EM DEBATE

Qual é o papel da CUT, a Central Única dos Trabalhadores? Essa é a questão central da polêmica que Teoria e Debate propõe, neste número, a três líderes sindicais: Osvaldo Bargas, dirigente nacional da CUT e coordenador do Instituto Cajamar; Washington da Costa, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, e Francisco Carlos de Souza, presidente da CUT Regional da Grande São Paulo.

Aos três sindicalistas foi apresentado o mesmo roteiro básico de perguntas. A CUT deve negociar com os patrões e com o governo? Há diferenças entre negociar com um ou com outro? Quais os papéis da CUT, na disputa entre capital e trabalho, e num processo de transformação da sociedade? Como deve a CUT relacionar-se com outras centrais sindicais e com os partidos políticos? Qual é a estrutura ideal da CUT? Vertical? Horizontal? Como a CUT deve organizar-se nos locais de trabalho? E de que forma deve atuar a democracia interna da CUT?

As respostas a essas perguntas exprimem nuances de concepção do que é e do que deva ser uma central sindical no momento que o Brasil atravessa. São vertentes de opiniões que de certa forma prenunciam os debates que vão se travar no III Congresso Nacional da CUT. Nesse sentido, indicam questões que não são relevantes apenas para a conjuntura do presente, mas podem indicar as tendências de evolução do nível de organização e de conscientização da classe trabalhadora brasileira.

Washington da Costa

Francisco Carlos de Souza

Oswaldo Bargas

Washington da Costa

A possibilidade de o governo cimentar uma unidade entre os diversos setores da classe dominante é uma ameaça real ao movimento operário e popular. Evidentemente, a momentânea coesão das classes dominantes em torno do Planalto poderá ser abalada, dependendo da evolução da crise econômica e de outros fatores. O mais preocupante, porém, é a atual disposição governamental de aproveitar sua posição vantajosa para impor duras medidas econômicas e encurralar o movimento sindical combativo e a oposição política. Não passa desapercebida a tática de esmagamento de greves, principalmente na área estatal e do funcionalismo, onde o Estado-patrão tem bancado enormes prejuízos econômicos e desgaste político como preço necessário da derrota dos movimentos reivindicatórios. Seguindo a cartilha da FIESP, que recomenda explicitamente "não premiar grevistas", o governo, à custa de demissões e da negativa dos pleitos econômicos, atua como se desejasse provar aos trabalhadores que o caminho da luta não compensa. Esta postura combina-se com o estímulo aos pelegos do sindicalismo de negócios para que ocupem um terreno até agora utilizado pela CUT.

Estamos, pois, diante de uma ofensiva na qual o governo trabalha simultaneamente a unidade das classes dominantes e o isolamento social e institucional dos movimentos da classe operária e seus aliados. A vitória dessa tática significaria uma derrota estratégica para o proletariado, com a consolidação no processo de transição de um regime autoritário, com reduzidos espaços nos quais uma prática sindical e política mais combativa pudesse se manifestar.

Diante dessa ameaça, nenhuma representação dos trabalhadores pode permanecer passiva ou fugir às responsabilidades políticas que o momento impõe. E isso toca particularmente a CUT. Evidentemente não se trata de avocar para nossa Central o papel do partido político. No entanto, partindo do pressuposto de que a resolução dos problemas econômicos dos trabalhadores passa por soluções políticas, trata-se de examinar as particularidades do processo brasileiro de construção dos instrumentos orgânicos dos trabalhadores. Vale dizer, discutir o papel cumprido hoje, no Brasil, por partidos e sindicatos e sua interação com o proletariado.

Nosso papel político

Vivemos hoje um dilema: em diversas categorias estratégicas de trabalhadores, os sindicatos combativos conquistaram o apreço das massas, que os reconhecem como sua efetiva direção; por outro lado, essas mesmas entidades têm uma forte tendência de reproduzir a separação entre luta sindical e luta política. Já os partidos, mesmo aqueles que se propõem enquanto artífices da luta dos trabalhadores pelo poder, como é o caso do PT, continuam sendo vistos pela grande maioria como meros depositários de votos. Além disso, não se pode esquecer o peso do modelo sindical corporativista.

O desafio imposto pelo projeto do governo não poderá ser enfrentado com êxito se perdurar o desarmamento político dos trabalhadores; este esforço pelo rearmamento caberá ao PT, construindo-se como partido dirigente, bem como à CUT, como central sindical representando e unificando o movimento sindical.

Para nós, a CUT é, em primeira instância, uma espécie de corretor do preço da força de trabalho de boa parte dos trabalhadores brasileiros, o que não significa limitar a sua atuação a limites tão estreitos. Seria mesmo um caso de traição pensar para a CUT o caminho de um sindicalismo de negócios de esquerda, no qual a diferença com os pelegos tipo Medeiros e Magri estivesse apenas na adoção de formas radicais de luta. Constantemente acusada pela reação de fazer política, nossa central deve assumir sempre que seus interesses não são meramente obreiros, e reivindicar como legítima sua participação no jogo político. Isto implica o direito inequívoco de fazer propostas globais à sociedade, ainda que cingindo-se aos interesses gerais dos trabalhadores, sem os detalhamentos que caracterizam uma ação partidária.

Pressão sobre os partidos

À luz destas considerações a CUT deve balizar sua relação com os partidos políticos. Sem se prender a nenhum tipo de formalismo, deve denunciar aquelas agremiações objetivamente inimigas dos trabalhadores; ao mesmo tempo deve pressionar, com palavras e fatos, os partidos de alguma forma vinculados à luta da classe operária para que assumam as atitudes necessárias à defesa dos interesses do povo trabalhador.

No momento atual nada é tão urgente quanto a pressão organizada da CUT e outras entidades representativas sobre os partidos de oposição pela esquerda ao governo Sarney. Pressão para que encontrem um denominador comum, tanto programático, quanto de ação prática imediata voltada para a inviabilização do governo, por meio da elaboração de uma política democrática e popular que forneça as bases de um projeto de governo alternativo ao que aí está. A CUT pode contribuir apresentando importantes pontos programáticos como: estatização do sistema financeiro, reforma agrária ampla, sob controle dos trabalhadores, democratização dos meios de comunicação, não-pagamento da dívida externa, saúde e educação públicas e gratuitas, habitação, transporte a baixo custo e outros pontos já definidos em seus congressos.

No entanto, o reconhecimento desse papel político explícito da CUT não pode ser feito em detrimento de suas funções tipicamente sindicais. Setores que, equivocadamente, confundem a Central com partido político têm torpedeado a idéia de uma Convenção Coletiva de Trabalho em nível nacional, identificando-a como um equivalente ao pacto social. Negociar acordos que tragam melhorias parciais às condições de vida dos trabalhadores faz parte da atividade cotidiana dos sindicatos e, sendo assim, a negociação de um acordo nacional, desde que traga vitórias efetivas, é algo inerente a uma central sindical. Na verdade, o problema parece não residir exatamente aí, mas sim na concepção ultimatista de terminadas correntes que, tanto no campo político quanto no sindical, desprezam a luta por objetivos parciais e uma estratégia de acúmulo de forças, adotando uma linha apocalíptica de apressar, a todo custo, o confronto final, mesmo que não tenhamos ainda a menor preparação para o embate decisivo.

Em suma, trata-se de compreender que, embora atuando no específico sindical, a CUT deve a sua criação não apenas às demandas sindicais, mas fundamentalmente a um movimento que remonta aos tempos da resistência subterrânea ao regime militar, para o qual concorreram diversas correntes de opinião que colocavam como fundamental a independência política e orgânica dos trabalhadores na luta contra a ditadura. Se no plano político sua expressão mais avançada é o PT, no campo sindical é a CUT. Diga-se de passagem, nos seus congressos a maioria dos delegados tem sabido identificar corretamente esta questão, assumindo uma carta de princípios, em que a conquista do socialismo é colocada como meta, e plataformas de luta concretas, nas quais se mesclam o sindical e o político. Agora, o importante é passar das palavras à ação, aprofundando esses compromissos à luz dos desafios conjunturais. Para isso, será necessária a rediscussão sobre as formas de organização da Central. Ou seja: afiar a arma para travar o combate.

Pela disputa da hegemonia

A CUT é uma central sindical em construção. Isto significa que, apesar dos seus inegáveis avanços, continua a ter problemas de representação e dificuldades para dirigir, de forma conjunta, todos os trabalhadores que se alinham sob sua direção. Para enfrentarmos estes problemas do ponto de vista orgânico, é necessário introduzir modificações na estrutura e nos estatutos, assimilando as experiências práticas do último período.

Entre estas lições, destacam-se o papel das entidades sindicais como pilares e meios de transmissão da política cutista, a confirmação da estratégia de quebrar por dentro a estrutura sindical corporativista, a necessidade de se ampliar a democracia dentro do movimento sindical e na própria CUT, e o fortalecimento de seus órgãos dirigentes.

Fundada sob um clima de forte disputa com os pelegos e reformistas, a CUT passou por um momento de afirmação. Superada essa fase, urge agora adotar uma estrutura que privilegie a qualidade, já que ninguém duvida mais da sua importância nacional, enquanto, por outro lado, sua capacidade de direção efetiva ainda deixa muito a desejar.

Achamos que hoje é fundamental fortalecer, em todas as instâncias da Central, a importância dos sindicatos, notadamente os de base massiva e estratégicos no modo de produção. A vida demonstrou que a força da CUT e sua capacidade de intervenção estão diretamente ligadas ao peso das entidades a ela filiadas. Não é à toa que dedicamos boa parte de nossos esforços à conquista de entidades, e que nos departamentos nacionais é priorizada a participação dos dirigentes sindicais. Para o encaminhamento do movimento em nível nacional, a força das entidades é infinitamente superior à das oposições sindicais. Uma estrutura em que grande parte dos que decidem não tem como viabilizar as decisões não pode ser chamada nem de forte, nem de democrática. Nossa proposta é fortalecer o papel dos sindicatos filiados por meio de medidas como:

1) A substituição das Plenárias Estaduais e Nacional por Conselhos Estaduais e Conselho Nacional de Representantes das Entidades Filiadas, com poder deliberativo e compostos por representantes dos sindicatos e associações pré-sindicais filiadas, com um número de representantes proporcional ao número de sindicalizados. Nesses conselhos representantes das oposições poderiam participar na qualidade de observadores.

2) Estabelecimento do número mínimo de três entidades filiadas para poder ser criada uma CUT Regional.

3) Critérios que restrinjam o número de delegados eleitos para os congressos nas categorias em que a diretoria não for filiada.

4) Critério para tirada de delegados proporcional ao número de trabalhadores sindicalizados em cada categoria.

Estas propostas não excluem a participação das oposições sindicais; simplesmente reorganizam nossa estrutura, dando a justa importância a cada participante. É óbvio que esta nova estrutura será um rompimento com os critérios da estrutura sindical oficial, pois introduz a representação proporcional ao número de sindicalizados e preserva a participação das categorias não-filiadas. No entanto, sabemos que não irá contemplar as preocupações de muitos companheiros, voltados hoje para a horizontalização da CUT. Saudamos os debates a respeito das relações da CUT com comissões de fábrica e outros organismos de base; no entanto achamos prematuro qualquer tipo de formalização desta relação. A verdade é que a organização dos trabalhadores no seu local de trabalho ainda engatinha no Brasil, e que além disso possui uma multiplicidade de formas, das comissões de delegados sindicais eleitos diretamente a grupos de fábrica e outras mais. No momento, o importante é que "desabrochem mil flores e floresçam mil idéias", deixando uma resolução para mais tarde, quando a prática puder ser realmente o critério da verdade.

Maior democracia interna

Existem, porém, medidas realmente inadiáveis. São as relacionadas com o aprofundamento da democracia. É inadmissível que no interior da CUT o princípio da proporcionalidade ainda não seja aplicado integralmente, como forma de garantir a democracia e a unidade da Central. Além disso, democracia significa também veiculação de informações e coragem para assumir um debate quando não se tem certeza de dispor de uma maioria prévia. Referimo-nos aqui à questão da relação da CUT com as centrais sindicais mundiais. Achamos imprescindível que o próximo Congresso abra oficialmente essa discussão, para que no seguinte possamos decidir coletivamente sobre a filiação ou não da CUT a uma central internacional e o tipo de relacionamento que deve ter com cada uma.

Para encerrar, gostaria de dar uma palavra a respeito da nossa relação com a CGT e a USI (União Sindical Independente). Até agora tem sido correta nossa postura de unidade e disputa, rejeitando propostas de reunificação formal, já que princípios e posições estratégicas não se submetem a votos. A partir disto, seria positiva uma atitude mais agressiva de nossa parte, no sentido de pressionar pela base os militantes da CGT, que começam a demonstrar insatisfação com o rumo abertamente capitulacionista tomado por essa central. Sem nenhum tipo de diplomacia formal, devemos exortar esse contingente a abandonar as fileiras da CGT e se incorporar à CUT. Afinal de contas, temos de fazer política para o conjunto do movimento sindical e não apenas para a parcela que já está conosco. Para mim, lutar dessa maneira é concretamente credenciar-se para disputar a hegemonia no movimento dos trabalhadores brasileiros.

Washington Costa, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.

Francisco Carlos de Souza

A finalidade da CUT (Central Única dos Trabalhadores), como de qualquer outra organização autêntica de trabalhadores, é contribuir para o fim da exploração capitalista e, em consequência, lutar pelo socialismo. Isso está nos estatutos originais da CUT e em suas resoluções do II Congresso de 1986. Mas hoje enfrentamos um problema de correlação de forças, de conjuntura.

Negociar sem nos amarrar

A negociação com os patrões e o governo faz parte da nossa tática de resistência à política de arrocho e miséria que a burguesia joga sobre os trabalhadores. Nessa tática temos dois objetivos: primeiro, lutar contra a destruição social da classe trabalhadora (desemprego, arrocho, acidentes de trabalho, marginalidade social etc.); segundo, no processo de luta-negociação-luta-negociação..., incrementar nossa organização e consciência em nível de massa, no sentido do confronto que se dá entre os interesses globais do patronato, defendidos pelo governo, e os interesses globais da classe trabalhadora.

A negociação com os patrões é decorrência da nossa luta contra o arrocho e a piora das condições de trabalho. Na negociação com o governo, por um lado, defendemos os interesses dos funcionários públicos, dos empregados em estatais e autarquias e, por outro lado, buscamos desmascarar a política governamental de submissão ao FMI (Fundo Monetário Internacional), que hoje comanda o arrocho salarial, ataca o serviço público, provoca miséria para a população, além de denunciarmos para os trabalhadores a ilegitimidade deste governo e seu regime, a Nova República.

Temos que entender que a maior escola de educação política da classe trabalhadora é a sua luta de massas e que, no estágio atual da correlação de forças, a negociação é um momento dessa estratégia. Mas isso também deve significar que a negociação não pode nos amarrar as mãos, nem implicar concessão política à burguesia ou ao governo.

Na disputa entre capital e trabalho o papel da CUT é, no plano imediato, ampliar as conquistas para os trabalhadores, ao mesmo tempo que educar a classe no sentido anticapitalista e com a perspectiva do socialismo. Dessa maneira, contribuímos para que parcelas importantes do proletariado se interessem na construção do PT e desenvolvam sua consciência revolucionária.

As revoluções quem faz são as massas trabalhadoras, por meio das suas organizações amplas. Nesse sentido, a CUT cumprirá, a cada passo do confronto com o poder burguês, uma tarefa mais radical. Hoje, sua tarefa é desmascarar o caráter de classe do poder. Depois, contestá-lo na prática.

Mas sempre a CUT, assim como outras organizações classistas de trabalhadores, tem que ser um espaço para a auto-organização da classe. Espaço esse com uma capacidade sempre crescente de expressar a revolta da classe contra a exploração e de organizá-la para a conquista das suas reivindicações imediatas e históricas.

Independência e autonomia

A Central tem que ter como princípio sua independência em relação aos partidos políticos, sejam eles quais forem, antes, durante e depois da tomada do poder pelos trabalhadores. Dito isto, temos que estabelecer que, para a Central, a relação com partidos do patronato não é a mesma que a relação que se estabelece com partidos da classe (partidos, já que somos contra a teoria do partido único da classe). Os partidos burgueses fazem parte do campo inimigo; os da classe compõem o campo de alianças dos trabalhadores.

Num processo de transformação social, a CUT deve participar como organização autônoma dos trabalhadores e apoiar a luta anticapitalista. Após a tomada do poder, a Central deve manter sua independência em relação ao Estado proletário e ao partido que o estiver dirigindo. Isso porque sua função será a defesa dos interesses da classe de um ângulo diferente, contemplando a opinião de todos os trabalhadores, independentemente de a qual partido operário estejam filiados.

Ao mesmo tempo, terá a obrigação de apoiar, contribuir e propor medidas que melhorem a situação do povo, participar da defesa da revolução, e ser fiel guardiã da democracia operária em todos os níveis da sociedade revolucionária, como forma de evitar qualquer manipulação que tire das mãos dos trabalhadores o poder de decisão.

A chave para compreender essa relação é a seguinte: quem faz os grandes processos sociais e as revoluções são as massas; elas precisam de um ou vários partidos que as dirijam no sentido estratégico; mas tudo será inútil se não tiverem formas de auto-organização massivas, que dêem forma à sua ação espontânea. A CUT será uma dessas formas de auto-organização.

Instâncias inter-categorias

As estruturas horizontal e vertical da CUT (isto é, as instâncias estaduais e regionais, de um lado, e os departamentos nacionais e estaduais, de outro) não podem ter contradições entre si.

<--break->As estruturas verticais aumentam a capacidade de barganha, na medida em que juntam vários sindicatos de um mesmo ramo de atividade na mobilização, luta e negociação com uma parcela do patronato. As estruturas horizontais, que são a essência da CUT, aumentam a unidade de classe e sua solidariedade, reforçam as categorias mais frágeis, criando uma maior amplitude para as conquistas, e apontam para uma unificação dos trabalhadores enquanto classe, tanto na luta mais imediata quanto naquela travada pelo seu projeto histórico.

De outro lado, a estruturação da CUT tem que levar em conta a nossa luta contra a estrutura sindical; portanto, é até possível para a CUT disputar a direção de federações por categoria, principalmente se os nossos departamentos estiverem construídos. Nesse caso, ou ganhamos as federações, ou elas deixam de ter razão de existir e, na prática, o Departamento da CUT vai cumprir o papel da federação.

Mas o problema estratégico é o de avançar na construção de instâncias intercategorias, sobretudo regionais, que permitam a união dos trabalhadores da construção civil, metalúrgicos, químicos, bancários, rurais, comerciários, numa mesma estrutura — pois, na hora da luta geral contra o patronato e o governo, nós conseguiremos transformar essa luta num enfrentamento de classe. E, sem sombra de dúvida, isso aumenta a consciência dos trabalhadores e coloca a perspectiva de algum dia chegarmos ao poder enquanto classe.

Na fábrica, CUT e comissão

Da forma como está estruturada a CUT hoje, a única organização cutista por local de trabalho seria a Comissão Sindical de Base (CSB) que, como parte da estrutura do sindicato cutista, representa também a CUT. Caberia portanto às CSBs a defesa e a implementação do programa e do plano de ação da CUT no interior das fábricas, atuando como seções da CUT nos locais de trabalho.

Já as comissões de fábricas são organizações independentes da estrutura sindical cutista, empenhadas em representar e articular o conjunto dos trabalhadores de uma mesma empresa, independentemente da sua preferência em termos das centrais. Só assim seriam unitárias, representando o conjunto dos trabalhadores, sindicalizados ou não, nas lutas específicas da empresa ou nas lutas gerais articuladas com os sindicatos e as centrais.

As comissões de fábrica devem ser independentes porque queremos trabalhá-las como um espaço de educação dos trabalhadores no poder operário; um espaço no qual os trabalhadores se reapropriarão do processo produtivo coletivamente e aplicarão o controle operário, diminuindo o ritmo de produção, controlando a aplicação de novas tecnologias etc., ainda sob o capitalismo. Queremos que sejam, pois, o primeiro ensaio de poder dos trabalhadores, mais do que um organismo puramente sindical. A sua relação com a CUT não é de caráter orgânico mas se estabelece para, conjuntamente, fazer avançar as lutas e a organização da classe.

<--break->Proporcionalidade em tudo

A democracia operária é um princípio fundamental e insubstituível no processo de constituição da nossa classe como força consciente. E mesmo após a tomada do poder pelos trabalhadores conservará sua necessidade vital. Nós entendemos que o caminho de emancipação dos trabalhadores é um longo processo de clarificação de posições, de unificação política e orgânica da classe numa alternativa de poder. Como já vimos, não se trata apenas de um processo no plano das vanguardas ou partidos, mas também de um processo intenso de participação de massas. Esse processo não é automático, nem é dirigido pelo mito de que a classe operária só tem um partido e, dentro deste, uma só corrente. Ao contrário, já percorremos e vamos continuar a percorrer uma trajetória em que a unidade classista se faz a partir de uma diversidade de experiências e de opiniões. O instrumento de viabilizar a unidade na diversidade é a mais completa democracia no interior do movimento dos trabalhadores.

Na estrutura da CUT esse princípio deve se materializar em vários aspectos:

- na proporcionalidade em todos os níveis, isto é, desde as assembléias de eleição de delegados até as executivas, entendendo aí não só a proporcionalidade numérica mas também de cargos;

- no respeito às decisões de congressos e de assembléias e também aos processos democráticos de tomada de decisão na Central;

- na existência de canais e espaços de efetiva organização e participação das bases da Central, de modo que a capacidade de intervenção nos rumos da CUT não seja restrita aos seus níveis de direção.

Buscar a unidade na luta

A nossa relação com o conjunto do movimento deve ocorrer sempre para chamar a unidade na luta em defesa dos interesses da classe. No caso das outras centrais, essa unidade deve ser chamada na base e na cúpula, e sempre denunciar os recuos e traições, quando ocorrerem.

Aqui, temos que enxergar que a CGT é um projeto burguês no interior da classe trabalhadora. Isso é óbvio para nós, mas pode não ser para os trabalhadores que estão na sua base. Nossa política de unidade orienta-se também para colocar essa contradição entre a base e a direção da CGT, de modo que os trabalhadores que estão por ela iludidos tenham mais elementos para entender e julgar o papel de suas direções e afastar-se delas. Por isso é que quem foge da unidade não é a CUT, mas a CGT.

Ao fazermos a proposta de unidade na luta, estamos avançando na unidade da classe contra a exploração capitalista, ampliando a base da CUT e construindo a nossa hegemonia no movimento sindical brasileiro. Nesse sentido, uma política de unidade pressupõe, portanto, a capacidade de mantermos a iniciativa no movimento, nas propostas e na ação, e obviamente a capacidade de garantirmos autonomia da CUT dentro da unidade na luta, a cada momento.

Francisco Carlos de Souza é membro do Diretório Nacional do PT, presidente da CUT Regional da Grande São Paulo.

Oswaldo Bargas

A negociação é parte do cotidiano do movimento sindical. Negar isto seria negar a própria história. Há, porém, muitas formas de se negociar: sentados em volta de uma mesa; com os braços cruzados e as máquinas paradas; pacificamente; ou em confrontos diretos, provocados pela repressão a serviço da classe patronal. Busca-se sempre, a vitória, mas, às vezes, o resultado pode ter o sabor de uma eventual derrota. O importante é avançar sempre. E sempre com as massas. Negociar e lutar junto com as massas foi o caminho escolhido pelo sindicalismo combativo nesses últimos dez anos.

Motivados pela reivindicação salarial, diante do arrocho da época, os trabalhadores da Saab Scania, de São Bernardo do Campo, no dia 12 de maio de 1978, deflagraram uma greve que marcou o início do novo sindicalismo combativo. Conscientes ou não dos riscos que corriam, em plena ditadura militar, aqueles trabalhadores começavam a romper com os limites da estrutura sindical. Ampliavam, ao mesmo tempo, o espaço democrático ansiado por toda a sociedade. A participação massiva, a atuação firme da direção do sindicato e o envolvimento até de outros setores sociais formavam um quadro favorável aos objetivos dos trabalhadores. Naquele período, a luta contra a ditadura, o arrocho salarial e a falta de liberdade envolvia operários, estudantes, trabalhadores rurais, movimentos populares, intelectuais, artistas.

Fruto desses movimentos e da experiência acumulada nas lutas de resistência ao longo da história, as greves deflagradas no ABC paulista, pólo mais desenvolvido do capitalismo na América Latina, se espalhariam por todo o país. A classe trabalhadora começava a ter resgatada sua dignidade, assumindo um papel cada vez maior e mais destacado no cenário político nacional.

Negociar e também lutar

No jogo de braço travado cotidianamente entre patrões e empregados, sempre mediado pelo Estado, juiz parcial a serviço das classes dominantes, o sindicalismo combativo aprendeu que são as massas que dão legitimidade a qualquer negociação. A correlação de forças será mais favorável aos trabalhadores sempre que houver participação efetiva das massas. Caso contrário, os trabalhadores ficarão à mercê dos seus inimigos de classe.

Os limites de uma negociação, batizados pela correlação de forças no quadro político-econômico e no momento conjuntural, são determinados também pelo grau de consciência, organização e mobilização dos trabalhadores envolvidos.

São essas algumas premissas básicas que norteiam a nossa prática diante de qualquer negociação, seja com o governo ou com patrões. Afinal de contas, o trabalhador antes de mais nada é um cidadão. E os direitos do cidadão devem ser garantidos pelo Estado. Quando isso não acontece, cabe ao sindicato lutar, reivindicar e negociar a garantia desses direitos para os trabalhadores. Ampliá-los e consolidar novos espaços são conquistas que fazem parte dos objetivos do sindicalismo, juntamente com a permanente melhoria das condições de vida e de trabalho. A negociação, portanto, estará sempre presente, tanto com os patrões como com o governo, porque não acreditamos que qualquer uma das partes se disponha à rendição incondicional.

<--break->Romper com as limitações

O novo sindicalismo, representado pela CUT, já não consegue mais conviver com a estrutura sindical vigente, apesar dos remendos malfeitos pela Constituinte. No entanto, a realidade nos impõe essa convivência, independentemente da nossa vontade. Conviver com a realidade não significa aceitá-la passivamente e muito menos pacificamente. Nosso objetivo é romper sempre com os limites impostos pelo governo a serviço dos patrões. Esse rompimento, juntamente com as conquistas materiais — salários, redução da jornada de trabalho etc. —, contribui para revelar, sem os disfarces paternalistas e assistencialistas do Estado, todas as contradições da luta de classes. A solução para essas contradições será mais eficaz e radical sempre que as massas estejam esclarecidas, conscientes, organizadas e mobilizadas.

A fundação da CUT (que neste ano realiza o seu III Congresso Nacional) cinco anos após a greve da Scania foi mais um passo dado nessa direção. A legislação da época proibia (e ainda hoje não reconhece) a organização horizontal dos trabalhadores. As rupturas impostas à legislação fascista, criada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas e tomada mais rígida pela ditadura militar, não pararam aí. Ao longo desses últimos dez anos, os limites foram rompidos quando dirigentes sindicais continuaram dirigindo as lutas mesmo estando seus sindicatos sob intervenção; quando dirigentes sindicais cassados candidataram-se, foram reeleitos e tomaram posse diante de ameaças de todas as espécies. A redução do papel assistencialista dos sindicatos, a criação e o sucesso da imprensa sindical diária, com milhares de boletins e jornais distribuídos na porta das empresas, as experiências bem-sucedidas de alguns sindicatos, devolvendo o imposto sindical, revelam a combatividade, a disposição e o engajamento da massa nesse processo.

A trajetória não foi linear nem tranquila. Houve confrontos, impasses, negociações, vitórias e derrotas. Avançamos bastante. Talvez fosse possível avançar mais.

O III Concut está exigindo a formulação de propostas que contribuam para romper ainda mais com os limites existentes e avançar sobre novos espaços que precisam ser conquistados. A referência básica, que está atrás de cada proposta, são as lutas travadas nos últimos dez anos, sem perder de vista a história das últimas décadas. E em cada proposta estarão embutidos os limites que pretendemos romper, por meio das mais variadas formas de luta e de negociação.

Maior representatividade

A CUT, como órgão dirigente, é hoje a maior referência para o conjunto dos trabalhadores. Mas não basta ser só uma referência. É preciso tornar-se representante de toda a classe trabalhadora. A representatividade, construída e conquistada ao longo das lutas marcadas por vitórias assim como por derrotas, inspira confiança e fortalece a direção do movimento. Entretanto, apesar da presença marcante e constante junto à maioria das mobilizações de trabalhadores, a CUT ainda não consegue se impor como direção de todo o movimento. Muitas das lutas ocorrem de forma isolada, localizada e, em grande parte, espontânea; quando isso acontece, a presença da CUT caracteriza-se mais como apoio às lutas do que como direção capaz de unificá-las.

<--break->Falta, portanto, um plano estratégico, com objetivos táticos bem claros que promovam a unidade de ação necessária das massas, sob a direção da CUT. Nesses dez anos, sempre que tivemos representatividade junto às massas mobilizadas, conseguimos avançar porque nossas propostas iam ao encontro das suas reivindicações. Conquistamos muitos sindicatos nas cidades e no campo, conseguimos dar saltos que, comparados com outros períodos históricos, nos levam a concluir que vivemos um momento muito original, sem paralelo com o passado. O movimento sindical brasileiro praticamente não conhece a atuação de centrais sindicais, exceto por curtíssimos períodos ao longo de sua história; assim como a sociedade brasileira nunca conviveu, com raríssimas exceções igualmente limitadas no tempo, com partidos operários na legalidade.

Contra os discursos vazios

A responsabilidade aumenta ainda mais diante desse quadro histórico. E diante das dificuldades que enfrentamos, é preferível correr todos os riscos junto com a massa.

As diferenças existentes dentro e fora do campo da CUT são marcadas pelos métodos, concepções e objetivos perseguidos em cada luta. As iniciativas vanguardistas, distanciadas das massas, acobertadas por jargões como sindicalismo livre ou paralelo, ou as oposições sindicais que montam estruturas paralelas para concorrer com a diretoria dos sindicatos foram e continuam sendo fragorosamente derrotadas. Essas derrotas são fruto dos desvios provocados por objetivos e concepções equivocadas, que colocam num plano secundário a derrubada dos pelegos e priorizam o uso da estrutura e dos recursos disponíveis para desenvolver, dentro do movimento sindical cutista, as disputas de posições. O erro é duplo. Em primeiro lugar, porque acabam desenvolvendo uma prática sectária, que impede a implementação da tática necessária para enfrentar e derrotar os pelegos. Em segundo lugar, pela perda de potencial de luta dentro das empresas, provocada pela retirada de seus militantes da produção para lançá-los nas disputas internas do movimento de oposição. Essas posições, carregadas de discursos vazios, doutrinaristas e ideologizados, esquerdistas, só negam e criticam porque não têm propostas além da retórica revolucionária, voltada para meia dúzia de seguidores.

Buscando constituir-se como uma central sindical que represente todos os trabalhadores, a CUT elaborou uma proposta de caráter global, que abrange desde as reivindicações específicas, econômicas, até as grandes questões nacionais. Uma proposta que considera todos os desafios dentro e fora da CUT, no campo sindical, e dentro e fora dos limites institucionais (como a convivência com a estrutura sindical oficial e a luta para destruí-la), de tal forma que todos os esforços possam ser canalizados para a construção de uma nova ordem política, econômica e social.

Nada a ver com pacto social

A CUT, como entidade nacional, precisa pensar as questões de uma forma global. Pensar a luta de classes em todas as suas manifestações, principalmente diante de uma estrutura sindical assistencialista e paternalista, que encobre e mascara as contradições; levar o sindicato para todo o conjunto dos trabalhadores e não só para os iniciados, esclarecidos ou iluminados; garantir os direitos mínimos do cidadão e lutar para ampliá-los, assim como um salário que possibilite uma vida saudável, com tempo para a família e para o lazer, conquistar a liberdade e autonomia sindicais que, juntamente com a democracia, são ingredientes necessários para o crescimento e fortalecimento do movimento sindical. A CUT enfrenta demandas em todos os níveis; precisa se preparar para dar respostas e formular propostas para todas essas situações.

É nesse contexto que foi formulada a proposta, de âmbito nacional, que se denominou Contrato Coletivo de Trabalho. Não tem nada a ver com pacto social, até mesmo porque nem a burguesia, nem o governo, nem os trabalhadores têm condições de executar qualquer pacto. Nem os trabalhadores têm uma representação reconhecida que garanta o sucesso de uma greve geral, nem o governo ou os patrões poderão dar qualquer garantia de que a inflação deixará de existir. A burguesia, que tanto fala nesse tal pacto social mas nunca colocou no papel qualquer proposta concreta (até mesmo porque sabe que não terá condições de cumprir sua parte), tem se utilizado dessa retórica para dividir os trabalhadores.

<--break->O Contrato Coletivo de Trabalho procura definir interlocutores válidos e representativos para se discutir e negociar uma pauta mínima, desde reivindicações trabalhistas até aquelas que dizem respeito aos direitos do cidadão enquanto classe.

Aqueles que não querem negociar e não atribuem aos sindicatos e à CUT o papel de negociadores estão fazendo uma análise incorreta da realidade. Ao pretenderem conduzir a situação para um impasse, para um beco sem saída, consideram que num confronto direto a correlação de forças estaria favorável aos trabalhadores a ponto de se colocar na ordem do dia uma possível tomada do poder. Nesse caso, estão tendo uma visão partidarizada da CUT e atribuindo a ela a responsabilidade de definir um programa e um projeto global para toda a sociedade, substituindo na prática o papel dos partidos.

Não há dúvida de que essa visão estreitaria a CUT, que teria de exigir dos seus filiados um compromisso ideológico com seu projeto. Os que não aceitassem suas premissas obviamente deveriam ser excluídos.

O movimento sindical não pode ser impositivo. Muito pelo contrário, ele deve ter uma política de convencimento para que os trabalhadores se organizem e lutem enquanto categoria e enquanto classe, adquirindo e desenvolvendo sua consciência. O salto de qualidade é a descoberta, pelos trabalhadores, da importância de sua organização partidária enquanto classe.

O Contrato Coletivo poderá dar uma dimensão mais ampla, nacional, para a luta dos trabalhadores, uma vez que pretendemos discutir propostas concretas com o governo como tal, com o governo como patrão e com todos os interlocutores válidos do setor empresarial. A negociação nacional é mais um passo na direção dos Emites dados, para que possamos superá-los o mais rapidamente possível.

Queremos discutir com o governo a aplicação das verbas públicas em saúde, educação, transporte etc., independentemente do partido político que estiver no poder. E por que não discutir também os recursos destinados às Forças Armadas, as relações internacionais, a dívida externa?

<--break->Com os patrões, inclusive o governo, queremos discutir acordos mínimos de trabalho, com reposição das perdas salariais e reajustes baseados na inflação projetada, como o fazem os setores empresariais, e não na inflação passada. Nessa discussão, os limites ficarão mais visíveis e servirão para conscientizar os trabalhadores.

Caso se consiga um acordo mínimo por exemplo, um piso salarial compatível com as reais necessidades dos trabalhadores — nada impedirá que certos ramos das categorias façam acordos próprios acima desse mínimo nacional estabelecido. Tudo dependerá da correlação de forças. O Contrato Coletivo servirá apenas para garantir o mínimo e estimular ao mesmo tempo novas reivindicações, para que a luta de classes flua naturalmente, sem artifícios paternalistas ou assistencialistas. Só esse fato realimentará a própria luta de classes, fazendo emergir suas contradições e abrindo espaço para que os próprios trabalhadores assumam a tarefa histórica de acabar com sua exploração.

Ao contrário dos que imaginam que esta postura frente à negociação pode parecer um aceno à conciliação de classes ou um pacto social disfarçado, a CUT tem certeza de que essa proposta representa um avanço enquanto espaço criado pelos próprios trabalhadores.

A classe empresarial nunca se dispôs a conviver democraticamente com os trabalhadores e, muito menos ainda, a sentar-se e discutir de igual para igual. Só o faz quando os trabalhadores o exigem e impõem, através da força de sua organização e mobilizarão. E, quando isso acontece, a reação torna-se inevitável mas perfeitamente previsível, variando somente em relação a força e intensidade. Neste momento, teremos a verdadeira avaliação do quanto se conseguiu acumular nas experiências de organização e resistência que permitirão definir os novos passos a serem dados no processo de construção de uma nova sociedade.

Osvaldo Bargas é membro da Executiva da Direção Nacional da CUT, coordenador geram do Instituto Cajamar, ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, membro da secretaria de Relações Internacionais da CUT.

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