Sociedade

A hora de transformar as bases da desigualdade é agora! Defender um programa de esquerda, com igualdade racial e de gênero é nossa tarefa agora

Fernando Frazão/ABr

No primeiro debate entre candidatas/os presidenciáveis na campanha eleitoral de 2022, esteve na ordem do dia o lugar das mulheres nos projetos políticos para o Brasil. Os temas da violência sexista e da sub-representação política desconcertaram os candidatos presentes e projetaram as candidatas mulheres, especialmente a assertiva Simone Tebet, que tem atuado para se gabaritar como candidata viável da terceira via.

A recorrência das questões sobre as mulheres escancarou mais uma vez o machismo e misoginia de Bolsonaro, demonstrando que esse sujeito criminoso é inimigo direto e frontal de um projeto igualitário para o Brasil. Ao mesmo tempo, a ausência de candidatas/os negros/as no debate foi suficiente para provocar o silêncio sobre o racismo, este que é um problema central vivido pela maioria da população.

Simone Tebet e Soraia Thronicke são representantes da burguesia brasileira. Ambas vieram de lugares privilegiados, se projetaram na política a partir dos circuitos de poder das classes dominantes, em uma região do país dominada pelos ruralistas.

Se conseguem furar a bolha da política machista e contribuir para uma ideia de que lugar de mulher é na política, o fazem desde sua condição de classe, pois conseguem oferecer alguma concessão à política da identidade, ao mesmo tempo que defendem os interesses chaves da burguesia brasileira.

Como pontuado pelo ex-presidente Lula, certamente os interesses de Soraia divergem dos interesses das mulheres que trabalham como empregadas domésticas no Brasil. A partir dessas clivagens de raça e classe, como podemos pensar o lugar das mulheres negras e brancas no projeto político de esquerda para o Brasil?

Durante o governo Reagan nos Estados Unidos, que uniu conservadorismo e neoliberalismo, Angela Davis proferiu a conferência “Enfrentando nosso adversário comum: as mulheres e a luta contra o racismo”. Nela, Davis argumentou que se construímos uma teoria abstrata da opressão das mulheres, cairíamos em condições especificas das mulheres de classe média. A lutadora discorre sobre uma pirâmide em que o topo é ocupado pelas mulheres da burguesia, seguida das classes médias e por baixo as mulheres negras e de minorias étnicas da classe trabalhadora. Se uma vitória atinge o topo, não necessariamente muda a base. “Mas, ao contrário, se aquelas no ponto mais baixo da pirâmide conquistam avanços para si mesmas, é praticamente inevitável que seu progresso empurre o conjunto para cima. O avanço das mulheres de minoria étnicas quase sempre dá início a mudanças progressistas para todas as mulheres” (Davis, 2017, p.36).

Nesse sentido, resgatar a capacidade do Estado de redistribuir as riquezas, a partir de políticas universais de saúde, educação, aliadas com programa de renda básica de cidadania é fundamental para transformar as bases da desigualdade. Um estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da FEA-USP, utilizando dados da Pnad-Covid, demonstra que, com o auxílio emergencial, a renda das famílias chefiadas por mulheres negras tornou-se mais próxima à renda de todos os outros grupos, mesmo quando comparado ao período pré-pandemia. Além disso, políticas específicas que promovam a autonomia das mulheres negras e brancas, nas suas especificidades, são fundamentais para nosso projeto.

Por fim, é necessário uma reflexão sobre o lugar das mulheres brancas de esquerda. Precisamos abandonar as teorias abstratas, tal como argumentou Davis. Ao nos movimentar para uma ordem centralmente antirracista, nos deparamos com privilégios e contradições. Somos impelidas pelo neoliberalismo a reivindicar mudanças no patriarcado sem transformar os pactos da branquitude. Precisamos reconhecer os lugares sociais privilegiados que nos são ofertados e os lugares sociais que podemos construir para refutar os pactos de raça e classe.

A hora de transformar as bases da desigualdade é agora! Defender um programa de esquerda, com igualdade racial e de gênero é nossa tarefa nessa campanha eleitoral.

Clarisse Paradis é professora da Unilab, Campus dos Malês, militante da Marcha Mundial das Mulheres e do Partido dos Trabalhadores

Referência Bibliográfica

DAVIS, Angela. Mulheres, cultura e política. São Paulo: Boitempo, 2