EM DEBATE

O Partido dos Trabalhadores já tem o poder em vários municípios. Fazer prefeitos, porém, não é objetivo estratégico do PT. O importante neste momento é saber conciliar uma eficiente administração municipal, que requer medidas paliativas e alianças localizadas, com o trabalho de construção de uma sociedade socialista que transforme o Brasil inteiro. E que exige rupturas

Quebrar o status quo e eleger Lula

O futuro como referencial

Conselho Popular: o sujeito subversivo

Quebrar o status quo e eleger Lula

Nos últimos dez anos, construímos um partido socialista e de massas e uma central sindical independente (com todas as debilidades que apresentam) e definimos uma proposta socialista de governo democrático e popular. Mesmo sem considerar a possibilidade de que Lula vença as próximas eleições presidenciais, esses fatos já indicam vitórias importantes e significativas. Temos acertado em geral e, em particular, na política definida no 5º Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores. O acúmulo de forças, porém, tem sido mais rápido do que temos conseguido apreender.

O PT ganhou algumas das mais importantes prefeituras do estado de São Paulo, inclusive a da capital, num quadro de crise do modelo de desenvolvimento do país. Um momento de crise política, econômica e social profunda, às vésperas da primeira eleição presidencial das três últimas décadas. Eleição na qual a burguesia, apesar de classe hegemônica, se vê diante da possibilidade de uma derrota, sem ter constituído uma unidade política quanto aos destinos da transição e sem ter um projeto econômico que a aglutine. Estamos diante de uma situação inteiramente nova, de grandes responsabilidades que deverão interferir imensamente nas nossas administrações municipais.

Devido à exigüidade de espaço, este artigo se propõe como um roteiro para debates, uma vez que muitas questões colocadas na ordem do dia carecerão maior aprofundamento e outras não serão sequer abordadas.

Vivemos momentos particularmente importantes no Brasil, e o desempenho de nossas administrações municipais será fundamental para o futuro desenrolar da luta de classes. Muito dependerá de nós.

Não nos renderemos à concepção liberal, muito difundida, de que "uma coisa é fazer oposição, outra é governar" como se o papel dos petistas fosse o de fazer um "bom" governo e "botar a casa em ordem". Cabe perguntar: bom governo para quem? Não somos vidraças, temos um projeto socialista para toda a sociedade, estamos num ano eminentemente político, envolvidos nesta disputa da qual nossos governos municipais deverão participar efetivamente. Também não nos submeteremos à concepção esquerdista de que seria possível implantar o socialismo em uma determinada cidade e que considera o exercício do governo municipal apenas uma forma de mostrar às massas os limites do Estado burguês. Não seremos, no entanto, cegos às potencialidades que uma prefeitura apresenta, num período em que a hegemonia ainda está nas mãos da burguesia.

O poder local

Consideramos impróprio o uso do termo poder local no caso brasileiro: a estruturação municipal dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mesmo nas grandes cidades, foi profundamente subordinada ao poder da União (e, em parte, ao do Estado). A capacidade de decisão efetiva sobre grandes questões que se manifestam no nível local, quando não anulada, é bastante reduzida. As prefeituras não podem decidir sobre vários problemas do dia-a-dia urbano, tanto pela falência a que foram levadas de 1964 para cá, quanto pela extrema centralização do poder em Brasília. Esses limites institucionais e políticos, historicamente dados, abrem campo para a corrupção e para a completa irresponsabilidade das administrações, na maioria das cidades. Mesmo com as alterações contidas na nova Constituição, esse contexto não sofreu uma mudança de qualidade.

A questão colocada é: qual o espaço do município na disputa de poder entre as classes?

No PT, o tema vem sendo debatido por vários companheiros. Alguns defendem uma visão fragmentária do poder, ao avaliarem que, no plano municipal, há uma divisão de poderes (de tipo clássico) e que as classes dominantes locais não representam a grande burguesia. Diluem, assim, a avaliação de conjunto sobre a cidade e a luta de classes no espaço urbano.

Aos companheiros que vulgarizam a máxima "munícipe mora no Município e não no Estado", o alerta de M. Castells (transcrevendo H. Lefèbvre): "O desenvolvimento do capitalismo industrial, ao contrário de uma visão ingênua muito difundida, não provocou o reforço da cidade e sim o seu quase desaparecimento enquanto sistema institucional e social relativamente autônomo, organizado em torno de objetivos específicos. Com efeito, a constituição da mercadoria como engrenagem de base do sistema econômico, a divisão técnica e social do trabalho, a diversificação de interesses econômicos e sociais sobre o espaço mais vasto, a homogeneização do sistema institucional ocasionam a irrupção da conjunção de uma forma, a cidade, e da esfera do domínio social de uma classe específica, a burguesia".

No Brasil, a constituição de um poder local passa necessariamente pelo fortalecimento dos movimentos populares e democráticos, na conquista do que chamamos de cidadania e, mais que isso, de parcelas leais de poder - através da criação e ampliação de estruturas de poder popular (como conselhos), vinculados à vida da cidade, e/ou do desenvolvimento, de modo bastante ampliado, dos principais movimentos e entidades populares já existentes (sindicatos, movimentos de sem-terra, associações de moradores etc.).

Governo e poder

Os petistas sabem com clareza que conquistar um governo municipal não significa conquistar o poder, no nível local ou no nível federal. Significa, sim, conquistar um importante instrumento, a prefeitura, com poderes e funções estabelecidos legal e institucionalmente e subordinado à correlação geral de forças da sociedade.

Essas estruturas institucionais, concebidas historicamente para garantir, em nível local, os interesses das classes dominantes, não são as melhores formas para os trabalhadores administrarem as cidades. São, porém, uma trincheira, um espaço do Estado burguês que, uma vez ocupado por nós, deverá cumprir um conjunto de funções até então alheias a sua "vontade". Ao ocuparmos esses espaços, enfrentaremos portanto a tradição e a burocracia, os limites impostos pela correlação de forças e pelas leis burguesas, a oposição organizada ou não da burguesia (através de seus partidos, meios de comunicação de massas e outras formas de organização). Enfrentaremos ainda o Poder Judiciário, a Câmara Municipal e também forças de oposição não-institucionalizadas.

Esse quadro torna nossa luta, a um só tempo, sofisticada, brava, cotidiana e implacável. Os governos municipais petistas terão um papel estratégico muito importante: no exercício da administração, selaremos boa parte de nossas alianças de classe. Isso porque a chamada questão urbana opõe os grandes grupos monopolistas aos operários e demais assalariados, aos pequenos proprietários, às massas populares e às camadas médias. Paradoxalmente, é também no ambiente citadino que boa parte das contradições internas desses setores se materializam: pequenos e médios empresários, bem como parte das camadas médias são proprietários e têm interesses na privatização e na distribuição do espaço urbano que se diferenciam dos interesses dos assalariados, em geral locatários, e das massas faveladas, sem terra e sem teto. A compreensão dessas contradições é fundamental para o desempenho das administrações petistas.

Nosso governo se voltará para toda a cidade, para todos os habitantes, mas sob a ótica de quem quer construir o socialismo no país. Os governos petistas não serão governos democráticos quaisquer. Inverter as prioridades sociais, enfrentar os problemas vividos pelas amplas massas de moradores, abrir o governo à participação direta da população, criar canais de consulta popular implicam necessariamente privilegiar a maioria da população e enfrentar, combater e submeter o grande empresariado monopolista, na medida da correlação de forças. Implica, inclusive, enfrentar, combater e submeter o médio empresariado cujas atividades se contraponham à política democrática e popular, como é o caso da maioria dos empresários de transporte coletivo e dos setores que especulam com aluguéis e com o solo urbano.

Partido e administração

Os petistas concordam também que a administração não é um aparelho partidário. A prefeitura é a instância municipal do estado, decide e encaminha as questões a ela pertinentes. O partido organiza uma parcela avançada de trabalhadores e busca representar os interesses gerais das classes oprimidas, dirigindo os movimentos sociais e a luta pelo socialismo, articulando as lutas sindicais e populares com a construção partidária e com a estratégia de tomada do poder.

Cabe ao partido incentivar e dirigir as massas populares na sua auto-organização e na ocupação dos espaços, tanto nas administrações petistas como em administrações às quais façamos oposição. Cabe ao partido, portanto, desenvolver a luta nos bairros, nas fábricas e escolas, visando alterar a correlação de forças e os espaços institucionais constituídos. Por isso, o PT estabelecerá sempre uma relação tensa com a institucionalidade vigente, até mesmo, em alguns casos, com as administrações de governos petistas.

O partido deverá estabelecer diretrizes gerais periódicas para os governos petistas, considerando que os companheiros ocupantes de cargos nas administrações ou mandatos executivos estão submetidos à democracia partidária, gozando de seus direitos e seus deveres. Deverá igualmente dar sustentação política e apoio às decisões do governo, especialmente àquelas que quebrem o status quo. Além da tolerância do partido e dos companheiros com mandatos executivos, será preciso estabelecermos formas viáveis de acompanhamento das administrações. Além disso, as instâncias partidárias deverão realizar um acompanhamento de todas as principais ações, bem como incluir nos planos de luta medidas que visem quebrar a força da direita, abrindo espaços para a tomada de posições mais avançadas por parte dos governos. Por exemplo, um plano ativo de discussão e lutas concretas sobre a questão do solo urbano, incluindo invasões de terrenos reservados à especulação, que viabilize e facilite à administração petista desapropriar essas áreas. Não cabe pedir paciência aos sem-terra mas, sim, apresentar-lhes propostas concretas.

Objetivos de um governo petista

Há limites institucionais da administração municipal e limites da correlação de forças, mas é necessário extrapolá-los com realizações que acrescentem algo novo à vida das massas.

Nosso governo deve ter dois objetivos básicos, combinados entre si: elevar a qualidade de vida e contribuir para o aumento da organização e da consciência da maioria da população. Assim, o governo democrático e popular petista deverá, a um só tempo, viabilizar as seguintes metas:

- Abrir canais institucionais de consulta permanente junto à população, para sua participação direta ou indireta, por representação das entidades, da Câmara ou de outras formas que venham a se constituir.

- Incentivar a organização popular autônoma, para fazer valer seus interesses, pressionar e exigir realizações por parte do governo.

- Estabelecer uma política criativa de comunicação direta com as massas, por meio de jornais próprios, murais, rádio, carros de som, teatro popular etc.

- Incorporar a participação popular nas principais atividades do governo, criando, por exemplo, brigadas contra o analfabetismo, brigadas de saúde, fiscalização da coleta do lixo, do sistema de transportes etc.

- Implementar uma política de informação e transparência, para que a população trabalhadora compreenda tanto os limites da máquina da prefeitura como os do próprio estado burguês.

- Estabelecer uma política de recursos humanos que dignifique o funcionalismo público e, ao mesmo tempo, convenção ideologicamente a defender os interesses populares na administração, a cumprir o programa de governo. Para tanto, será necessária uma profunda reforma administrativa, um plano adequado de cargos e salários e uma decidida política de formação de pessoal.

- Uma política de melhoria das condições de vida e habitação nas cidades, priorizando a dotação de recursos para responder aos essenciais problemas da população pobre: saúde, educação, transporte, habitação, lazer, preservação do meio ambiente etc.

Por fim, nossos governos deverão cumprir um objetivo importante na disputa ideológica com a burguesia: mostrar ao povo que governar não é um atributo das classes dominantes e que a auto-organização popular, independente, é a base para a manutenção das conquistas sociais.

As administrações petistas em 1989

A maioria das prefeituras que conquistamos encontra-se num profundo caos financeiro e administrativo. O equacionamento desse caos não é "técnico", neutro, mas eminentemente político. Não podemos arrochar salários, desrespeitar os direitos adquiridos pelos servidores, penalizar a população, muito menos paralisar a máquina administrativa sob o argumento do livro-caixa. Contaremos com a mobilização da população se soubermos conduzir o processo. Algumas batalhas a vencer:

- A batalha da comunicação - cada prefeitura, inicialmente, deverá elaborar um informativo a ser amplamente distribuído à população (com o apoio indispensável dos militantes do partido). Ainda neste ano deveremos traçar e pôr em prática uma política de comunicação de massas.

- A batalha administrativa - dois aspectos precisam ser enfrentados: a reforma administrativa e o tratamento da dívida. A reforma deverá agilizar e democratizar a máquina administrativa; antes, porém, deve-se demitir os corruptos, sabotadores e funcionários fantasmas. Para tratar adequadamente a dívida, será necessária uma auditoria que permita inclusive uma política de renegociação e acerto de forma de pagamento, para que nossa ação administrativa não se paralise.

- A batalha das reformas - elaborar e pôr em execução planos de saúde, educação, transporte, habitação etc., que comecem a viabilizar nosso programa de governo, com a indispensável participação dos munícipes.

- A garantia da participação popular será importante formalizar a consulta à população e sua participação direta, com a abertura de canais institucionais e o incentivo a formas de organização autônomas.

- A descentralização administrativa iniciar a transferência de poder e recursos às diversas regiões das cidades.

- O enfrentamento dos governos federal e estadual - agilizar o quanto antes a articulação dos prefeitos progressistas para enfrentar os governos do estado e da União.

- Iniciar, por meio da participação do partido e da população, um movimento de pressão sobre as câmaras, no sentido de derrotar as leis e freios contrários a um governo democrático e popular.

- Para a denúncia político-administrativa deveremos fazer um dossiê sobre o último prefeito e denunciar amplamente todos os desmandos encontrados.

Todas essas batalhas, deverão ser iniciadas imediatamente e levadas a cabo neste ano. Nossos governos municipais, em sua maioria, ainda se encontram sem iniciativa política. Perdemos algumas oportunidades, entre as quais o Plano Verão, ao qual os governos petistas deveriam ter respondido de forma crítica e articulada.

Não fizemos uma denúncia mais consistente dos prefeitos e administrações anteriores. Não basta dizer que a prefeitura está um caos: é preciso qualificar e quantificar esse caos, desmascarando os governos burgueses e sua mística de competência.

Este ano de 1989 vem marcado politicamente pela profunda crise do governo Sarney e da transição, pela elaboração das legislações complementar e ordinária, das constituições estaduais, pela eleição presidencial. Nossos governos, em sintonia com o povo, deverão colocar o peso das prefeituras na oposição aos governos federal e estadual.

Os prefeitos petistas das grandes cidades, principalmente, deverão portar-se como estadistas, posicionando-se sobre a dívida externa e interna, sobre a situação política do país e sobre todos os temas em debate no cenário nacional. A principal tarefa do PT e de todos os militantes, inclusive dos prefeitos, é a eleição de Lula. Nenhum ato dos companheiros deverá desconsiderar esse objetivo.

Fevereiro de 1989

Cândido Vacarezza é membro da Executiva do Diretório Regional/SP e secretário de Assuntos Institucionais do PT/SP

O futuro como referencial

O debate em torno das administrações populares condensa para o partido um conjunto de desafios políticos imediatos, cujo enfrentamento só adquire racionalidade se formos capazes de situá-lo em uma perspectiva estratégica de luta pelo socialismo; vale dizer: a polêmica em torno das prefeituras será produtiva na medida em que estiver subordinada ao futuro que imaginamos necessário e desejável.

Esta constatação implica a necessidade de o partido construir um projeto global no qual, entre outras questões, esteja explicitada uma visão teórica sobre o Estado e as formas específicas de dominação no capitalismo em nosso país.

Na ausência desse projeto, o debate atual tem limites incontornáveis. O provável é que os posicionamentos mais comuns sobre o tema não escapem à pequena mas poderosa lógica das questões "postas pela vida" e que as definições tomadas partidariamente avancem constrangidas tanto pelo atraso no tempo quanto pela dimensão reduzida das questões problematizadoras. Ao discutir o tema proposto, trata-se, portanto, de realizar uma opção: ou bem tratamos de encontrar meias-soluções que nos permitam adiar, sob a inspiração das premências de ordem prática, os questionamentos radicais; ou bem potencializamos as questões imediatas, trazendo para o centro da discussão o problema estratégico.

Considero que a discussão proposta por Teoria e Debate situa-se claramente no campo da segunda opção. Assim, a tentativa deste artigo é propor alguns elementos teóricos iniciais a partir do instrumental teórico gramsciano para, de forma complementar, esboçar posições individuais de intenção polêmica. Desejo que elas possam, mesmo em suas evidentes limitações, contribuir de alguma forma.

Sobre a "guerra de posição"

A luta revolucionária nas modernas nações capitalistas tem como um de seus traços fundamentais a necessidade do enfrentamento de poderosos aparatos de dominação. A complexidade da dominação burguesa, hoje, em países como o Brasil exclui a possibilidade de um tipo de estratégia centrada no "assalto ao poder de Estado". O modelo da revolução bolchevique, realizada em uma nação de sociedade civil fluida, incipiente (gelatinosa) – onde uma força política organizada e decidida pode, no quadro de uma crise nacional, "abocanhar" o poder –, passou a significar, tão somente, uma importante referência histórica. Gramsci, em uma analogia às estratégias militares, chama a dinâmica da revolução russa de "guerra de movimento", ao mesmo tempo que sustenta, para o "ocidente", a necessidade de uma outra estratégia revolucionária: a guerra de posição".

Esta nova estratégia pressupõe um acúmulo político, ideológico e cultural de longo prazo, no interior do qual se desenvolve um trabalho de "cerco político". O objetivo é criar uma "contra-hegemonia" e soldar um "bloco histórico" capaz de realizar e sustentar a revolução.

Este instrumental gramsciano articula-se com a noção de que o Estado capitalista moderno não é apenas o domínio da violência, da coerção, mas que é, também, o exercício de uma capacidade hegemônica. Em outras palavras: a minoria exploradora tem em seu Estado não apenas um "instrumento" através do qual se efetiva o monopólio da violência sobre os dominados mas um corpo político vivo, relativamente autônomo, que organiza, em complexas mediações, o consenso na sociedade. A submissão dos trabalhadores a um sistema que, tendencialmente, assegura os privilégios de uma minoria explica-se, assim, não de uma forma unilateral, mas conta com um elemento fundamental de adesão das massas a um conjunto de valores pelos quais o sistema é legitimado socialmente.

Esta problemática, tipicamente gramsciana, situa melhor as questões que procura tratar, inaugurando concretamente uma teoria política. Isto não significa que aquela reflexão tenha resolvido satisfatoriamente os problemas que coloca. Apenas para referir uma importante questão que extrapola as intenções deste artigo, caberia todo um desenvolvimento sobre as razões da adesão dos dominados aos valores que, historicamente, têm mantido sua própria dominação. A tradição de raciocínio mais simplista tem destacado a superioridade material que garantiria a imposição da ideologia dominante. Trata-se, evidentemente, de uma solução hipnótica, que contorna o problema ao invés de resolvê-lo, com decorrências sérias do ponto de vista político. Para evitá-las, seria preciso firmar a convicção de que a ideologia burguesa não se sustenta a partir da validade arbitrária de uma mistificação, mas que se articula com base em fenômenos reais, que asseguram credibilidade a valores que, de outra forma, não resistiriam à crítica. E, fundamentalmente, que tais valores não se dirigem à apreensão intelectual das massas, mas suscitam "estados de espírito", trabalham com o imaginário popular, com desejos inconscientes etc.

A concepção estratégica da "guerra de posição" permite, de início, situar a importância das administrações populares. Entretanto, desta concepção não se pode deduzir um projeto político. Para que isto seja possível, será necessário discutir mais concretamente as condições da luta pela hegemonia no Brasil.

Sobre a "hegemonia passiva"

Se examinarmos nossa formação econômica e social, veremos que o capitalismo no Brasil desenvolveu-se por uma via extremamente reacionária, a partir da composição de interesses entre as frações emergentes da burguesia industrial e a aristocracia latifundiária, na ausência de uma revolução burguesa típica, sob forte dependência das políticas traçadas pelo Estado e com a tradição de permanente exclusão política das amplas massas.

Ao contrário do que se verificou em outras nações capitalistas, a hegemonia burguesa no Brasil dispensou a tarefa de organizar setores populares em torno de objetivos conservadores, jamais consolidou partidos burgueses e sempre teve no Estado uma garantia para a tutela sobre o conjunto da sociedade civil. A "adesão" popular aos valores dominantes verifica-se, assim, de uma forma inorgânica, superficial. Podemos chamar este tipo de hegemonia burguesa de "hegemonia passiva".

A hegemonia passiva é responsável pelo traço estrutural de despolitização que contamina toda a sociedade e marca os movimentos populares em nosso país. A dominação burguesa nutre-se, então, da apatia, do ceticismo, do conformismo. O resultado, entretanto, tem sido contraditório. A grande massa, desorganizada e dispersa, sem interlocutores representativos, é mais frágil politicamente (o que interessa às classes dominantes, particularmente no terreno das relações trabalhistas), entretanto, também, é menos facilmente controlada. O forte elemento de espontaneidade presente nas lutas populares atesta esse fenômeno.

A presença do PT como partido socialista de expressão nacional, como um aglutinador-organizador de massa, traz para este quadro um elemento adicional de imponderabilidade. A conquista de importantes prefeituras confirma e amplia esta característica.

Todavia, é preciso perceber as limitações do crescimento político e eleitoral do PT para pensar a luta pela hegemonia. Em que pese a experiência do PT ser acompanhada, desde o seu início, pela articulação orgânica de significativos setores do movimento operário e popular, é importante perceber que as características políticas derivadas do quadro histórico de uma hegemonia passiva se refletem também no PT e sobre o PT.

Um dos traços mercantes da ampliação de nossa influência política e eleitoral tem sido mais a galvanização de grandes expectativas disseminadas socialmente que o engajamento político efetivo. O PT é o depositário de uma esperança para setores de massa progressivamente maiores que, entretanto, mantêm com o partido uma relação não-orgânica, de adesão superficial; setores que, inclusive, não orientam suas opiniões e condutas políticas pelas posições e atitudes políticas tomadas pelo partido. Estas características não marcam apenas uma base eleitoral periférica, mas, em larga medida, acompanham um contingente expressivo de filiados.

No caso de nossas administrações, se estou certo, este fenômeno trará sérias dificuldades no momento em que se fizer necessária a mobilização popular para a defesa de medidas político-administrativas que suscitem a reação das classes dominantes.

Estas considerações reforçam a idéia de que o traço distintivo das administrações populares deverá ser, precisamente, o compromisso com a elevação da consciência política dos trabalhadores e com o avanço de seu processo de organização autônoma. O desafio maior é o de criar canais capazes de permitir que os trabalhadores participem do projeto e decidam sobre o seu futuro, o que recoloca o tema central dos conselhos populares. É possível, a partir das relações entre as administrações populares e a sociedade civil, criar aquilo que poderíamos chamar de uma nova esfera pública.

A radicalização de uma conduta democrática à frente dos executivos, o despertar de uma nova visão a respeito do exercício da cidadania, a quebra de toda e qualquer postura paternalista e/ou clientelista, o estímulo aos movimentos sociais, a defesa intransigente de valores morais potencialmente universalizadores, em contraposição ao particularismo burguês acostumado a gerir a "coisa pública" como negócio privado etc. são alguns dos elementos que, uma vez assegurados, implicarão condições políticas imprescindíveis à viabilização das reformas e aos acúmulos na luta pela hegemonia.

Do "partido-parte" à "parte-todo"

Umberto Cerroni (Teoria do Partido Político, 1982), analisando o desenvolvimento do movimento operário, sustenta a tese de que o partido político moderno é o partido do ideal socialista. Os partidos operários que surgem com uma "máquina organizativa mais um programa político" em uma "organização territorial difusa e tendencialmente nacional" inauguram o próprio conceito de partido tal como o entendemos hoje. Uma primeira fase deste movimento seria denominada "pré-política"; a segunda, a fase "política intra-uterina"; e a terceira, a fase "política extra-uterina" ou "estatal". Segundo Cerroni, a primeira fase seria aquela da agregação do movimento, fase embrionária de reconhecimento de valores corporativos. A segunda fase corresponderia à compreensão da necessidade de um partido político e é marcada por lutas economicistas, por reivindicações que caracterizam a política de "um sujeito subalterno em relação ao Estado". Nesta fase, o partido não se dirige ao conjunto da sociedade, contrapõe os interesses de uma "parte" às políticas do Estado. Na terceira fase, o partido torna-se capaz de fundar um novo Estado, dirige-se a toda a sociedade com um projeto global que denuncia o Estado vigente como "o todo degradado em partes". Na terceira fase, o partido não é mais uma "parte" mas uma "parte-todo".

Imagino que, em determinado sentido, vivemos hoje no PT, um período de transição entre o segundo e o terceiro momentos apontados por Cerroni. Independentemente desta avaliação e sem nenhum compromisso com as conclusões de Cerroni, entendo que a periodização proposta é ilustrativa de um movimento político necessário. A disputa hegemônica exige que o partido se dirija a toda a sociedade com um projeto que legitime suas propostas em valores universalizantes. Trata-se de denunciar a parcialidade do Estado burguês, contrapondo-lhe o ideal de uma nova sociedade capaz de oferecer oportunidades iguais a todos, capaz de garantir a emancipação coletiva.

Se esta exigência funda a própria possibilidade de sustentação racional de um projeto revolucionário e coloca-se para a atividade política geral do partido socialista, então, evidentemente, na condução de uma administração popular cabe a esse partido tratar do "todo", no caso, os interesses dos habitantes do município.

Naturalmente, o projeto global de uma administração popular não é "neutro". Ele volta-se contra, precisamente, os interesses daqueles que querem seus objetivos particulares por sobre os interesses da coletividade. E em nome desta coletividade que estes interesses serão contrariados e não em nome dos interesses de uma "outra parte", seja ela a "parte maior" (a maioria), a classe operária ou, genericamente, "os trabalhadores".

Este ponto é particularmente polêmico em função da sobrevivência de todo um instrumental teórico que, na falta de outro termo, costumo caracterizar como "classismo". Fortes na tradição marxista, muitos conceitos-chave como "partido da classe operária", "independência de classe", "ditadura do proletariado" etc., já obscurecem mais do que auxiliam no tratamento dos fenômenos que pretendem examinar e há muito estão por merecer um "ajuste de contas". Não por qualquer preciosismo etimológico, mas em nome do próprio potencial revolucionário do marxismo que, como teoria crítica, experimenta uma crise letárgica.

Esboçando uma conclusão

Em busca de uma síntese, ainda muito precária, entendo que:

1º) As administrações populares contribuem para a luta pelo socialismo na medida em que despertam para a esfera pública contingentes significativos de massa que, desta forma, incorporam um aprendizado político essencial à própria possibilidade de criação de uma consciência socialista em larga escala.

2º) Esse "despertar" só adquire conseqüência caso as próprias administrações tomem a iniciativa de inaugurar canais políticos regulares de participação popular - os conselhos - que possuam, ainda que em limites estabelecidos, poderes decisórios.

3º) Evidentemente, a inauguração destes canais pressupõe a criação de uma outra esfera pública que, mesmo amparada em organizações populares já existentes, delas se distingue radicalmente pela própria razão de se propor a tratar dos "negócios do Estado", no âmbito municipal.

4º) Na ausência destes canais, não poderemos falar seriamente em administrações democráticas, a não ser no sentido restrito próprio às democracias representativas onde uma minoria governa, supostamente, no interesse da "maioria". Neste caso, não há como propagandear quaisquer avanços democráticos, pois isto equivaleria a tomar o passado como medida de nossas realizações, e não o futuro, único referencial valorativo de uma práxis revolucionária.

5º) Portanto, não são as reformas, por si mesmas, que asseguram o êxito das administrações populares e o acúmulo na guerra de posição, mas as condições políticas que viabilizam as reformas.

6º) A ausência desta compreensão pode deslocar as experiências administrativas do partido para a disputa pela "opinião pública", o que, em circunstâncias de cerco político pela reação, transforma-se rapidamente de "meio" em "fim" e tem como resultado o enquadramento do projeto nos termos da disputa política proposta pela burguesia. Esta tendência, uma vez confirmada, amplia e fortalece o fenômeno da hegemonia passiva e, portanto, não acumula estrategicamente, ainda que excepcionalmente os resultados administrativos sejam amplamente reconhecidos como "bons".

Fevereiro 1989

Marcos Rolim é jornalista, presidente do Diretório do PT de Santa Maria-RS e membro do Diretório Nacional.

Conselho Popular: o sujeito subversivo

Vamos partir de uma constatação: na cultura petista (admitindo-se entre nós terminologia tão pouco ortodoxa), o Estado e suas instituições são objeto da mais profunda e radical desconfiança. O Estado capitalista, naturalmente - o único que nossa base militante conhece por experiência direta. O Estado brasileiro. O Estado.

E não acho que se trate de mera "ignorância" basista, como afirmam alguns, rapidamente superável pelas qualidades intrínsecas do modelo petista de administração. A desconfiança visceral ante o Estado não me parece apenas fruto de inexperiência, mas antes, de uma determinada experiência histórica, de uma relação Estado/povo trabalhador que se poderia dizer recorrente – mutatis mutandis – ao longo de nossa história.

Tal qual os tropeiros de Guimarães Rosa, sempre "de banda" para o destino, o PT forjou-se de banda para o Estado e suas instituições. A militância petista, amadurecida quase toda durante os anos herméticos da ditadura militar, é criatura do avesso, produto dialético daquela pedagogia negativa operada pelo próprio Estado burguês. Para ela, o Estado é antes de mais nada uma tripla e perversa vocação.

De um lado, o Estado-espião, o Estado-SNI - serão mesmo 120 mil os subordinados do general Ivan? -, subterrâneo, tentacular, demoníaco, capaz de quase tudo sem se responsabilizar por quase nada. E, com certeza, a sua contraparte visível, ostensiva: o Estado-polícia, "prendendo e arrebentando", invadindo usinas e consciências, dispondo de nossas vidas com o arbítrio mais terrível. O Estado-carcereiro.

De outro, o Estado-padrinho - de tão fundas raízes ibéricas -, o Estado-cooptador, empenhado em seduzir e "medusar" as massas populares pelas mais diversas estratégias "clientelísticas", adversário impiedoso da autonomia das organizações do povo, sempre pronto a descaracterizá-las, a corromper ou sabotar seus líderes, a negligenciar toda a representatividade civil.

Sem falar no delfim dessa augusta família, o Estado-planejador. Sob o manto de retóricas não raro progressistas, erigindo a "racionalidade" em álibi contra o clamor das ruas, ei-lo que produz e reproduz o espaço social à revelia dos sujeitos individuais e coletivos, removendo ou "alocando" comunidades inteiras, como se objetos fossem, destruindo culturas por decretos, movendo verdadeira guerra contra o singular, o dissonante, em benefício de uma pretensa lógica global, isenta de qualquer verificação pública.

E não a vejo como desconfiança apenas da face burocrático-administrativa do Estado. É sentimento político muito mais intenso e poderoso, que transcende o próprio conteúdo antipopular da ação estatal e vai além de seus procedimentos usualmente antidemocráticos, coercitivos. Trata-se, na verdade, de uma grande recusa ético-histórica, já irradiada pelo vasto campo do simbólico, atingindo até mesmo o registro lingüístico institucional formalista, amaneirado, trapaceiro ao qual opomos, como discurso ideal, a fala crua e desbocada das ruas, a fala "curta e grossa" do Lula - carne feita verbo.

Desconfiança que se manifesta pela negação irônica de rituais caros ao Estado e/ou pela denúncia de não poucos de seus "critérios" executivos, mas sobretudo pela condenação obstinada de seus privilégios e benesses - atitude popular freqüentemente inoculada de moralismo conservador, mas nem por isso menos expressiva de uma cultura de resistência ao caráter burguês do Estado. (Salvo, e aí se inscreve a enorme, e só aparentemente despropositada, atenção das massas populares ao gestus ético-administrativo: o carro oficial, os salários indiretos, os laços de parentesco, expressões salientes porque obviamente menos camufláveis de toda uma liturgia elitista do Estado brasileiro.)

Resistência, pois, a essa espécie de salvo-conduto moral que o Estado despudoradamente se outorga, ao universo "de ficção" em que ele ama proteger-se das misérias e mesquinharias (compulsórias) da vida prática, a sua olímpica "autonomia" em respeito aos mortais comuns.

É este o Estado que a militância petista conheceu e conhece. O Estado adversário, o algoz. Contra ele temos aperfeiçoado nossas artes de autodefesa política, análogas em mais de um aspecto àquelas praticadas pelos trabalhadores "desorganizados"; baste o exemplo, emblemático das favelas cariocas, com seus sofisticados "sistemas de segurança" anti... Estado!

Impossível, já se vê, não partir dessa cultura de base quando debatemos o lugar das administrações petistas na luta mais geral pelo socialismo. O sujeito que debate não é (felizmente) abstrato, razão política sem circunstância. O sujeito desse debate é o PT e sua cultura.

E vou direto ao ponto: mesmo considerando positiva e inalienável, em larga medida, a cultura petista de desconfiança do institucional, estou convencido de que ela não é referencial para a política aprovada em nosso 5º Encontro. Ela não convida à superação do desafio específico que a hora presente nos faz.

Estou convencido de que tais valores de resistência devem hoje inserir-se num projeto político-cultural ofensivo, que assegure não apenas a preservação da nossa autonomia, mas viabilize a própria disputa com as classes dominantes sobre o caráter e a modalidade de gestão do aparelho de Estado.

E a política de acumulação de forças no rumo do socialismo que o exige. E a própria construção da hegemonia política, cultural e moral das classes populares na sociedade brasileira que o reclama.

Se não desejamos apenas resistir ao poder burguês, mas efetivamente superá-lo; se não temos uma concepção golpista, da transformação social que remetesse a questão do poder unicamente para aquele instante sublime, catártico, da tomada do Palácio de Inverno, digo, do Palácio do Planalto; nesse caso, a disputa sobre o caráter e a gestão do aparelho de Estado coloca-se para nós, desde já, como requisito indispensável, ideológico-prático, afirmação da nossa alternativa socialista para o país.

Tal disputa, longe de contradizer a luta política de massas visando à ruptura do Estado burguês, é dimensão impositiva dessa mesma luta; se nos furtarmos a ela, estaremos provavelmente atrofiando nossa vocação de poder, despolitizando nossa oposição radical ao status quo.

Nada a ver, é claro, com a idéia estapafúrdia de que o PT disputa parcelas do aparelho de Estado - prefeituras, por exemplo - como superior objetivo de "provar" nossa competência, demonstrando à sociedade que, graças a Deus, também nós podemos governar.

A questão é outra e mais funda. Diz respeito à própria compreensão da sociedade e do Estado brasileiro. Diz respeito à centralidade do Estado em nosso processo de desenvolvimento, às funções históricas que ele por isso mesmo cumpre - e de que modo as cumpre.

Tomo emprestadas, a propósito, ao companheiro Antônio Dória passagens iniciais do seu breve mas instigante texto-comentário às administrações petistas. Elas focalizam, do ponto de vista da produção econômica, social, justamente a questão de que estamos tratando.

Sublinhando que "a participação do Estado no conjunto dos investimentos do país é forma básica de sustentação e reprodução do sistema e o principal indicador dos rumos e possibilidades da reprodução capitalista mesma", Dória ressalta que esse papel medular do Estado refere-se tanto "ao financiamento da acumulação quanto ao financiamento da reprodução da força de trabalho".

A primeira missão, sabemos como o Estado a desempenha: "nos subsídios para a produção, nos juros subsidiados, nos decisivos setores estatais produtivos, nas políticas monetárias e fiscais, através das quais se intervém na circulação dos excedentes e na valorização dos capitais através da dívida pública".

Não menos "decisivo", segundo Dória, é o papel do Estado, em que pesem "reconhecidas precariedades e limitações", para a reprodução da força de trabalho, através dos investimentos públicos em "saúde, educação, previdência social, subsídio para o transporte e para a habitação e dos programas para o desemprego e para as famílias muito pobres" .

Ora, tudo isso recomenda - e aqui retomamos especificamente à temática da cultura petista no tocante ao Estado – que "a nossa intervenção na administração pública expresse a compreensão de que para ( ... ) os recursos públicos ( ... ) convergem os interesses das várias classes".

Para a classe trabalhadora e seus partidos (e, com maior razão, suas administrações) trata-se de "negar, mesmo nos limites do Estado classista, que a burguesia tenha a propriedade absoluta do Estado".

Mais ainda, trata-se de assumir de forma decidida "a concepção de que o Estado não é expressão mecânica de uma classe, mas relação de forças ("crua condensação da luta de classes") e que, justamente por isso, será radicalizando os mecanismos democráticos de expressão, participação e representação que se poderá evitar a prevalência da lógica estrita, do mercado e do capital".

Afora seu óbvio conteúdo de justiça, semelhante disputa pelo fundo Público - travada de dentro ou de fora do espaço administrativo, não importa; devemos travá-la por todos os modos possíveis coloca inevitavelmente em xeque, num país como o nosso, o próprio caráter e a modalidade de gestão do aparelho de Estado.

Para que este confronto ocorra, no entanto, a "radicalização dos mecanismos democráticos" me parece imprescindível. Só ela pode materializar aqueles elementos de ruptura político-cultural que, em última análise, justificam a própria ocupação de espaços estatais numa sociedade classista. Sem ela, nos arriscaríamos a uma falaz contraposição de "competências": a competência de esquerda versus a competência de direita etc., como se a questão não fosse de poder mas de organização e métodos.

O que nos remete, embora não exclusivamente, ao tema dos Conselhos Populares. Sem mitificá-los nem atribuir-lhes capacidade miraculosa, creio que podem e devem tornar-se o sujeito subversivo, inaugural, que permita ao povo trabalhador, sem alienar sua independência política, relacionar-se de modo ativo, ofensivo (e não meramente autoprotetor) com o Estado e suas instituições, disputando palmo a palmo o sentido social de suas escolhas, questionando de modo implacável o monopólio do Estado pela burguesia.

Fevereiro 1989

Luiz Dulci é de Minas Gerais, membro da Executiva Nacional do PT e secretário nacional de Assuntos Institucionais.

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