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As camisas amarelas-verdes, sequestradas por variados movimentos antidemocráticos, em especial por seu time bolsonaro-fascista, causam recordações amargas

Imagem da bandeira com a frase "É pra Copa" viraliza na internet. Foto: Twitter

Estou na Covilhã em Portugal. Como na residência dos docentes da Universidade Beira Interior não tem um aparelho chamado televisão, vou a um bar-restaurante para assistir os jogos de estreia de Portugal e do Brasil com possíveis patrícios e com brasileiros, que invadem as terras e universidades lusas.

Na vitória de Portugal sobre Gana, vivi o drama de torcer pelos colonizadores ou pelas vítimas do terrível processo de colonização escravocrata. Neto de três avós portugueses e com cidadania luso-europeia pareceria razoável estar com os lusitanos. Mas em circunstância alguma dá para esquecer o horror da escravidão e da colonização. Confesso que a performance da geração atual de jogadores da seleção portuguesa em contraste com seu inibidor-conservador técnico em termos futebolísticos deve povoar, em paradoxo, as ambiguidades experimentas pela torcida escolhida.

Nada comparável aos dilemas de torcer hoje pela seleção canarinho no seu jogo inaugural da copa contra a Sérvia e nos demais nos próximos novembro e, quiçá, dezembro.

As camisas amarelas-verdes, sequestradas pelos variados movimentos antidemocráticos, em especial por seu time bolsonaro-fascista, causam atitudes e recordações amargas, deploráveis e profundamente tristes. Eles associaram visual e simbolicamente a camisa canarinho, de paixões e vitórias compartilhadas, ao pesadelo da barbárie político-social-ambiental-cultural vivida pela população brasileira nos últimos anos: do golpe aos dias de poder da extrema-direita.

Aliás, amarelos também foram chamados aqueles que historicamente nos movimentos de trabalhadores traíram sua classe social.

O dilema não é nada simples. A reunificação dos brasileiros, divididos pelo ódio fabricado pelos dominantes e seus aparelhos ideológicos, não pode ser superado em passe de mágica, em algum passe ou gol geniais, como o acrobático tento de Richarlison contra a Sérvia.

O esquecimento puro e simples, muitas vezes mal receitado em nossa história, não parece ser um bom remédio para cicatrizar feridas, que dilaceram. Passar panos, quentes ou frios, em comportamentos antidemocráticos não ajuda em nada a democracia. Antes, estimula os agressores e todos que pretendem destruir o que ainda sobra de democracia no país a agravar o avassalador retrocesso democrático vivido no Brasil.

Não se deve e não se pode reduzir futebol à política. Também não se deve, nem se pode olvidar suas conexões. Bem mais difícil que superar as dissonâncias amarelas do ato de torcer através dos dribles e dos gols de nossa seleção será recuperar a capacidade de convivência civilizada e respeitosa com à alteridade, pluralidade e diversidade dos brasileiros.

O futebol na sua magia nacional talvez nos dê pelo menos alguns instantes de sonho feliz do reencontro necessário entre os brasileiros.

Antonio Albino Canelas Rubim é pesquisador e professor da UFBA