EM DEBATE

Por um ano e quatro meses no Fórum Nacional do Trabalho sindicalistas, patrões e governo discutiram acirradamente a reforma sindical que deverá entrar na agenda do Congresso Nacional este ano. No entanto, ainda não há consenso em torno do resultado desse processo, contido na Proposta de Emenda Constitucional 369 na Câmara Federal. Nesta edição a opinião de três dirigentes do movimento sindical: Artur Henrique da Silva Santos, Rosane da Silva e Wagner Gomes, respectivamente, secretário de Organização, secretária de Política Sindical e vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores.

O desafio de mudar a estrutura sindical brasileira

Mobilização social é indispensável

Impasses e contradições

O desafio de mudar a estrutura sindical brasileira

O desafio de mudar a estrutura sindical brasileira se confunde com a história da esquerda brasileira, mais particularmente com a do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A formação de um partido de trabalhadores e a criação de uma central sindical que rompesse com a estrutura oficial fizeram parte da história e do imaginário dos trabalhadores brasileiros, principalmente depois dos anos 20 e 30. Essas duas idéias, a de um novo partido e a de um novo sindicalismo, aparecem juntas, no mesmo ciclo de transformações pelo qual o Brasil passa no fim dos anos 70. (Von der Osten, Beto. Revista Secretaria Sindical Nacional – PT, Edição especial, outubro de 2003.)

A CUT foi criada para romper com a estrutura sindical oficial e para consolidar um sindicalismo classista, de luta, de massas e organizado a partir da base. Uma das principais centrais sindicais do mundo, nossa trajetória é marcada pela defesa da liberdade e autonomia sindical, traduzida, no debate nacional, na defesa da proposta de um Sistema Democrático de Relações de Trabalho (SDRT).

O Partido dos Trabalhadores, já em sua Carta de Princípios, apresentada pela Comissão Coordenadora à sociedade brasileira em 1º de maio de 1979, “proclama que sua luta pela efetiva autonomia e independência sindical, reivindicação básica dos trabalhadores, é parte integrante da luta pela independência política destes mesmos trabalhadores”. Na “Declaração Política” de construção do PT, de outubro de 1979, encontramos entre os objetivos centrais:

“Liberdades democráticas; sindicatos livres e independentes do Estado: extinção do imposto sindical, fim do estatuto padrão, liberdade de formulação dos estatutos, enfim, extinção da estrutura sindical vigente; efetiva liberdade de organização nos locais de trabalho; legalização das comissões e delegados de fábrica, eleitos democraticamente pelos trabalhadores; plenos direitos sindicais aos funcionários públicos”. Nas Resoluções do 4º Encontro Nacional, em 1986, vemos claramente que “O PT surge justamente da autonomia sindical, porque é fruto de uma série de ações, movimentos e lutas sindicais inspirada pelo desejo de independência e autonomia dos trabalhadores.” É por isso que o PT, em seu programa, prioriza a conquista da liberdade e da autonomia sindicais. É por isso, também, que o PT deve ser – e é – o seu mais decidido defensor.

Tendo por base a experiência histórica construída em 22 anos de existência da Central, sua atual Direção Nacional, cumprindo as deliberações do 8.o Congresso da Central Única dos Trabalhadores (Concut), em 2003, assumiu o desafio de participar do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) – espaço de diálogo e negociação – proposto pelo governo Lula para debater a reforma sindical e a trabalhista, valendo-se da seguinte resolução:

“No atual contexto, a Central deve aprimorar sua proposta de Sistema Democrático de Relações de Trabalho (SDRT) para garantir maior unidade e consistência nas estratégias de intervenção da CUT, particularmente no Fórum Nacional do Trabalho. A atuação da CUT deve, portanto, orientar-se para que a reforma sindical e trabalhista tenha um caráter progressista, que democratize as relações de trabalho, valorize o papel do Estado como garantidor de direitos, fortaleça a organização sindical e amplie os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras”.

Inicialmente, foi preciso resgatar todo o acúmulo de debate a respeito desse tema na CUT, socializando as várias deliberações em plenárias e congressos realizados ao longo de sua história. Depois, conseguir reunir para discutir o assunto as várias centrais sindicais, cujas realidades e concepções são distintas, assim como se compõem de diferentes níveis de representatividade. Em nossa visão, expressa no documento em que apresentamos a proposta de um sistema democrático, a mudança da atual estrutura sindical seria feita por intermédio da negociação com outras forças do campo das relações de trabalho. Esse esforço para mudar a estrutura sindical já vinha sendo efetuado antes mesmo do 8º Concut e culminou com a criação do Fórum Nacional dos Trabalhadores, agregando as principais centrais sindicais brasileiras, sob a coordenação do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), e tendo por objetivo preparar uma intervenção articulada da bancada dos trabalhadores no FNT.

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O segundo passo foi estabelecer como prioridade a realização da reforma sindical. Houve numerosas tentativas dos empregadores em inverter esse quadro ou em tratar as duas reformas (sindical e trabalhista) ao mesmo tempo. No entanto, com o apoio da bancada do governo, a discussão e a formulação de alternativas se concentraram no campo do direito coletivo e garantiu-se, para um segundo momento, o debate acerca da reforma trabalhista.

Por isso, no momento em que a proposta de reforma sindical foi enviada ao Congresso Nacional, a CUT, de acordo com a resolução da Direção Nacional de agosto de 2004, reafirmou sua posição: “As negociações no FNT e o resultado obtido até o momento, ainda que não atendam na integridade o princípio da liberdade e autonomia, significam avanços no fortalecimento da estrutura sindical. A reforma introduz a organização no local de trabalho, um dos princípios fundacionais da CUT, a soberania das assembléias de base, o contrato coletivo nacional, a negociação coletiva no setor público, confere estatuto jurídico às centrais e muda a forma de financiamento do sindicalismo. Com isso, boa parte das bandeiras históricas da CUT foram contempladas, senão em sua totalidade, certamente em sua essência”.

Em maio de 2005, durante a realização da 11ª Plenária Nacional, levando em consideração a contrariedade de outras centrais, notadamente no que se refere ao fim da unicidade sindical, a CUT aprovou a Plataforma Democrática Básica, da qual não abre mão na reforma sindical. Ao mesmo tempo, concordou em introduzir na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) artigo que prevê a possibilidade de entidades sindicais requererem exclusividade de representação na base se assim tiverem interesse, desde que cumpram requisitos mínimos de representatividade. Essa possibilidade já era prevista no texto do projeto de lei, elaborado a partir do Fórum Nacional do Trabalho, e sua migração para a PEC foi aceita pela CUT como forma de dissipar outro foco de resistência de centrais – de trabalhadores e patronais – que temia disputas em suas bases. Essa mudança diminui a possibilidade de extinguir a unicidade sindical em todos os rincões do país, porém é uma maneira de preservar a plataforma mínima antes citada, mantendo a tramitação da reforma. Inadmissível seria travá-la inteira, definitivamente. A Plataforma Democrática Básica engloba os seguintes pontos:

  • Reconhecimento das Centrais Sindicais com liberdade na estrutura vertical;

  • Manutenção da estrutura atual nos sindicatos de base, condicionada a critérios de representatividade e democratização dos estatutos;

  • Organização Sindical por Setores e Ramos de Atividade;

  • Fim do Imposto Sindical (contribuição compulsória) e das taxas confederativa e assistencial e instituição da Contribuição Negocial;

  • Direito de Organização por Local de Trabalho (OLT);

  • Contrato Coletivo Nacional por Ramo;

  • Direito de Negociação e Greve no Setor Público nas três esferas;

  • Ultratividade dos Contratos;

  • Substituição Processual;

  • Práticas anti-sindicais;

  • Ratificação da Convenção 158 da OIT;

  • Não-intervenção do Estado.

A necessidade de aprovação da reforma sindical construída nesse amplo processo de entendimento e disputa política, travada tête-à-tête com outros setores do sindicalismo e do patronato, é de extrema importância. A Plataforma Democrática Básica representa mais que um avanço: é uma ruptura com a estrutura hoje vigente. Apesar das conquistas obtidas por meio da Constituição de 1988 – fim do controle político e administrativo das entidades sindicais e garantia da organização sindical aos servidores públicos –, foram mantidos os pilares da estrutura sindical herdada dos anos 30/40. A nova base legal do sistema de relações de trabalho e a realidade do mercado do trabalho possibilitaram a intensificação do processo de pulverização e fragmentação de entidades sindicais. Prevaleceu, especialmente quando a disputa resvalava para o Judiciário, a representação mais descentralizada e específica. Com isso, explodiu o número de entidades sindicais existentes no país, chegando a aproximadamente 18 mil. Parte dessas, meramente cartoriais ou de carimbo. O movimento sindical tornou-se, dessa forma, pulverizado e fragmentado. Contraditoriamente às propostas da CUT, que primam pela organização sindical por ramo e unificação de sindicatos, tornando-os mais abrangentes e com maior poder de organização e mobilização, até mesmo para representar os trabalhadores terceirizados. Além disso, ainda prevaleceram problemas quanto à democratização das entidades sindicais, vide o exemplo de parte significativa das eleições sindicais.

Outro problema foi a falta de regulamentação do direito de negociação e de greve dos servidores, deixando-os à mercê do governante para encaminhamento de reivindicações. Na maioria dos casos, a greve foi utilizada como forma de abrir espaço de negociação. O direito de Organização dos Trabalhadores por Local de Trabalho (OLT) é uma questão central para aumentar a representatividade do movimento sindical brasileiro. Essa instância é fundamental para o avanço da democratização das relações de trabalho, garantindo a presença do sindicato no interior da empresa, onde se experimentam mais as mudanças no mundo do trabalho.

Quanto à negociação coletiva, há diversos aspectos limitadores que buscamos superar no decorrer da nossa história, tais como a restrição de só negociar no âmbito de cada categoria profissional e na data-base, bem como o papel desempenhado pelo poder normativo da Justiça do Trabalho nos conflitos coletivos. Nesse sentido, a legislação atual pulveriza as negociações e dificulta o encaminhamento de processos articulados em diversos níveis e por ramo de atividade econômica. A pulverização histórica das negociações coletivas no Brasil é intensificada pela tendência atual de descentralização, especialmente por empresa, criando diferenças regionais, de gênero e outras mais. A Plataforma Democrática Básica aponta para a mudança desse cenário.

E por fim, mas não menos importante, as Centrais Sindicais que conquistaram o reconhecimento político-institucional não têm assegurado seu reconhecimento como entidade sindical.

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O governo Lula e a reforma sindical

O governo Lula colocou a reforma sindical na agenda. E o fez a partir do princípio de democracia e negociação plenamente afinado com nossa história. Por isso, participamos ativamente do Fórum Nacional do Trabalho, no qual, por dezesseis meses, trabalhadores, patrões e representantes do governo elaboraram uma proposta de projeto de lei consen­sual – o que não impediu outras forças de renegar alguns pontos quando a proposta era encaminhada ao Congresso.

Para nós, da CUT, a proposta finalizada traz avanços significativos rumo à liberdade e à autonomia sindicais, ainda que não atenda integralmente às bandeiras históricas da CUT, pois caminha para a extinção dos pilares do corporativismo: o imposto sindical e o poder normativo da Justiça do Trabalho.

Reforma trabalhista

A nossa posição em relação à reforma trabalhista continua a ser aquela apontada no 8º Concut: de um lado, lutar pela ampliação de direitos e, de outro, para remover o “entulho” do governo FHC, formado pelas iniciativas de desregulamentação de direitos e flexibilização das relações de trabalho. Assim, queremos a garantia da manutenção do atual patamar de direitos estabelecidos na legislação, tanto individuais quanto coletivos, possibilitando sua abrangência para contratos coletivos nacionais, estaduais e regionais. Nesse ponto, devemos relembrar que, a despeito dos setores conservadores da sociedade, a reforma trabalhista será discutida depois da aprovação da sindical.

A batalha no Congresso

Não será fácil. Mas nunca foi fácil, historicamente, para a classe trabalhadora obter conquistas. A partir do encaminhamento da proposta de reforma ao Legislativo, nosso principal desempenho será debatê-la no Congresso Nacional, com a classe trabalhadora e as entidades da sociedade civil. Isso porque, certamente, os setores conservadores (dos sindicalistas e dos empresários), beneficiados com o atual sistema legal, tentarão distorcer as mudanças positivas e manter a estrutura oficial arcaica, a pulverização da organização sindical brasileira, a busca da flexibilização dos direitos e o imobilismo alimentado pelo imposto sindical e pela inviabilidade do processo negocial democrático e articulado, pois este lhes exigiria luta e mobilização.

Esperamos compor uma plataforma unitária para intervenção no Congresso Nacional, cujos pontos prioritários não devem ser alterados. Lutamos para que a reforma sindical seja fruto democrático de amplo consenso e buscamos a conformação e aprovação de um projeto de lei que fortaleça o movimento sindical e a negociação coletiva. Por isso, conclamamos os deputados a apreciar o Projeto da Reforma Sindical, sob o prisma da liberdade e da autonomia, elementos essenciais para a consolidação de uma sociedade democrática. E que a lei aprovada resulte em nova estrutura, capaz de fortalecer a organização da classe trabalhadora, favorecer a unidade entre os diferentes ramos e regiões, evitando a fragmentação dos sindicatos, em prol de um mundo em que o direito, a democracia e a liberdade sejam os propulsores da igualdade e de melhores condições de trabalho e de vida para a classe trabalhadora brasileira.

Arthur Henrique da Silva Santos é secretário nacional de Organização da CUT

Mobilização social é indispensável

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi fundada em 1983 com a bandeira da luta contra a “estrutura sindical oficial” (a unicidade sindical, o imposto sindical, a prerrogativa do Ministério do Trabalho de intervir nos sindicatos, o poder “normativo” da Justiça do Trabalho utilizado para interferir nos conflitos, entre outros pontos relativos a esse debate). Graças ao grande impulso das mobilizações sindicais dos anos 80, algumas alterações foram introduzidas pela Constituição Federal de 1988 na estrutura sindical até então vigente.

Mas a democratização da legislação sindical ficou truncada, incompleta. Expressão disso é que há hoje mais de 14 mil sindicatos de trabalhadores oficialmente registrados, a maioria dos quais apenas “de carimbo”, para usufruto de algumas vantagens por parte de suas direções, que não desenvolvem nenhuma ação sindical relevante. Pelas regras atuais, a existência de tal legislação impede que se consti­tuam nessas categorias/regiões verdadeiras organizações representativas dos trabalhadores – malgrado a vontade de parcelas expressivas delas.

Por isso, era uma obrigação política e moral da Central, na nova conjuntura aberta com o governo Lula, reapresentar a questão – e nisso houve sintonia com o governo desde o começo. No entanto, sabemos que as reivindicações da classe trabalhadora enfrentam grandes dificuldades na atual conjuntura, em virtude das concessões que o governo tem feito aos interesses do capital para tentar “estabilizar” a economia, manter a “governabilidade” etc. Nesse contexto, as políticas do governo são elaboradas sob pressão, de um lado, das exigências do capital e, de outro, das reivindicações populares.

Esse cenário impõe que, a cada momento, se faça um balanço concreto dos avanços, impasses e recuos nas reivindicações sindicais e populares para definir a posição política que a Central irá assumir em determinada questão.

No tema da “reforma sindical” que agora analisamos destaca-se este ponto principal: o que está sendo proposto no Fórum Nacional do Trabalho (FNT) é melhor ou pior que a estrutura sindical hoje vigente? Serve ou não serve às aspirações de ampliação da liberdade de organização sindical dos trabalhadores?

Embora existam essas ressalvas, o que foi elaborado no âmbito do Fórum permite uma resposta positiva às perguntas acima, desde que não se “abaixe a guarda” e isso seja considerado apenas uma fase da intensa disputa política, ainda não concluída, pela democratização da vida sindical no país.

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As condições do projeto

A Central defende a reforma sindical porque julga essencial mudar a estrutura do sindicalismo brasileiro para que se avance na democratização do país. O projeto de reforma sindical entrou no Congresso Nacional em março e deu novo fôlego a esse debate. A garantia da liberdade e da autonomia sindical será um impulso no fortalecimento da organização dos trabalhadores, condição indispensável para enfrentar o neoliberalismo, em busca de sua superação.

A reivindicação da liberdade sindical é uma luta histórica dos trabalhadores, ainda, em nossos dias, cerceada pela estrutura oficial herdada do período varguista. A esses limites se somaram, desde a década de 90, os ataques neoliberais à organização sindical e a ofensiva ideo­ló­gica contra as garantias previstas na legislação trabalhista, cujo resultado foi o agravamento da precarização nas relações de trabalho.

Esse quadro aumentou a urgência de uma reforma sindical que contribua para a democratização das relações capital-trabalho, garantindo o direito de organização dos trabalhadores e trabalhadoras nos locais de trabalho. No entanto, tal perspectiva somente será obtida se for criado um ambiente político em que os direitos sindicais sejam entendidos como conquistas democráticas da sociedade.

Obstáculo para isso é o empenho das forças conservadoras, que buscam fazer do Congresso Nacional uma “caixa de ressonância” de seus ataques aos direitos da classe trabalhadora. O fato de o tema da reforma provocar polêmicas no movimento sindical, em grande medida por uma intoxicação de informações falsas, piora a situação.

Além da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), já encaminhada ao Congresso, a de reforma sindical igualmente prevê um projeto de lei. A minuta em debate traz avanços importantes em vários pontos, mas o apoio a sua tramitação no Congresso deve passar por uma avaliação da conjuntura, garantindo o que é fundamental e impedindo que vinguem os pontos negativos.

A construção de uma conjuntura favorável será resultado também da ação sindical. Um dos pontos-chave é conquistar a adesão popular na defesa de um novo modelo econômico cujo eixo seja a valorização do trabalho. Para tanto, deve-se fazer uma ampla campanha articulada com a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e, em paralelo, constituir uma campanha nacional pelo Direito à Organização Sindical.

A missão da proposta na CUT, no PT e nos movimentos sociais é desenvolver uma luta política na sociedade e no Congresso Nacional para ampliar os horizontes dos direitos coletivos da classe trabalhadora no país. Destravar o cenário para que setores de trabalhadores organizem-se em instituições ativas e representativas poderá significar um salto de qualidade no processo de construção do sindicalismo classista, democrático, de massas e pela base, representado pela CUT.

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Plataforma básica

Diante desse quadro, a Central definiu uma série de ações que permite encarar as diversas frentes de oposição a mudanças. A primeira delas: a Plataforma Democrática Básica, que dialoga com a proposta histórica da Central, de um sindicalismo classista, democrático e construído pela base. A segunda: a busca de que essa plataforma seja assumida solidariamente pelo conjunto do Partido dos Trabalhadores. Isso significaria uma vitória também na luta pela independência do partido ante o governo.

Além disso, existe o objetivo de alcançar os demais partidos progressistas – traçando uma estratégia conjunta de ação no Parlamento –, o que lhes impõe o compromisso de tentar aprovar os pontos dessa plataforma no Congresso ou, se estes forem prejudicados, bloquear sua tramitação.

É preciso, no entanto, ir muito além das vias institucionais: no movimento sindical, sobretudo na base, procurando ampliar a compreensão e o apoio à plataforma. Além disso, sendo de interesse de toda a sociedade, deve-se debater com outros movimentos sociais e organizações populares, buscando explicitar a importância da plataforma e dos pontos ali definidos. Ao estender a discussão, estabelece-se também uma contraposição ao discurso das forças conservadoras, que acaba encontrando eco no Congresso Nacional. Para além do enfrentamento no Parlamento, a reforma deve ser pautada na sociedade.

A definição de uma plataforma básica fortalece politicamente as posições da CUT e possibilita uma agenda comum da esquerda na reforma sindical. As bases da formulação cutista vêm da proposta do Sistema Democrático de Relações de Trabalho (SDRT), construída em 1992, em que se conformou uma visão de liberdade e autonomia sindical articulada com um formato para a organização, a negociação coletiva e a solução de conflitos. Uma segunda síntese foi elaborada a partir dos debates da bancada sindical e da delegação cutista presentes no Fórum Nacional do Trabalho.

Nas definições da Central, a reforma sindical só faz sentido se introduzir de forma clara o direito à Organização nos Locais de Trabalho (OLT), isto é, se derrubar a “cerca” que a propriedade privada colocou para impedir a organização dos trabalhadores nas empresas. Para além disso, ela deve significar avanços na liberdade sindical, ao mesmo tempo não questionando os direitos trabalhistas já conquistados.

A plataforma da Central alterou os termos do debate político no sindicalismo brasileiro. Por um lado, setores sindicais tradicionalmente ligados à herança da estrutura sindical oficial – como a Corrente Sindical Classista (CSC) na CUT –, que no entanto identificam impasses na atual legislação sindical, alteraram sua postura política, passando a defender uma reforma sindical baseada na Plataforma.

Com esses setores, foi estabelecido um compromisso, expresso no segundo item da Plataforma Democrática Básica: “Manutenção da estrutura atual nos sindicatos de base (...)”. Essa formulação é uma garantia de que as mudanças não se farão dissolvendo e desorganizando o atual sindicato de base, o que para muitos trazia o risco de que a atual organização fosse substituída por nenhuma organização.

Mas esses mesmos setores aceitaram que posto esse ponto de partida, para fazer avançar a organização sindical e superar as atuais fragilidades, deveriam ser alcançados novos consensos. Por isso, a plataforma lança o desafio de formulá-los em relação a vários pontos – reproduzidos abaixo tal como aparecem no documento:

Reconhecimento das Centrais Sindicais com liberdade na estrutura vertical. Reconhecimento da “pluralidade sindical” que já existe de fato nas organizações de “segundo grau” para cima (ou seja, desde as federações estaduais para cima);

Manutenção da estrutura atual nos sindicatos de base, condicionada a critérios de representatividade e democratização dos estatutos. A formulação complementa que a estrutura (que se “mantém”) deverá responder a exigências de democracia e representatividade hoje inexistentes;

Organização Sindical por Setores e Ramos de Atividade. O documento aponta para um sindicalismo que supere a atual organização “por categorias profissionais”;

Fim do Imposto Sindical (contribuição compulsória) e das taxas confederativa e assistencial e instituição da Con­tribuição Negocial. Esse item é coerente com o ponto de “manutenção da estrutura atual nos sindicatos de base, condicionada...”, já que a atual forma de financiamento (imposto, taxas) é parte fundamental de um sindicalismo sem representatividade e antidemocrático;

Direito de Organização por Local de Trabalho (OLT). Coloca na ordem do dia a conquista desse direito político, fundamental para a construção de um sindicalismo combativo.

Não-intervenção do Estado na organização sindical. Rejeita a proposta elaborada pelo Ministério do Trabalho de dar superpoderes ao ministro.

Para nós da CSD, a plataforma traduz muitos elementos da nossa formulação de “sindicato unitário” proposta no SDRT.

Para além dos temas “organizativos”, a plataforma também trabalha algumas questões-chave para o avanço nos direitos de negociação coletiva. Defende:

Direito de Negociação e Greve no Setor Público nas três esferas e nos três poderes, hoje ausente na legislação;

Ultratividade dos Contratos. As cláusulas só perdem vigência quando substituídas por novos acordos entre as partes – este tema é urgente, uma vez que a reforma do Judiciário já suprimiu o Poder Normativo da Justiça do Trabalho.

Contrato Coletivo Nacional por Ramo. Significa o reconhecimento das negociações nacionais por ramo.

<--break->O documento ainda destaca três temas fundamentais: Substituição Processual; Coibição das práticas anti-sindicais; e Ratificação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que impede a dispensa imotivada.

A mobilização em torno da Plataforma Democrática Básica deve ser combinada com uma campanha pela valorização do trabalho, garantindo os direitos sociais e trabalhistas já conquistados, o aumento do salário mínimo e a redução da jornada de trabalho sem diminuição de salários.

Em suma, trata-se de uma pauta de interesse do sindicalismo brasileiro, com base em que é possível construir maior unidade.

Rosane da Silva é secretária de Política Sindical da Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Impasses e contradições

Os textos da reforma sindical chegaram à Câmara dos Deputados. Foram batizados de PEC 369/2005. As proposições contidas na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) foram fruto de um ano e quatro meses de debate no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), que reuniu paritariamente patrões, trabalhadores e governo. Se no FNT buscava-se o consenso, no Congresso Nacional as forças políticas que lá atuam exporão suas convicções. O “soberano” Poder Legislativo terá o papel, com base em interesses econômicos, políticos, ideológicos e, evidentemente, dos trabalhadores, de aperfeiçoar ou rejeitar o projeto.

Por outro lado, os debates entre as correntes políticas que atuam no movimento sindical igualmente prometem acirramento: voltará a discussão sobre unicidade x pluralidade sindical, arbitragem pública x arbitragem privada, prevalência do negociado x legislado e o direito de greve dos trabalhadores do setor público e do setor privado.

Esperava-se que, com a instituição do Fórum Nacional do Trabalho, surgisse uma proposta consensual de ampla e profunda reforma da organização sindical, tornando-a mais representativa, mais democrática e fortalecida. Não foi isso o que aconteceu.

O denominado anteprojeto de lei de relações sindicais contempla: liberdade sindical, representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, negociação coletiva e do contrato coletivo de trabalho, direito de greve, conselho nacional de relações do trabalho e tutela jurisdicional. O anteprojeto tem causado polêmica. É alvo de severas críticas.

O anteprojeto, além de conter retrocessos, é confuso e contraditório. Se, de um lado, há previsão de representação dos trabalhadores no local de trabalho com as mesmas garantias dos dirigentes sindicais, de outro prevê que a personalidade sindical e o reconhecimento da representatividade serão atribuídos às entidades sindicais por ato do ministro do Trabalho e Emprego, em um flagrante retrocesso em relação à Constituição Federal, na qual se assinala: “A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical”.

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No capítulo da negociação coletiva, o anteprojeto contém um elemento ideológico, o poder negocial, em contraposição ao poder normativo da Justiça do Trabalho. O Estado é expulso do mundo do trabalho, prevalecendo a autonomia de vontade entre o patrão e empregado, que terão liberdade para negociar à exaustão, como se tivesse desaparecido a luta de classes. Nesse particular, não há ganho de força para a ação sindical, uma vez que o direito do trabalho passará a ser assunto privado, resolvido entre sindicato e empresas e novas conquistas somente virão do poder negocial de cada entidade.

Na questão do direito de greve, a proposta sustenta que o Poder Judiciário não poderá julgá-la. Por outro lado, o caráter repressivo desse poder é ampliado, já que, se os trabalhadores não atenderem às necessidades inadiáveis da comunidade durante os movimentos grevistas, as entidades sindicais deverão arcar com pesadas multas. Lembremos que os petroleiros foram multados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, mesmo com interferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as multas foram mantidas, mas recentemente anistiadas neste governo. Ao mesmo tempo, o direito de greve no setor público permanece à espera de lei específica.

No capítulo da organização sindical, o FNT acolheu a constituição de sindicatos por ramo de atividade. Contudo, abriu a porta para o pluralismo sindical quando estabelece: “Os trabalhadores e os empregadores têm o direito de livre filiação, desligamento, permanência e participação nas entidades sindicais que escolherem” (grifo nosso).

O sistema proposto é restritivo: apenas as entidades sindicais que possuírem registro sindical na data da promulgação da lei poderão optar pela exclusividade de representação, porém deverão adaptar seus estatutos ao estatuto mínimo democrático a ser proposto pelo futuro Conselho Nacional de Relações do Trabalho, da mesma forma que no prazo de sessenta meses deverão comprovar índices de sindicalização superiores a 20% dos empregados no ramo, sob pena de perderem a exclusividade de representação e a personalidade sindical.

Em nosso entender, não é aconselhável permitir a criação de mais de uma entidade sindical em uma única base, o que resulta, sem sombra de dúvida, na fragmentação e, em conseqüência, no enfraquecimento do movimento sindical e das lutas por ele travadas. Por isso e para isso, defendemos o aperfeiçoamento da unicidade sindical e a organização dos sindicatos em regras claras, gerais e com a publicidade necessária, a fim de que sejam aplicáveis e acessíveis ao conjunto da categoria.

É certo que temos um problema gravíssimo: a liberdade de organização sindical, conquista da Constituição de 1988, sem o estabelecimento de regras estatutárias mínimas permitiu o surgimento e a estratificação de sindicatos “fantasmas”, ou, ainda, que entidades sindicais tradicionais se tornassem verdadeiros feudos de dirigentes sem escrúpulo, que passaram a “vedar” não a intromissão do poder público, mas o acesso dos próprios trabalhadores a seus sindicatos. Porém, não podemos aceitar que a unicidade absoluta torne-se pluralismo irresponsável.

Contudo, a peça mais importante da reforma sindical, a PEC, apresentada à Câmara Federal, revela-se bastante falha em vários pontos e não permite que seja aprovada nos termos em que se encontra. A alternativa é rejeitá-la, apresentando-se uma de acordo com os princípios da plataforma aprovada na 11.a Plenária Nacional da CUT, realizada recentemente.

Os pontos da Plataforma Democrática Básica aprovada na 11a Plenária Nacional da CUT são:

  • Reconhecimento das Centrais Sindicais com liberdade na estrutura vertical;

  • Manutenção da estrutura atual nos sindicatos de base (unicidade), condicionada a critérios de representatividade e democratização dos estatutos;

  • Organização Sindical por Setores e Ramos de Atividade (a Corrente Sindical Classista foi pioneira na defesa da representação mais ampla das bases, tendo por critério o ramo de atividade, que contribuirá para maior união dos trabalhadores);

  • Fim do Imposto Sindical (contribuição compulsória) e das taxas confederativa e assistencial e instituição da Contribuição Negocial;

  • Direito de Organização por Local de Trabalho (OLT);

  • Contrato Coletivo Nacional por ­Ramo;

  • Direito de Negociação e Greve no Setor Público nas três esferas e nos três poderes (hoje os servidores públicos não têm tal direito);

  • Ultratividade dos Contratos (enquanto uma nova convenção e/ou um novo acordo coletivo não são concluídos, continuam valendo as cláusulas do acordo anterior);

  • Substituição Processual (permite às organizações sindicais representarem na Justiça os trabalhadores e trabalhadoras de sua base, evitando que fiquem expostos a retaliações patronais);

  • Coibição das práticas anti-sindicais (proíbe demissão ou perseguição de sindicalizados, grevistas e militantes);

  • Ratificação da Convenção 158 da OIT (tal convenção, que chegou a ser ratificada pelo governo Itamar Franco e teve seus efeitos suspensos pelo governo neoliberal de FHC, proíbe as demissões imotivadas);

  • Não-intervenção do Estado na organização sindical.

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A Corrente Sindical Classista (CSC) entende que, em primeiro lugar, a plataforma em questão, em debate no interior das outras centrais e entidades do movimento sindical, significou uma vitória das forças mais conseqüentes e representativas do movimento. Em segundo, constitui uma negação dos princípios e interesses que orientam a PEC 369, na medida em que mantém e aprimora a unicidade como condição de representação dos sindicatos, fechando a porta ao pluralismo nas bases, preconizando também critérios de democracia e representatividade sugeridos pelos sindicalistas classistas.

A plataforma situa a luta em torno da reforma sindical em outro patamar. Deve ser um instrumento para a recomposição da unidade dos trabalhadores e seus representantes e o ponto de partida para um novo projeto de organização sindical definido em comum acordo pelas centrais, confederações, federações e outras entidades sindicais, de forma autônoma e independente em relação a patrões e ao governo.

É preciso deixar claro: a CSC não acredita seja indispensável, para o tão necessário desenvolvimento duradouro e sustentável do país, a redução de direitos dos trabalhadores. Ao contrário, em todos os pronunciamentos, a entidade admite o desenvolvimento somente com valorização do trabalho. Não pretendemos nem aceitamos o desenvolvimento apenas das empresas ou de alguns setores empresariais. Exigimos o desenvolvimento de toda a nação brasileira – com independência e soberania –, no qual os trabalhadores sejam a mola propulsora, os verdadeiros artífices e, ao mesmo tempo, os principais destinatários.

Para isso, o sistema sindical deve ser fortalecido para a luta, e o estímulo à negociação coletiva, que pressupõe sindicatos fortes e efetivamente representativos, só pode ser aceito quando as leis de proteção ao trabalho forem obedecidas e, em qualquer hipótese, se aplicado o princípio da regra mais favorável ao trabalhador.

No que diz respeito ao momento político, a CSC – na qualidade de corrente integrante da Central Única dos Trabalhadores, sempre acreditou e batalhou pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro operário a ocupar o cargo de presidente do país –, mantém a confiança de que não seria justamente neste momento, e neste governo de um trabalhador, que os trabalhadores perderiam direitos histórica e heroicamente conquistados há tantos anos. Nem seria no governo de um sindicalista que assistiríamos ao esfacelamento e à fragilização imposta ao movimento sindical brasileiro.

Wagner Gomes é metroviário, vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT)

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