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Tivesse o governo visão estratégica, a política seria outra, muito próxima da que vem sendo feita pelos países desenvolvidos

O governo, na medida em que não tem um plano estratégico de longo prazo para o país, vem atuando a reboque dos problemas postos pela conjuntura, com atraso e medidas de pequeno alcance, numa autêntica ação de varejo.

Não tem um diagnóstico claro sobre as causas da estagnação econômica e é refém do fantasma da inflação, habilmente trabalhado pelo mercado financeiro. Exemplo emblemático dessa situação se dá na área dos transportes. Por medo do fantasma, usa a Petrobras como biombo, em vez de fortalecê-la para enfrentar a expansão do refino e a exploração do pré-sal.

Ao segurar os preços dos combustíveis e reduzir o IPI de automóveis, obtém um ganho no curto prazo, incentivando a produção. Mas o artificialismo desses preços trouxe consequências: atingiu duramente a produção de etanol, forçou a expansão do consumo de gasolina além da capacidade de refino da Petrobras, obrigando a estatal a fazer megaimportações subsidiadas do produto, e agravou a mobilidade urbana e a poluição ambiental.

Se não fosse teleguiado pelo fantasma da inflação, e tivesse visão estratégica nessa área, teria priorizado o transporte coletivo, com várias vantagens: aumento da mobilidade urbana; redução das tarifas do transporte coletivo, pois os custos do sistema seriam menores e o número de passageiros maior; queda da inflação, consequentemente; e diminuição na despesa de combustível do país, devido ao menor uso do transporte individual.

Na área fiscal há claro retrocesso. Em vez de priorizar o resultado nominal (receitas menos despesas, incluindo juros), é teleguiado pelo que interessa ao mercado financeiro, que é o resultado primário (receitas menos despesas, excluindo juros). Dessa forma, abre a porta para a ação predatória do Banco Central de manter a Selic em patamar muito acima do nível internacional.

O rombo com a despesa com juros neste ano deve bater em R$ 200 bilhões! É um desperdício de recursos públicos em prol do mercado financeiro e do rentismo dominante.

Tivesse o governo visão estratégica, a política seria outra, muito próxima da que vem sendo feita pelos países desenvolvidos. É comprar os títulos da dívida federal com emissão monetária. Com isso, reduz a dívida e a conta com juros, recompõe o câmbio ao nível de equilíbrio das contas externas, favorece as exportações e, ao final, retoma o crescimento.

É uma nova política econômica que não precisa de autorização do Congresso. Basta executá-la. Mas dificilmente a presidenta seguiria esse caminho, pois topa de frente com o mercado financeiro, que mama nas tetas do governo, que lhe oferece uma Selic generosa.

O pretexto usado pelo mercado financeiro para que se mantenha a taxa básica de juros elevada é que é o único instrumento capaz de controlar a inflação. O canal por onde influiria nos preços é no câmbio, pois sua alta faz com que os especuladores internacionais apliquem em títulos do governo, os quais baliza. Com isso, tem-se estoque de dólares especulativos, e o real valorizado, portanto, tornando as importações artificialmente baratas. Caso a taxa caia para o nível internacional dos países emergentes (5%), esses dólares retornariam, gerando depreciação cambial, com elevação dos preços dos produtos importados.

Essa lógica é que sustenta a política de manter a Selic elevada. O governo teme a debandada dos dólares especulativos. Acha melhor conviver com eles, mesmo sabendo que espoliam o país ao sugar divisas pelo lucro financeiro que obtêm. Assim, o país fica trabalhando para o bem dos fundos de pensão dos velhinhos americanos, entre outros tantos.

Romper com isso envolveria uma nova política econômica centrada no potencial produtivo do país, que vem sendo desperdiçado pelo artificialismo cambial. É quase impossível uma empresa no Brasil ter condições de competir no mercado externo e mesmo no interno com o produto fabricado no exterior. Tem contra si não só o câmbio como taxas de juros e carga tributária elevadas, além da infraestrutura deficiente e da burocracia custosa.

Enquanto não se removem esses obstáculos, o posicionamento adequado do câmbio a R$ 3/US$ facilitaria o poder competitivo, com notável contribuição ao crescimento econômico. Não vejo maiores riscos à inflação. Os dados comprovam isso. O câmbio se desvalorizou 32% desde 2011 (passou de R$ 1,67 a R$ 2,20) e a inflação caiu de 6,5% para o nível previsto de 5,8%, neste ano.

Ainda na linha da nova política há que derrubar de fato as taxas de juros bancárias, que são as mais altas do mundo. Constituem a principal trava ao crescimento, pois dobram o preço das compras financiadas por um ano. À guisa de comparação, nos países emergentes a taxa média de juro ao consumo é de 10% ao ano.

Enfrentar o mercado financeiro para baixar essas taxas vai além do uso dos bancos públicos. É necessário forçar os bancos privados à competição. Para isso é preciso: reduzir a Selic, eliminando os ganhos de tesouraria com títulos federais, e as escorchantes tarifas bancárias, tabelando-as. Sem esses ganhos fáceis, os bancos são obrigados a ampliar a oferta de crédito, saindo da posição cômoda em que se encontram.

Enfim, essa nova política, que dificilmente seria adotada por este governo, poderia proporcionar recursos de sobra para dar um salto de qualidade na área social, na infraestrutura e na mobilidade urbana.

Será que ainda há esperança?

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor