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Não há nenhuma surpresa quanto àqueles que se opõem a uma comunicação pública e a suas razões. Eles e elas já são suficientemente conhecidos

Apesar das críticas -- e não são poucas -- que podem ser feitas ao processo de criação e im­plantação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC/TV Brasil), não há dúvida de que ela representa um avanço importante nas comunicações brasileiras. Ao lado dos sistemas de ra­diodifusão privada e estatal, existe agora uma TV que se define legalmente como pública, e a disputa política para definir o que de fato constitui uma TV pública se desloca para sua prática.

O que finalmente será a TV Brasil ainda depende do texto a ser aprovado no Congresso a partir da MP 398/07. 0 próprio relator, Walter Pinheiro (PT-BA), admite que a proposta original deva ser alterada, pelo menos, em relação às fontes de financiamento, às regras para publicidade e à composição do Conselho Curador.

Não há nenhuma surpresa, no en­tanto, quanto àqueles que se opõem a uma comunicação pública e a suas razões. Eles e elas já são suficientemente conhecidos.

Os grandes grupos de comunicação privados e seus porta-vozes e aliados, antes mesmo da configuração definitiva da TV Brasil, passaram a utilizar em sua grande mídia a catchword "TV do Lula para descaracterizá-la, sem mais, como TV pública e nela colar o rótulo de TV partidária a serviço de interesses privados.

As sugestões do relator da MP em relação à obrigatoriedade de cessão dos direitos de transmissão de eventos de que participem equipes esportivas representando o país cuja exclusividade os concessionários privados tenham comprado, mas não queiram exibir; o repasse automático de parte do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações e a criação do cargo de "ouvidor" com di­reito à presença diária na programação "( ... ) configura(m) uma ilegítima tentativa de interferência no âmbito da iniciativa privada em matéria de comunicação de massa, e deixa(m) claro o enviesamento político e ideológico que está por trás da criação de uma televisão pública no país", conforme expresso em recente editorial do Estadão (4/1/08).

Note-se que as críticas são feitas sem se considerar que as sugestões do relator ainda serão discutidas e submetidas à apreciação do plenário do Congresso, no qual existe significativa presença de concessionários de radiodifusão e de empresários da mídia impressa.

O PSDB e o DEM (ex-PFL), por outro lado, já entraram com uma Ação Direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, alegando que não há nem urgência nem relevância que justifique a criação de uma TV pública por medida provisória. Além disso, seus líderes, tanto na Câmara quanto no Senado, têm aplicado no combate à cria­ção da TV Brasil os mesmos argumentos de autoritarismo, censura, defesa da liberdade de expressão e gasto supér­fluo, já amplamente utilizados -- diga-se, com sucesso -- quando o atual governo apresentou propostas de avanço em outras áreas das comunicações.

Na verdade, o que está por trás das posições contrárias à TV Brasil é o temor de que um sistema público de comuni­cação, com qualidade e independência, se constitua, a médio e longo prazo, numa alternativa concreta ao sistema privado até hoje dominante no país.

E, para se constituir em alternativa real, bastaria à TV Brasil cumprir as normas constitucionais, vale dizer, dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; pro­mover a cultura nacional e regional e estimulara produção independente que objetive sua divulgação; obedecer aos princípios da regionalização da produ­ção cultural, artística e jornalística e do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

E é exatamente isso - o simples cumprimento da Constituição - o que as emissoras privadas, concessionárias do serviço público de TV, em sua esmaga­dora maioria, não têm sido capazes de oferecer ao telespectador brasileiro.

Venício A. de Lima  é sociólogo e jornalista, autor de Mídia: Crise Política e Poder no Brasil e Mídia nas Eleições de 2006.