EM DEBATE

O lema da guerra às drogas não é novo. Em vários países é por meio de violência e repressão que se tenta "resolver" o problema que atinge a sociedade. No caso do crack, em São Paulo e em todo o Brasil, há ainda a componente de seus usuários serem os mais pobres e desamparados pelo Estado.

O combate ao crack e a cultura do medo

Guerra às drogas, ainda e sempre?

O combate ao crack e a cultura do medo

Insuflado pelo clamor midiático e pelo oportunismo de políticos sempre em busca de “soluções mágicas” que garantam alguns votos (ou trocados), o crack ganha cada vez mais espaço na agenda pública brasileira. Por toda parte surgem discursos acerca de uma suposta “epidemia” no uso da substância, e a partir daí se empreendem ações meramente repressivas e midiáticas, que de nada ajudam a encarar o sério problema do uso abusivo de drogas.

A demonização do crack é mais um capítulo na triste e recente história da “guerra às drogas”. Ao pretender incidir sobre a oferta das substâncias tornadas ilícitas há pouco menos de cem anos, camuflam-se problemas sociais complexos através da fetichização de certas drogas e de uma suposta defesa da saúde pública que traz muito mais danos sociais – como a violência estatal e do crime e o encarceramento em massa – do que o consumo em si.

Não há dados que comprovem tamanho furor em relação a consumo de crack no Brasil. De acordo com o Relatório Brasileiro sobre Drogas, elaborado em 2010 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), de cada cem brasileiros, 38 já ingeriram álcool, dezoito fumaram cigarro e dois fumaram maconha. Somente um em cada mil entrevistados declarou ter fumado crack. A Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a Senad, pretende terminar em 2012 um estudo feito em cenas de uso de diversas capitais. Enquanto isso, mídia e governos preferem tomar por base uma enquete realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) entre prefeitos, que apontaria “presença” do crack em 98% das cidades brasileiras, numa metodologia sem nenhum fundamento científico.

É nesse cenário que se inserem dois fatos importantes: a “Operação Sufoco”, empreendida pelos governos estadual e municipal de São Paulo no bairro da Luz, e o Plano de Enfrentamento ao Uso do Crack e Outras Drogas, lançado pela presidenta Dilma Rousseff em dezembro de 2011. Se a primeira iniciativa alinha-se explicitamente ao que há de mais autoritário e higienista, a segunda tampouco serve como alternativa eficaz e respeitosa dos direitos humanos no que concerne ao uso problemático de drogas.

Iniciada em 3 de janeiro de 2012, a Operação Sufoco dizia ter como objetivo combater o tráfico de drogas na região conhecida como “cracolândia”, no bairro da Luz, centro de São Paulo. No entanto, assim como não é a droga o principal problema dos moradores de rua ou dependentes químicos expostos pelas lentes sensacionalistas da mídia em situação de extrema vulnerabilidade – causada sobretudo pela absoluta ausência de oportunidade, moradia, saúde, educação etc. –, também não era o crack o principal determinante de tal operação, que, depois de algumas semanas, não afetou em nada o consumo de drogas, apenas o deslocou para regiões vizinhas.

Há tempos que as administrações de Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin buscam “limpar” o bairro da Luz do maior empecilho para sua “revitalização”: as estigmatizadas pessoas que moram em suas ruas, ou as frequentam cotidianamente em busca de drogas e ou do sentimento de pertencimento a uma comunidade oferecido pelas “cracolândias”. Às portas da Copa do Mundo da Fifa, é inaceitável para o poder público paulista que seus financiadores de campanha tenham seus interesses econômicos (sobretudo imobiliários) prejudicados por pobres que insistem em se manter longe das periferias (ou das prisões) cada vez mais distantes que lhes foram reservadas.

“Vida sim, drogas não.” Por outro lado, foi com esse chavão que a presidenta Dilma apresentou seu novo programa de “enfrentamento ao crack”. Apesar de incluir em suas diretrizes demandas progressivas e interessantes relacionadas ao campo da “redução de danos” – eficiente abordagem de saúde que busca tratar o uso abusivo de drogas através do diálogo com usuários e do incentivo ao autoconhecimento e à minimização dos riscos –, tal programa hegemonicamente se configura como a repetição do velho, e fracassado, viés proibicionista, acrescido de favorecimento ao lobby religioso no tratamento da dependência química e retrocesso no campo dos direitos humanos.

Sem entrarmos no mérito de que nunca existiu vida humana em sociedade sem o recurso à alteração de consciência, cabe assinalar que o plano é marcado pela perspectiva do enfrentamento, “vencer o crack”, nas palavras do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Elegendo a consequência como a causa da vulnerabilidade, o governo demonstra não ter interesse em analisar suas determinações históricas e sociais para atuar a fundo sobre elas. Repete estratégias que, se por um lado fracassam para lidar com o consumo abusivo, por outro beneficiam diretamente retrógrados setores sociais e políticos.

Com pouca ênfase em informação, prevenção e no estudo das causalidades do recurso ao uso de drogas, o plano apresentado é preocupante. Abre a possibilidade de transferência de recursos públicos para as “comunidades terapêuticas”, clínicas pouco ou nada fiscalizadas mantidas por grupos religiosos e nas quais inúmeras denúncias de abusos e tortura foram constatadas, e também para a internação compulsória, estratégia de segregação social já em curso em algumas capitais brasileiras que, além de violadora de direitos constitucionais, é ineficiente. Segundo dados da ONU, apenas 2% dos pacientes tratados de forma involuntária aderem à abstinência apregoada pelo método.

“Muito poder e dinheiro estão à espera daqueles que penetram em nossas inseguranças emocionais e nos fornecem substitutos simbólicos”, salienta Barry Glasner, autor de A Cultura do Medo. Infelizmente, ao invés de buscarem alternativas que respeitem o direito ao próprio corpo no caso do uso de drogas, e estimulem um cuidado eficiente e consequente no caso do uso abusivo, que é minoritário, nossas políticas públicas seguem majoritariamente fundadas num discurso de medo e exceção que serve a interesses políticos e econômicos muito claros. É por isso que são ineficientes, e é por isso que devem ser repensadas.

Júlio Delmanto é jornalista, mestrando em História Social, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip) e membro do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR)

Guerra às drogas, ainda e sempre?

O debate sobre as drogas ilícitas passa por novo período de incandescência. As ações de pacificação de favelas no Rio de Janeiro, a internação involuntária de usuários de crack moradores de rua, as marchas da maconha promovendo discussões sobre os limites democráticos da liberdade de expressão, as declarações “progressistas” de personalidades públicas sobre a descriminalização das drogas, entre outros acontecimentos, põem em evidência as questões relacionadas ao tema. Sob os holofotes, no entanto, range um confronto contínuo e violento, que só tem feito agravar nas últimas décadas: o conflito cotidiano da chamada guerra às drogas.

O Brasil comprometeu-se cedo com o regime internacional de coibição das drogas – o proibicionismo. Ainda nos anos 1920, foram aprovadas as primeiras leis para enfrentar o suposto problema de saúde pública causado pelo uso de substâncias psicoativas. A proibição de algumas delas, vindas na sequência, não pôs fim à venda e ao consumo; todavia, produziu, efetivamente, um problema de segurança pública. E assim, convertendo usuários e comerciantes de drogas em criminosos, o já amplo exercício seletivo do direito penal e da repressão policial sobre pobres, negros, migrantes e favelados ganhou um reforço significativo.

A adesão ao proibicionismo, no Brasil, não distinguiu períodos democráticos e ditatoriais. A Convenção Única da ONU, por exemplo, tratado que estabeleceu as bases do atual regime internacional de drogas, foi assinada pelo governo Jânio Quadros, em 1961, mas ratificada apenas em 1964, após o golpe de Estado. A própria distinção entre “usuário” e “traficante” – saudada por muitos reformistas hoje em dia – apareceu na legislação brasileira na Lei de Tóxicos (Lei nº 6.368), editada em 1976, durante a ditadura. Essa diferenciação fixou o consumidor de drogas como “doente” propenso a praticar crimes para manter seu “vício”, enquanto elevou as penas para os negociantes ilegais.

Quando a Lei de Tóxicos foi publicada, já estava em marcha a war on drugs declarada pelo presidente estadunidense Richard Nixon, em 1971. Essa guerra fundou-se na divisão maniqueísta e simplista do mundo entre países produtores e consumidores, justificando intervenções diplomático-militares dos Estados Unidos a título de combate ao narcotráfico. O modelo da guerra às drogas prescreve militarizar o enfrentamento do tráfico, com apoio financeiro e de treinamento patrocinados pelos EUA. Esse programa foi ampliado, desde os anos 1980, em governos tanto democratas quanto republicanos. O Plano Colômbia, por exemplo – bilionário programa de combate ao narcotráfico e às guerrilhas colombianas –, foi aprovado no governo do democrata Bill Clinton, em 2000, e aplicado no do republicano George W. Bush, já associado à sua guerra ao terror. Na passagem para o século 21, enfim, a guerra às drogas havia transformado o narcotráfico numa questão de segurança internacional, com ênfase especial na América Latina.

Questão continua associada à lei e à ordem

Em princípios dos anos 1990, a war on drugs continuava sendo a tônica internacional e o Brasil seguia seus rumos. A década começou com a promulgação, durante o governo Collor de Mello, da Lei de Crimes Hediondos (nº 8.072/90), que equiparava o tráfico de drogas às práticas de tortura e terrorismo. As ações da guerra às drogas nacional continuaram no governo de Fernando Henrique Cardoso com o início das operações do Sistema de Vigilância Amazônico (Sivam), para o monitoramento do espaço aéreo, superfície e subsolo amazônicos, sob controle da Força Aérea, justificado, em larga medida, pela necessidade de combate ao narcotráfico.

Em 1996, foi criada a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), vinculada à Casa Militar da Presidência da República e idealizada para ser uma agência com capacidade de coordenação das ações antidrogas no país. No entanto, tais pretensões entraram em conflito com a competência constitucional de combate ao tráfico da Polícia Federal, fato que fez dela um órgão de elaboração de campanhas e debates sobre drogas. Apesar do esvaziamento, o comando da Senad foi confiado a um general – Paulo Roberto Y.M. Uchôa –, mantido no cargo pelo presidente Lula em seus dois mandatos.

A chegada de Lula à Presidência, em 2003, foi recebida com expectativa por muitos críticos do proibicionismo. Contava a favor dessa esperança o pioneirismo de membros do Partido dos Trabalhadores na discussão do tema das drogas e de políticas alternativas, como a redução de danos (como tentou Telma de Souza na Prefeitura de Santos em 1989, sendo, então, duramente atacada). Esperava-se, ainda, que a nova lei de drogas, em discussão no Congresso havia anos, pudesse ser finalmente aprovada, introduzindo alterações significativas. A Lei nº 11.343 foi, de fato, promulgada em 2006, mas seus supostos “ganhos progressistas” logo foram questionados. Muitos consideraram uma boa medida a separação entre “usuário” e “traficante”, qualificando o primeiro como um caso de “saúde pública”, e o segundo, de “segurança pública”. A distinção, redimensionada a partir da feita pela ditadura, previu oferecer aos “usuários” prevenção, orientação, tratamento ou penas alternativas; enquanto para os “traficantes” continuariam valendo os rigores da lei penal.

Apesar de abrandar em parte o discurso (com a substituição da expressão “contra as drogas” por “política sobre drogas”), a lei de 2006 não definiu a quantidade de droga ilícita que tipificaria “usuário” e “traficante”, deixando a cargo dos delegados a definição. Ficou aberta, assim, a brecha para que a seletividade punitiva seguisse operando. O resultado imediato é que, segundo dados do Ministério da Justiça, o número de presos relacionados ao crime de tráfico de drogas cresceu no país após 2006, perdendo (por pouco) dos crimes contra o patrimônio como meio principal para o encarceramento no paísUnknown Object.

Nesse mesmo período, outras medidas do governo federal reforçaram o compromisso com a guerra às drogas. Em 2004, a “Lei do Abate” (Decreto nº 5.144) regulamentou a possibilidade de que aeronaves fossem derrubadas caso entrassem no espaço aéreo brasileiro sem autorização. E, em 2010, a Lei Complementar nº 136 registrou duas importantes decisões: a autorização às Forças Armadas para revistar veículos e pessoas nas fronteiras nacionais – o chamado “poder de polícia”, antes exclusivo da PF –, e a regulamentação do emprego das Forças Armadas em questões de segurança pública – dispositivo constitucional denominado “garantia da lei e ordem”.

Em novembro do mesmo ano, amparado nessa lei complementar, o governo do Rio de Janeiro articulou com o governo federal a ocupação do Complexo do Alemão, em ação coordenada entre as polícias civil, militar e federal e as Forças Armadas. Grande evento político e midiático, tal medida veio acoplada ao programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), iniciado pelo governo estadual fluminense em 2008. Inspiradas em iniciativas semelhantes na Colômbia, as UPPs visam à retomada territorial de favelas por meio de ações policial-militares, abrindo espaço para a chegada de serviços oferecidos pelo estado (programa “UPP Social”), associado a organizações não governamentais.

Política proibicionista

Da implantação do Sivam e da Senad, nos anos 1990, às leis e aos programas instituídos na primeira década do século 21, nota-se o continuado processo de endurecimento da guerra às drogas no Brasil. Este inclui a crescente militarização do combate ao narcotráfico, política defendida e patrocinada pelos Estados Unidos desde os anos 1970. Nas últimas décadas, países como Peru, Bolívia, Colômbia – e mais recentemente o México – envolveram suas forças armadas no enfrentamento aos narcos, resultando em dezenas de milhares de mortes e na potencialização da violência praticada pelo Estado e pelas organizações ilegais sem barrar a expansão do tráfico de drogas. No Brasil, as medidas tomadas desde os anos 1990 sinalizam o aumento da presença dos militares no combate ao tráfico.

Nesse contexto, a passagem do governo Lula para o de Dilma Rousseff não demonstrou, até o momento, descontinuidade. A tônica do governo da presidenta tem sido a questão do tráfico e consumo de crack, diretriz herdada do governo anterior. Dois documentos editados ainda no governo Lula – o Plano Emergencial de Ampliação ao Acesso a Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas (2009) e o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (2010) – indicavam o despontar de uma “epidemia urbana” do uso de crack associado, principalmente, aos moradores de rua. Os programas procuram colocar a questão no campo da “saúde pública”, fazendo da redução de danos o princípio a orientar a abordagem dos usuários por agentes de saúde treinados (os redutores), visando acolher para depois, possivelmente, recolher para tratamentoUnknown Object.

O limite entre a atenção para com a saúde de consumidores de crack e seu aprisionamento é tênue. As ações de internação involuntária de dependentes da droga, iniciada no Rio de Janeiro, em março de 2011, e depois levada a outras cidades como São Paulo, são justificadas diante dos “riscos” à saúde e à “incapacidade” dos crackeiros de avaliar sua condição. No entanto, como a questão do crack é tratada como a “epidemia” de uma droga que devasta a vontade própria do indivíduo, a possibilidade de internação involuntária aumenta expressivamente. Assim, as operações concertadas entre polícia e assistência social têm se concentrado em bairros degradados conhecidos como cracolândias. Esses bairros estão em regiões centrais de metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro ou Salvador que são alvos de projetos de revitalização. Parte crucial desses projetos de especulação imobiliária passa pela remoção de edifícios reduzidos a escombros e dessas pessoas transformadas em andrajos ambulantes pela miséria e pelo uso de uma droga que despotencializa a vida (surgida nos EUA, no final dos anos 1980, como uma segmentação do mercado ilegal diante do preço mais elevado da cocaína em pó).

As operações nas cracolândias alinham governos federal, estaduais e municipais, por vezes adversários políticos, mas de acordo no que diz respeito ao crack e aos crackeiros. É digno de nota o caso paulista, em que o governo do estado (do PSDB) e o municipal (do PSD), apesar de adversários, decidiram agir em conjunto antes que qualquer iniciativa do governo federal (do PT) provocasse constrangimento político a Geraldo Alckmin ou Gilberto Kassab. Apesar disso, anunciou-se recentemente a oferta que Kassab fez ao Instituto Lula para que instale sua sede em edifício localizado no bairro da Luz, cujo projeto de revitalização passa pela remoção dos consumidores da droga.

Os bem-intencionados defensores do acolhimento aos usuários de crack, todavia, não podem perder de vista a dimensão histórica e política do proibicionismo. Atentos a isso, descobrirão que tratar o tema das drogas como uma questão de saúde pública associada a outra de segurança pública não é novidade, tampouco um “avanço progressista”, mas a base mesma do proibicionismo, lastreando-o desde o início. A política de drogas brasileira segue proibicionista. Isso significa que mantém as bases repressivas, moralistas e seletivas contra determinados segmentos da sociedade (o que denota o corte racista e higienista que marca o proibicionismo).

Na atual legislação, o deslocamento da pena de reclusão para penas alternativas e de recolhimento compulsório – no caso dos “usuários” – não amaina a ênfase punitiva: “pena alternativa” continua pena. Até mesmo a recente atenção dada às propostas de descriminalização precisa ser problematizada. Entre elas, ganhou visibilidade a iniciativa encabeçada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, à frente da Comissão Global sobre Política de Drogas, formada em 2011, que reúne antigos mandatários – como Cesar Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México), tanto quanto ele adeptos do proibicionismo quando presidentes – para criticar os efeitos políticos, econômicos e sociais da guerra às drogas, levantando a bandeira da descriminalização do “usuário” (mas mantendo a criminalização do “traficante”). Não obstante, a permanência da ilegalidade e da punição ampliada e redimensionada não abala a existência do mercado ilegal e, portanto, não mina o narcotráfico.

Em 2012, completa-se um século da Convenção de Haia sobre Ópio, marco da formação do proibicionismo, que não cumpriu aquilo a que se propôs: “um mundo livre das drogas”. Ao contrário, em nome do combate a um “problema de saúde pública” e de “segurança pública” produziram-se e ampliaram-se tais problemas, que se desdobraram além, configurando questões de segurança regional e internacional. No Brasil, a adesão ao proibicionismo alinha historicamente governos de procedências político-ideológicas diferentes, gerando curiosas – e, talvez, incômodas – continuidades.

Muitos dizem que o Brasil nada pode fazer, pois está comprometido com tratados internacionais. Ora, quem celebra e faz cumprir tais tratados senão os Estados? E onde fica, então, a tentativa de construir uma política externa “altiva e ativa”, mote do chanceler Celso Amorim em seus anos à frente do Itamaraty nos mandatos de Lula? Em 2008, a delegação diplomática brasileira presente no encontro da ONU em Viena que revisaria a política mundial sobre drogas não fez mais que endossar o prosseguimento do proibicionismo, frustrando ativistas que esperavam, ao menos, a defesa das políticas de redução de danos (já absorvidas pelo Ministério da Saúde).

Uma atitude diferenciada sobre as drogas exige reconhecer como está acontecendo a problematização e se há ataques diretos ao proibicionismo. Fora disso, há apenas retórica, mesmo que autodenominada “progressista”. O “progressismo”, aliás, pode ser absorvido pelas novas políticas de drogas que não funcionam mais, apenas, pela ação do Estado em nome da saúde e segurança individual e coletiva, mas pela associação ao trabalho ativo e participativo da sociedade civil para a preservação desses bens, comportando tolerâncias e admitindo flexibilizações legais, normativas e normalizadoras. Assim, nessa articulação Estado/sociedade civil, se redimensionam os modos de punir e controlar ruas, comunidades e condutas (tanto de miseráveis que vagueiam pelas ruas, quanto da “nova” e da “antiga” classe média). Antes de perguntar o que fazer, a análise do proibicionismo e de suas atualizações indica explicitamente o que está sendo feito.

Thiago Rodrigues é professor adjunto no Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense e pesquisador no Núcleo de Sociabilidade Libertária (Nu-Sol/PUC-SP). Foi um dos fundadores, em 2001, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Autor, entre outras obras, de Narcotráfico, uma Guerra na Guerra (Desatino, 2003) e Política e Drogas nas Américas (Educ/Fapesp, 2004)

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