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Instituto Millenium, promotor do Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, coloca a mídia no centro das batalhas políticas

As atividades do Instituto Millenium, entidade que promoveu o Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, realizado no início de março, em São Paulo, reafirmam a centralidade da mídia como ator e como palco fundamental da "batalha das ideias" que se trava na política brasileira.

Primeiro, em sua Carta de Princípios, o IM explicita sua filiação neoliberal: "O direito de propriedade, as liberdades individuais, a livre iniciativa, a afirmação do individualismo, a meritocracia, a transparência, a eficiência, a democracia representativa e a igualdade perante a lei, atribuindo-se ao Estado, nas esferas limitadas pelas instituições constituídas sob o estado de direito, a responsabilidade de servir a cada um e a todos no provimento, principalmente, de segurança, justiça, igualdade de oportunidade através de saúde e educação básicas, e qualidade ambiental".

Segundo, seu quadro diretivo inclui empresários e/ou jornalistas dos principais grupos de mídia, como João Roberto Marinho, Roberto Civita, Eurípedes Alcântara, Luiz Eduardo Vasconcelos e Pedro Bial.

Terceiro, a imensa repercussão seletiva que o referido Fórum obteve sinaliza o compromisso da grande mídia de buscar, de todas as formas, impedir a continuidade do atual projeto de governo nas eleições de 2010.

Em meio ao tom emocional e ideológico das exposições e argumentos apresentados ao longo do Fórum, vale destacar um que se refere à formação dos hábitos culturais, incluindo assistir a determinados canais e/ou programas de TV ou ler determinadas revistas e/ou jornais.

Trata-se de repetida falácia sobre a inutilidade de qualquer forma de regulação da mídia tendo em vista que já seria exercida pelo leitor/espectador/ ouvinte que lê/vê/escuta aquilo de que gosta, podendo, simplesmente, não ler/ ver/escutar aquilo de que não gostar.

Por que uma falácia?

1. Deslocar a questão da regulação da mídia apenas para o gosto, além de reduzir a problemática da comunicação de massa a uma única dimensão – do "consumo" individual no mercado –, ignora toda a complexa formação social do gosto e do enorme papel que a própria mídia nela desempenha.

2. O argumento do gosto pressupõe um mercado de mídia democratizado, onde estariam representadas toda a pluralidade e toda a diversidade da sociedade, que, por óbvio, não existe. Assim, ignora o fato elementar de que não se pode gostar ou não gostar daquilo que não se conhece ou cujas chances de conhecer são extremamente reduzidas.

3. Se é verdade que a mídia impressa pode ignorar suas responsabilidades sociais por ser uma iniciativa  privada, excluída de qualquer licença e/ou regulação, o mesmo não se aplica ao serviço público de radiodifusão. Concessionários de rádio e televisão são prestadores de um serviço público que se obrigam a um contrato, por tempo determinado e sob prioridades e condições definidas na Constituição (artigo 221). Como afirmou o juiz Byron White em célebre sentença na Suprema Corte dos Estados Unidos: "É o direito dos telespectadores e ouvintes, não o direito dos radiodifusores, que é soberano".

Por outro lado, a acentuada tendência de queda nas audiências e na leitura dos veículos da grande mídia, revelada nos últimos anos, indica que algum tipo de "controle" está, sim, sendo exercido pelo leitor/espectador/ouvinte. A grande mídia vai aos poucos tendo de conviver com uma nova mídia – alternativa, interativa, complementar –, em alguns casos, construída pelo novo sistema público.

De qualquer maneira, a desmedida repercussão pública de iniciativas como o Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, apesar da falácia de seus argumentos, antecipa o papel decisivo que a grande mídia jogará, ainda uma vez mais, na próxima eleição presidencial.

Venício A. de Lima, autor, com Bernardo Kucinski, de Diálogos da Perplexidade – Reflexões Críticas sobre a Mídia; Editora Fundação Perseu Abramo, 2009