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Resultado das eleições parlamentares na Itália provocou uma situação política complexa que dificultará a composição do novo governo e seu funcionamento

O resultado das eleições parlamentares realizadas na Itália em 24 e 25 de fevereiro provocou uma situação política complexa que dificultará a composição do novo governo e seu funcionamento, quando e se este for formado. Entretanto, não é a primeira vez que isso ocorre, particularmente pelas características da legislação eleitoral do país, na qual o partido mais votado recebe um adicional de deputados que lhe permite alcançar a maioria na Câmara dos Deputados, mesmo sem obter a maioria dos votos da população e sem precisar se coligar com outros partidos. Essa é uma herança deixada por Silvio Berlusconi, que, durante seu primeiro mandato na década de 1990, criou um mecanismo para favorecer a coligação partidária que o apoiava e, assim, permanecer à frente do governo por muito tempo.

Para a composição do Senado, porém, esse mecanismo não existe, o que torna possível o estabelecimento de outra correlação de forças políticas na casa. Tendo em vista o papel do Senado de propor leis e de alterar as propostas advindas da Câmara, a hegemonia de coalizões políticas diferentes em cada uma das casas pode paralisar o governo e, inclusive, barrar a composição do ministério.

O resultado atual aponta para essa possibilidade, conforme o quadro de distribuição dos votos entre a coalizão do Partido Democrático e o Esquerda, Ecologia e Liberdade (PD + EEL), encabeçada por Pier Luigi Bersani; a coalizão liderada por Silvio Berlusconi, composta pelo partido Povo da Liberdade e pela Liga Norte (PdL + LN); o Movimento Cinco Estrelas (M5S), liderado por Beppe Grillo; e a coalizão de pequenos partidos de centro-direita de Mario Monti, o atual primeiro-ministro demissionário.

* Os partidos que não superaram a cláusula de barreira foram uma coligação de direita liderada pelo juiz Ingroia, com pouco mais de 2%, e os de esquerda como o Refundazione Comunista e o Partido Comunista Italiano.

Um mês após as eleições houve a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado. Na primeira casa venceu a deputada Laura Boldrini, do EEL, e na segunda o senador Pietro Grasso, do PD, que disputou o primeiro turno com Renato Schifani, do PdL, até então presidente do Senado, e um candidato do M5S, que ficou em terceiro lugar. No segundo turno, derrotou o candidato da direita com a ajuda de 10 a 15 votos do Cinco Estrelas, apesar da orientação de seu líder Beppe Grillo de se absterem. Esse fato deve ter sugerido a Pier Luigi Bersani a possibilidade de contar com parte dos votos do M5S no Senado, além dos da Coligação de Monti para aprovar temas prioritários, a começar pela formação do ministério. Assim, em 22 de março, ele foi convidado pelo presidente da Itália, Giorgio Napolitano, a tentar compor o novo governo.

Se conseguir, o passo seguinte será a eleição do presidente do país, pois o mandato de sete anos do atual termina em abril. O colégio eleitoral, porém, formado por deputados, senadores, senadores vitalícios e representantes das vinte regiões, soma 1.009 votos. Todavia, o PD só elegerá também o presidente se contar com os votos da coligação de Monti e de dissidentes do M5S.

A situação é frágil, e o resultado das eleições não implica adotar políticas alternativas para enfrentar a crise. Ao contrário, a estratégia eleitoral do PD foi se acomodar aos indicadores de intenção de votos que lhe davam a maioria e já negociar a composição do governo com a coligação de Mario Monti, que assumira o cargo de presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro) em 2011, à frente de um ministério "técnico", para substituir Berlusconi, desgastado por diversos escândalos e incapaz de lidar com a crise econômica que havia chegado também à Itália.

Mario Monti, ex-funcionário do Banco Lehman Brothers, foi proposto pela Comissão Europeia para implementar a política de austeridade na Itália e sua nomeação foi apoiada pelo PD sob a justificativa de que isso permitiria remover Berlusconi do governo. A opinião da população italiana expressa nas eleições, porém, foi de rejeição a essa política, o que explica a expressiva votação do partido de Beppe Grillo, que fez sua campanha em oposição aos partidos tradicionais, e os votos a Silvio Berlusconi, com seu discurso contra o aumento de impostos, de eleitores descontentes com as medidas econômicas.

Se Bersani não conseguir apoio no Parlamento para nomear um governo, é provável que haja novas eleições. Caso consiga formar o governo mantendo a política preconizada pela Comissão Europeia, tampouco durará como chefe de Estado.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais