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Derrotado no referendo de outubro, o presidente Santos, vencedor do Nobel da Paz, renegocia mudanças no acordo, a ser submetido apenas ao Congresso

O acordo de paz negociado por quatro anos entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular (Farc – EP) foi rejeitado no referendo realizado no mês de outubro. No entanto, as partes voltaram à mesa de negociação e fecharam um novo texto que contempla em parte as reivindicações de alguns partidários do “não” liderados, principalmente, pelo ex-presidente Álvaro Uribe.

A análise do resultado do referendo em que o “não ao acordo” venceu por pequena margem de votos aponta em primeiro lugar para um grande desconhecimento do conteúdo do acordo, o que levou muitos eleitores a se absterem e outros a se deixarem levar pela propaganda da direita. Houve interferência de, pelo menos, três atores influentes na política colombiana que conduziram uma campanha mentirosa no conteúdo, mas eficiente na retórica. A começar pelas igrejas, católica e pentecostais, que discordavam dos aspectos do acordo relacionados à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e fizeram campanha alegando que destruiria as famílias colombianas. Em segundo lugar os latifundiários, que se opõem à reforma agrária prevista pelo acordo, e, por fim, os seguidores do ex-presidente e os integrantes de seu partido, o Centro Democrático, que não querem as Farc participando da vida política institucional do país, além de temerem que os tribunais especiais possam incluí-los nas investigações de violações de direitos humanos ocorridas durante o conflito.

O presidente Manuel Santos convocou o referendo para legitimar-se politicamente e, se num primeiro momento perdeu, ganhou na sequência, pois a comunidade internacional outorgou-lhe o Prêmio Nobel da Paz. As Farc não tinham, politicamente, como retomar a guerra após participar de quatro anos de negociações que objetivamente buscaram um acordo de paz e mantiveram a trégua até o final do ano, além de aceitar retomar as conversações em Havana. E mesmo Uribe, que sempre foi contra qualquer acordo de paz, pois se alimentava politicamente da guerra, rendeu-se à realidade, pois depois de ter feito campanha pelo “não” precisou discutir o mérito do acordo e das negociações dizendo quais eram os pontos que discordava e não simplesmente rejeitar as negociações per se.

As mudanças principais no novo acordo, originadas de conversações com o grupo político de Uribe, são que o mesmo não integrará a Constituição do país; que haverá limites na atuação dos tribunais especiais que julgarão as responsabilidades das Farc na violação de direitos humanos, sem participação de magistrados estrangeiros como previsto anteriormente e com atuação limitada a dez anos; o financiamento do Estado para assegurar a participação política das Farc será menor e não terão assentos garantidos, mas poderão apresentar candidatos já nas eleições de 2018, e, por fim, terão de apresentar um inventário de bens e terras para conhecimento público. Os demais itens permanecem praticamente iguais.

Uribe, que não quer paz, afirmou que essas concessões são insuficientes. Porém, o novo acordo foi assinado e dessa vez será submetido ao Congresso Nacional, onde o presidente Santos tem maioria para aprová-lo. A dificuldade está na agenda parlamentar, pois o governo também quer a aprovação de uma impopular reforma tributária regressiva na pauta antes do recesso de fim de ano. A preocupação é não deixar o acordo de paz no limbo e possibilitar ocorrências que perturbem sua efetivação.

As prometidas negociações com outro grupo guerrilheiro, o Exército de Libertação Nacional (ELN), não se iniciaram e muitos observadores externos comentam que seriam mais difíceis do que com as Farc, que adotam o método do “centralismo democrático” dando unidade às suas decisões. O ELN, ao contrário seria composto por quatro ou cinco facções diferentes que atuam com muita autonomia. A ver.

 

Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo