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Lembrar Owen Fiss vem a propósito do julgamento da ADPF 130 pelo STF, que resultou na revogação da Lei de Imprensa do período autoritário

Este artigo é uma homenagem ao livro Ironias da Liberdade de Expressão – Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública, do professor de Yale Owen Fiss (original 1996; Renovar, 2005). Apesar de se referirem às implicações da Primeira Emenda da Constituição dos EUA, os argumentos de Owen se aplicam também ao Brasil. Para ele, o Estado não é um inimigo natural das liberdades individuais. Ao contrário, muitas vezes deve agir exatamente para proteger a liberdade dos cidadãos. Os principais exemplos são as intervenções para garantir os direitos de expressão de minorias raciais, religiosas e étnicas, assim como das mulheres. A intervenção estatal pode significar, portanto, a promoção da liberdade, e não sua restrição.

Lembrar Owen Fiss vem a propósito do julgamento da ADPF 130 pelo STF, que resultou na revogação da Lei de Imprensa do período autoritário (Lei nº 5.250/67).

Há várias observações que o leigo interessado pode fazer do julgamento. A começar da própria “Inicial”, subscrita pelo PDT em 2/2008, em que não se faz nenhuma distinção entre liberdade de comunicação, de expressão, de pensamento, de opinião, de informação e de imprensa. Editoriais de O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo são usados como referência para sustentação do argumento. Equaciona-se, sem mais, a liberdade de imprensa de grandes grupos de mídia com a liberdade de expressão individual.

Já o parecer/voto do relator, apoiado integralmente por outros seis ministros, remete a uma “imprensa” idealizada, que não é possível identificar-se com aquela em atividade no Brasil. Afirma-se, por exemplo, que “(nossa) imprensa (...) faz de sua liberdade de atuação um necessário compromisso com a responsabilidade quanto à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público” (§ 29).

Os quatro votos vencidos, por outro lado, levantaram importantes questões, como qual “preceito fundamental” teria sido ferido para justificar a “Inicial”? Não tem sido livre a imprensa, desde o fim do regime militar, em 1985? Pelo menos um dos votos mencionou en passant a questão da concentração da propriedade da mídia nas mãos de poucos grupos empresariais e a omissão que não “dá voz” a determinados grupos sociais ou os trata com preconceito.

A principal preocupação dos vencidos, no entanto, estava no “vazio legal” em relação ao “direito de resposta”, garantido pelo inciso V do artigo 5º da Constituição e regulado pela Lei nº 5.250. De um lado, a incerteza jurídica que a ausência da lei representaria para as empresas de mídia passíveis das decisões de primeira instância de “um juiz qualquer”. De outro, a necessidade de proteger os cidadãos do poder da própria mídia, totalmente assimétrico em relação a eles e, às vezes, igual ou maior que o poder do próprio Estado. Foi lembrado que “recuperar a honra destruída pela mídia é como tentar juntar as plumas de um travesseiro atirado pela janela do último andar de um arranha-céu”.

O reconhecimento da importância do “direito de resposta” trouxe, tardiamente, ao julgamento no STF seu esquecido sujeito principal, isto é, o cidadão, razão única para a liberdade de expressão e para a liberdade de imprensa. Ficou mais uma vez evidente a dificuldade que a maioria do STF encontra na transição entre a defesa abstrata da liberdade de expressão (e da liberdade de imprensa) e o reconhecimento de sua efetivação através de medidas do Estado que promovam a democratização do poder de comunicar.

Ao final, prevaleceu mesmo a polêmica interpretação de que nossa Lei Maior proíbe o Estado de exercer qualquer regulação sobre a atividade jornalística e, portanto, toda a Lei nº 5.250 afrontava a Constituição de 1988.

Uma decisão, certamente, na contramão das Ironias da Liberdade de Expressão de Owen Fiss.

Venício A. de Lima  é sociólogo e jornalista, autor/organizador de A Mídia nas Eleições de 2006, Editora Fundação Perseu Abramo, 2007