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Partido acertou. O formato escolhido reflete sua própria história, como uma confluência de movimentos e aspirações sociais, confluência de sonhos e diferentes matrizes ideológicas

Em 10 de fevereiro de 2020, o Partido dos Trabalhadores completou quatro décadas de vida. Para celebrar a data, realizou o primeiro festival político-cultural do PT, de 7 a 9 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Foram três dias de debates políticos, encontros e muita cultura. Lula e Pepe Mujica juntos constavam como a principal atração do evento. Mas o sucesso do festival foi tamanho que é difícil saber qual foi a atração principal. Pra sentir um pouquinho da emoção, recomendo assistir ao vídeo-síntese.

A inspiração veio dos festivais da esquerda europeia, como a Festa do Avante e a Fête de L'Humanité, dos partidos comunistas português e francês, respectivamente. Criada em 1976, na esteira da Revolução dos Cravos do Portugal pós-salazarista, a Festa do Avante é hoje um dos principais festivais culturais do país. Ainda mais antiga, de 1930, a Fête de L'Humanité, ou simplesmente Fête de L'Huma, também é um acontecimento na França. Ambas reúnem centenas de milhares de pessoas e promovem atrações culturais e políticas, ao mesmo tempo em que constroem territórios de solidariedade, liberdade e esperança. Com proposta semelhante, o primeiro festival do PT teve tudo isso e mais um pouco.

O primeiro acerto foi o local da realização da festa, a cidade do Rio de Janeiro. A cidade de Marielle Franco, que é também a cidade de Bolsonaro (e família), das milícias, da violência contra o povo preto e pobre das favelas. A capital do estado governado por Leonel Brizola, cujo legado segue vivo e muito presente na cultura política carioca e fluminense. Igualmente uma das cidades onde o PSol demonstra mais força, com a figura combativa de Marcelo Freixo e muitas outras companheiras e companheiros – e que alegria finalmente nos considerarmos assim, companheiras e companheiros. E de outras figuras expressivas da política nacional, como Alessandro Molon e Jandira Feghali, cujos partidos, PSB e PCdoB, estiveram muito bem representados em uma das rodas de conversa, no evento do PT, pelos companheiros Carlos Siqueira e Manuela D'Ávila, respectivamente. Além da escolha da cidade, foi também muito acertado realizar as atividades na região central do Rio, em espaços icônicos da cultura carioca, como o Circo Voador, a Fundição Progresso e os Arcos da Lapa.

O segundo acerto foi dar centralidade à cultura. Ela, afinal, sempre fez parte da nossa cultura política. A cultura popular, a cultura periférica, negra, indígena, a cultura alimentar, a Música Popular Brasileira. Aliás, sobre isso, ressaltamos que o festival reuniu muito do que há de novo e de melhor na música e na cultura popular brasileira. Os sons das periferias, do rap, do funk, dos xotes e xaxados, do samba. Teve ainda mostra de cinema do PT 40 anos, feira das Yabás e o bloco carnavalesco Vai dar PT.

A presença de cada um dos artistas no festival precisa ser muito valorizada. Representa um voto de confiança no partido, que deve ecoar na forma de um compromisso pela reconexão com as lutas populares. Como bem expressou o rapper GOG, "o PT tem 40 anos e a nossa luta tem séculos e séculos [se referindo à luta do povo negro]. Então o PT aprendeu com nós e tem de aprender muito mais com nós".

O terceiro acerto foram os temas dos debates políticos e os convidados. Em vez de olhar pra dentro, o festival foi sobretudo um momento de interlocução política e reforço de alianças estratégicas. A escolha desse formato reflete a própria história do partido, como uma confluência de movimentos e aspirações sociais, confluência de sonhos e diferentes matrizes ideológicas. A história do PT é de fato coproduzida por muitos outros sujeitos e atores políticos e a celebração dos nossos 40 anos estaria incompleta sem a presença desses parceiros. Parceiros nacionais e também latino-americanos, representados pelos hermanos Pepe Mujica, do Uruguai, e Jorge Taiana, da Argentina.

A opção por um festival indica não apenas que o PT dá sinais de que quer falar pra fora, mas também de que quer escutar, oxigenar e ressignificar pautas, discursos e práticas. Um caminho que é sempre de mão de dupla. A militância e os parceiros que ali estavam não foram para compor ou assistir ao nosso festival, mas para participar dele. Sua presença tem também a função de cobrar posições mais firmes, alinhadas à nossa história e ao futuro que estamos a construir. Não à toa, ouvimos falas ideologicamente bem demarcadas de nossos dirigentes que, esperamos, tenham de fato se contagiado com aquela agremiação de forças, sonhos, entrega e compromissos. Que esta seja mais uma das funções do festival, nos contagiar, nos reanimar, nos reconectar.

Em um artigo recente intitulado O Desenvelhecimento do Mundo, Boaventura de Sousa Santos saúda os sinais de retomada global da esperança, depois de décadas de domínio do que ele identifica como formas de envelhecimento do mundo e da política, seja pela negação do novo, seja pela reedição ininterrupta do presente. Tais sinais de “desenvelhecimento'’ manifestam-se, por exemplo, nas "presenças coletivas de jovens e velhos [que vêm] enchendo as ruas e as praças públicas do mundo contra a política da repetição e os políticos repetidos". Sujeitos individuais e coletivos que se somam contra a barbárie, porque nela já nos encontramos.

Vejo o festival de comemoração pelos 40 anos do PT como parte desse processo de desenvelhecimento, tanto no âmbito interno do partido, como na esquerda brasileira. Marco de uma construção de futuro que tem compromisso e inspiração nas lutas históricas dos trabalhadores, mas que é também um futuro em aberto, devendo-se alinhar aos sonhos e às aspirações do presente. Não temos dúvidas de que momentos como os do festival são imprescindíveis neste caminhar, pois, como bem coloca Boaventura, "ter futuro é ser dono do presente".

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)