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O governo federal parece cauteloso em relação à negociação pretendida por Haddad, pois sabe que terá de conceder o mesmo a outros governadores e prefeitos

O prefeito de São Paulo fez várias propostas ao governo federal para tentar obter a renegociação da dívida da prefeitura e, com isso, ampliar os investimentos na cidade e cumprir o programa de governo defendido durante a campanha eleitoral. Ao agir dessa forma, atua na defesa dos interesses da cidade. Está tentando o que não conseguiram Marta, Serra e Kassab quando prefeitos.

O governo federal, no entanto, parece dividido em relação à negociação pretendida pelo prefeito. Se por um lado acenava concordar, por outro mantém cautela, pois sabe que terá de conceder o mesmo a todos os governadores que já manifestaram interesse e outros prefeitos cujas dívidas foram também renegociadas entre 1997 e 2000.

Todas as dívidas, tanto para os estados como para os municípios, têm o mesmo tipo de contrato, com as mesmas cláusulas para a correção do saldo devedor, juros e amortização.

A dívida é corrigida pela inflação medida pelo IGP-DI, os juros são de 6% ao ano para todos os que amortizaram 20% e 9% para os que não o fizeram. A amortização se dá pelo pagamento de 13% da receita.

O governo federal, quando renegociou essas dívidas, assumiu a dívida existente nos estados e municípios que eram corrigidas e pagavam juros pela Selic, havendo, pois, o descasamento entre as correções das dívidas entre o governo federal e a dos estados e municípios. Isso foi sanado recentemente com uma medida provisória do governo federal, passando todas a serem corrigidas pela Selic – o que beneficia a todos, pois a taxa está mais baixa que o IGP-DI – mais os juros de 6% ou 9%. Neste ano o IGP-DI deve se igualar à Selic de 7,25% ao ano, ganhando os estados 6% e a Prefeitura de São Paulo 9% na correção de suas dívidas.

Esta foi a maior beneficiária dessa mudança, pois era penalizada com juros de 9% ao ano, por não ter pago a amortização extraordinária, como fizeram os estados. Talvez possa ser creditada essa mudança ao prefeito de São Paulo, uma vez que essa era uma de suas principais reivindicações, já que os juros de 9% estavam tornando a dívida impagável.

A principal reivindicação de governadores e prefeitos não é a mudança no índice de correção da dívida, mas no percentual da amortização, de 13% da receita para 9%. Esse é o problema. Caso o governo federal ceda, vai abrir mão de 4% da receita dos estados e municípios. E seu problema não para por aí. Todos que não tiverem sido beneficiados, pois não renegociaram sua dívida, vão reivindicar vantagens, aumentando ainda mais o rombo nas contas do governo federal – e politicamente isso poderá colocá-lo contra a parede, com pressões vindas de toda parte.

Essa perda de 4% vai obrigá-lo a um maior esforço para conseguir o resultado primário compromissado em sua meta deste e dos próximos anos. Com déficit crônico em suas contas, o governo federal terá de aumentar sua dívida em títulos.

Fato mais sério é com relação à mudança que se tornaria necessária na parte mais importante da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), cujo artigo 35 proíbe a renegociação, quando altera o percentual da amortização, no caso de 13% para 9%.

Antes da LRF foram feitas várias renegociações, que ao final não eram cumpridas, exigindo novas rodadas. No entanto, ninguém levava nenhuma a sério. Não precisava pagar a dívida, pois seria renegociada, o que só a fazia crescer, sem solução.

Diante desses problemas, o governo federal poderá recuar do desejo inicial de atender o prefeito. Nesse caso, a prefeitura teria de reduzir sua pretensão de ampliar os investimentos, podendo comprometer parte das propostas feitas em campanha, como já disse o prefeito, talvez antevendo essa possibilidade.

Vale acompanhar.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor