EM DEBATE

O enfrentamento às inúmeras ações dos conservadores em tentar desestruturar o PT e o governo Dilma, manifestadas e amplificadas em várias frentes é tema dos debates preparatórios ao 5º Congresso. A ofensiva da direita no Congresso, no Judiciário contra o partido, traduzida pela criminalização da política progressista é analisada nestas contribuições de João Mota, Fátima Bezerra e Carlos Henrique Árabe.

A construção do PT sem financiamento empresarial

O que fazer para transformar a intenção em gesto

Que partido queremos?

A construção do PT sem financiamento empresarial

Sabemos que é muito difícil construir a sustentação financeira necessária e ao mesmo tempo legítima de um partido de massas, mas há exemplos históricos, entre os quais o do próprio PT em sua etapa inicial

O Diretório Nacional decidiu em 17 de abril, praticamente por consenso, não mais buscar recursos de empresas para financiar a organização partidária. E, ao mesmo tempo, "voltou às origens" ao retomar o esforço da autossustentação financeira, princípio estatutário presente desde a fundação do partido.

O DN remeteu ao V Congresso a complementação dessas decisões, podendo-se compreender com isso a construção de uma nova política de finanças do PT. Diz a Resolução Política do DN:

"(...) decidimos que os Diretórios Nacional, estaduais e municipais não mais receberão doações de empresas privadas, devendo essa decisão ser detalhada, regulamentada e referendada pelos delegados(as) no V Congresso Nacional do PT.

“O partido revitalizará a contribuição voluntária, individual dos filiados, filiadas, simpatizantes e amigos. Tais definições são coerentes com nosso Estatuto, segundo o qual a ‘arrecadação básica e permanente do Partido é oriunda de seus próprios filiados’. Ao mesmo tempo, condizem também coerentemente com a nossa defesa de uma reforma política democrática que ponha fim à interferência do poder econômico nas decisões políticas."

É uma decisão histórica que vale mais do que extensos documentos críticos. Precisamos de mais atitudes como essa. Chegamos a um momento em que só a demonstração prática de mudança ética pode repor a confiança no PT e, sobretudo, a autoconfiança do PT.

Só uma situação de crise poderia pôr fim a uma perigosa acomodação histórica do partido ao financiamento empresarial. Mas só a existência de uma alternativa interna, que desde a reforma estatutária de 2011 expôs claramente a necessidade de romper com a dependência empresarial, poderia dar consequência a essa ruptura.

Sabemos que é muito difícil construir a sustentação financeira necessária e ao mesmo tempo legítima – isto é, reconhecida por suas próprias bases sociais – de um partido de massas, mas há exemplos históricos, entre os quais o do próprio PT em sua etapa inicial. De qualquer forma, por mais difícil que seja, uma coisa é certa: a sustentação de um partido que se pretenda socialista com dinheiro dos capitalistas produz uma contradição insanável.

Consideramos esgotado um padrão de funcionamento partidário financiado em grande medida por empresas. Se esse procedimento já causou uma enorme corrosão da credibilidade política dos partidos nos processos eleitorais, quando aplicado ao funcionamento regular de um partido como o PT torna-se radicalmente contraditório. É preciso, portanto, inaugurar um novo ciclo de construção do partido baseado em contribuições voluntárias e nos fundos públicos legitimamente constituídos no processo de reforma política e de luta pela proibição do financiamento empresarial.

O maior perigo que ronda o PT é assemelhar-se aos partidos burgueses, e com isso perder sua originalidade socialista. Talvez pela imposição de uma dinâmica internacional ainda marcada por profundas derrotas socialistas – o que implica a posição defensiva da utopia socialista mesmo em um quadro de uma grande crise do capitalismo –, a construção do PT está ameaçada não mais por uma das grandes vias em que se dividiu e descaracterizou o movimento socialista do século 20, mas pela política e cultura sem utopia e sem ética de um capitalismo em crise porém sem perspectivas críveis, por ora pelo menos, de sua superação.

Enfrentar e vencer esse risco de degeneração é a nossa tarefa central na construção partidária e mesmo na revolução democrática.

O PT, ainda que atraído pela política pragmática, construiu-se como uma grande experiência de esquerda contemporânea, no Brasil e no mundo. Não por outra razão, sua destruição é o alvo permanente da burguesia. Sofremos a mais odiosa campanha contra um partido de esquerda desde a ilegalidade do PCB em 1947.

Vencer o risco de degeneração nos fortalece para, simultaneamente, vencer a direita. Os dois combates são inseparáveis e exigem avançar na cultura e na prática política do socialismo democrático.

Carlos Henrique Árabe é secretário Nacional de Formação Política do PT

O que fazer para transformar a intenção em gesto

A combinação crise econômica, erros de condução política e dificuldades de comunicação, aliados à repercussão da Operação Lava Jato, desdobramentos do ajuste fiscal e cerco midiático-jurídico, criou as condições de que a direita precisava para desencadear uma ofensiva contra o governo Dilma e o PT muito parecida com a que levou Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954, e ao período que antecedeu o golpe de 1964. O modus operandi é similar. O discurso, a mobilização social, o comportamento da mídia conservadora, a articulação no Congresso Nacional e o posicionamento do Judiciário repetem o que já vimos no passado.

Se não for possível ou não for tático levar adiante a ideia do impeachment, a direita não recuará de outro objetivo essencial, que é a desmoralização político-ética do PT, com a criminalização e destruição do nosso partido. A velha ideia de “se livrar da nossa raça” aparece novamente no horizonte. As ações mais recentes, entre elas a prisão de João Vaccari, objetiva chegar diretamente ao PT e criar um ambiente jurídico que justifique ações golpistas, ou seja, a cassação do nosso registro, jogando o partido na ilegalidade, assim como foi feito com o PCdoB nos anos 1940.

A direita derrotada em outubro de 2014 se manteve mobilizada. E, com o agravamento da crise, consegue hoje mobilizar amplos setores da sociedade brasileira. Não são apenas os eleitores de Aécio, a elite branca, os racistas, antinordestinos, homofóbicos, sexistas. É uma simplificação perigosa reduzir a análise a esse patamar e dizer que é tudo coisa de “coxinha”. Não ajuda a superar esse quadro adverso.

No Congresso Nacional, o mais conservador dos últimos sessenta anos, temos sofrido seguidos reveses. A direita vai aproveitar a hegemonia política que detém no Parlamento, a defensiva política das forças progressistas e populares e as mobilizações de rua para promover uma varredura nas conquistas que conseguimos ao longo da história. A redução da maioridade penal e o PL 4330 são a ponta do iceberg. A direita não fez a eleição parlamentar mais cara da história para não ter retorno. Ela tem uma pauta e vai tentar implementá-la a qualquer custo.

Na relação com os movimentos sociais o ambiente é confuso. Esse cenário é fruto de um distanciamento que só se justifica pela opção excessivamente institucional que fizemos a partir de 2003. Esses problemas vêm de longe e já foram largamente debatidos em nossas teses de PEDs, encontros e congressos do PT. Na atual conjuntura, a corda ficou ainda mais esticada com o anúncio das medidas do ajuste fiscal, que ajudaram a construir uma narrativa de que o governo Dilma joga a crise nas costas dos trabalhadores.

No dia 15 de abril, por exemplo, os trabalhadores não foram às ruas apenas contra o PL 4330, mas também pela retirada das MPs 664 e 665 e do ajuste fiscal. Os movimentos sociais estão dizendo que não aceitam retrocessos e golpe da oposição conservadora, mas querem a adoção de uma agenda para o país que corresponda ao discurso de avanço que fizemos na campanha de 2014, quando trouxemos nossa militância de volta para a disputa política, atraímos amplos setores da juventude e viramos o jogo de uma eleição que caminhava para a derrota.

Como enfrentar tudo isso? É possível conter a ofensiva conservadora? Que iniciativas devemos adotar no governo, no Parlamento, nos movimentos sociais e no partido?

Ninguém tem fórmula pronta, mas vale a pena pensar alternativas, algumas já sinalizadas nas recentes resoluções da Direção Nacional do PT. Destaco a decisão ousada que o partido tomou de não receber mais doações empresariais, antecipando-se ao que defendemos na proposta de reforma política.

Em primeiro lugar é preciso ter clareza da gravidade da situação e entender que a direita é capaz de tudo. Basta analisar momentos históricos parecidos. Não nos ajuda fazer análises ufanistas e achar que as coisas vão se acomodar naturalmente. Também é inócuo comparar a situação atual com a crise de 2005. São situações distintas, a começar pelo quadro da economia, pela ausência de uma oposição conservadora articulada e pela liderança do então presidente Lula. Enganam-se também os que acham que tudo se resume ao equacionamento do problema da governabilidade no Congresso Nacional.

Segundo, é preciso entender que a direita trabalhará de maneira articulada para criar um clima de terra arrasada e caos econômico. Ao longo da história, ela adotou uma estratégia recorrente para derrotar ou derrubar governos populares, e a questão econômica sempre foi a base para isso. Foi assim com Allende e João Goulart. É assim que está sendo feito agora com Dilma, Cristina e Maduro.

Acerca do quadro econômico e seus desdobramentos políticos, vale a pena ler a nota de conjuntura da Fundação Perseu Abramo, de abril: “A política econômica do governo Dilma está no centro da conjuntura. (...) Se consideramos que 2014 já foi um ano ruim para a economia, o resultado esperado com o ajuste fiscal será uma queda de investimentos, aumento do desemprego e deterioração dos indicadores sociais. Numa palavra: recessão. (...) A questão central é a seguinte: se a principal disputa política se dará em torno dos rumos do governo (...), como o PT e seus aliados (partidos e movimentos sociais) podem defender o governo no momento em que se aplica uma política econômica que desmobiliza nossa base social?” Aí está um nó que precisamos desatar. Um círculo de fogo a ser superado.

Para retomar a ofensiva é preciso estancar a sangria já em curso, até porque é previsível   haver nos próximos meses mais prisões, novas denúncias, quem sabe até a tentativa de buscar a inelegibilidade de Lula e a cassação do registro do PT. A questão é: como reposicionar o governo, o partido e os movimentos sociais onde temos inserção política para dar conta dessa empreitada? Não há fórmula mágica, mas uma coisa é certa: para deter a direita é preciso que as forças progressistas e a população mostrem que haverá reação.

Sem fazer comparações com a crise de 2005, até porque a atual é muito mais aguda, a tentação golpista só será contida se a direita sentir que enfrentará resistência. Mas, para dar conta desse momento de guerra, há necessidade de correção de rota. Em relação ao PT, temos de aproveitar o V Congresso para promover mudanças profundas. Não é uma questão da nossa velha disputa interna, mas de absoluta necessidade. Aliás, quem já leu as teses notou que nunca tivemos uma convergência tão grande de opiniões acerca da necessidade de reorientar o rumo político do partido, seu funcionamento, os mecanismos de democracia interna, as relações com o governo, os movimentos sociais e até suas bancadas no Parlamento, assim como nossa postura à frente dos Executivos estaduais e municipais.

Pelo visto, estamos num raro momento de consenso político no PT. Se nosso congresso der consequência ao que está nas teses, poderemos ter uma mudança histórica na vida partidária, com reflexos para toda a esquerda do Brasil. Nosso maior desafio em junho será transformar “intenção em gesto”, como diz Chico Buarque. Mais do que nunca, precisamos provar que um novo PT é possível. Sem saudosismos fora de tempo, mas sem fazer apenas mais do mesmo.

Fátima Bezerra é senadora do PT-RN

Que partido queremos?

Quando Antonio Gramsci, na prisão, iniciou a reflexão sobre a crise da esquerda italiana, dando os primeiros passos para escrever Cadernos do Cárcere, que seria uma de suas principais obras, já revelava um dos aspectos mais importantes dade sua autocrítica: o afastamento e a fraca inserção do Partido Comunista Italiano em sua relação com a sociedade. A maioria do povo italiano tinha preocupações, ansiedades e iniciativas que, em grande parte, não se traduziam nos textos, nas resoluções e estratégias do partido. Nesse processo, até mesmo as classes trabalhadoras se afastaram muito do PCI, que perdeu rapidamente sua capacidade de diálogo com setores mais amplos da sociedade da época.

A análise de Gramsci deve nos inspirar neste momento de crise e de organização do V Congresso do PT. Num mundo globalizado e num país das dimensões do Brasil, em que as diferenças culturais, sociais e econômicas são tamanhas, e num momento em que constatamos uma crise da representação política, incluindo todos os partidos, é imperativo uma reflexão sobre os modelos e instrumentos que construímos nestes últimos anos, seus sistemas de funcionamento, bem como o conteúdo programático.

Será possível mantermos o PT funcionando com instâncias e espaços que não nos aproximam dos novos atores que estão nas ruas, nas redes sociais e em outras iniciativas da sociedade, dirigindo mobilizações e trabalhos de organização política? E a nossa agenda? Não estaria ela distante das questões que emergem em uma juventude cada vez mais insatisfeita e uma nova classe média cada vez mais exigente em relação à própria condição social?

Nós nos surpreendemos com o crescimento da homofobia, dos apelos à redução da maioridade penal, da violência contra as mulheres e do racismo da sociedade brasileira. Também nos surpreendemos com o enfraquecimento das lutas em defesa dos direitos humanos e da sustentabilidade ambiental. No entanto, o que deveria, sim, nos surpreender é a perda de espaço e a falta de iniciativas do próprio PT neste último período em relação a esses temas.

Enquanto nossos governos, entre 2003 e 2014, avançaram em políticas públicas de desenvolvimento com inclusão social, nosso partido regrediu em sua inserção com os temas que atualmente polarizam a sociedade, esvaziando suas instâncias de discussão e elaboração política. Ao mesmo tempo em que a sociedade andou, por um lado, cobrando respostas para novas questões, ou pelo menos novas reflexões, insistimos em submeter a lógica do PT e seu funcionamento a uma estratégia de disputa interna de poder, fazendo com que a maioria de nossas reuniões e discussões girem em torno disso. Nesse contexto, nossa estrutura partidária acabou quase que totalmente submetida às necessidades dessa lógica interna, e não a uma estratégica capaz de criar uma relação de novo tipo com a sociedade e com os fenômenos que estão ocorrendo em seu interior.

Há sinais das ruas que nosso partido precisa compreender. São novas identidades multifacetadas, diferentemente das lutas históricas do trabalho contra o capital e até mesmo contra a ditadura, nas quais o inimigo era visível. Atualmente as lutas apresentam novos atores, que se mobilizam por agendas diversas que precisam ser compreendidas pelos partidos e governos comprometidos com o processo de transformação social e de enfrentamento das desigualdades e preconceitos. Portanto, as agendas são outras, os lugares de encontros não são tão somente a sede dos partidos e dos grandes sindicatos e as reuniões não são apenas presenciais. Existem novos códigos e espaços do fazer política modernamente que devem ser discutidos por todos aqueles que continuam acreditando na utopia de uma nova sociedade.

Assim, neste V Congresso Nacional, o PT está desafiado a compreender os sinais das ruas e avançar radicalmente na elaboração e construção de temas e pautas, como taxação das grandes fortunas; reforma política; regulação da mídia; desenvolvimento com sustentabilidade; redução das desigualdades; radicalização das políticas afirmativas; políticas para a juventude; necessidade de um padrão sustentável de consumo. Além disso, precisamos enfrentar o tema da organização e sustentação partidária.

É urgente avançar numa organização partidária na qual o filiado seja sujeito ativo da reconstrução de nosso partido, mas é também imprescindível uma organização partidária que nos possibilite acumular forças e progredir na construção de uma nova hegemonia. Para isso, além de nossos filiados terem uma forte inserção nos movimentos populares e nas diversas organizações sociais, nosso partido precisa construir mecanismos de relação e diálogo, presencial e virtual, permanente e direto, com a população.

Talvez seja preciso reconstruir nossa organização e estratégia partidárias na perspectiva não apenas de dialogar melhor com os filiados e com a sociedade, mas também de formular uma estratégia de coalizão que possa compor com partidos de esquerda e de centro e com movimentos populares e organizações sociais.

João Mota é ex-secretário de Planejamento do Rio Grande do Sul e membro do Conselho da Fundação Perseu Abramo

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