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Os governadores cobram do presidente Lula uma pauta de catorze pontos para ampliar os recursos dos estados

Os governadores cobram do presidente Lula uma pauta de catorze pontos para ampliar os recursos dos estados. Parte deles se refere a maiores transferências de recursos da União para os estados, como, por exemplo, ceder 20% da CPMF para estes e 10% para os municípios. Outra parte envolve ganho para os estados sem perdas para a União. O mais importante e polêmico é a permissão de elevação do limite de endividamento dos estados.

Os governadores de São Paulo e Minas Gerais são os principais interessados nessa elevação. Candidatos à eleição de 2010, precisam fazer obras endividando mais seus estados, dos  mais endividados do país. Usam como barganha política o apoio de suas bancadas para a aprovação da prorrogação da CPMF e da DRU (desvinculação das receitas da União), de interesse da União.

Em 1997 e 1998 os estados refinanciaram suas dívidas com a União, que as assumiu. Em troca passaram a dever à União o mesmo montante da dívida, só que com prazo de quarenta anos para saldá-la e com  juros bem inferiores. Para pagar, repassam 13% de suas receitas líquidas à União e assinaram contratos de refinanciamento, segundo a Lei n° 9.496/97. Entre as cláusulas desses contratos há uma que proíbe o estado de tomar novos empréstimos enquanto sua dívida for superior a um ano de sua receita.

Argumentam os governadores que o limite de endividamento dos estados fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é de duas vezes a receita corrente líquida e os contratos de refinanciamento feitos antes da LRF fixavam esse limite em uma vez. Como a LRF é posterior à Lei n° 9.496/97, que estabeleceu os refinanciamentos, o limite deveria ser ampliado.

O argumento não procede. A LRF não estabelece limite de endividamento, que pela Constituição é de competência exclusiva do Senado, que fixou em duas vezes a receita líquida. A LRF estabelece as condições de retorno da dívida aos seus limites e as punições fiscais caso isso não ocorra e, o mais importante, proíbe o refinanciamento das dívidas, ou seja, os termos do contrato de refinanciamento devem ser  integralmente cumpridos.

Caso os governadores queiram contratar novos empréstimos, o Congresso terá de alterar a LRF, com desgaste político para o presidente, governadores e o próprio Congresso.

Qual a importância desse limite? No passado foram estabelecidos acordos de refinanciamento com prazos de dez a vinte anos, com compromissos de estados e municípios cumprirem as metas estabelecidas em contratos de refinanciamento, na prática não cumpridas, no aguardo de novo refinanciamento. E, assim, a dívida cada vez crescia mais. A LRF pôs um fim a essa farra. Não veio para atender a conveniências políticas, cuja conseqüência é deixar heranças fiscais insustentáveis aos sucessores, como sempre foi no passado.

O cumprimento da Lei n° 9.496 e da LRF vem garantindo o saneamento fiscal dos estados. A relação entre a dívida e a receita caiu de 170% no final de 2000 para 142% no final de 2006, com redução de 28 pontos  percentuais (pp). Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Maranhão conseguiram reduções de mais de 100 pp e dezessete estados mais de 30 pp. Alagoas, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo são os  quatro com pior desempenho. Minas aumentou 47 pp. São Paulo reduziu apenas 5 pp e o serviço de sua dívida já atingiu 14% da receita, ultrapassando o limite de 11,5% estabelecido pelo Senado.

Catorze estados podem tomar novos empréstimos, até o limite fixado pelo Senado, pois suas dívidas se encontram abaixo de sua receita anual. Neste ano, Bahia e Piauí também se enquadrarão. Restam onze a satisfazer essa condição. São Paulo, Minas Gerais, Alagoas e Rio Grande do Sul estão com o dobro do limite permitido. Abrir exceção para esses estados é um péssimo exemplo: atinge o principal pilar da LRF e abre a porteira para toda sorte de reivindicações de outros estados e municípios que fizeram o dever de casa saneando suas finanças.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor