Economia

A ideia central deste artigo é que aumentando os ganhos da base do funcionalismo e reduzindo os do topo é possível reduzir a desigualdade no serviço público e com isso no próprio país.

O serviço público pode ser um grande instrumento para reduzir as desigualdades no Brasil. As ferramentas para isso são o aumento da remuneração inicial de categorias prioritárias do funcionalismo e a limitação dos ganhos de grupos de servidores que recebem valores elevados. O objetivo deste texto é explicar o que se pretende, a importância destes objetivos e demonstrar se pode implementar estas duas estratégias de gestão.

Aumentar a Classe Média Através do Serviço Público

Não existe país desenvolvido sem a maioria das pessoas na classe média. É isso que assegura às poucas nações desenvolvidas do mundo uma maior estabilidade econômica, consumo dos mais variados tipos de bens e serviços e uma capacidade melhor de resolver desigualdades. Isto porque se a maioria das pessoas tem o mínimo para viver e os excluídos são a minoria, é mais fácil o governo produzir políticas públicas efetivas contra as desigualdades.

De acordo com a estudo da Consultoria Tendências publicado na Invest New$, em 2023 o Brasil apresenta a seguinte distribuição de renda por domicílios:

 

Classe

Percentual da População

Renda Mensal Domiciliar

A

2,9%

Acima de R$ 23,8 mil

B

14,2%

De R$ 7,6 mil a R$ 23,8 mil

C

30,3%

De R$ 3,2 mil a R$ 7,6 mil

D/E

52,5%

Até R$ 3,2 mil


O Brasil tem hoje 52,5% dos brasileiros ganhando menos do que R$ 3.200 por domicílio por mês. São famílias inteiras ganhando menos do que o necessário para comer, morar, cuidar da educação, saúde e segurança sem apoio do Estado. Há 30,3% da população com renda domiciliar de R$ 3.200 a R$ 7.600, chamada classe C, com relativa independência, mas parcialmente dependente de serviços públicos para serviços como saúde e educação. Portanto, 82,8%, cerca de 168 milhões de brasileiros, dependem em maior ou menor grau do Estado para ter o básico na vida.

A classe B, a primeira realmente independente de serviços do estado, reúne 14,2% da população, algo como 28 milhões de pessoas. Essa chamada classe média alta é em sua maioria de empregados, servidores públicos ou microempresários, com capacidade de vida independente do Estado, porém, sem ganhar o suficiente para serem grandes líderes empresariais ou políticos. Este grupo tem bastante importância econômica, por ser bastante numeroso e capaz de consumir bens e serviços com maior valor, que sustentam cadeias de produção que pagam melhores salários, gerando maior crescimento da economia.

Há por fim 2,9% de brasileiros, algo como 6 milhões de pessoas da classe A, famílias de ricos, que ganham acima de R$ 23.800 por mês, sobre parte dos quais falaremos em breve.

Já foi pior, mas a mobilidade social é extremamente reduzida. O serviço público pode ser uma importante ferramenta para reduzir as desigualdades. De acordo com recente levantamento do Centro de Liderança Pública, com base em levantamento do Atlas do Estado Brasileiro, existem hoje cerca de 11 milhões de servidores, sendo 6,5 milhões em municípios. Em termos de categorias profissionais, são principalmente professores, servidores da saúde ou de segurança (guardas municipais e policiais).

Mostraremos que com adequado gerenciamento dos gastos com os servidores, é possível ter a maioria destes nas classes B e C, reduzindo significativamente a desigualdade para toda a população.

Valores de Referência

Existem dois principais números referenciais para analisar a renda dos servidores. O primeiro é o Salário Necessário (SN). O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é uma entidade criada e mantida pelo movimento sindical brasileiro. Ele calcula desde 1993 qual é o salário necessário para atender às necessidades básicas (alimentação, saúde, educação, transporte e lazer) de uma família de quatro pessoas. Em agosto de 2023, enquanto o Salário Mínimo oficial era de R$ 1.320,00, o valor do SN do DIEESE era de R$ 6.528,93. Este é o valor que objetivamos tornar o menor ganho de um servidor público, evidentemente, a médio prazo.

O segundo valor de referência importante é o valor mais alto o teto do funcionalismo público. Existem vários, para o serviço público federal é o de um ministro do STF, para o estadual é o salário do governador e para os municípios, o do prefeito. Estes últimos dois, variam muito conforme o estado e o município, os maiores e mais ricos em regra pagam mais que os menores. Na tabela abaixo os valores atuais destes parâmetros:

Salário Mínimo Oficial Salário Necessário do DIEESE Salário de Prefeito de Floreal – 5.000 habitantes Salário Prefeito de Avaré 150.000 habitantes Salário Prefeito de São Paulo Capital Salário do Governador de São Pauo Salário Ministro STF
R$ 1.320 R$ 6.529 R$ 10.683 R$ 18.000 R$ 35.400 R$ 34.600 R$ 41.651

A mera observação desses valores referenciais já permite ver que as enormes desigualdades nos salários de servidores entre os vários entes federativos e o os mínimos essenciais. Desconsiderando o verdadeiro absurdo dos servidores que ganham acima do teto, é possível ver que temos no serviço público gente que ganha menos do que o suficiente para viver uma vida digna e gente que é rica às custas de dinheiro púbico.

A ideia central deste artigo é que aumentando os ganhos da base do funcionalismo e reduzindo os do topo é possível reduzir a desigualdade no serviço público e com isso no próprio país.

Primeira Estratégia: Aumentando os Ganhos de Entrada

A mais importante ação para reduzir a desigualdade no serviço público é aumentar os ganhos de entrada, os salários iniciais da base dos servidores. O objetivo audacioso para o longo prazo é que todos os servidores ganhem ao menos o salário necessário do DIEESE de R$ 6.529.

Este é um objetivo perfeitamente possível para poucos entes em curto prazo, o governo federal, estados como São Paulo e Distrito Federal, prefeituras como a da capital paulista, do Rio de Janeiro e de algumas poucas cidades do interior paulista e carioca. Se são poucos entes, possuem grande número de servidores e trariam impacto para milhares de pessoas.

Para a maioria dos estados e municípios, em categorias como professores e policiais, em vários casos significaria pular do mínimo de R$ 1.320 para R$ 6.529. Uma valorização desta proporção não é possível em curto prazo para a maioria dos entes federativos e é preciso ter estratégias para fazer isso de forma gradual.

Por outro lado, considerando que os servidores têm estabilidade e que seus salários têm direito a reajuste anual, cada um que atingir este objetivo se torna capaz de sustentar uma família de quatro pessoas, significa colocar todo o grupo familiar na classe média, com impacto direto no desenvolvimento do ente que paga os salários. Ainda assim, é preciso pensar em formas graduais de promover este aumento, que trataremos a seguir.

Categorias Prioritárias

Se não há recursos suficientes para todos, é preciso estabelecer as prioridades. Em nossa visão, há uma ordem natural nas categorias e são justamente as que mais servidores têm. No topo da prioridade estão os professores, pelo principal motivo que é uma carreira com maioria de mulheres, que em geral têm maior fixação às suas casas e famílias do que os homens. Há cerca de 2,5 milhões de professores no Brasil, cerca de 2,2 milhões deles no ensino infantil e fundamental e 300 mil no ensino superior.

Ao pagar o salário necessário do DIEESE para uma professora, o município em regra está garantindo também o sustento de seus filhos e que o salário será prioritariamente gasto na própria cidade que pagou. É ainda investimento tendente a melhorar a educação, pois atrairá profissionais de outros municípios, que em regra pagam salários muito mais baixos.

Uma estratégia interessante é começar com este valor para professores de escolas de período integral e aumentar a carga horária, para que possam ficar o maior tempo possível perto das escolas onde lecionam com maior envolvimento com a comunidade local. Muitos estudos mostram que professores de período integral na mesma escola aumentam a qualidade da educação.

A segunda categoria mais importante são profissionais de segurança (policiais, cerca de 500 mil e guardas municipais, algo como 200 mil profissionais). Um policial que ganhe R$ 6.529 é uma grande exceção, é um salário extremamente atrativo na categoria, para guarda municipal então, talvez nem exista. Ter este salário como o mínimo significa uma grande motivação e permite atrair muitas pessoas com qualificação baixa, é uma ascensão social gigante para um grupo de pessoas que não tem outras oportunidades e cria um abismo entre o policial e os criminosos, pode reduzir significativamente a criminalidade e mesmo a corrupção.

A terceira categoria prioritária são os profissionais de enfermagem, que tem cerca de 1 milhão de pessoas no país. Embora a área seja de importância absoluta e inegável, ela é mais técnica e bem remunerada do que as duas outras, tem em vários locais um piso salarial recentemente implementado que é elevado para os padrões nacionais e trabalha em regimes de plantão, normalmente em várias instituições e locais, o que reduz a chance do salário pago beneficiar o ente pagador. Ainda assim, é um valor atrativo para muitos e pode permitir fixar mais profissionais e atender melhor a população na categoria.

Eleger qual ou quais as categorias prioritárias para o estado, município ou para a União ou ao menos parte dela para aumentar os salários de entrada é a maneira de direcionar recursos às áreas que são prioritárias para o governante, é uma forma de implementação gradual de uma política pública.

Referenciais de Valor de Salários Iniciais

O valor do salário inicial é algo muito importante para atrair pessoas para o serviço público, e alguns referenciais precisam ser considerados.

Salário Mínimo Oficial Salário Necessário DIEESE per capita Piso Salarial Auxiliar de Enfermagem

Piso Salarial Policiais

Estado de São Paulo

Piso Salarial Professores

Estado de São Paulo

Piso Salarial Enfermagem

Salário Necessário do DIEESE

(para família de quatro pessoas)

R$ 1.320 R$ 1.632 R$ 2.375 R$ 4.399 R$ 4.420 R$ 4.750 R$ 6.529

Observe-se que embora pisos salariais das principais categorias sejam consideravelmente melhores do que o salário mínimo, muitos órgãos públicos descumprem estes pisos e eles têm razoável distância para o salário necessário do DIEESE. Há, portanto, um caminho razoável a percorrer.

Formas de Implementação Gradativa

As políticas públicas em geral precisam ser implementadas de forma gradual e a tendência é algo muito importante. O órgão público que deseje usar o salário de servidores para reduzir desigualdade social deve inicialmente escolher parâmetros e ir gradativamente aumentando. Exemplos de parâmetros a superar são o salário mínimo, mínimo do DIEESE per capita, depois a média dos salários da categoria nos municípios mais próximos, o piso da categoria e o salário necessário do DIEESE. É importante que se escolha um parâmetro maior que o salário inicial atual pago à categoria e que o aumento no início da implementação seja alto, pelo menos 15% mais do que o salário atual, para chamar atenção para a mudança.

A segunda forma de aumento gradativo, é fazer aumentos anuais reais para a categoria prioritária escolhida, para gradualmente aumentar seus ganhos. Caso necessário, pode-se criar novos cargos com níveis de salários superiores a cada ano.

Atingido o salário necessário do DIEESE para uma categoria, passar para a próxima, depois para todo o funcionalismo, depois manter o valor em termos reais, com reajustes anuais que mantenham a igualdade com o mínimo necessário do DIEESE. É melhor uma implementação gradual que tenha continuidade do que tentar um aumento insustentável e descontinuar a política.

O Círculo Virtuoso

Um dos resultados de aumentar os ganhos de um servidor público é que parte do salário pago terá incidência de imposto de renda, que é do ente pagador e ameniza parte da despesa.

Porém, o impacto mais importante é que este servidor e sua família vão consumir, em geral na cidade que residem, aumentando a arrecadação dos demais tributos, bem como a renda dos comerciantes e prestadores de serviços. Considerando que a maior parte dos servidores são empregados de prefeituras, quem teve o ônus de pagar o salário terá imediatamente o bônus do aumento do movimento em sua economia. A despesa corrente neste caso, torna-se investimento na atividade econômica.

Outro efeito a considerar é que se o governo paga um salário mais atrativo, os comerciantes e prestadores de serviço privados também terão de aumentar salários dos seus profissionais para se manterem atrativos e a renda na cidade e o consumo crescerão.

É um círculo virtuoso, maiores salários para quem ganha abaixo do SN do DIEESE necessariamente resultam em mais consumo, ninguém que ganha R$ 6.529 vai aplicar dinheiro no mercado financeiro ou tirar do país, simplesmente não é dinheiro suficiente para permitir essa evasão, e vai gerar aumento de consumo e crescimento da economia para o ente pagador.

Segunda Estratégia: Reduzir os Ganhos da Elite dos Servidores

O servidor público é um tipo muito especial de trabalhador, porque é contratado para prover serviços para a população e seus ganhos são custeados por tributos que todos pagam. Por este motivo, pagamentos excessivos a servidores são extremamente danosos, porque transferem riqueza dos mais pobres para eles aumentando a desigualdade e limitam a capacidade do Estado de prover serviços essenciais.

Há uma elite do serviço público que ganha salários muito elevados. A maior parte deles está nos Poderes Legislativo, Judiciário e no Ministério Público, mas existem em menor número nas forças armadas e no Poder Executivo. Para limitar este problema, a Constituição criou tetos para o funcionalismo, sendo os principais resumidos na tabela abaixo:

Salário Prefeito de São Paulo Capital Salário do Governador de São Paulo Salário Ministro STF

R$ 35.400

R$ 34.600

R$ 41.651

Teto para servidores Municipais de São Paulo Teto para servidores estaduais de São Paulo Teto para todo funcionalismo público

Para se ter uma ideia do que significam estes salários, relembremos a já apresentada classificação por renda das classes sociais brasileiras.

Classe

Percentual da População

Renda Mensal Domiciliar

A

2,9%

Acima de R$ 23,8 mil

B

14,2%

De R$ 7,6 mil a R$ 23,8 mil

C

30,3%

De R$ 3,2 mil a R$ 7,6 mil

D/E

52,5%

Até R$ 3,2 mil

A conclusão é que todos os servidores que ganham o teto, em qualquer poder, estão na classe A, são ricos sustentados por dinheiro público. Isso mostra que reduzir a desigualdade através do serviço público passa por limitar os ganhos dessa elite de servidores. Todavia, para a que isso seja possível, serão precisas alterações nas leis, talvez na própria constituição e aplicações de políticas públicas por vários anos.

Mexer com salários de servidores é certeza de enfrentar muitas resistências, porém, o que se conseguir economizar de recursos em servidores do topo vai gerar recursos para pagar melhor os da base, é o caminho para reduzir a desigualdade ao menos no serviço público, a parte do gasto governamental que mais pode ser gerenciada.

O Imposto de Renda Diferenciado

A principal forma de reduzir desigualdades entre servidores está com a maior tributação pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Este tributo é de legislação exclusiva do governo federal, ou seja, apenas a União pode mexer nas suas leis.

No entanto, o IRPF recolhido sobre os salários do servidor pertence ao ente que o emprega. Assim, se aumenta o IRPF sobre o salário de um servidor municipal, o município reduz sua despesa, porque paga menos ao servidor, e aumenta sua receita, porque o IRPF arrecadado volta para a municipalidade.

Há um estudo feito pela Secretaria de Política Econômica feito pelo Ministério da Fazenda que mostra qual a distribuição de rendimentos dos declarantes de imposto de renda no país por salários-mínimos (SM), conforme segue:

0 a 20 SM – 24 MM de declarantes – 92% do total

20 a 40 SM – 1,5 MM de declarantes – 6% do total

40 a 80 SM – 0,5 MM de declarantes – 1% do total

Mais de 80 SM – 0,2 MM declarantes – 0,5% do total

Há vários estudos para revisar o IRPF sendo feitos para a segunda fase da Reforma Tributária. É o momento para introduzir duas novas alíquotas, digamos uma de 30% para quem ganha mais de 20 SM, uma de 32,5% para quem ganha mais de 40 SM e uma de 35% para quem ganha mais de 80 SM.

É muito abaixo ainda dos parâmetros internacionais, todavia, é mais importante introduzir as alíquotas novas do que aumentar demais, o que aumentaria a reação e poderia levar a alegações de confisco de parte excessiva da renda.

Sob o ponto de vista da gestão dos servidores públicos, essa nova tributação além de reduzir a desigualdade, daria recursos para os governos federal, estaduais e municipais, com alteração apenas em leis ordinárias e impactos irrisórios sobre os felizardos que ganham acima disso.

É a única forma possível de reduzir ganhos de servidores do Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público e militares sem leis de origem nestes poderes.

Garantia dos Direitos Adquiridos e Ação de Longo Prazo

Os servidores que ocupam hoje essa elite de servidores obtiveram seus salários legalmente, beneficiados pela constituição, por leis e decisões judiciais, são direitos adquiridos. Essas pessoas controlam os poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público, não há como aprovarem mudanças nas leis que retirem esses direitos. É preciso ação desses servidores para mudar isso e o caminho para conseguir negociar seu apoio é mudar para os futuros servidores, preservando os direitos dos que lá estão hoje.

É preciso criar uma série de novas normas aplicáveis aqueles que forem admitidos em concursos públicos num determinado momento futuro, por exemplo, no ano seguinte, para que as mudanças afetem apenas quem for entrar no serviço público e não quem escolheu a carreira com condições que eram diferentes quando fizeram a opção.

Os elegíveis para o teto e novos subtetos

A lógica de pagar salários elevados para servidores é a de permitir que pessoas qualificadas e com experiência se interessem pelos cargos mais importantes do serviço público e não migrem para a iniciativa privada. É algo que deve ser garantido para um número reduzido de pessoas e pode ser feito pela limitação dos elegíveis ao teto e pela criação de subteto.

Por exemplo, no serviço público federal, de acordo com estudo do Centro de Liderança Política (CPL), existem 25.500 pessoas que em 2020 recebiam acima do teto de R$ 39.293 por mês. Os elegíveis para esse teto deveriam ser estabelecidos por lei. No Poder Executivo Federal, apenas presidente, ministros e diretores máximos de órgãos públicos poderiam receber o teto; no Poder Judiciário, só desembargadores de cortes superiores; no Legislativo, só deputados e senadores. Teríamos, invés de 25.500 pessoas elegíveis ao teto algo como 2.500 pessoas.

Todos os demais cargos deveriam ter um subteto, por exemplo, de 75% do chefe do poder. A dinheiro de hoje, o subteto seria no poder federal R$ 31.238. Continua sendo um salário extremamente atrativo e digno, que manteria as pessoas na classe A e ninguém no Brasil passa necessidade econômica com um valor destes por mês. Por outro lado, o valor economizado em cada cargo permite pagar milhares de servidores da base o mínimo necessário do DIEESE.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado em estados, limitando-se o teto para governador, secretários de estado e diretores máximos de órgãos, e para municípios, restringindo o teto para prefeito, secretários municipais e dirigentes máximos de órgãos.

Em regra, a remuneração dos servidores é estabelecida por lei ordinária, mas ainda que exigisse mudar a constituição federal ou de estados, é uma mudança única com efeito duradouro e se aplicável somente aos futuros servidores, em nada impacta os que a decidirão.

As leis de reajustes

Um outro ponto que o governo precisa rever são as leis de reajustes de salários. Hoje, a legislação e a jurisprudência estabelecem aumentos iguais para pessoas de uma mesma categoria profissional.

Isso é um grande equívoco, são leis ruins. Se uma pessoa que ganha R$ 2.000 não tem reajuste, vai comer menos e de atender necessidades básicas de sua família. Já uma que ganhe o teto de R$ 41.651 se ficar sem aumento por um ou mesmo três anos não vai deixar de ser rica.

É preciso mudar as leis para permitir reajustes progressivos, de forma que os que ganham abaixo do salário necessário do DIEESE ganhem sempre reajuste integral e algum ganho real; os que ganham acima até uma faixa desejada apenas inflação e os que estejam acima do valor limite do órgão recebam menos do que a inflação, para que seu ganho ao longo do tempo se enquadre nos limites.

Renovar as Lideranças do Serviço Público

Ao longo do tempo, cultivou-se a ideia de que os cargos máximos do serviço público devem ser compatíveis com os da iniciativa privada. É um conceito errado, criado para favorecer uma elite cheia de privilégios. O serviço público é para atender a população, não para competir com a iniciativa privada. Deve pagar salários dignos, não enriquecer pessoas com dinheiro público.

Ser servidor público é uma opção e deve ser para quem deseja trabalhar em prol das pessoas. Quem deseja enriquecer e ter altos salários, sempre tem a opção de sair e buscá-los na iniciativa privada, onde serão os donos de empresas que pagarão os salários e não todas as pessoas, inclusive os mais pobres.

É preciso renovar as lideranças, as pessoas que ocupam os principais cargos, para abrir espaço para pessoas interessadas em atender a população. Isso deve ser feito com as limitações de ganhos, para os quais demos várias alternativas acima e criando incentivos para que as pessoas que atingirem o topo do serviço público saiam de boa vontade e mesmo com vantagens.

Em diversos países, as pessoas que atingem idade elevada vão reduzindo sua carga de trabalho antes de se aposentarem e passam a dedicar parte do tempo a prepararem seus sucessores. O mesmo deveria ocorrer no serviço público. As pessoas com mais de 65 anos e salários no teto deveriam trabalhar um dia a menos por semana, as com mais de 69 anos, dois dias a menos, as com mais de 72, três dias a menos por semana.

Isso faria com que ficassem em casa ou viajassem, incentivaria a que consumissem mais dos seus recursos aumentando o consumo e se dedicassem a outras atividades, talvez dar aulas ou abrir empresas, possivelmente antecipando sua aposentadoria para se dedicarem a elas, ou simplesmente aproveitarem sua velhice com os recursos que receberam ao longo da vida.

Pode aparentar um gasto desnecessário, mas estas pessoas já têm os salários irredutíveis como direito adquirido, a despesa extra seria a da sua substituição, nos casos em que tenham posições de liderança. Mas o que se ganha retirando poder dessas pessoas e deixando novas ideias aparecerem mais do que compensa o investimento. Muitos destas pessoas já têm garantidas aposentadorias integrais, se aposentadas antes vão consumir seus recursos, retornando à sociedade parte do que for pago.

Considerações Finais

O serviço público é possivelmente a parte da atividade econômica que os governos mais podem controlar. São os governos nas mais diversas instâncias que decidem sobre quando contratar ou não, quais os salários das pessoas, quantos servidores vão empregar, se incentivam ou não a aposentadoria.

É também um setor da economia totalmente sustentado pela população com seus tributos. Não faz sentido que o próprio governo não aja em sua força de trabalho de forma a reduzir desigualdades.

Neste texto, abordamos ações que podem ser usadas para aumentar os ganhos dos servidores que hoje ganham menos do que o necessário para sustentarem suas famílias, bem como a necessidade e formas para reduzir os ganhos de uns poucos servidores que recebem muito mais do que um salário digno, são privilegiados e enriquecem às custas da população.

Mexer com a remuneração de servidores é algo cheio de riscos, exige mudança em leis e negociações complicadas politicamente. No entanto, é uma área onde há maior controle do governo sobre as ações e possível de afetar milhões de pessoas.

Um governo que deseje reduzir desigualdades vai enfrentar dificuldades em todas as áreas, será preciso contrariar interesses de poderosos, alguns dos quais estão dentro do próprio Estado. Pode ser que as dificuldades prevaleçam e nada neste sentido seja feito neste governo ou nos próximos. Agora, é certo que quem quiser mudanças pode fazê-las e o melhor lugar para começar é tornando o próprio governo mais justo.

Referências

Invest News https://investnews.com.br/economia/mais-pobres-migraram-para-classe-media-com-retomada-de-empregos-diz-estudo/

Poder 360 https://static.poder360.com.br/2023/07/impacto-supersalerios-centro-de-lideranca-publica-17jul2023.pdf

Paulo Gussoni é servidor público do estado de São Paulo, administrador de empresas e mestrando em Gestão e Políticas Públicas, ambos pela EAESP-FGV.