EM DEBATE

O 4º Congresso do PT foi marcado por consenso na aprovação de uma resolução política e polêmica em relação a algumas questões organizativas, como finanças, formação e duração de mandatos. Para alguns, a reformulação do estatuto poderia superar vícios partidários, e não o fez. Outros não acreditam que essa reforma melhore as condições para a execução da política do partido. Esse é o tema do debate para o qual convidamos os leitores.

Muitos avanços na política e poucos na organização

A reforma do PT

PT inflexiona na direção do partido militante

Para escapar da armadilha

Muitos avanços na política e poucos na organização

O principal ponto a ser destacado no âmbito do 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores é a certeza da unidade política, comprovada ainda na sua primeira fase, em fevereiro de 2010, quando o nome de Dilma Rousseff foi aprovado pelo PT para ser candidata à sucessão do companheiro Lula na defesa de um governo pautado pelos avanços sociais.

Esse é o terceiro mandato de um projeto político que prevê a alteração das relações sociais, o avanço da organização dos setores populares, a diminuição das desigualdades sociais e regionais, o progresso do país no aprimoramento da legislação dos direitos humanos e na liderança de uma nova ordem mundial. Isso ficou evidente na Resolução Política aprovada e nos debates travados durante o evento.

Entretanto, é preciso reconhecer que, no tocante à organização partidária, não existiram avanços ou foram muito pequenos. Essa era a oportunidade de estabelecer uma dinâmica de organização voltada para a inclusão dos amplos setores sociais, sem burocratização nem controle da máquina partidária.

Ao fazer a reformulação dos estatutos, perdemos a boa oportunidade de superar vícios adquiridos ao longo da nossa existência, como a contribuição financeira obrigatória para que os filiados possam votar, a conhecida “taxa do voto”. A eliminação do encargo representaria um avanço em prol do aprimoramento das relações de democracia, além de estimular os filiados a participar das atividades políticas regulares. A decisão sobre esse ponto acabou sendo um retrocesso.

Outra questão negativa: a vinculação da eleição do presidente junto com a chapa. Isso implica a restrição de disputas políticas baseadas em projetos e programas e pode nos levar à redução do debate personificado nos nomes que disputam a presidência.

Os avanços para a abertura do partido à participação dos filiados foram muito pequenos porque não conseguimos criar espaços de participação que garantam aos segmentos da base partidária poder de decisão.

Por outro lado, conseguimos grandes avanços na reforma estatutária, como a aprovação da paridade de gênero para as direções e candidaturas, além do percentual reservado à juventude. Essas alterações poderão possibilitar a inclusão de segmentos e setores sociais na vida partidária, enriquecendo o debate político.

A despeito de eventuais controvérsias sobre o resultado do Congresso, posso afirmar que ele marca a consolidação do partido como a maior e mais eficaz ferramenta de lutas e conquistas dos trabalhadores brasileiros.

É inevitável que se reconheça a existência de dois momentos bem definidos na história política e social do Brasil: antes do PT e depois do PT.

Os trabalhadores brasileiros conseguiram conquistas sociais históricas por meio do PT, como o país ser governado por um presidente operário por oito anos, sendo sucedido pela primeira mulher presidenta da República. Realizações como essas fizeram do PT referência também para trabalhadores e trabalhadoras de outros recantos do mundo.

Geraldo Magela é deputado federal licenciado e secretário Nacional de Assuntos Institucionais do PT

A reforma do PT

A realização da segunda etapa do 4º Congresso do PT foi marcada por um forte debate de concepção e funcionamento do partido. O anteprojeto apresentado enfrentava questões fundamentais do diagnóstico feito por todas as mãos, na Comissão da Reforma Estatutária.

No cenário político, o PT se consolidou em pouco mais de três décadas como um partido vitorioso, com a maior preferência popular do país. Elegeu três vezes consecutivas o governo da Nação, com Lula e Dilma, e está mudando o país para melhor, com o tripé desenvolvimento econômico, distribuição da renda e inclusão social. Governa inúmeros municípios, tem milhares de vereadores, centenas de deputados estaduais, a maior bancada relativa na Câmara e no Senado.

Internamente, porém, seu espaço de formulação foi se reduzindo ao longo do tempo. A ação institucional se tornou quase uma exigência da governabilidade. As agendas e prioridades dos mandatos passaram a exercer forte influência na condução dos diretórios. Em decorrência, a militância e os filiados foram perdendo espaço. As novas filiações ocorreram mais em função da disputa interna do que para constituir novos agentes partidários na sociedade. As regras foram se tornando cada vez menos referência de ação política. Os movimentos sociais ficando cada vez mais à margem da agenda. E a vida partidária propriamente dita, esgarçada, com pouca reflexão e debate.

Questões

Esse mapeamento provocou perguntas contundentes. De que tipo de PT o Brasil precisa para que a expectativa criada em amplos setores populares sobre sua atuação seja realizada? Que tipo de organização o PT precisa ter para seguir como um partido transformador e referência para a juventude e os setores mais politizados do nosso povo? De que tipo de organização precisamos para que o PT continue sendo o principal partido de condução das mudanças iniciadas com a vitória de Lula em 2002, no enfrentamento ao neoliberalismo?

Apareceram no debate duas vertentes. Uma considerava que o partido deveria flexibilizar, não poderia impor condições para filiação, nem fazer exigências de participação, contribuição financeira e formação política para votar e ser votado no partido. Deveria oferecer formação e espaços de participação, mas de adesão voluntária do filiado. Outra vertente defendia ordenar melhor a instituição, oferecendo e exigindo participação e formação política como condições para votar e ser votado, e transformar a contribuição financeira em símbolo de adesão política e sustentação material do projeto.

Um partido com adesões consciente

O 4º Congresso demonstrou o vigor do PT e encontrou caminhos para fortalecer a instituição diante dos desafios de implantação do nosso projeto de socialismo democrático.

Enfrentamos a polêmica antiga, com roupagem nova: O PT deve ser um partido de quadros ou um partido de massas? Confundia-se assim partido de massas com de muitas filiações. Nem sempre é assim. Só se constrói um partido de massas pela influência social e com adesões conscientes. Mas como trazer ao PT milhões de brasileiros e brasileiras identificadas com nosso governo?

Em síntese: Vamos trazer todos que queiram se filiar ao PT, mas participarão das decisões do partido aqueles que exerçam efetivamente alguns direitos e deveres, tais como a participação em pelo menos uma atividade ao ano, que esteja em dia com uma contribuição semestral, ou mensal, se tiver cargo de direção ou cargo eletivo ou cargos de livre nomeação. Os novos filiados terão de participar do módulo da Escola Nacional de Formação destinado exclusivamente a eles, com a apresentação do partido, sua origem, seus compromissos e seus desafios.

Autossustentação financeira

O encontro instituiu a contribuição mensal obrigatória para os dirigentes e centralizou toda a arrecadação no Sistema de Arrecadação de Contribuições Estatutárias (Sace), que já existe e funciona para a bancada federal e inúmeros outros estados e municípios, por adesão. A contribuição agora passa a ser obrigatória, o que significa o fim da inadimplência de centenas de filiados que exercem cargos eletivos ou de confiança, que não contribuem com o partido e continuam tendo os mesmos direitos que os que contribuem. Longe de ser meramente uma questão financeira, trata-se de uma questão política fundamental: a confirmação da adesão ao projeto e a solidariedade em sua manutenção material. Assim podemos manter o PT livre para suas formulações e propostas, evitando a dependência do poder econômico.

Paridade de gênero

A instituição da paridade de gênero na composição final das direções, incluindo as Secretarias com efetivo poder, foi um passo ousado, mas não temerário. É fundamental que a sociedade avance na igualdade de direitos entre homens e mulheres, motivo pelo qual o PT sinaliza claramente que num Partido de Trabalhadores as Trabalhadoras todos e todas terão o mesmo espaço. Aprovou ainda o uso de 5% dos recursos do Fundo Partidário para o trabalho de formação específico para as mulheres. Agora é tarefa de todos e todas investir fortemente na participação das mulheres para que assim se renove também a política interna.

Cotas geracional e étnico-racial

Outra grande decisão é sobre a cota geracional. As chapas e direções deverão ser compostas por no mínimo 20% de filiados ou filiadas com menos de 30 anos. Essa é uma cláusula que permite as novas gerações ocuparem espaços decisórios no PT, oxigenando as instâncias e os debates. Essa não foi uma medida demagógica, mas uma medida preventiva ao envelhecimento da cúpula e à acomodação política.

O reconhecimento do PT à luta dos afro-descendentes pela igualdade prática de direitos, pela emancipação de um vasto contingente populacional que continua nas senzalas das grandes cidades e zona rural sem acesso a moradia, educação, saúde, emprego e salário digno, se materializou com a aprovação do critério étnico-racial, a ser regulamentado pelo Diretório Nacional.

Essas quatro grandes mudanças, por si só, já marcam um grande avanço do PT. A busca da autossustentação financeira, a condição de igualdade da participação de homens e mulheres, a cota mínima geracional e étnico-racial em todos os âmbitos das direções.

Transparência e democracia

Avançamos ainda mais, instituindo as listas partidárias pré-ordenadas, ao invés de chapas que o eleitor filiado não sabe quem realmente vai para a direção. E  criamos o Fundo Eleitoral Interno, composto de 5% das arrecadações do Fundo Partidário e das contribuições de filiados. E para completar ficaram vedadas contribuições de filiados diretamente a candidatos e chapas. Tudo deve passar pelo Fundo. Mais transparência e mais democracia.

A democracia petista, entendida como garantia de que o partido é de seus filiados, avançou, ainda, aprimorando as eleições diretas internas, com a realização de encontros bianuais, nos quais delegados tirados com base em debate interno possam por dois terços determinar a eleição de novas direções no meio de seus mandatos. A instituição do recall exigirá que as direções cumpram seus mandatos com diligência, transparência e ação política permanente.

Esse novo arcabouço jurídico prepara o PT para uma nova fase de mais organização, mais debate e mais participação. Para garantir direitos iguais os deveres também são iguais. Portanto, os filiados que cumprirem seus deveres estarão aptos a votar e ser votados no PT e também a se candidatar ao Legislativo e Executivo. Aqueles que não cumprirem, continuarão filiados ao partido, mas não estarão aptos a participar dos processos decisórios. E a qualquer momento podem se tornar aptos, desde que regularizem sua participação na vida partidária.

Essas mudanças consolidaram aquela segunda vertente de ter um partido mais institucionalizado, mais militante, com mais debate e participação. E dão ao PT coerência com as propostas de reforma política que defende e com a visão de sociedade que quer construir. Por isso, os delegados aprovaram a proposta – que não estava no anteprojeto e não era iniciativa de nenhuma corrente, mas de delegados que conseguiram o número necessário de assinaturas – de limitar o número de mandatos legislativos a três consecutivos no mesmo nível e para o Senado a dois mandatos consecutivos. Essa é uma regra que força a renovação das listas, que defendemos no âmbito da reforma política. Dentro dessa perspectiva, cabe ressaltar a inclusão da Escola Nacional de Formação do PT como órgão partidário, responsável pela elaboração da formação política do partido.

Uma instituição viva

A reforma do atual estatuto, em vigor há 10 anos, transforma-se numa reforma do próprio PT. O desafio, agora, é colocar em prática as regras aprovadas, oxigenando a vida interna, dialogando mais com os movimentos sociais e com nossos governos e parlamentares.

Essa reforma foi a síntese possível da nossa experiência recente, e pela sua magnitude, podemos afirmar que o PT é uma instituição viva, inconformada, ativa, que não se acomodou aos parâmetros de organização da maioria dos partidos brasileiros.

O 4º Congresso sinalizou que para o PT seguir transformador e referência positiva de atuação política na sociedade brasileira é preciso valorizar a militância, as direções, a formação política, o debate e a reflexão permanente. O PT se firmou como partido de massas, agora é preciso reforçar nossa intervenção e nossa organização.

Gleber Naime integra o Diretório Nacional do PT, foi secretário Executivo da Comissão de Reforma Estatutária

Ricardo Berzoini é deputado federal pelo PT-SP, foi coordenador da Comissão da Reforma

PT inflexiona na direção do partido militante

A cena foi semelhante. Quem estava em São Bernardo do Campo, em 1991, no 1º Congresso do PT, deve ter sido tomado pela mesma lembrança e emoção. Naquele momento, as mulheres petistas de todas as correntes invadiram o plenário no velho estúdio cinematográfico da Vera Cruz, reverteram a posição majoritária entre os delegados e conquistaram a cota de 30% nas instâncias de direção e representação partidárias.

Passados vinte anos, em Brasília, as mulheres de todas as tendências petistas, de novo, ocuparam a frente do plenário, contagiaram os delegados e aprovaram a igualdade de gênero no Partido dos Trabalhadores, para todos os órgãos de direção.

Essa e outras mudanças estatutárias foram o destaque no 4º Congresso do PT. Pela importância das medidas – cota de juventude e étnico-racial, limite de mandatos parlamentares, sustentação financeira pelos filiados, reafirmação da democracia interna, entre muitas outras – e principalmente pelo simbolismo de algumas, o 4º Congresso mostrou que a militância partidária está viva, presente e atenta ao futuro do PT. Nossas tendências internas organizam o debate e se expressam nos momentos congressuais, mas acima delas a militância do PT sabe reconhecer nos momentos difíceis e de crise que medidas podem fortalecer e revigorar o partido. Nesses trinta anos, a base partidária sempre se posicionou na defesa da democracia interna, de suas conquistas históricas e do nosso horizonte socialista.

O saldo orgânico do conjunto de emendas é positivo. O PT inflexiona na direção do partido militante, recupera os organismos setoriais e os orienta no sentido da luta e da ação social. Retoma a ideia inicial de um partido de militância, sobrepondo-se aos meramente eleitorais da tradição partidária brasileira.

Novo eixo de desenvolvimento

O 4º Congresso aprovou, também, uma resolução política que vai além da conjuntura. O texto faz um balanço do período Lula, o projeto político e o conjunto de programas positivos para a população desenvolvidos nesses oito anos. Avalia o cenário mundial e constata a instabilidade que se prolonga nos centros do capitalismo desde 2008 e agora, em especial, nas economias mais frágeis da União Europeia.

A resolução evidencia que o novo eixo de desenvolvimento do mundo transfere-se sensivelmente para a China, a Índia, o Brasil, e com isso crescem nossas tarefas de integração econômica e política da América do Sul e Caribe.

A análise aprovada constitui-se em leitura obrigatória e reflexão para todo o partido, mas deve, também, nos preocupar porque, ao par dos avanços e conquistas alcançados com os governos Lula e Dilma, os “desafios do momento” apontados são também grandiosos.

“Defendemos outro modelo de desenvolvimento (...) e tal modelo implica criar condições para reformas estruturais, articuladas ao aprofundamento da democracia e da construção de uma nova sociedade”, diz o texto. Logo adiante, reforça a tese de que a resolução dos desafios está ligada a “novos avanços na democracia, entre os quais se destacam a reforma política, a democratização dos meios de comunicação, mudanças na natureza do Estado...”

Se esses são os desafios e as tarefas imediatas na conjuntura, mesmo com alta dose de otimismo não há como desconhecer que essas intenções estão muito longe dos gestos efetivos da política real praticada no país.

Ao longo do período, mesmo com a maioria teórica no Congresso, os temas da reforma tributária, da reforma político-eleitoral – tentativas de 2007 e 2009 que nem foram votadas em plenário –, da incidência de algum controle público ou de democratização do oligopólio que domina os meios de comunicação, dos limites da propriedade fundiária, entre outros, não avançaram.

Especialmente no plano federal, não conseguimos levar adiante nenhum processo de participação popular na gestão pública com poder de deliberação. As poucas experiências restringiram-se ao Plano Plurianual do primeiro governo Lula e às Conferências Setoriais Nacionais de caráter consultivo. Experiências muito aquém do que já realizamos em municípios e estados administrados pelo PT e por seus aliados.

Como avançar na direção dos desafios propostos se não conseguimos coesionar nem a “base aliada” no governo? Em relação à reforma político-eleitoral, por exemplo, enquanto nos batemos pelo financiamento público e voto em lista partidária, um dos partidos aliados nos responde com a transformação dos estados em “distritões eleitorais” sem partidos, sem proporcionalidade e sob o domínio do poder econômico. Outro utiliza o horário nacional do partido em rádio e TV para anunciar que “é contra e votará contra” o financiamento público e a lista partidária.

Reformas estruturais

Essa contradição flagrante aponta para uma reflexão ausente no 4º Congresso. Há uma crescente distância entre as tarefas que apontamos e a identidade programática da coalizão governamental. Se nas outras tarefas requeridas pela conjuntura as contradições são semelhantes, é evidente que a reflexão deve recair na própria tese da “governabilidade via Congresso” como base de legitimação e sustentação do governo.

Para sermos fiéis ao 4º Congresso é necessário retomar esse debate e enfrentá-lo. Como diz a Resolução Política, se as reformas estruturais estão articuladas “ao aprofundamento da democracia”, não será no atual quadro partidário da Câmara e do Senado que isso ocorrerá.

Há um enorme desequilíbrio entre a legitimação dada pela “governabilidade congressual” e a ausência de mecanismos de participação popular, de democracia direta e participativa pelos movimentos sociais.

O cenário mundial analisado na Resolução aponta, corretamente, para a “primavera dos povos”, seja no norte da África, seja nos países mais pobres da área do euro, indicando que, se há algum ponto de unidade comum entre eles, é exatamente a busca pela participação, pela democracia. Isso está presente não só nas derrubadas dos governos autoritários e ditatoriais como na Porta do Sol madrilenha, onde os jovens e desempregados clamaram por “democracia real já!”.

No Brasil, temos avançado muito. Derrubamos a ditadura, estamos mudando uma cultura autoritária racista e patriarcal de séculos, há trinta anos estamos construindo um novo período de democracia formal, de respeito à representação da cidadania e da Constituição de 1988.

Mas fomos nós mesmos, do PT, que naquela oportunidade destacamos os limites e as insuficiências substantivas de um contrato que ainda trazia as marcas do regime militar e de uma sociedade excludente.

Sem enfrentar esse desequilíbrio caminhamos para uma paralisia diante das intenções de futuro apontadas no 4º Congresso. A reforma eleitoral em curso e a preparação do partido para as eleições de 2012 serão os primeiros testes para definir o rumo vencedor do próximo período.

Raul Pont é deputado estadual e presidente do PT-RS

Para escapar da armadilha

A segunda etapa do 4º Congresso do PT foi “globalmente positiva”, para usar a expressão que convencionamos adotar para falar de algo que saiu melhor do que a encomenda e ajuda a seguir adiante, embora perpetue velhos problemas.

Entre os aspectos positivos está a resolução política aprovada, que tenta materializar a disposição de construir uma agenda política própria para o partido, que não pode nem deve limitar-se a “defender o governo Dilma”, até porque a melhor defesa está na construção de uma melhor correlação de forças na sociedade, o que só acontecerá se o partido for além da postura defensiva.

Entre os aspectos negativos sobressai a derrota da resolução que propunha priorizar, nas eleições 2012, alianças com o campo democrático-popular. O efeito prático é que não se buscará fortalecer um polo democrático-popular, essencial para disputar a hegemonia do governo e do país em favor de um programa mais avançado de transformações. Aliás, cabe perguntar: para que serve falar de "campo democrático-popular" se, na prática, ele não se materializa como prioridade nas eleições?

O 4º Congresso proibiu alianças majoritárias com PSDB, DEM e PPS. Mas recusou excluir a oposição de direita das nossas coligações proporcionais, assim como a parceria com o PSD.

Nessa questão das alianças, prevaleceram dois erros antigos: colocar limites fracos à direita e colocar um sinal de igual entre a política de alianças que sustenta o governo federal e a política de alianças adotada pelo PT nas eleições.

Claro, também, que nosso inimigo principal continua a ser o neoliberalismo. Contra ele, podemos e devemos fazer alianças com partidos conservadores, que não são neoliberais. Mas, se não formos cuidadosos, poderemos derrotar o neoliberalismo para colocar em seu lugar o "desenvolvimentismo conservador", aquele no qual o país cresce, sem fazer reformas estruturais.

Para que o pós-neoliberalismo seja um desenvolvimentismo democrático e popular, que possa ser articulado com nossa luta pelo socialismo, faz-se necessária outra correlação de forças na sociedade brasileira, que supõe reforçar e dar organicidade ao campo composto pelos partidos e organizações populares de esquerda e integrado por milhões de pessoas que lutam por democracia e igualdade.

Por isso, propusemos no 4º Congresso que “a prioridade” para as alianças eleitorais em 2012 fosse “montar coalizões programáticas com os partidos do campo democrático-popular”.

Ao defendermos essa emenda, deixamos claro que não estava em discussão a composição do núcleo político do governo, nem se tratava de impedir alianças com partidos de centro, nem de obrigar nosso partido a fazer alianças com PSB, PCdoB e PDT.

A discussão é: nem a aliança com os pequenos partidos de centro-direita, nem a aliança com o PMDB resolvem o problema da governabilidade. Para nós, a “governabilidade” inclui criar as condições institucionais para transformar o país, cada vez mais e cada vez mais rápido. Uma governabilidade desse tipo, transformadora, supõe combinar governo, base parlamentar e mobilização social, que só é possível se articularmos o chamado campo democrático-popular.

A resolução aprovada não corresponde ao que realmente pensa grande parte dos dirigentes do PT acerca dos riscos tanto da aliança com o PMDB quanto da governabilidade prioritariamente institucional. Mas a maioria do partido não demonstra estar disposta a fazer o “giro estratégico” necessário para sair da armadilha em que estamos metidos.

O que muda na prática política do PT?

Como não houve alteração na estratégia do partido, a principal pergunta que deve ser feita é: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução de nossa linha política?

Parte da reforma limitou-se a oficializar, com pequenas alterações, o que já era praticado.

Outra parte é composta por pequenas novidades organizativas: a quitação das contribuições partidárias antes das eleições internas, não mais na véspera ou no dia da votação; a formalização de que todos os filiados de pequenos municípios serão considerados como delegados aos respectivos encontros; a definição de percentuais para inscrição de chapas incompletas nos processos eleitorais internos; a definição do percentual de filiados necessário para oficializar determinados processos internos, como inscrição de candidaturas ou convocação de plebiscitos; os cargos que devem integrar uma executiva municipal; e o número de vice-presidentes da comissão executiva nacional.

Uma terceira parte das mudanças estatutárias é constituída de medidas que tentam impedir a transformação do PT num partido tradicional, processo denunciado pelos pessimistas e temido pelos mais otimistas.

Nesse pacote estão a obrigatoriedade de fazer um minicurso de formação política para se tornar filiado; a necessidade de justificar a ausência no PED; a obrigatoriedade, para votar e ser votado, de participar de pelo menos uma atividade partidária; a semestralidade das contribuições dos filiados para com o partido; a admissão de contribuições coletivas, desde que feitas pela instância partidária.

Também podem ser incluídas as medidas que visam impedir a fábrica de “comissões provisórias” – a recomendação de que as direções partidárias tenham uma composição que vá além da burocracia e a obrigatoriedade de divulgar um resumo das contas do partido na internet.

Neste bloco devemos incluir, também, alterações que ampliam a participação de segmentos hoje sub-representados: a adoção da paridade de gênero na composição das instâncias, delegações, comissões e cargos; a adoção da cota geracional e da cota étnico-racial; a garantia de recursos para a formação política das mulheres e para um fundo partidário destinado a financiar as disputas internas ao próprio PT; a orientação de que coletivos petistas na internet devem receber o mesmo tratamento dos núcleos partidários; a proibição de acumular funções executivas no governo e no partido, em um mesmo nível; e a limitação do número máximo de mandatos legislativos consecutivos, num mesmo nível.

Faz parte ainda da reforma estatutária um conjunto de medidas cujo sentido é restritivo ou, pelo menos, pode ser acusado de. É o caso da manutenção do Processo de Eleição Direta das direções partidárias, apresentado por alguns como grande inovação da vida partidária e por outros como via de importação dos defeitos da "democracia eleitoral burguesa", polêmica em que todos têm alguma razão.

Outras medidas que podem ser consideradas restritivas são a ampliação para quatro anos do mandato das direções e a reafirmação da eleição em separado para o cargo de presidente. Poderia ser o caso, também, das restrições ao mecanismo de prévias. Mas o que foi aprovado pelo congresso garante a realização de prévias ou, pelo menos, de encontros de delegados para escolher candidaturas. Ou seja: de uma forma ou de outra, a base poderá continuar decidindo na maioria dos casos.

Como se pode ver por este resumo, o número de medidas democratizantes é muito maior do que as medidas que são ou podem ser acusadas de restritivas.

É por isso que o sentimento amplamente majoritário no partido é de que a reforma estatutária foi positiva. Outra questão, distinta dessa, é responder à pergunta feita antes: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução da linha política do partido?

Falando francamente, acho que depende.

Afinal, a prática política do PT se faz formalmente nos termos do estatuto, mas de fato nos marcos da luta de classes. E esta, no Brasil dos últimos anos, assumiu uma dinâmica fortemente eleitoral, governamental, parlamentar, institucional.

Essa dinâmica ocupa a maior parte das preocupações, do tempo, da prática diária de nossos dirigentes e militantes. Outros aspectos da luta de classes e outras dimensões da ação partidária – como as lutas sociais, a presença organizada do partido junto à classe trabalhadora e seus movimentos, a realização de campanhas políticas em períodos e sobre temas não eleitorais, a dinamização da vida interna, a comunicação e a formação partidárias – ficam em segundo ou terceiro plano.

Como resultado disso, nossa capacidade de transformação da realidade brasileira fica crescentemente dependente daquilo que conseguimos fazer a partir da própria institucionalidade. E, como sabemos após quase nove anos de Presidência da República, dezessete anos de presença em governos estaduais e 29 anos em governos municipais e parlamentos, governar e parlamentar permitem muito, mas não garantem nem o estruturalmente suficiente, nem o historicamente necessário.

Há três maneiras de alterar essa situação: o exercício da vontade política das direções partidárias, a aprovação de reformas no funcionamento da institucionalidade e a alteração no padrão da luta de classes do país, com as lutas sociais ganhando maior peso relativo frente às disputas institucionais. Se nada disso ocorrer, as mudanças feitas no estatuto serão apenas isto: mudanças estatutárias.

Valter Pomar integra o Diretório Nacional do PT

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