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Apesar do apoio do movimento social, Lugo optou por governar negociando com a direita. Isso dificultou avançar em um país com profundos problemas estruturais

O Congresso paraguaio aprovou o impeachment do presidente Fernando Lugo no dia 22 de junho. Houve tentativas iniciais do movimento social paraguaio de resistir ao golpe aplicado pelo Poder Legislativo controlado pela direita contra um presidente legitimamente eleito pela população, mas a própria passividade de Lugo diante do processo contribuiu para esfriar os ânimos. Os países-membros da Unasul e do Mercosul suspenderam a participação do Paraguai nesses fóruns, devido à violação de suas cláusulas democráticas, até que se reinstale a normalidade democrática.

No entanto, as ações internas e externas não foram e dificilmente serão suficientes para reverter os efeitos do golpe, e cabe uma reflexão sobre as razões do ocorrido e as perspectivas dos setores políticos progressistas daqui por diante.

O Paraguai é um país eminentemente agrário e sua atividade econômica urbana principal relaciona-se ao comércio e ao serviço público. É um dos poucos da América do Sul que não passaram pela fase de substituição de importações, o que ajuda a explicar a debilidade de forças políticas e sociais urbanas progressistas e a predominância dos setores agrários conservadores, organizados principalmente no Partido Colorado. Este sustentou a ditadura Stroessner durante 35 anos, dominando e corrompendo a máquina do Estado, o que lhe dá presença importante também entre os funcionários públicos.

Há ainda outros partidos de direita, como o Pátria Querida, a Unace do general Oviedo e o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), que apoiou a eleição de Fernando Lugo em 2008, indicando o candidato a vice-presidente, Federico Franco. Lugo tinha na época grande apoio do movimento social, sobretudo no campo, mas pouca base partidária. Essa base elegeu apenas três senadores e uma deputada, com a direita conquistando mais de 90% das cadeiras. Esta, porém, se dividiu quando o PLRA assumiu uma série de ministérios e cargos no governo. Numericamente majoritária, a oposição bloqueou inúmeras iniciativas governamentais.

Apesar do apoio do movimento social, Lugo optou por governar negociando com a direita e sem questionar as instituições vigentes. Isso tornou difícil avançar em um país herdeiro de profundos problemas estruturais e altos índices de pobreza. Mesmo assim, implantou alguns programas sociais importantes, como de apoio à terceira idade e saúde pública gratuita, e um programa semelhante ao Bolsa Família, o Tekoporã. Além disso, procurou tratar os conflitos fundiários de modo civilizado, assinando um protocolo de diálogo com o movimento dos sem-terra do país.

Desde 2009, a direita fala em realizar um julgamento político no Congresso para destituí-lo, mas não obteve a unanimidade necessária para fazê-lo, como conseguiu agora. Essa unanimidade se deveu à adesão do PLRA ao pedido de impeachment, bem como do senador Rafael Filizzola, ministro do Interior entre 2008 e 2011, e da deputada Desirée Masi, ambos do Partido Democrático Progressista da “base” de Lugo. (Ele só contou com dois votos no Senado contra sua destituição.)
O massacre de Curuguaty em 15 de junho, em que morreram onze camponeses e seis policiais – entre eles o comandante, irmão do chefe da segurança de Lugo –, ao que tudo indica foi uma cilada articulada pelos latifundiários que infiltraram franco-atiradores entre os sem-terra.

A reação de Lugo foi destituir o ministro do Interior, Carlos Filizzola, substituindo-o por Rubén Candia Amarilla, do Partido Colorado e ex-ministro da Justiça do presidente Nicanor Duarte. Essa tentativa de cooptar a direita colorada enfureceu o PLRA, que, se sentindo preterido, retaliou Lugo com votos a favor do impeachment, num processo viciado e ilegal. Viciado porque era intenção da direita injustificadamente fazê-lo há muito tempo, o que seria o mesmo que o presidente destituir parlamentares por decreto somente por lhe fazerem oposição. Ilegal pelo descumprimento dos direitos elementares de defesa previstos no código penal do país e pelo fato de as acusações envolvendo conflitos agrários, a realização de atividade política de jovens num quartel militar, a crescente insegurança e a assinatura de um protocolo adicional do Mercosul não constituírem
delitos.

Mesmo faltando onze meses para as próximas eleições, a direita não vacilou em tomar o governo de assalto, instigada principalmente pelos colorados, pelos latifundiários, incluindo os “brasiguaios”, pelas multinacionais produtoras de transgênicos e pelo jornal ABC Color, entre outros, para não correr o risco de as políticas sociais e a relação do governo Lugo com os camponeses e sindicatos ameaçarem sua vitória em 2013. Também por isso manteve os programas sociais e, embora o ministro Candia tenha revogado o protocolo de diálogo antes da queda de Lugo, a orientação atual do usurpador Federico Franco é evitar confrontos de sua polícia com os sem-terra.

Nesse quadro, os setores progressistas discutem uma estratégia de crescimento de longo prazo, pois, além das características sociais do Paraguai, o período ditatorial de 1954 a 1989 impediu o desenvolvimento de uma esquerda viável. A primeira experiência governamental progressista foi a de Carlos Filizzola como prefeito de Assunção, entre 1991 e 1996, entretanto, exercendo um governo contraditório. Posteriormente houve uma modesta participação parlamentar, até a eleição de Fernando Lugo à Presidência, que rendeu alguma experiência política e administrativa.

Em 2010 foi constituída a Frente Guazú (Frente Ampla, em guarani), composta atualmente por dezenove pequenos partidos que se reivindicam socialistas ou social-democratas. Na eleição municipal daquele ano elegeu quatro prefeitos e 170 vereadores e, na capital, tornou-se a segunda força política depois do Partido Colorado.

Para as eleições presidencial e parlamentar em 2013, o principal desafio da Frente é construir uma relação mais estreita com o movimento social e fortalecer a unidade interna para defender uma proposta consistente de transformação econômica e social do Paraguai. E, mais que alcançar um bom resultado eleitoral, apresentar-se como alternativa real de governo no futuro.

Kjeld Jakobsen é consultor em Cooperação e Relações Internacionais