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De nada adiantará unificar a base e torná-la mais coesa se não for para implementar a agenda sufragada nas urnas, que interessa à maioria da população

A reforma ministerial, anunciada no último dia 2 de outubro, do ponto de vista do governo, teve quatro objetivos: reorganizar e unificar a base no Congresso, retomar o controle sobre a agenda legislativa em matérias de de seu interesse, evitar o impeachment e melhorar a gestão do Poder Executivo. Sob a ótica da esquerda, além desses objetivos, o sentido da reforma é contar com retaguarda para preservar os direitos e os programas sociais.

Ninguém desconhece que as forças conservadores e neoliberais, aproveitando a fragilidade momentânea do governo, estão organizadas e orquestrando uma série de propostas e ações para provocar revisão de direitos,  programas sociais e de marcos regulatórios que protegem o patrimônio público e a soberania nacional.

Nessa perspectiva, um freio de arrumação no governo com a recomposição das forças é indispensável, mas para criar as condições de enfrentar essa investida e não para se render a ela.

Assim, a reorganização da base era uma condição fundamental à governabilidade. A desorganização das forças de sustentação do governo estava levando à completa desarticulação política, a ponto de o presidente da Câmara, em parceria com a oposição e até setores da base, ter derrotado o Poder Executivo em temas fundamentais, com reflexos sobre a economia e sobre a base social petista.

A reforma ministerial, negociada diretamente com os líderes partidários, sem prejuízo do respaldo das direções dos partidos, contribuirá para pacificar e unir as bancadas em torno das matérias de interesse do governo e do país. As primeiras votações já refletem um pouco essa rearrumação.

A alegação dos partidos da base, especialmente o PMDB, era de que se o próprio partido da presidenta votava em desacordo com a orientação governamental, todos os demais estavam autorizados a fazer o mesmo. Ou seja, transferia-se para o PT a responsabilidade pela defesa das pautas impopulares. Agora o ônus e o bônus serão de todos.

A retomada do controle da agenda governamental era igualmente fundamental para não apenas aprovar o ajuste, mas também, e principalmente, evitar retrocesso. Dezenas de conquistas históricas estavam sendo ameaçadas por falta de uma coordenação política eficiente, que fosse capaz de reunir maioria suficiente para barrar o avanço das forças conservadoras, lideradas, conduzidas ou defendidas pelo presidente da Câmara e pelas bancadas evangélica, ruralista, da bala e da bola.

A tentativa de golpe, para destituir por impedimento uma presidenta legitimamente eleita, estava ganhando musculatura, mas após a reforma ministerial, começa a ser debelada no interior do Parlamento. A reação de Dilma, que passou a fazer política e promoveu mudanças em seu governo, combinada com o enfraquecimento do presidente da Câmara, deram uma trégua na investida da oposição, apesar das recentes decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal de Contas da União, respectivamente, abrindo investigação sobre os gastos de campanha e propondo a reprovação das contas de 2014.

A mudança ministerial trouxe a percepção de que o governo ficará mais ágil e harmônico, com a coordenação política entregue ao experiente Ricardo Berzoini e a coordenação de governo ao habilidoso Jacques Wagner. Essa percepção reduz a hostilidade de setores do Congresso e do próprio mercado, que encontrarão nos novos gestores disposição para o diálogo.

Entretanto, de nada adiantará unificar a base e torná-la mais coesa se não for para implementar a agenda sufragada nas urnas, que interessa à maioria da população. Um governo com a origem e a trajetória do Partido dos Trabalhadores nunca pode, nem mesmo em períodos de crise, permitir retrocessos. Se não for para preservar direitos e os programas sociais não terá valido a pena esse esforço.

Por isso, ao mesmo tempo em que se busca tranquilizar o mercado e reduzir a insegurança dos investidores, deve-se mudar a lógica do ajuste, que tem priorizado o corte de despesas, a venda de patrimônio público e a redução dos investimentos, além de, contraditoriamente, elevar os juros em momento de recessão ou retração da atividade econômica.

O papel das forças progressistas, inclusive das que dão sustentação ao governo, deve ser sempre crítico às políticas recessivas e de cobrança da retomada da atividade econômica, tendo como base a redução da taxa de juros, a preservação dos direitos e dos programas sociais, bem como dos investimentos que geram emprego e renda. Não podemos cair na armadilha de renunciar aos nossos projetos e convicções em troca da governabilidade. Se o preço da governabilidade for abdicar de nossas pautas e abandonar nossa base social não vale a pena pagar. Vamos resistir ao golpe e também à investida conservadora e neoliberal.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap