EM DEBATE

A reforma política começou a ser votada na Câmara Federal, no dia 13 de junho passado, mas a falta de consenso paralisou o processo que poderá ser retomado ainda no segundo semestre. Em pauta estão temas que alterariam o sistema eleitoral do país, como financiamento público de campanhas, fidelidade partidária e lista fechada. Pontos defendidos por setores organizados da sociedade, porém pouco aceitos por uma grande parcela de parlamentares. Leia as opiniões dos deputados Ricardo Berzoini, Luiz Sérgio, Rubens Ottoni, Carlos Zarattini e José Genoíno.

Coerente com a concepção partidária

Sistema atual está podre

Financiamento privado é o “x” da questão

Discussão não foi suficiente

O PT não pode abandonar essa bandeira

Coerente com a concepção partidária

O PT aprovou uma deliberação coerente com a concepção do partido que defendemos. Ou seja, tratamos a reforma política a partir da posição do PT, e não da posição de cada corrente, e afunilamos para uma posição unitária da Comissão Executiva Nacional em relação ao voto em lista e financiamento público de campanha.

Discutir com a bancada foi um pouco mais complicado, pois havia um grupo de deputados que achava que a bancada poderia realizar encaminhamentos prevalecendo sobre a posição do partido. Alguns parlamentares questionavam o próprio processo deliberativo do PT, que não havia debate suficiente, que ainda havia muita divergência.

É evidente que há divergências. Ao mesmo tempo, temos convicção de que o PT sempre lutou para ter uma política voltada para a questão programática, o fortalecimento da vida partidária, a visibilidade nas eleições de projetos políticos para o país, e não de projetos individuais de mandatos. Então tivemos bastante firmeza para, resguardado o direito da bancada de discutir, encaminhar a posição sobre o rumo que deve prevalecer como orientação para o partido.

Agora temos um problema concreto: nem a proposta bastante flexibilizada na negociação parlamentar acabou por se viabilizar como possível de ser aprovada no Congresso Nacional. Tanto o voto em lista quanto o financiamento público sofrem ataques pesados daqueles que querem manter a política brasileira como está e que se beneficiam do atual modelo político. Para nós do PT agora é a hora de reorganizar nossas forças com o Congresso partidário, cujo objetivo principal é estabelecer diretrizes e estratégias para o próximo período. Esse encontro deve tirar como uma de suas principais deliberações a posição clara do PT sobre a reforma política e não só com relação a essa agenda que está para ser votada na Câmara, mas ampliar para outras discussões da estrutura política do país, como, por exemplo, o papel do Senado e a relação dos meios de comunicação com as campanhas.

Sobre a agenda política que está em votação no Congresso Nacional, a CEN deliberou que encaminhará um texto para o Congresso como ponto de debate. É preciso discuti-la com a população por meio das organizações populares, movimentos sociais, sindicatos, que representam setores da sociedade, para que possamos de fato ter uma mobilização.

É muito difícil que a atual ou mesmo uma futura composição do Congresso Nacional aprove uma reforma política progressista com traços programáticos, sem sustentação de uma mobilização popular. São os políticos votando regras para eles próprios. Financiamento público de campanha, por exemplo, é visto pela população como uma forma de gastar dinheiro público com interesse privado. Quanto ao voto em lista, muita gente acha que tem o direito de escolher o parlamentar, até por não conhecer as regras do atual sistema. Essas questões precisam ser aprofundadas. Não adianta, só pelo acúmulo que temos na direção do PT, achar que teremos apoio popular porque é uma boa proposta. É uma boa proposta, mas precisa ser explicada, debatida e construída para ter apoio popular e ser aprovada.

Ricardo Berzoini, deputado federal (PT-SP), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores.

Sistema atual está podre

Reforma política é uma necessidade porque o sistema atual está podre. O financiamento privado de campanha demonstrou ser pai e mãe da crise que atingiu, recentemente, os principais partidos políticos, do PT ao PSDB. Precisamos entender a reforma política como um processo que só avançará com mobilização social se as entidades da sociedade civil organizada debaterem e entenderem a necessidade da medida e pressionarem para que ela se concretize. A tendência natural de cada parlamentar é analisar a reforma política com o olhar voltado para si, se aquilo seria bom ou não num processo de multiplicação de seu mandato. E a reforma política tem de ser pensada no que é fundamental para a democracia. Então, para isso coloco em dúvida se a Câmara dos Deputados com seus 513 membros conseguirá fazer uma reforma política da amplitude que a democracia necessita. Só a mobilização das entidades e a exigência vão nos mostrar se o Congresso, com uma visão corporativa, terá a grandeza para realizá-la.

Há aqueles que têm visão mais elaborada do assunto e vão além, querem discutir o papel do Senado e da Câmara, a representatividade entre eleitor e eleitos, entre outros temas, mas se não podemos dar passos preliminares, como, por exemplo, financiamento público, não temos força para tratar de questões mais profundas da democracia. O importante é que esse tema veio à tona.

O 3° Congresso do PT é um bom momento para se discutir essa questão. Os diretórios, os vereadores e os parlamentares precisam incendiar esse debate para que a reforma política se torne acima de tudo uma conquista da população diante da necessidade de aprofundar a democracia no Brasil.

Enfrentamos a dificuldade, mesmo na bancada do PT, de as visões ainda estarem muito voltadas para a realidade individual de cada um. Assim fica difícil avançar no que necessitamos para uma reforma política.

Chegamos à defesa de uma proposta híbrida, que confundia financiamento público com financiamento privado, mas nem nisso conseguimos obter êxito.

Já é hora de se questionar se o ideal não seria uma miniconstituinte com poderes exclusivos para votar a reforma política. Os eleitos iriam para o Congresso com uma única tarefa e concluiriam seus trabalhos tão logo a reforma fosse aprovada.

Não temos dúvida de que a reforma política é uma necessidade no Brasil. E é de se estranhar, por exemplo, que partidos como o PSDB, que sempre foi a favor, tenham recuado. O projeto de financiamento público de campanha é de Aloísio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

A mídia teve um papel muito confuso. Ao mesmo tempo em que criticou o caixa dois, a influência do poder econômico nos representados, se posicionou contra a reforma política. As crises são fábricas permanentes de boas manchetes para os meios de comunicação. Eliminá-las talvez não interesse a determinado setor da própria mídia.

Luiz Sérgio, deputado federal (PT-RJ), líder da bancada petista na Câmara Federal

Financiamento privado é o “x” da questão

É importante situar para nós do PT o debate da reforma política e entender por que não avançamos, o que defendíamos e aonde queríamos chegar. Esse tema era importante para a sociedade brasileira mas para o PT ele não deveria ficar restrito ao Congresso Nacional. Inclusive o Diretório Nacional do PT tirou posição de fazer uma campanha popular, embora não tenha conseguido levar adiante. Defendemos que houvesse ampla mobilização da sociedade por meio das organizações e dos movimentos para realizar uma reforma ampla, democrática e participativa e que fosse além do sistema eleitoral, reformulasse o poder, a forma de exercê-lo e de

controlá-lo. Isso implicaria o fortalecimento dos mecanismos de democracia direta como os plebiscitos, os referendos, a iniciativa popular, enfim, o aperfeiçoamento dos instrumentos da democracia participativa, de controle social sobre os mandatos. Tudo isso estava na pauta do Partido dos Trabalhadores.

No Congresso o partido teve uma posição madura de quem tinha noção e visão estratégica da reforma política que ele queria mas que ao mesmo tempo defendia algumas medidas imediatas de reforma do nosso sistema eleitoral, como forma de avançar na reforma mais ampla. Era importante focarmos no que poderia ser aprovado de imediato diante da correlação de forças existente no Congresso Nacional. Essa correlação nos remeteu para uma pauta limitada, que julgávamos ser a mínima para aprovação, financiamento público de campanha, voto em lista preordenada, fim das coligações proporcionais, fidelidade partidária. Esses eram os pontos sobre os quais trabalhamos os quatro anos da legislatura passada e que retomamos agora em 2007.

Desse debate percebemos uma grande resistência de setores da política nacional a mudanças, e o ponto fundamental da discórdia mesmo dessa pauta mínima é que setores da elite brasileira não aceitam que se acabe com o financiamento privado das campanhas. Trata-se de um diferencial a favor daqueles que têm o controle econômico. Além da disputa natural de propostas de idéias, esses setores têm a facilidade da estrutura de campanha e não abrem mão disso. Claro que esse não foi um tema que tomou a frente do debate, o que sobressaiu foi o voto na lista preordenada porque era a proposta mais difícil de ser compreendida pela sociedade.

Existe ainda para o segundo semestre o retorno a uma proposta mínima em que haja financiamento público para as eleições majoritárias, para o que não precisaríamos do voto na lista preordenada, proposta já derrotada.

Minha avaliação é que para uma reforma política mais profunda é necessária uma ampla campanha popular de esclarecimento e orientação da população. Não há como fazer essas mudanças a fundo debatendo entre as quatro paredes do Congresso. A sociedade estava muito alheia ao debate e por isso mesmo influenciava pouco no comportamento. As bancadas e os parlamentares estiveram muito à vontade para defender o que lhes interessava e não ao país e à sociedade, porque esta não estava participando ativamente.

Rubens Ottoni, deputado federal (PT-GO)

 

Discussão não foi suficiente

Dificilmente será aprovada a proposta de reforma política apresentada, que era do relatório do Ronaldo Caiado. Essa concepção foi derrotada, mas há necessidade de uma reforma política que amplie os direitos dos cidadãos e a democracia. Por essa nós vamos ter que continuar a lutar para que aconteça.

Houve uma tentativa, desde o início desta legislatura, de se abrir um debate na bancada sobre o tema. Chegamos a ter duas reuniões, em fevereiro e junho, uma terceira às vésperas da votação e uma última da bancada com a Comissão Executiva Nacional, que já tinha uma posição fechada e, ao não conseguir convencer os parlamentares petistas, fechou a questão. Não acho que houve um bom processo de discussão dentro do PT. Não se fez um debate nos diretórios, que poderia inclusive ter sido engatado no processo do 3° Congresso. Perdemos a oportunidade de ampliar essa discussão dentro do partido.

Nos posicionamos contrários à proposta de voto em lista fechada por considerarmos que é subtrair o direito que a população tem de escolher o seu candidato. Hoje o povo escolhe o partido e o candidato, e na lista fechada só iria escolher o partido. A possibilidade de a população fazer uma renovação política estaria cerceada. O índice de renovação do Congresso foi superior a 40% nessa última eleição. Com a implantação da lista fechada, teríamos uma renovação pequena, porque o processo seria de solidificação das atuais lideranças e deputados.

Afora isso, dentro da maioria dos partidos – não é o caso do PT – não existe um processo democrático de discussão. Então, provavelmente prevaleceria o poder econômico interno, seria a solidificação das direções, e não mecanismo de ampliação democrático.

Mesmo dentro do PT teríamos que evoluir muito a nossa democratização interna para a escolha de uma lista.

Por exemplo, até mesmo com relação ao 3° Congresso a CEN se vê no direito de anular encontros sem ouvir os dois lados envolvidos. Um processo de escolha de lista no PT seria uma guerra interna.

Com relação ao financiamento público, apresentamos inclusive uma emenda nesse sentido para candidatos majoritários e o de pessoa física para os candidatos proporcionais. Posteriormente essa posição que eu apresentei na bancada e como emenda foi negociada com o Democratas e o PMDB para a inclusão do financiamento por parte de empresas. Penso que não deveríamos aceitar recursos de empresas. Além disso, acho que deveríamos estabelecer um limite de doações e de gastos por candidato menor do que o atual e comum a todos os partidos. Enfim, é preciso diminuir os gastos de campanha. Alguns argumentam que pode haver caixa dois, mas quem o fizer corre o risco de perder o mandato.

Carlos Zarattini, deputado federal (PT-SP)

O PT não pode abandonar essa bandeira

A necessidade de uma reforma política se dá, em primeiro lugar, pelo fato de a relação público-privado hoje estar um tanto permissiva. Em segundo lugar, porque é preciso democratizar o processo eleitoral, e o financiamento público em uma sociedade capitalista reduz a desigualdade. O terceiro motivo é o fortalecimento da relação eleitor-partido. Temos um sistema em que as carreiras individuais têm supremacia sobre os projetos coletivos e partidários. Por isso defendo a lista ordenada pelos partidos, com o princípio da fidelidade partidária.

Não conseguimos avançar nisso em primeiro lugar pela natureza do parlamento, que foi eleito em um sistema de pulverização de carreiras, projetos individuais, e não coletivos. Em segundo lugar, porque o PSDB, que tem força política e ideológica, inviabilizou a reforma política, deu argumentos para encobrir interesses menores contra essa reforma. Como o PSDB, que era a favor da reforma política, analisou pela força do governo Lula e principalmente pela força do PT, raciocinou casuisticamente contra.

Já vivi essa experiência dramática em 2004 porque o PT defendia a reforma política e os partidos que apoiavam o governo Lula se colocaram contra e ameaçavam tirar apoio ao governo. Agora uma parte da base aliada votou contra o financiamento público e a lista e o PSDB deu os argumentos politizados para deixar tudo como está.

O PT não pode abandonar a bandeira da reforma política eleitoral. Para nós, a reforma política é mais ampla que a eleitoral, mas devemos continuar com essa bandeira. Para as próximas eleições devíamos salvar o financiamento público para os cargos majoritários, uma vez que o voto em lista foi derrotado, aprovar a fidelidade partidária, fim das coligações nas eleições proporcionais e a permissão de federação de partidos, ou seja, o partido que faz coligação na eleição tem que dar continuidade a ela durante três anos. Isso é o mínimo para sairmos desse sistema eleitoral esgotado. Vamos votar esses pontos, e cada parlamentar terá que se posicionar perante a opinião pública, sem possibilidade de acordos.

Tanto a reforma política mais ampla, que deve discutir o papel da Câmara e do Senado, a participação popular, o sistema eleitoral, como uma reforma tributária, que desenhe o pacto federativo e diminua a carga tributária e os impostos sobre a população mais pobre, dificilmente serão aprovadas por esse sistema congressual bicameral de maioria de três quintos. Por isso acho que devíamos viabilizar uma proposta de reforma tributária e uma política eleitoral até 2010, de maneira que o Congresso eleito tenha a prerrogativa de votar esses dois temas unicameralmente, como aconteceu com a legislatura de 1987, que votou a Constituição. Não se trata de uma constituinte exclusiva de especialistas. É melhor fazer o debate eleitoral sobre essa tarefa e na eleição as pessoas votarem sabendo que os eleitos vão ter que cumpri-la. Realizar uma reforma perfeita por especialistas não funciona.

Eu esperava mais do PT. Deveria ter feito uma campanha pública, explicando a sua proposta de reforma política. Em uma votação de encaminhamento um terço dos deputados petistas não seguiu a orientação nem do líder da bancada, nem do partido, o que acabou enfraquecendo o movimento.

O Congresso do PT deveria aprovar uma resolução sobre reforma política.

José Genoíno, deputado federal (PT-SP)

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