Não se sustenta o raciocínio de que é possível repetir em 2015 a estratégia aplicada em 2003-2005, de que basta melhorar nossa capacidade de aplicá-la. Mudaram completamente as condições da luta de classes
Entre os petistas, parece consenso que o PT encerrou um período de sua história, ensejando a necessidade de mudanças para encarar e construir o período seguinte. Mas, como a história de um partido não se separa da história de seu país e do mundo, devemos entender este momento da trajetória partidária como um aspecto da história brasileira e mundial.
Quem luta pelo socialismo e observa a realidade em perspectiva deve reconhecer que duas variáveis se combinam desde o final do século 20: a defensiva estratégica do movimento socialista e a hegemonia sem precedentes do capitalismo. Hegemonia esta que, não por acaso, está na base da crise sistêmica de acumulação de capital que afeta toda a humanidade e ainda não tem perspectivas de superação.
Parte das transformações pelas quais passaram as diferentes correntes de esquerda nas últimas décadas, inclusive no Brasil, decorre dos impactos objetivos e subjetivos da ofensiva neoliberal. Algumas substituíram a luta pela superação do capitalismo pela tentativa de torná-lo compatível com a ampliação da democracia, da soberania e do bem-estar. Outras colocaram como seu horizonte estratégico o desenvolvimentismo com vistas à superação do neoliberalismo. Consequentemente, perderam força aquelas que seguem lutando pela superação do capitalismo e pela construção do socialismo.
No caso das esquerdas latino-americanas, tais transformações permitiram (ou não impediram) que obtivessem sucessivas vitórias eleitorais e garantissem mais democracia, soberania e bem-estar para seus povos.
No entanto, desde a irrupção da crise capitalista em 2007-2008, uma das ações do imperialismo estadunidense para enfrentar o recrudescimento das disputas intercapitalistas e o declínio relativo de sua hegemonia no mundo é a tentativa de retomar seu domínio na América Latina e Caribe. Para isso, conta com o apoio das burguesias e oligarquias locais, que passaram a radicalizar sua oposição aos governos progressistas e de esquerda.
Nesse sentido, a crise política e econômica que vive o Brasil está vinculada ao deslocamento de poderosas forças internacionais, que se manifesta com intensidade também na Venezuela e na Argentina.
Crise que revela um impasse: ou bem regressamos ao desenvolvimento conservador de viés neoliberal, com dependência externa, restrições às liberdades democráticas e aprofundamento da desigualdade social; ou bem avançamos em direção a um desenvolvimento de novo tipo, democrático-popular e articulado ao socialismo.
Tal impasse decorre principalmente das transformações que realizamos nos últimos anos e das reações que as diferentes classes sociais têm dado a esse fenômeno.
Enquanto a grande burguesia não suporta mais distribuição de renda, mais democracia e mais igualdade, os trabalhadores querem mais e melhores mudanças em maior velocidade.
Enquanto o grande capital não suporta mais um sistema político que permitiu (ou não impediu) avanços e direitos à maioria do povo, os trabalhadores não aceitam mais um sistema político que impõe barreiras ao combate à corrupção e ao aprofundamento das mudanças.
Interesses cada vez mais polarizados são interesses cada vez menos conciliáveis. Nesse sentido, o impasse da sociedade brasileira também decorre do que deixou de ser feito, ou seja, do fato de até agora não terem sido criadas as condições para um desenlace favorável aos trabalhadores.
Chegamos até aqui com a estratégia “melhorista”: melhorar a vida do andar de baixo sem mexer na riqueza e no poder do andar de cima; melhorar a vida do povo por meio de políticas públicas sem realizar reformas estruturais.
Uma estratégia que pressupunha conciliação de classes, concessões aos inimigos e a manutenção dos principais instrumentos de poder nas mãos de quem sempre os deteve.
Talvez pudéssemos ter chegado até aqui com outra estratégia, talvez não. É verdade que, quando nossos inimigos estão recuados, temem a nossa força e estão dispostos a fazer acordos, estes podem até trazer alguns benefícios momentâneos.
Mas, quando os inimigos estão em plena ofensiva, buscando efetivamente nos liquidar, os acordos e recuos em geral têm como resultado fortalecê-los ainda mais e facilitar esse objetivo, ao tempo que confundem e desmoralizam nosso lado.
Por isso, não se sustenta o raciocínio de que é possível repetir em 2015 a estratégia aplicada em 2003-2005, de que basta melhorar nossa capacidade de aplicá-la. Mudaram completamente as condições da luta de classes, a atitude do grande capital, dos setores médios e de parcelas crescentes da classe trabalhadora frente ao PT e aos governos que encabeçamos.
Se é verdade que a estratégia “melhorista” tinha seus ônus e seus bônus, agora os bônus estão desaparecendo e os ônus agigantaram-se. Estamos naquela situação em que uma política recuada é mais arriscada do que uma política ousada; em que a manutenção de uma estratégia que a realidade vem superando mais agrava do que melhora a situação; em que a necessidade da mudança de estratégia se torna mais evidente no momento em que o acúmulo de contradições torna mais difícil fazê-lo.
Portanto, trata-se de superar a estratégia “melhorista” adotando uma outra que vise superar o desenvolvimentismo conservador, não apenas o neoliberalismo; realizar reformas estruturais, não apenas políticas públicas; realizar alianças prioritárias com setores progressistas e de esquerda, não com frações da burguesia e do grande capital; articular mobilização social, construção partidária e luta cultural, não apenas as iniciativas nos espaços institucionais e as lutas eleitorais.
Para tanto, devemos adotar urgentemente as seguintes ações:
- ocupar as ruas, participando ativamente das mobilizações convocadas pelas centrais sindicais e movimentos populares por mais direitos, mais democracia e reformas estruturais;
- assumir papel destacado na construção da frente popular e democrática em torno de um programa que combata o ajuste recessivo, as pautas conservadoras, e defenda mudanças estruturais, ao lado das forças que no segundo turno de 2014 se uniram para eleger Dilma;
- alterar a linha do governo: que os ricos paguem a conta do ajuste, que as forças democrático-populares ocupem o lugar que lhes cabe no ministério, que a presidenta assuma protagonismo na luta contra a direita, a mídia golpista e a especulação financeira.
Internamente, precisamos:
- mudar o PT e redobrar os esforços na construção partidária com as seguintes medidas:
- abrir mão do financiamento empresarial e substituí-lo pelo financiamento militante;
- combater e punir sem tréguas dirigentes e militantes que fizeram uso de métodos, hábitos e costumes burgueses de atuação que ameaçam destruir ou deformar totalmente o partido;
- fortalecer a capacidade de formulação política e análise da realidade;
- construir uma política de comunicação de massas que articule impressos (jornais e revistas), rádio, televisão e redes sociais;
- reconstruir a rede de organizações de base e fortalecer as instâncias partidárias em detrimento dos centros de comandos paralelos localizados nos gabinetes parlamentares e executivos;
- organizar a atuação e a influência de massas do petismo entre os jovens, através de uma JPT militante e de massas, que supere seu profundo processo de dispersão e desorganização;
- retomar e massificar o trabalho de formação, da base às direções, com ênfase nos aspectos político-ideológicos e teóricos indispensáveis à luta da classe trabalhadora pelo poder e pelo socialismo.
Rodrigo Cesar é membro do Conselho da Escola Nacional de Formação do PT