A possibilidade de o governo cimentar uma unidade entre os diversos setores da classe dominante é uma ameaça real ao movimento operário e popular. Evidentemente, a momentânea coesão das classes dominantes em torno do Planalto poderá ser abalada, dependendo da evolução da crise econômica e de outros fatores. O mais preocupante, porém, é a atual disposição governamental de aproveitar sua posição vantajosa para impor duras medidas econômicas e encurralar o movimento sindical combativo e a oposição política. Não passa desapercebida a tática de esmagamento de greves, principalmente na área estatal e do funcionalismo, onde o Estado-patrão tem bancado enormes prejuízos econômicos e desgaste político como preço necessário da derrota dos movimentos reivindicatórios. Seguindo a cartilha da FIESP, que recomenda explicitamente "não premiar grevistas", o governo, à custa de demissões e da negativa dos pleitos econômicos, atua como se desejasse provar aos trabalhadores que o caminho da luta não compensa. Esta postura combina-se com o estímulo aos pelegos do sindicalismo de negócios para que ocupem um terreno até agora utilizado pela CUT.
Estamos, pois, diante de uma ofensiva na qual o governo trabalha simultaneamente a unidade das classes dominantes e o isolamento social e institucional dos movimentos da classe operária e seus aliados. A vitória dessa tática significaria uma derrota estratégica para o proletariado, com a consolidação no processo de transição de um regime autoritário, com reduzidos espaços nos quais uma prática sindical e política mais combativa pudesse se manifestar.
Diante dessa ameaça, nenhuma representação dos trabalhadores pode permanecer passiva ou fugir às responsabilidades políticas que o momento impõe. E isso toca particularmente a CUT. Evidentemente não se trata de avocar para nossa Central o papel do partido político. No entanto, partindo do pressuposto de que a resolução dos problemas econômicos dos trabalhadores passa por soluções políticas, trata-se de examinar as particularidades do processo brasileiro de construção dos instrumentos orgânicos dos trabalhadores. Vale dizer, discutir o papel cumprido hoje, no Brasil, por partidos e sindicatos e sua interação com o proletariado.
Nosso papel político
Vivemos hoje um dilema: em diversas categorias estratégicas de trabalhadores, os sindicatos combativos conquistaram o apreço das massas, que os reconhecem como sua efetiva direção; por outro lado, essas mesmas entidades têm uma forte tendência de reproduzir a separação entre luta sindical e luta política. Já os partidos, mesmo aqueles que se propõem enquanto artífices da luta dos trabalhadores pelo poder, como é o caso do PT, continuam sendo vistos pela grande maioria como meros depositários de votos. Além disso, não se pode esquecer o peso do modelo sindical corporativista.
O desafio imposto pelo projeto do governo não poderá ser enfrentado com êxito se perdurar o desarmamento político dos trabalhadores; este esforço pelo rearmamento caberá ao PT, construindo-se como partido dirigente, bem como à CUT, como central sindical representando e unificando o movimento sindical.
Para nós, a CUT é, em primeira instância, uma espécie de corretor do preço da força de trabalho de boa parte dos trabalhadores brasileiros, o que não significa limitar a sua atuação a limites tão estreitos. Seria mesmo um caso de traição pensar para a CUT o caminho de um sindicalismo de negócios de esquerda, no qual a diferença com os pelegos tipo Medeiros e Magri estivesse apenas na adoção de formas radicais de luta. Constantemente acusada pela reação de fazer política, nossa central deve assumir sempre que seus interesses não são meramente obreiros, e reivindicar como legítima sua participação no jogo político. Isto implica o direito inequívoco de fazer propostas globais à sociedade, ainda que cingindo-se aos interesses gerais dos trabalhadores, sem os detalhamentos que caracterizam uma ação partidária.
Pressão sobre os partidos
À luz destas considerações a CUT deve balizar sua relação com os partidos políticos. Sem se prender a nenhum tipo de formalismo, deve denunciar aquelas agremiações objetivamente inimigas dos trabalhadores; ao mesmo tempo deve pressionar, com palavras e fatos, os partidos de alguma forma vinculados à luta da classe operária para que assumam as atitudes necessárias à defesa dos interesses do povo trabalhador.
No momento atual nada é tão urgente quanto a pressão organizada da CUT e outras entidades representativas sobre os partidos de oposição pela esquerda ao governo Sarney. Pressão para que encontrem um denominador comum, tanto programático, quanto de ação prática imediata voltada para a inviabilização do governo, por meio da elaboração de uma política democrática e popular que forneça as bases de um projeto de governo alternativo ao que aí está. A CUT pode contribuir apresentando importantes pontos programáticos como: estatização do sistema financeiro, reforma agrária ampla, sob controle dos trabalhadores, democratização dos meios de comunicação, não-pagamento da dívida externa, saúde e educação públicas e gratuitas, habitação, transporte a baixo custo e outros pontos já definidos em seus congressos.
No entanto, o reconhecimento desse papel político explícito da CUT não pode ser feito em detrimento de suas funções tipicamente sindicais. Setores que, equivocadamente, confundem a Central com partido político têm torpedeado a idéia de uma Convenção Coletiva de Trabalho em nível nacional, identificando-a como um equivalente ao pacto social. Negociar acordos que tragam melhorias parciais às condições de vida dos trabalhadores faz parte da atividade cotidiana dos sindicatos e, sendo assim, a negociação de um acordo nacional, desde que traga vitórias efetivas, é algo inerente a uma central sindical. Na verdade, o problema parece não residir exatamente aí, mas sim na concepção ultimatista de terminadas correntes que, tanto no campo político quanto no sindical, desprezam a luta por objetivos parciais e uma estratégia de acúmulo de forças, adotando uma linha apocalíptica de apressar, a todo custo, o confronto final, mesmo que não tenhamos ainda a menor preparação para o embate decisivo.
Em suma, trata-se de compreender que, embora atuando no específico sindical, a CUT deve a sua criação não apenas às demandas sindicais, mas fundamentalmente a um movimento que remonta aos tempos da resistência subterrânea ao regime militar, para o qual concorreram diversas correntes de opinião que colocavam como fundamental a independência política e orgânica dos trabalhadores na luta contra a ditadura. Se no plano político sua expressão mais avançada é o PT, no campo sindical é a CUT. Diga-se de passagem, nos seus congressos a maioria dos delegados tem sabido identificar corretamente esta questão, assumindo uma carta de princípios, em que a conquista do socialismo é colocada como meta, e plataformas de luta concretas, nas quais se mesclam o sindical e o político. Agora, o importante é passar das palavras à ação, aprofundando esses compromissos à luz dos desafios conjunturais. Para isso, será necessária a rediscussão sobre as formas de organização da Central. Ou seja: afiar a arma para travar o combate.
Pela disputa da hegemonia
A CUT é uma central sindical em construção. Isto significa que, apesar dos seus inegáveis avanços, continua a ter problemas de representação e dificuldades para dirigir, de forma conjunta, todos os trabalhadores que se alinham sob sua direção. Para enfrentarmos estes problemas do ponto de vista orgânico, é necessário introduzir modificações na estrutura e nos estatutos, assimilando as experiências práticas do último período.
Entre estas lições, destacam-se o papel das entidades sindicais como pilares e meios de transmissão da política cutista, a confirmação da estratégia de quebrar por dentro a estrutura sindical corporativista, a necessidade de se ampliar a democracia dentro do movimento sindical e na própria CUT, e o fortalecimento de seus órgãos dirigentes.
Fundada sob um clima de forte disputa com os pelegos e reformistas, a CUT passou por um momento de afirmação. Superada essa fase, urge agora adotar uma estrutura que privilegie a qualidade, já que ninguém duvida mais da sua importância nacional, enquanto, por outro lado, sua capacidade de direção efetiva ainda deixa muito a desejar.
Achamos que hoje é fundamental fortalecer, em todas as instâncias da Central, a importância dos sindicatos, notadamente os de base massiva e estratégicos no modo de produção. A vida demonstrou que a força da CUT e sua capacidade de intervenção estão diretamente ligadas ao peso das entidades a ela filiadas. Não é à toa que dedicamos boa parte de nossos esforços à conquista de entidades, e que nos departamentos nacionais é priorizada a participação dos dirigentes sindicais. Para o encaminhamento do movimento em nível nacional, a força das entidades é infinitamente superior à das oposições sindicais. Uma estrutura em que grande parte dos que decidem não tem como viabilizar as decisões não pode ser chamada nem de forte, nem de democrática. Nossa proposta é fortalecer o papel dos sindicatos filiados por meio de medidas como:
1) A substituição das Plenárias Estaduais e Nacional por Conselhos Estaduais e Conselho Nacional de Representantes das Entidades Filiadas, com poder deliberativo e compostos por representantes dos sindicatos e associações pré-sindicais filiadas, com um número de representantes proporcional ao número de sindicalizados. Nesses conselhos representantes das oposições poderiam participar na qualidade de observadores.
2) Estabelecimento do número mínimo de três entidades filiadas para poder ser criada uma CUT Regional.
3) Critérios que restrinjam o número de delegados eleitos para os congressos nas categorias em que a diretoria não for filiada.
4) Critério para tirada de delegados proporcional ao número de trabalhadores sindicalizados em cada categoria.
Estas propostas não excluem a participação das oposições sindicais; simplesmente reorganizam nossa estrutura, dando a justa importância a cada participante. É óbvio que esta nova estrutura será um rompimento com os critérios da estrutura sindical oficial, pois introduz a representação proporcional ao número de sindicalizados e preserva a participação das categorias não-filiadas. No entanto, sabemos que não irá contemplar as preocupações de muitos companheiros, voltados hoje para a horizontalização da CUT. Saudamos os debates a respeito das relações da CUT com comissões de fábrica e outros organismos de base; no entanto achamos prematuro qualquer tipo de formalização desta relação. A verdade é que a organização dos trabalhadores no seu local de trabalho ainda engatinha no Brasil, e que além disso possui uma multiplicidade de formas, das comissões de delegados sindicais eleitos diretamente a grupos de fábrica e outras mais. No momento, o importante é que "desabrochem mil flores e floresçam mil idéias", deixando uma resolução para mais tarde, quando a prática puder ser realmente o critério da verdade.
Maior democracia interna
Existem, porém, medidas realmente inadiáveis. São as relacionadas com o aprofundamento da democracia. É inadmissível que no interior da CUT o princípio da proporcionalidade ainda não seja aplicado integralmente, como forma de garantir a democracia e a unidade da Central. Além disso, democracia significa também veiculação de informações e coragem para assumir um debate quando não se tem certeza de dispor de uma maioria prévia. Referimo-nos aqui à questão da relação da CUT com as centrais sindicais mundiais. Achamos imprescindível que o próximo Congresso abra oficialmente essa discussão, para que no seguinte possamos decidir coletivamente sobre a filiação ou não da CUT a uma central internacional e o tipo de relacionamento que deve ter com cada uma.
Para encerrar, gostaria de dar uma palavra a respeito da nossa relação com a CGT e a USI (União Sindical Independente). Até agora tem sido correta nossa postura de unidade e disputa, rejeitando propostas de reunificação formal, já que princípios e posições estratégicas não se submetem a votos. A partir disto, seria positiva uma atitude mais agressiva de nossa parte, no sentido de pressionar pela base os militantes da CGT, que começam a demonstrar insatisfação com o rumo abertamente capitulacionista tomado por essa central. Sem nenhum tipo de diplomacia formal, devemos exortar esse contingente a abandonar as fileiras da CGT e se incorporar à CUT. Afinal de contas, temos de fazer política para o conjunto do movimento sindical e não apenas para a parcela que já está conosco. Para mim, lutar dessa maneira é concretamente credenciar-se para disputar a hegemonia no movimento dos trabalhadores brasileiros.
Washington Costa, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.