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Não seria mais lógico defender o sistema em vigor e lutar por uma melhor regulação do mercado de trabalho e por mais direitos em vez de assumir que essa é uma luta utópica e, pior, desimportante?

Para seus defensores, a reforma da Previdência (EC 06/2019) assume ares de panaceia, solução para todos os problemas do país. Argumentos mobilizados na sessão da Câmara dos Deputados no último dia 10 sugeriam que, aprovada a reforma, os empresários investirão, o déficit público será equacionado e a economia crescerá. Para tal, cada cidadã e cidadão precisa dar sua parcela de contribuição. Algo na linha do “juntos chegaremos lá”. Governo, empresários, banqueiros e a grande imprensa são os principais fiadores desse projeto.

Os segmentos que permanecem contrários à reforma congregam sobretudo partidos de oposição, organizações e movimentos sociais e sindicatos. No entanto, também para os opositores, a reforma da Previdência era vista como o tema que poderia mobilizar a sociedade contra o atual governo, que poderia ajudar na retomada do diálogo dos partidos e movimentos de esquerda com as parcelas mais pobres da população que aderiram à candidatura de Jair Bolsonaro em 2018.

Historicamente e em todos os países do mundo, reformas previdenciárias são polêmicas. Têm forte apelo social, discutem medidas de curto e também de longo prazo e afetam diretamente a vida das pessoas. Muitos jovens, contudo, têm se mantido mais distantes do debate público brasileiro sobre a reforma da Previdência, sob o argumento de que a aposentadoria seria um horizonte muito distante de suas preocupações atuais e de que a urgência mais imediata tem a ver com possibilidade de inserção no mercado de trabalho. Soma-se a isso o crescimento da informalidade, aspecto que afasta ainda mais a juventude do tema da Previdência. Para boa parte da juventude brasileira, a realidade da aposentadoria é uma perspectiva utópica ou sequer é almejada. Em todo o mundo, o crescimento e a pluralidade dos trabalhos informais são encarados como algo que pode prejudicar os trabalhadores, mas também apresenta vantagens, sobretudo aquelas ligadas à liberdade de jornada e carga horária e a ideia de que é possível sermos “chefes e empresários” de nós mesmos.

O desenrolar desse fio sobre o mercado de trabalho atual pode (e deve) nos levar a uma série de discussões (muito necessárias e urgentes). Quero aqui me concentrar no tema da Previdência, refletir sobre cinco questões que afetam a juventude e podem sensibilizá-la sobre a importância desse tema e alertar sobre os perigos da proposta em regime de aprovação no Congresso Nacional.

O primeiro deles tem a ver com o modelo de sociedade e justiça social advindo da Constituição Federal de 1988. O desenho tripartite da Seguridade Social prevê que o Estado, os empresários e os trabalhadores contribuam para o financiamento da Previdência. Daí decorrem duas implicações fundamentais: a Previdência não deve se autossustentar; e o rompimento desse pacto constitucional tripartite corresponde a um ataque mais amplo ao modelo distributivo expresso na Constituição Federal.

O segundo aspecto diz respeito aos impactos imediatos e de médio e longo prazo sobre a economia do país, com desdobramentos diretos sobre o mercado de trabalho e a vida dos jovens em geral. Aqui ressaltamos que os benefícios previdenciários são indispensáveis para a vida econômica dos municípios. Considerando que mais de 70% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes e 90% deles têm menos de 50 mil, não é difícil imaginar o impacto dos cortes de aposentadorias e outros benefícios sobre essas localidades. Estudo recente divulgado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) apontou que em 73,6% dos municípios brasileiros (4.101) o volume de pagamento de benefícios previdenciários efetuados pelo INSS supera o Fundo de Participação dos Municípios.

Esse ponto nos leva ao terceiro argumento. A perda dos benefícios atinge direta e cruelmente milhões de famílias no Brasil, muitas das quais dependem do montante recebido pelos idosos para sua sobrevivência – daí já podemos imaginar os efeitos subjetivos sobre as relações familiares, com o aumento das tensões e violências de todo tipo. Com o orçamento familiar mais restrito, crianças e jovens que puderam deixar de trabalhar e se dedicar aos estudos, porque tinham apoio familiar, precisarão voltar à condição anterior.

Nosso quarto ponto dialoga com um dos principais pressupostos da reforma previdenciária. O argumento do “rombo previdenciário” é construído a partir do olhar sobre as despesas e não dá a devida atenção ao potencial das receitas para financiar a Previdência. Basta lembrar, o pagamento das dívidas milionárias de empresários rurais e urbanos com a Previdência é um aspecto completa e intencionalmente ausente do debate público. Nos governos Lula e Dilma, o aumento do emprego e da formalização fez crescer a receita previdenciária, afinal havia mais gente contribuindo. Ao olhar somente para os chamados gastos públicos, o governo demonstra que não quer um Estado forte, com capacidade para investir e implementar políticas públicas. A preocupação é reduzir, ao invés de aumentar as capacidades do Estado. Isso compromete não apenas as duas áreas irmãs da Previdência no sistema de Seguridade Social (Saúde e Assistência Social), como todo o rol de políticas públicas e agendas de promoção da cidadania.

Por fim, o quinto argumento vem em formato de uma pergunta: se é fato que muitos jovens não têm perspectiva de acessar o benefício previdenciário no futuro, considerando as normas atuais, não seria lógico lutar por mudanças mais (e não menos) inclusivas? Ou seja, deixo o questionamento se não devemos defender o sistema em vigor e lutar por uma melhor regulação do mercado de trabalho e por mais direitos ao invés de assumirmos que essa é uma luta utópica e, pior, desimportante. Ao contrário, para mim ela se apresenta como uma luta urgente e atual, pois atingirá pessoas ao nosso redor em um futuro muito próximo; irá impactar as economias municipais e nacional, com desdobramentos sobre a vida de todos os brasileiros, sobretudo os mais pobres; e porque ataca frontalmente o modelo distributivo desenhado e democraticamente aprovado na Constituição Cidadã de 1988. Na condição de jovem, me somo àqueles que defendem um Brasil mais justo e próspero, com mais direitos e oportunidades.

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)