A segunda etapa do 4º Congresso do PT foi “globalmente positiva”, para usar a expressão que convencionamos adotar para falar de algo que saiu melhor do que a encomenda e ajuda a seguir adiante, embora perpetue velhos problemas.
Entre os aspectos positivos está a resolução política aprovada, que tenta materializar a disposição de construir uma agenda política própria para o partido, que não pode nem deve limitar-se a “defender o governo Dilma”, até porque a melhor defesa está na construção de uma melhor correlação de forças na sociedade, o que só acontecerá se o partido for além da postura defensiva.
Entre os aspectos negativos sobressai a derrota da resolução que propunha priorizar, nas eleições 2012, alianças com o campo democrático-popular. O efeito prático é que não se buscará fortalecer um polo democrático-popular, essencial para disputar a hegemonia do governo e do país em favor de um programa mais avançado de transformações. Aliás, cabe perguntar: para que serve falar de "campo democrático-popular" se, na prática, ele não se materializa como prioridade nas eleições?
O 4º Congresso proibiu alianças majoritárias com PSDB, DEM e PPS. Mas recusou excluir a oposição de direita das nossas coligações proporcionais, assim como a parceria com o PSD.
Nessa questão das alianças, prevaleceram dois erros antigos: colocar limites fracos à direita e colocar um sinal de igual entre a política de alianças que sustenta o governo federal e a política de alianças adotada pelo PT nas eleições.
Claro, também, que nosso inimigo principal continua a ser o neoliberalismo. Contra ele, podemos e devemos fazer alianças com partidos conservadores, que não são neoliberais. Mas, se não formos cuidadosos, poderemos derrotar o neoliberalismo para colocar em seu lugar o "desenvolvimentismo conservador", aquele no qual o país cresce, sem fazer reformas estruturais.
Para que o pós-neoliberalismo seja um desenvolvimentismo democrático e popular, que possa ser articulado com nossa luta pelo socialismo, faz-se necessária outra correlação de forças na sociedade brasileira, que supõe reforçar e dar organicidade ao campo composto pelos partidos e organizações populares de esquerda e integrado por milhões de pessoas que lutam por democracia e igualdade.
Por isso, propusemos no 4º Congresso que “a prioridade” para as alianças eleitorais em 2012 fosse “montar coalizões programáticas com os partidos do campo democrático-popular”.
Ao defendermos essa emenda, deixamos claro que não estava em discussão a composição do núcleo político do governo, nem se tratava de impedir alianças com partidos de centro, nem de obrigar nosso partido a fazer alianças com PSB, PCdoB e PDT.
A discussão é: nem a aliança com os pequenos partidos de centro-direita, nem a aliança com o PMDB resolvem o problema da governabilidade. Para nós, a “governabilidade” inclui criar as condições institucionais para transformar o país, cada vez mais e cada vez mais rápido. Uma governabilidade desse tipo, transformadora, supõe combinar governo, base parlamentar e mobilização social, que só é possível se articularmos o chamado campo democrático-popular.
A resolução aprovada não corresponde ao que realmente pensa grande parte dos dirigentes do PT acerca dos riscos tanto da aliança com o PMDB quanto da governabilidade prioritariamente institucional. Mas a maioria do partido não demonstra estar disposta a fazer o “giro estratégico” necessário para sair da armadilha em que estamos metidos.
O que muda na prática política do PT?
Como não houve alteração na estratégia do partido, a principal pergunta que deve ser feita é: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução de nossa linha política?
Parte da reforma limitou-se a oficializar, com pequenas alterações, o que já era praticado.
Outra parte é composta por pequenas novidades organizativas: a quitação das contribuições partidárias antes das eleições internas, não mais na véspera ou no dia da votação; a formalização de que todos os filiados de pequenos municípios serão considerados como delegados aos respectivos encontros; a definição de percentuais para inscrição de chapas incompletas nos processos eleitorais internos; a definição do percentual de filiados necessário para oficializar determinados processos internos, como inscrição de candidaturas ou convocação de plebiscitos; os cargos que devem integrar uma executiva municipal; e o número de vice-presidentes da comissão executiva nacional.
Uma terceira parte das mudanças estatutárias é constituída de medidas que tentam impedir a transformação do PT num partido tradicional, processo denunciado pelos pessimistas e temido pelos mais otimistas.
Nesse pacote estão a obrigatoriedade de fazer um minicurso de formação política para se tornar filiado; a necessidade de justificar a ausência no PED; a obrigatoriedade, para votar e ser votado, de participar de pelo menos uma atividade partidária; a semestralidade das contribuições dos filiados para com o partido; a admissão de contribuições coletivas, desde que feitas pela instância partidária.
Também podem ser incluídas as medidas que visam impedir a fábrica de “comissões provisórias” – a recomendação de que as direções partidárias tenham uma composição que vá além da burocracia e a obrigatoriedade de divulgar um resumo das contas do partido na internet.
Neste bloco devemos incluir, também, alterações que ampliam a participação de segmentos hoje sub-representados: a adoção da paridade de gênero na composição das instâncias, delegações, comissões e cargos; a adoção da cota geracional e da cota étnico-racial; a garantia de recursos para a formação política das mulheres e para um fundo partidário destinado a financiar as disputas internas ao próprio PT; a orientação de que coletivos petistas na internet devem receber o mesmo tratamento dos núcleos partidários; a proibição de acumular funções executivas no governo e no partido, em um mesmo nível; e a limitação do número máximo de mandatos legislativos consecutivos, num mesmo nível.
Faz parte ainda da reforma estatutária um conjunto de medidas cujo sentido é restritivo ou, pelo menos, pode ser acusado de. É o caso da manutenção do Processo de Eleição Direta das direções partidárias, apresentado por alguns como grande inovação da vida partidária e por outros como via de importação dos defeitos da "democracia eleitoral burguesa", polêmica em que todos têm alguma razão.
Outras medidas que podem ser consideradas restritivas são a ampliação para quatro anos do mandato das direções e a reafirmação da eleição em separado para o cargo de presidente. Poderia ser o caso, também, das restrições ao mecanismo de prévias. Mas o que foi aprovado pelo congresso garante a realização de prévias ou, pelo menos, de encontros de delegados para escolher candidaturas. Ou seja: de uma forma ou de outra, a base poderá continuar decidindo na maioria dos casos.
Como se pode ver por este resumo, o número de medidas democratizantes é muito maior do que as medidas que são ou podem ser acusadas de restritivas.
É por isso que o sentimento amplamente majoritário no partido é de que a reforma estatutária foi positiva. Outra questão, distinta dessa, é responder à pergunta feita antes: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução da linha política do partido?
Falando francamente, acho que depende.
Afinal, a prática política do PT se faz formalmente nos termos do estatuto, mas de fato nos marcos da luta de classes. E esta, no Brasil dos últimos anos, assumiu uma dinâmica fortemente eleitoral, governamental, parlamentar, institucional.
Essa dinâmica ocupa a maior parte das preocupações, do tempo, da prática diária de nossos dirigentes e militantes. Outros aspectos da luta de classes e outras dimensões da ação partidária – como as lutas sociais, a presença organizada do partido junto à classe trabalhadora e seus movimentos, a realização de campanhas políticas em períodos e sobre temas não eleitorais, a dinamização da vida interna, a comunicação e a formação partidárias – ficam em segundo ou terceiro plano.
Como resultado disso, nossa capacidade de transformação da realidade brasileira fica crescentemente dependente daquilo que conseguimos fazer a partir da própria institucionalidade. E, como sabemos após quase nove anos de Presidência da República, dezessete anos de presença em governos estaduais e 29 anos em governos municipais e parlamentos, governar e parlamentar permitem muito, mas não garantem nem o estruturalmente suficiente, nem o historicamente necessário.
Há três maneiras de alterar essa situação: o exercício da vontade política das direções partidárias, a aprovação de reformas no funcionamento da institucionalidade e a alteração no padrão da luta de classes do país, com as lutas sociais ganhando maior peso relativo frente às disputas institucionais. Se nada disso ocorrer, as mudanças feitas no estatuto serão apenas isto: mudanças estatutárias.
Valter Pomar integra o Diretório Nacional do PT