Sabemos que é muito difícil construir a sustentação financeira necessária e ao mesmo tempo legítima de um partido de massas, mas há exemplos históricos, entre os quais o do próprio PT em sua etapa inicial
O Diretório Nacional decidiu em 17 de abril, praticamente por consenso, não mais buscar recursos de empresas para financiar a organização partidária. E, ao mesmo tempo, "voltou às origens" ao retomar o esforço da autossustentação financeira, princípio estatutário presente desde a fundação do partido.
O DN remeteu ao V Congresso a complementação dessas decisões, podendo-se compreender com isso a construção de uma nova política de finanças do PT. Diz a Resolução Política do DN:
"(...) decidimos que os Diretórios Nacional, estaduais e municipais não mais receberão doações de empresas privadas, devendo essa decisão ser detalhada, regulamentada e referendada pelos delegados(as) no V Congresso Nacional do PT.
“O partido revitalizará a contribuição voluntária, individual dos filiados, filiadas, simpatizantes e amigos. Tais definições são coerentes com nosso Estatuto, segundo o qual a ‘arrecadação básica e permanente do Partido é oriunda de seus próprios filiados’. Ao mesmo tempo, condizem também coerentemente com a nossa defesa de uma reforma política democrática que ponha fim à interferência do poder econômico nas decisões políticas."
É uma decisão histórica que vale mais do que extensos documentos críticos. Precisamos de mais atitudes como essa. Chegamos a um momento em que só a demonstração prática de mudança ética pode repor a confiança no PT e, sobretudo, a autoconfiança do PT.
Só uma situação de crise poderia pôr fim a uma perigosa acomodação histórica do partido ao financiamento empresarial. Mas só a existência de uma alternativa interna, que desde a reforma estatutária de 2011 expôs claramente a necessidade de romper com a dependência empresarial, poderia dar consequência a essa ruptura.
Sabemos que é muito difícil construir a sustentação financeira necessária e ao mesmo tempo legítima – isto é, reconhecida por suas próprias bases sociais – de um partido de massas, mas há exemplos históricos, entre os quais o do próprio PT em sua etapa inicial. De qualquer forma, por mais difícil que seja, uma coisa é certa: a sustentação de um partido que se pretenda socialista com dinheiro dos capitalistas produz uma contradição insanável.
Consideramos esgotado um padrão de funcionamento partidário financiado em grande medida por empresas. Se esse procedimento já causou uma enorme corrosão da credibilidade política dos partidos nos processos eleitorais, quando aplicado ao funcionamento regular de um partido como o PT torna-se radicalmente contraditório. É preciso, portanto, inaugurar um novo ciclo de construção do partido baseado em contribuições voluntárias e nos fundos públicos legitimamente constituídos no processo de reforma política e de luta pela proibição do financiamento empresarial.
O maior perigo que ronda o PT é assemelhar-se aos partidos burgueses, e com isso perder sua originalidade socialista. Talvez pela imposição de uma dinâmica internacional ainda marcada por profundas derrotas socialistas – o que implica a posição defensiva da utopia socialista mesmo em um quadro de uma grande crise do capitalismo –, a construção do PT está ameaçada não mais por uma das grandes vias em que se dividiu e descaracterizou o movimento socialista do século 20, mas pela política e cultura sem utopia e sem ética de um capitalismo em crise porém sem perspectivas críveis, por ora pelo menos, de sua superação.
Enfrentar e vencer esse risco de degeneração é a nossa tarefa central na construção partidária e mesmo na revolução democrática.
O PT, ainda que atraído pela política pragmática, construiu-se como uma grande experiência de esquerda contemporânea, no Brasil e no mundo. Não por outra razão, sua destruição é o alvo permanente da burguesia. Sofremos a mais odiosa campanha contra um partido de esquerda desde a ilegalidade do PCB em 1947.
Vencer o risco de degeneração nos fortalece para, simultaneamente, vencer a direita. Os dois combates são inseparáveis e exigem avançar na cultura e na prática política do socialismo democrático.
Carlos Henrique Árabe é secretário Nacional de Formação Política do PT