), criado em 1988, recomendou a criação de uma convenção que estabelecesse a base para cooperação internacional sobre as questões técnicas e políticas relacionadas ao aquecimento global. Durante o processo negociador da convenção, o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” foi uma das bases para a elaboração do documento e para a estruturação da ordem ambiental internacional das mudanças climáticas. Em 1992, o texto da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) foi finalizado e aberto à assinatura durante a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro, Brasil (a Rio 92). Assinada e ratificada por 175 países, a UNFCC visava estabilizar a emissão de GEE e reconhecia as mudanças climáticas globais como uma questão que requeria o esforço de todos os países a fim de tratá-la de forma efetiva.

Durante muito tempo, desde a Rio 92, e nas dezenove COPs que se seguiram a partir de 1995, a China atuou em defesa de seu posicionamento de forma muito contundente e se tornou um dos protagonistas dos debates sobre mudanças climáticas e seu enfrentamento.

A COP-3, realizada em Quioto, no Japão, em 1999, foi muito importante porque levou à assinatura do Protocolo de Quioto – um dos principais acordos mundiais relacionados à diminuição da emissão de GEE. Participaram cerca de 141 representantes de diversos países, mas o protocolo foi ratificado por apenas 55. Os EUA, à época o maior emissor de GEE, recusou-se a ratificar o Protocolo de Quioto. Para o presidente George W. Bush, as metas estabelecidas pelo protocolo possivelmente prejudicariam a economia do país. Bush questionou, também, o fato de não haver metas para os países em desenvolvimento. O tratado entrou em vigor no dia 16 de fevereiro de 2004, após a ratificação da Rússia.

Ficou estabelecido que os países industrializados deveriam reduzir em 5,2%, suas emissões GEE, especialmente o CO2, baseados nos níveis de emissões registrados em 1990. Para o Japão e a União Europeia, ficaram estabelecidas reduções de 7% a 8%, respectivamente, até 2012. Os países em desenvolvimento, como China, Brasil e Índia, não receberam metas e obrigações para reduzir suas emissões. Sendo assim, os esforços seriam por meio de iniciativas "voluntárias" de cada país.

O protocolo propõe algumas ações, especialmente para os países desenvolvidos, para que os objetivos sejam alcançados. São elas:

  • Reforma do setor energético e do setor de transporte;
  • Uso de fontes renováveis de energia;
  • Redução das emissões de metano;
  • Combate ao desmatamento;
  • Proteção das florestas;
  • Promoção de formas sustentáveis de agricultura;
  • Cooperação entre os países em relação ao compartilhamento de informações sobre novas tecnologias.

A partir do Protocolo de Quioto, criou-se o que ficou conhecido como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), uma flexibilização dentro do protocolo que prevê as reduções certificadas de emissões. Ou seja, os países passam a ter alternativas para atingir as metas de redução de emissões por negociação no mercado de créditos de carbono. O Crédito de Carbono é adquirido por países que alcançam metas de redução, obtendo então o direito de comercializá-lo com os demais países que ainda não cumpriram suas metas. O Crédito de Carbono é gerado a cada tonelada de carbono não liberado à atmosfera. Países que ultrapassem as emissões e não alcancem as metas podem estabelecer projetos que proporcionem benefícios reais e a longo prazo no que se refere a redução das emissões em países em desenvolvimento. Assim, esses países, apesar de não terem atingido suas metas, acabam conseguindo reduzir a emissão de gases atuando de forma sustentável em outros países. Essa redução é, então, convertida em Créditos de Carbono.

Dez anos depois, na COP-15, realizada em Copenhague, Dinamarca, entre os dias 7 e 18 de dezembro de 2009, não foram firmadas novas metas de emissão para após o ano de 2012 porque não houve acordo. O Brasil despontou como mais uma liderança em relação aos países em desenvolvimento. O presidente Luiz Inácio da Silva foi o intermediador das divergências entre os Estados Unidos (sob a Presidência de Barack Obama) e a China (sob a presidência de Hu Jintao). Foi nessa COP que surgiu o bloco Basic (composto pelo Brasil, África do Sul, Índia e China) para atuação conjunta a partir dessa COP e com o propósito de ser uma ponte entre os países desenvolvidos e o G77.

Em 2013 realizou-se, em Varsóvia, na Polônia, a COP-19. Acordou-se que as metas de emissão seriam baseadas em contribuições nacionalmente determinadas (NDC), apresentadas pelas partes de forma voluntária.

A partir de 2014, na COP-20 realizada em Lima, Peru, houve mudança de posição com a aceitação do estabelecimento de metas quantitativas generalizadas embora mantendo o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” e das NDC para redução das emissões. Mais uma vez a China saía vitoriosa e adiava um compromisso mais rígido. Com uma matriz energética que tem a participação em torno de 70%, de carvão, o mais poluidor entre os combustíveis fósseis, e com o PIB crescendo a mais de 7% ao ano, ficava difícil para a China assumir metas vigorosas.

Mas foi a COP-21 de 2015, realizada em Paris, França, entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, com a participação de chefes de Estado (ou representantes) de 197 países que representou, de fato, uma mudança de rumo em relação às anteriores. Foi firmado um acordo (conhecido como Acordo de Paris) entre as nações, no qual elas se comprometeram a implementar mudanças, a partir de metas quantitativas nacionais, para a redução das emissões de GEE até 2025 ou 2030, com revisões a cada cinco anos. Muitos especialistas, e até mesmo os próprios governos de alguns países, não acreditavam na eficiência do Protocolo de Quioto, visto que ele previa metas apenas para os países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento defendiam que o Acordo de Paris devia seguir, também, o princípio da “responsabilidade comum, mas diferenciada” que implica contribuir de acordo com as capacidades de cada um. Aos países desenvolvidos, historicamente responsáveis pelas emissões de GEE e pelas mudanças climáticas delas decorrentes, cabia assumir a liderança na redução substancial das emissões e fornecer apoio financeiro e técnico aos países em desenvolvimento.

O Acordo de Paris, 16 anos depois do Protocolo de Quioto, trouxe uma proposta diferente, impondo metas quantitativas para todas as nações com um rigor muito maior que o imposto pelo antigo Protocolo. Representou um avanço dos esforços globais de implementação da convenção e de manutenção do regime internacional climático. Dois objetivos foram acordados: limitar o aquecimento máximo do planeta a uma temperatura média abaixo de 2°C até o ano 2100, envidando esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5°C; aumentar a habilidade do planeta em se adaptar aos efeitos adversos das mudanças do clima que não puderem ser evitados. O documento, contudo, é vago no que se refere à definição de como e com que recursos tais objetivos seriam alcançados. O acordo entraria em vigor a partir de 2020 desde que houvesse a ratificação de ao menos 55 países responsáveis por pelo menos 55% das emissões de GEE, mesma regra do Protocolo de Quioto.

Assim, o novo acordo inova em relação ao protocolo firmado em Quioto, na medida em que os compromissos de redução de emissão de GEE são estabelecidos pelos próprios países partes, baseados nas NDC, de forma voluntária, conforme acordado em Varsóvia, durante a COP-19, em 2014. Outro ponto importante é que os países desenvolvidos se comprometeram em garantir o financiamento de US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para assegurar a implementação e continuidade de ações de mitigação; assistência técnica e transferência de tecnologias.

Os Estados Unidos ratificaram o Acordo de Paris. Contudo, na gestão do presidente negacionista Donald Trump, o país decidiu deixá-lo por não acreditar que as emissões estejam diretamente ligadas a questões como aquecimento global. Para Trump as leis ambientais prejudicam o crescimento econômico e são responsáveis pela perda de empregos nos EUA. No governo de Joe Biden, que se iniciou em 2021, os EUA voltaram a se integrar ao acordo.

Como participante da COP-21 e do Acordo de Paris, o Brasil assumiu compromissos para reduzir a emissão de GEE. Entre esses compromissos está a redução em 37% nas emissões até 2025, ampliando a redução para 43% até o ano de 2030, tomando como base as emissões de 2005. A neutralidade de carbono4 seria alcançada em 2060. O Brasil é defensor da adoção de mecanismos de remuneração para os serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, de modo a reconhecer a natureza econômica das atividades de conservação. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, as emissões no Brasil, entre os anos de 2016 e 2017, pós-Acordo de Paris, se reduziram em 2,6 bilhões de toneladas, e isso só foi possível devido às áreas de conservação que preservam as florestas.

Entre as principais metas estabelecidas pelo governo brasileiro para se adequar às exigências de um desenvolvimento sustentável figuram:

  • Ampliar o uso de fontes alternativas de energia;
  • Aumentar a participação de bioenergias renováveis na matriz energética brasileira para 18% até 2030;
  • Utilizar tecnologias limpas nas indústrias;
  • Melhorar a infraestrutura dos transportes;
  • Eletrificação do Setor de Transporte;
  • Agricultura de baixo carbono;
  • Diminuir o desmatamento;
  • Restaurar e reflorestar até 12 milhões de hectares.

No período recente, na gestão do presidente Jair Bolsonaro, a partir de 2019, essas preocupações têm sido relaxadas na mesma direção do que defendia Donald Trump, principal aliado internacional do presidente. O desmatamento avançou, mas, felizmente, somos vanguarda na agricultura sustentável e na manutenção de uma matriz energética relativamente limpa. Recentemente, em abril de 2021, em discurso na Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada pelo presidente americano, Joe Biden,  marcando a volta dos EUA ao Acordo de Paris, o presidente Jair Bolsonaro manifestou sua intenção de que o Brasil alcance a neutralidade de carbono já em 2050, antecipando em dez anos o compromisso assumido no Acordo de Paris e acabar como o desmatamento ilegal até 2030. Contudo, a comunidade internacional vê com ceticismo promessas de um governo considerado descomprometido com a questão ambiental.

A China, no Acordo de Paris, insistiu no seu argumento de que ainda tem de recuperar o tempo perdido em relação ao Ocidente, em termos de industrialização e melhoria das condições de vida da sua população e, por esse motivo, não poderiam reduzir drasticamente as emissões. Mas, domesticamente, sabe-se que a China vem tomando uma série de medidas para crescer sem incorrer nos mesmos erros dos países desenvolvidos. No período recente, sua matriz enérgica tem progredido no que se refere à substituição do carvão, componente que representava mais de 70% da sua matriz, por fontes renováveis de energia tais como energia solar e eólica. O carvão ainda é a principal fonte de energia da China, embora sua participação na matriz energética do país vem caindo. Saiu de 70,2%, em 2003, para 57,7%, em 2019.

A COP- 21 expôs a fragilidade do G77 explicitando suas diferenças internas. A ascensão da China a uma superpotência global, agora liderando o ranking global de emissões de gases poluentes, coloca em xeque sua liderança frente aos países em desenvolvimento no que se refere ao princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Cada vez mais a China é cobrada pela comunidade internacional a assumir metas mais rígidas no enfrentamento das mudanças climáticas, na medida em que avança como um país emergente, sendo sua economia a que mais cresce no mundo. A Índia segue um caminho parecido, se distanciando dos países do G77. A própria criação do Basic, mesmo com a pretensão de ser uma ponte entre os países desenvolvidos e o G77, já sugere uma cisão.

Na COP-21, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o presidente da China, Xi Jinping, se comprometeram a trabalhar juntos para impulsionar um acordo para combater as mudanças climáticas. Esses esforços jamais se concretizaram com a eleição de Donald Trump em 2016.

Nas COPs seguintes, da 22ª à 25ª, os representantes dos países se dedicaram à regulamentação para implementação do Acordo de Paris.

A COP-26 que será em Glasgow, Escócia, de 1 e 12 de novembro de 2021, tratará das metas acordadas no Acordo de Paris de 2015. As contribuições domesticamente determinadas (NDC) de cada um dos 196 países signatários do acordo serão apresentadas e revistas.

Há grande expectativa com relação a essa COP haja vista a situação preocupante de recentes acontecimentos climáticos e meteorológicos extremos – calor excessivo, incêndios, inundações, secas, ciclones, tsunamis, furacões, derretimento de geleiras, elevação do nível do mar etc., retratados no último relatório do IPCC de agosto de 2021.

Pela primeira vez os Estados Unidos vêm se manifestando de forma mais contundente e, aparentemente, defenderão políticas mais severas de descarbonização. "O mundo deve se unir antes que a capacidade de limitar o aquecimento global a 1,5ºC esteja fora de alcance", disse John Kerry, secretário especial dos EUA e principal responsável internacional de Biden pela agenda do clima, em resposta ao relatório do IPCC.  "O que o mundo exige agora é ação real. Podemos chegar à economia de baixo carbono que precisamos urgentemente, mas o tempo não está do nosso lado". Glasgow "deve ser um ponto de mudança nesta crise", em que todas as grandes economias irão se comprometer com uma ação "agressiva" sobre o clima durante a próxima década. (Em “Alto escalão do governo Biden reage à relatório do IPCC: ‘É o alerta final’”).

Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU em 22 de setembro de 2020, o presidente da China, Xi Jinping, anunciou que o país vai aumentar a escala de sua NDC para combater as mudanças climáticas. A China planeja adotar políticas e medidas mais vigorosas para atingir o pico das emissões de CO2 antes de 2030 e a neutralidade em carbono antes de 2060, conforme anunciado no Acordo de Paris.

De acordo com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, “a China está trabalhando para alcançar metas ambiciosas. No próximo quinquênio, para cada unidade do PIB, o consumo de energia cairá 13,5%, e a emissão de dióxido de carbono terá um decréscimo de 18%, enquanto a taxa de cobertura florestal aumentará para 24,1%. O país busca atingir o pico das emissões de CO2 antes de 2030, quando a emissão por unidade do PIB diminuirá em, pelo menos, 65% sobre 2005, e os combustíveis não fósseis responderão por cerca de 25% do consumo de energia primária. Além disso, o estoque florestal deve aumentar em 6 bilhões de metros cúbicos em relação a 2005. Para tanto, a China vai acelerar a otimização da estrutura industrial e da matriz energética, conforme os conceitos verde e de baixo carbono, promovendo uma inovação na tecnologia, nas atividades econômicas e nos modelos de negócios. Com isso, espera-se formar um novo paradigma de modernização em que o homem se desenvolva em harmonia com a natureza”5. Essas iniciativas estão expressas no 14º Plano Quinquenal da China para o período 2021-2025.

A posição do Brasil, nesse momento, resume-se à redução em 37% nas emissões de GEE até 2025 e ampliação da redução para 43% até o ano de 2030, tomando como base o ano de 2005, como inicialmente proposto no Acordo de Paris. Houve uma sinalização, recentemente, da disposição do país de atingir a neutralidade de carbono até 2050. O alinhamento do presidente Jair Bolsonaro com Donald Trump de certa forma atrasou as iniciativas que estavam em andamento em governos anteriores. Mas governos, sabemos que passam.

São inúmeros os benefícios que Brasil e China podem desfrutar se partilharem algumas estratégias na caminhada em direção da “retomada verde”, priorizando e incentivando iniciativas conjuntas na busca pelo desenvolvimento sustentável.

  1. Brasil e China na nova ordem econômica mundial – oportunidades de uma agenda conjunta

O Brasil é o maior país da América Latina e o maior produtor de alimentos e de commodities estratégicas para os projetos de crescimento e segurança alimentar do gigante asiático, destacando-se, no presente, soja, minério de ferro, petróleo, celulose e carnes bovina. O Brasil é, também, um mercado consumidor para as mercadorias produzidas pela China.

A China é o país que mais cresce no mundo alavancando o crescimento de inúmeras economias, inclusive a do Brasil.

A parceria estratégica entre Brasil e China

A parceria estratégica do Brasil com a China já dura mais de 50 anos. No início dos anos 1970, houve tentativa de aproximação comercial bastante tímida com a venda de açúcar brasileiro aos chineses. Certamente coube ao ministro Pratini de Morais convencer o governo militar de que a venda de açúcar não tinha caráter “ideológico”. Era uma necessidade para um país em crescimento estabelecer relações de comércio de maneira mais pragmática.

Com o fim da Guerra Fria em dezembro de 1991, mudanças políticas e econômicas se seguiram e o Brasil redimensionou sua estratégia de inserção internacional, passando a priorizar um relacionamento mais intenso com a região da Ásia-Pacífico, vislumbrando potenciais possibilidades de complementaridades e parcerias. O sucesso dos modelos de desenvolvimento científicos e tecnológicos de inúmeros países asiáticos – China e os velhos e novos “tigres asiáticos” – além do tradicional parceiro, o Japão, chamavam a atenção dos nossos governantes. Em 1993, no governo Itamar Franco, a Ásia foi definida como uma das prioridades da diplomacia brasileira em função de seu potencial cooperativo nos campos científico e tecnológico, mas, também, enquanto mercado para comércio bilateral, exportações e importações. Por outro lado, já havia a percepção de que politicamente, associar-se a esses países em desenvolvimento atendia aos objetivos brasileiros de relacionamentos bilaterais e de associação para a defesa e fortalecimento de posições similares nos fóruns multilaterais – G20; no âmbito das Nações Unidas, Convenção  Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC); na Organização Mundial do Comércio (OMC) etc. – de forma a garantir as diretrizes brasileiras e a diversificação de parcerias para assegurar nossa inserção autônoma na ordem econômica mundial.

Os presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995), Lula (2003), Dilma Rousseff (2011) definiram a Ásia como prioridade de suas políticas externas com atenção redobrada para o que vinha acontecendo na China e mais tarde na Índia. Ou seja, a partir dos anos 1990, há um aprofundamento do relacionamento brasileiro com a Ásia com notórias diferenças em relação aos períodos anteriores. O Japão perde sua posição como o mais importante parceiro no campo comercial e em investimentos entre os países asiáticos ao tempo em que as relações com a China, Coréia do Sul e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês) são, significativamente, ampliadas e sobrevivem às turbulências das crises asiáticas, e do próprio Brasil, do final do século passado. O governo de Michel Temer (2016) não altera a política externa brasileira e o de Jair Bolsonaro (2019), embora não fazendo qualquer mudança de fato, muda o tom do discurso mostrando um alinhamento ostensivo ao governo dos EUA de Donald Trump, ancorado basicamente em razões de cunho ideológico.

No Século 21, em 2006, surge o bloco Bric (coletivo formado por Brasil, Rússia, Índia e China) que em 2010, com a incorporação da África do Sul, se torna Brics; e o Basic (grupo composto pelo Brasil, África do Sul, Índia e China) que surgiu em 2009, para atuação conjunta na 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15).  As iniciativas Brics e Basic vão ao encontro do alargamento de frentes para ações coletivas e se fortalecem ao longo da década de 2010.

Para Amorim, Santos e Esteves (2016) o grupo Basic, do qual Brasil e China fazem parte, deveria  fortalecer o alinhamento e atuação conjunta nas negociações do regime de mudanças climáticas, por meio de: harmonização das práticas de cooperação Sul-Sul sobre financiamento climático atuando em colaboração com o Banco de Desenvolvimento dos Brics; criação de condições para a transferência de tecnologia e a cooperação, em especial no tema adaptação, particularmente nas áreas de: (i) gestão de recursos hídricos; (ii) energias renováveis; (iii) proteção dos ecossistemas, florestas e biodiversidade; e, (iv) saúde; (v) segurança alimentar.6

Tudo se desorganiza, no início de 2020, quando o mundo mergulha na maior crise mundial sistêmica desde 1930, decorrente da crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19.

 O pós-pandemia e os desafios da nova ordem mundial

Edward Fishman, ex-conselheiro do secretário do Departamento de Estado Norte Americano, John Kerry, no governo de Barack Obama, considera que as alterações forçadas pela pandemia da Covid-19 irão levar ao estabelecimento de uma nova ordem mundial nos próximos um a cinco anos, marcando o fim da ordem mundial iniciada após a Segunda Guerra Mundial, sem chance de regresso ao normal dada a dimensão da crise e seus efeitos catastróficos no mundo inteiro. Entende ele que os problemas serão tratados em dois níveis: o nível global, de âmbito mais estrito, que deve focar apenas nos problemas de ação coletiva: alterações climáticas, cibersegurança e pandemias e um outro nível, das “democracias” com afinidades, que deve se ater a problemas mais ambiciosos tais como: desinformação, evasão fiscal e desigualdade. (Em: “Covid-19:Pandemia marca início de uma nova ordem mundial, alerta especialista norte-americano”).
Muitos outros especialistas conjecturam sobre essa conjuntura internacional em transição e destacam sua complexidade, mas convergem em algumas preocupações que apontam para novos desafios. Destacamos os seguintes:

  • Controle da Pandemia

Condição fundamental para restabelecimento seguro dos fluxos de pessoas, mercadorias e serviços, e para impulsionar um novo ciclo de crescimento da economia mundial.

  • Liderança e competição na ordem econômica mundial

Uma espécie de nova Guerra Fria se delineia no século 21 entre os EUA e a nova, porém milenar, potência asiática, a República Popular da China, gerando uma disputa por liderança que empurra países a tomarem posições entre um e o outro e buscarem alianças comprometendo a almejada inserção autônoma e soberana de economias em desenvolvimento na economia mundial. Cresce o temor do “comunismo” (personificado agora pela China) e de posições extremistas de direita que comprometem a sobrevivência de regimes democráticos sólidos e outros em fase de consolidação de suas frágeis democracias (caso do Brasil). No campo da tecnologia, essa disputa pela liderança é notória na tentativa dos Estados Unidos de desestimularem a aquisição da tecnologia 5G – a nova geração de redes de comunicação desenvolvida pela China – por países como o Brasil. A Huawei da China aparentemente está vencendo a corrida. Autoridades dos Estados Unidos frequentemente afirmam que a Huawei é uma extensão do Partido Comunista Chinês (sem muita diferença de atitude entre o que dizia   Trump e o que sugere Biden). Além disso, foram estabelecidas restrições na área do euro para evitar transferências de tecnologias, assim como em Hong Kong. Recentemente, a disputa se dá até mesmo na corrida por suprimento de vacinas que podem livrar o mundo da pandemia da Covid-19.

  • Busca por motores de crescimento para a economia mundial pós-pandemia

Esse confronto reverbera para a economia mundial machucada pela pandemia e sem um projeto coordenado de superação da crise como foi no pós-Segunda Guerra Mundial, com o Plano Marshall, sob a liderança dos EUA, hoje preocupados em salvar a própria pele e barrar a escalada do sucesso econômico chinês. A China desponta em condições vantajosas para desempenhar esse papel já na corrida para se tornar a economia número um no mundo, em termos de PIB, e com a pandemia praticamente sob controle com mais de um bilhão de pessoas vacinadas. Obviamente, isso incomoda muito os Estados Unidos, potência hegemônica desde os primeiros anos da década de 1940.

Conforme destacam Hiratuka e Sarti (2016)7 a influência do crescimento da China sobre a economia mundial já era fato ao longo das últimas décadas do século 20, mas aumentou ao longo das duas primeiras décadas do século 21. Como o maior importador mundial de alimentos e matérias-primas de todas as naturezas aquece a demanda mundial por commodities e eleva seus preços com efeitos dinamizadores sobre economias com excedentes de produção de alimentos e outros produtos agropecuários e ricos em combustíveis e produtos minerais, como é o caso do Brasil.

  • Combate às desigualdades de renda e riqueza

No Século 21 ampliou-se a já dramática concentração de renda e riqueza no mundo. O economista Thomas Piketty, economista francês, alertou para a gravidade do problema, com a publicação de seu livro O Capital no Século XXI em 2013 – a vergonhosa iniquidade de distribuição de riqueza era crescente, tanto no mundo desenvolvido, como no mundo em desenvolvimento.8

No caso do Brasil, a pandemia agravou de forma contundente as desigualdades de renda e de riqueza e aprofundou os desequilíbrios sociais. De acordo com o IBGE, em 2018, antes da pandemia, o grupo dos 10% mais pobres da população brasileira se apropriava de 0.8% da renda enquanto os 10% mais ricos recebiam 43% da renda total. A comparação da renda das famílias revelou que o 1% dos mais ricos e que representam o topo da distribuição recebiam uma renda 38 vezes maior do que os 50% mais pobres da população. No final de 2019, o Brasil havia sido destaque no relatório de desenvolvimento humano divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). De acordo com o estudo, o país era o sétimo mais desigual do mundo, atrás apenas de nações africanas. Ainda em 2019, um estudo do Banco Mundial apontou que o Brasil possuía 51,7 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, 24,7% do total da população sobrevivia com uma renda mensal de R$ 387,07, algo em torno de US$ 77. A concentração de renda sempre foi algo que nos envergonhou e com a pandemia só se aprofundou. De acordo com dados recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em estudo do FGV Social, a pandemia jogou para a linha da pobreza cerca de 17,7 milhões de brasileiros que se somaram a 9,5 milhões previamente existentes, totalizando 27,2 milhões em fevereiro de 2021, o que equivale a 12,8% de uma população de 213,4 milhões de pessoas. Os cálculos mostram o papel devastador da Covid-19 no país que agravou, também, as históricas disparidades regionais.9

A história recente da China surpreende. É a economia que mais cresceu nas últimas três décadas, sendo hoje a segunda maior economia do mundo com possibilidade de ultrapassar os EUA até 2030. É um caso de sucesso fenomenal. Com 1,41 bilhão de habitantes, nos últimos cinco anos, a China logrou erradicar de seu território a pobreza extrema e busca agora melhorar as condições de vida de cerca de um terço da população que ainda permanece pobre. Mudanças no modelo de desenvolvimento com ênfase mais na qualidade e menos na magnitude das taxas de crescimento, fortalecimento do seu mercado interno, redução da dependência tecnológica e compromisso com a agenda ambiental internacional são algumas das dimensões explicitadas no seu 14º Plano Quinquenal para 2021/2025 e que apontam para uma guinada na forma como a China atuará nos próximos anos.

  • Aquecimento do planeta e necessidade de adoção de modelos sustentáveis de desenvolvimento

A publicação do relatório do IPCC (Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas da ONU), em agosto de 2021, ressalta a relação direta do aumento do aquecimento global com eventos climáticos extremos como: ondas de calor, de secas, inundações, incêndios, furacões, derretimento de geleiras, elevações no nível do mar etc. Parece estar claro que ou agimos agora ou os impactos da crise climática serão dramáticos e afetarão a vida de todos nós habitantes do planeta Terra. Qualquer nova ordem mundial contemplará um modelo de desenvolvimento voltado para diminuição da emissão dos gases de efeito estufa. As soluções são conhecidas: i) urge reduzir utilização de combustíveis fósseis, ii) investir em energia limpa, iii) produzir de forma sustentável, iii) combater desmatamentos e recuperar as florestas. O Observatório do Clima tem alertado que, sob Bolsonaro, a maior floresta tropical do mundo, a Floresta Amazônica, vem perdendo, em média, algo em torno de 8.800 quilômetros quadrados de área por ano por conta de desmatamentos. É um dado constrangedor para ser levado à Glasgow, Escócia, em final de 2021, por ocasião da Conferência sobra Mudança Climática, COP-26.

Brasil e China: oportunidade de uma agenda conjunta

Nesse contexto de desafios do cenário político, econômico, social e ambiental, as oportunidades que se abrem para o Brasil em suas relações com a China são muito amplas se soubermos explorá-las com o mesmo pragmatismo com que agem os chineses. Os objetivos são os mesmos: buscar crescimento econômico sustentável, com ganhos de produtividade e inclusão social. A reconhecida existência de complementaridades entre as duas economias pode favorecê-las a alcançarem tais objetivos se atuarem conjuntamente.

Do lado chinês, suas iniciativas econômicas, além de suas fronteiras, ganham musculatura no século 21 por motivos diversos: busca de novos mercados, diversificação de parceiros comerciais e alianças, acesso a tecnologias mais modernas, aquisição de matérias-primas e de insumos, segurança alimentar, diversificação e ampliação de investimentos em infraestrutura (Belt and Road Initiative) e realização de bons negócios são apenas alguns. O Brasil apresenta-se como parceiro muito interessante.

Do lado do Brasil, no passado, os fluxos internacionais de comércio e investimentos só se estruturavam em torno do eixo Norte-Sul. No presente, fica evidente que as relações Sul-Sul são atraentes e despontam como profícuas. Os EUA ocupam o segundo lugar em fluxos de comércio com o Brasil, mas a queda de nosso comércio com a Europa é notória e com o próprio Mercosul há um encolhimento.  O mercado chinês para os produtos do agronegócio brasileiro é cada vez mais importante e há oportunidades para expansão não apenas incorporando novos produtos como agregando valor aos produtos da atual pauta de exportações.

A China vem se tornando um parceiro estratégico para alavancar o crescimento recente de inúmeros países da América Latina e, de forma cada vez mais importante, do Brasil. O fluxo de comércio entre Brasil e China tem apresentado excepcional crescimento, passando de US$ 3,2 bilhões em 2001, para US$ 56,3 bilhões em 2010 e US$ 102,5 bilhões em 2020, com expectativa de atingir mais de US$ 120,0 bilhões em 2021. As trocas continuam crescendo a despeito da recessão que se abateu sobre o mundo em decorrência da pandemia da Covid-19. A China, a partir de 2009, tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil no mundo e o principal destino das nossas exportações. Hoje em torno de um terço das exportações totais do Brasil vão para a China. As exportações de commodities foram importante fator dinamizador do PIB brasileiro ao longo de boa parte dos anos 2020 e no primeiro semestre de 2021.10

Por outro lado, o Brasil é o principal destino dos fluxos de investimentos estrangeiros diretos (IED) da China na América Latina. Entre 2007 e 2018 a China investiu cerca de US$ 58 bilhões no Brasil, em setores diversos, passando por matérias-primas, máquinas e equipamentos, energia, infraestrutura, serviços financeiros, mobilidade urbana e meios de pagamentos digitais, entre outros. Tal que desde 2010, a China se tornou nossa maior fonte de IED.

Para além de fluxos de comércio e IED temos com a China parcerias diversas, desde cooperação no lançamento de satélites (cooperação que completou 31 anos) a posições conjuntas em fóruns multilaterais internacionais.

Há, sem dúvidas, uma agenda complementar entre os dois países, que passa pelas relações comerciais – ainda concentradas em commodities de pouco valor agregado –, pelos nossos mercados consumidores e pelo potencial de dinamizar setores de infraestrutura e logística. Inúmeras possibilidades se abrem para parcerias sino-brasileiras em alta tecnologia, siderurgia, eletroeletrônicos, complexo agrícola, complexo mineral, biocombustíveis, geração e transmissão de energia elétrica, transportes (trens de alta velocidade), tecnologia 5G e, agora, mais do que nunca, na produção de matérias-primas farmacêuticas e vacinas – eles têm os insumos e nós somos candidatos a produtores de ponta.

O diálogo no campo da sustentabilidade, cada vez mais importante na transição para uma economia de baixo carbono, pode criar oportunidades para investimentos em projetos em todas essas áreas. De fato, essas frentes são pilares destacados no 14º Plano Quinquenal da China aprovado para o período 2021/2025 pelo PCC. São cruciais para o Brasil também.

O desenvolvimento socioeconômico, ambiental e tecnológico conjunto clama por políticas de formação e capacitação profissional de forma que a cooperação entre Brasil e China, nesse âmbito, pode ser ampliada, adquirindo status de política estratégica.

  1. Considerações Finais

Embora ainda não possamos falar de um período de pós-pandemia para o Brasil, com cerca de 581 mil mortos e média de mais de mil mortes diárias por Covid-19, e na emergência de novas variantes cada vez mais agressivas, já é possível vislumbrar que uma nova ordem para a economia mundial está sendo gestada e a inserção do Brasil dependerá das alianças feitas e da forma como respondermos aos novos desafios – pandemia, desenvolvimento inclusivo e sustentável, alianças e parcerias.

A China desfruta de uma situação bem mais confortável. A pandemia afetou, também, as iniciativas chinesas em curso no início da segunda década do século 21, mas a China construiu sua rápida recuperação e controle da pandemia. Após o PIB despencar 6,8% no primeiro trimestre de 2020, voltou a crescer com certo vigor já a partir do segundo trimestre, registrando um aumento de 2,3% do PIB no ano, mesmo num contexto externo adverso. A China foi o único país dentre as grandes economias do mundo a registrar crescimento no primeiro ano da pandemia e conseguiu praticamente erradicar a Covid-19. A previsão de crescimento para 2021 está em torno de 8%.

China e Brasil são grandes parceiros comerciais e suas economias apresentam inequívocas complementaridades. Sempre fomos parceiros de longa data em múltiplos fóruns internacionais. O 14º Plano Quinquenal para 2021-2025 da China aponta para várias convergências com as necessidades de crescimento do Brasil. Temos muito a lucrar se nos aliarmos a ela desde que saibamos transformar o modelo primário-exportador, que se descortina nas nossas relações com a China, em fator dinâmico para a economia brasileira. Tarefa não muito fácil, mas possível dentro da agenda de recuperação pós-pandêmica verde que se abre.

Para todas as economias, uma condição sine qua non para participar como quer que seja nessa nova ordem, como protagonista ou coadjuvante, requer voltar a crescer de forma sustentável e inclusiva, definindo novos modelos de desenvolvimento sustentáveis e parceiros. A diplomacia será fundamental. O pragmatismo também.

Os comentários do secretário-geral da ONU, António Guterres, na reunião virtual da pré-Conferência das Partes sobre Biodiversidade, realizada em 30 de agosto de 2021 vão nessa direção:

Acima de tudo, precisamos de compromisso, ambição e credibilidade. A ciência nos deu as ferramentas. A diplomacia pode nos dar sabedoria para usá-los? Precisamos de uma Estrutura de Biodiversidade Global pós-2020 que inspire ações em todo o mundo por todos – governos, empresas e cidadãos. Precisamos que todos ajam com o entendimento de que proteger a natureza criará um mundo mais justo, saudável e sustentável.11

Maria Luiza Falcão Silva é PhD, pela Heriot-Watt University, Escócia. Integra o  Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do NEASIA/UnB