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Diante de pesquisas temos de ter cautela. Nada de demonizá-las. Nada de sacralizá-las. Impossível averiguar com exatidão matemática o que ocorre no subsolo das consciências

“Compadre meu Quelemém nunca fala vazio,

não subtrata. Só que isto a ele não vou expor.

A gente nunca deve de declarar que aceita

inteiro o alheio – essa é que é a regra do rei!

O senhor... Mire veja: o mais importante e

bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão

sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas

que elas vão sempre mudando. Afinam ou

desafinam. Verdade maior. É o que a

vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.”

 ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas

“O diabo na rua no meio do redemoinho.” / João

Guimarães Rosa – 22ª. ed. – São Paulo:

Companhia das Letras, 2019, p. 24.   

 

 

As pessoas não estão sempre iguais.

Nunca estão terminadas.

Vão sempre mudando.

Lições do velho Rosa, do grande sertão.

Das veredas do grande sertão.

O eterno movimento do mundo.

Parto desse movimento para discutir nossa subjetividade.

A subjetividade da nossa militância de esquerda.

A cada campanha, olho pra tal subjetividade.

Somos fascinados por pesquisas de opinião. Nosso humor oscila de acordo com elas. Quando elas são contrariadas, por pequena seja a contrariedade, nos quedamos desesperançados, como se o mundo tivesse acabado.

Há movimentos imperceptíveis na opinião do povo.

As pessoas vão sempre mudando.

Afinam ou desafinam.

E nem sempre do jeito pensado pelos institutos de pesquisa. Porque impossível de averiguar com exatidão matemática o que ocorre no subsolo das consciências.

Tais institutos não fazem milagres.

Acreditou-se existir o chamado “voto envergonhado” – era uma aposta dos institutos.

E esse voto seria do Lula.

Não foi – era do adversário.

Não foi nenhuma má intenção dos institutos. Acertaram, chegaram perto, dos índices de Lula.

Erraram quanto ao atual presidente. O voto envergonhado era dele.

O impressionante, e volto ao ponto inicial, é a subjetividade da militância de esquerda: diante de uma evidente vitória, como foi a desse primeiro turno, com diferença superior a 6 milhões de votos, ela parecia ter sido derrotada. Acreditou cegamente nos institutos de pesquisa, embora a bem da verdade eles jamais tenham cravado vitória no primeiro turno. Era uma vaga possibilidade.

Não gosto da expressão “eu não disse?”. Parece pirraça. Mas, já tem algum tempo vinha dizendo e escrevendo ser quase impossível ganhar no primeiro turno. Há uma força conservadora poderosa na sociedade brasileira. E conservadora afinada com o pensamento da extrema-direita. O presidente expressa esse movimento. Não é um ser isolado – estava evidente. Às vezes, com nosso pensamento desejoso, nos recusamos a enxergar a realidade.

Ao mesmo tempo, eu dizia: era importante ter em vista a possibilidade de ir ao segundo turno para não sofrer um choque, como se tivéssemos sido derrotados. Vi muita gente desanimada depois de nossa vitória – parece loucura, mas verdade.

São as pesquisas.

Na Bahia, deparei com outro fenômeno diante das pesquisas. Havia os institutos mais famosos, indicando vitória do adversário do PT no primeiro turno. Houve um instituto a captar a ascensão de Jerônimo Rodrigues, não tão famoso, em pesquisas contratadas pelo jornal A Tarde. Parte da militância do PT preferia acreditar na avaliação dos institutos mais famosos, cujas previsões haviam sido derrotadas em quatro eleições. Deu Jerônimo Rodrigues à frente, por pouco ganhando no primeiro turno, com chances agora de protagonizar no segundo turno a quinta vitória do PT e aliados no estado.

Diante de pesquisas temos de ter cautela. Nada de demonizá-las, seria besteira. Nada de sacralizá-las, outra besteira. Elas ajudam, mas não devem ser vistas como se flagrassem vitória ou derrota. As pessoas não estão sempre iguais, nunca foram terminadas. Estão em movimento. E a militância política pode ocasionar mudanças, sempre. Acreditar nisso, essencial.

Volto: nós vencemos as eleições nesse primeiro turno.

Nada de choro, lamúrias.

Resta nos enchermos de mais e mais disposição, esperança, vontade política para vencermos esse segundo turno, como o fizemos no primeiro.

Nada de ilusões, nada de subestimar o adversário.

Lula está compreendendo isso, ao tentar alargar o arco de alianças, ao buscar mais e mais aliados, ciente da necessidade de ampliação para garantir a vitória no segundo turno, anunciada pelo resultado do dia 2 de outubro, tão favorável.

É preciso entender uma coisa, defendida com insistência pela professora Esther Solano: o tal bolsonarismo se capilarizou e a esquerda e todo o mundo democrático tem de ter consciência disso, saber a dimensão do adversário (“O bolsonarismo se capilarizou e veio para ficar”, em O Globo, 4/10/2022).

Paulo Nogueira Batista Jr. em artigo recente, dizia: o bolsonarismo não é um ponto fora da curva: “essa ultradireita, mais agressiva, mais primitiva do que a direita tradicional, é uma verdadeira onda aqui e em outros países”. (“Segundo turno: a ultradireita contra a Arca de Noé”, no jornal GGN, 4/10/2022).

O bolsonarismo é expressão de parcelas consideráveis da sociedade brasileira – insisto.

A extrema-direita, antes tão tímida, ganhou condições de se expressar animada pela conjuntura mundial, pela emergência dela em vários países, e pelo golpe de 2016. A partir daí, caminhou e venceu as eleições de 2018, só possível com a prisão de Lula.

É esse o adversário a ser enfrentado agora. Para vencê-lo nas urnas, no dia 30 de outubro. É importante saber, primeiro, não ser um adversário a ser batido facilmente. Saber, segundo, saímos vigorosamente na frente no primeiro turno, e temos condições plenas de vencê-lo no segundo.

Insistir no discurso nacional de união do país, de recuperação de direitos do povo, estabelecimento de uma renda mínima, de elevação de nossa autoestima, de fortalecimento de nossa soberania, nos credenciarmos novamente diante do mundo.

E atenção: pesquisas não podem nos paralisar. Nem quando nos oferecem números favoráveis. Nem quando são desfavoráveis. Daqui até o dia 30, chão. Rua. Usar as redes. Conversa com o nosso povo. Muito diálogo. Chegar aos conservadores, dialogar com eles – não ficar restrito às nossas bolhas. É isso, além da grande política, a nos dar a vitória, amparados nos números alentadores do primeiro turno.

Depende de nós.

Hasta la victoria.

 

 

Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda, Carlos Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Militar, Waldir Pires – Biografia (2 volumes), entre outros