EM DEBATE

O governo federal articula todas suas forças para poder apressar a aprovação das emendas constitucionais. A Previdência Social é um de seus alvos, São cerca de 15 milhões de aposentados e pensionistas que vivem com uma renda mensal média de 1, 6 salários mínimos, correspondendo a 87% da arrecadação. Uma das justificativas oficiais é que a população brasileira está envelhecendo, obrigando a Previdência a gastar mais. Para resolver o problema, o governo acena com o fim da aposentadoria por tempo de serviço e diminuição do teto de contribuição.

Quais as implicações para os trabalhadores e segurados? Qual seria o novo perfil da Previdência Social? Para debater essas questões, T&D convidou Rosa Maria Marques, professora da PUC de São Paulo, Arlindo Chinaglia, deputado federal e presidente do PT-SP e Eduardo Jorge, deputado federal (PT).

A reforma e os trabalhadores

Conquistar a Seguridade Social

Seguridade Social - mudar para melhor

A reforma e os trabalhadores

 

Hoje, mais do que nunca, o governo e diferentes setores da sociedade brasileira defendem a necessidade de uma reforma radical da Previdência Social. Os principais argumentos utilizados compreendem a desestabilização financeira provocada pela criação de novos direitos na Constituição de 1988 e pela mudança do perfil demográfico da população e a necessidade de conceder uma proteção igual para todos, abolindo as diferenças existentes entre homens e mulheres, entre trabalhadores urbanos e rurais e entre segurados do setor privado, servidores públicos e membros do Executivo, Legislativo e Judiciário.

De fato, a situação financeira da Previdência Social encontra-se bastante fragilizada. No passado recente, a receita de contribuições de empregados e empregadores era de longe a principal fonte de financiamento dos benefícios previdenciários, das ações e serviços de saúde e das ações e benefícios assistenciais. Em janeiro de 1995, somente a despesa com benefícios da Previdência absorveu 87% dessa receita.

O aumento da "dependência" dos benefícios em relação à receita de contribuição tem basicamente duas causas. Em primeiro lugar, não há dúvida de que os novos direitos instituídos pela Constituição de 1988 elevaram o patamar do gasto previdenciário. Em 1994, a despesa com benefícios foi 60% superior à média de 1988/1989 e 33% superior à realizada em 1991. Mas também é verdade que o nível atual da arrecadação é dos mais baixos já registrados nos últimos anos. Em relação a 1986, por exemplo, o volume arrecadado durante o ano de 1994 foi 20,4% menor.

Dentro desse quadro, uma política de crescimento do salário mínimo real ou um aumento, um pouco acima da média, da demanda de benefícios resultaria, inevitavelmente, em déficit, fazendo rapidamente desaparecer o atual saldo disponível. Esse raciocínio, embora aparentemente correto, pressupõe a imutabilidade das condições que estão fragilizando a situação financeira da Previdência.

Atualmente, o nível estimado da evasão da receita de contribuições é de 30% e o mercado informal de trabalho representa cerca de 50% da população economicamente ativa. Além disso, a Previdência Social brasileira não conta com um cadastro de contribuintes e segurados, o que lhe impede o acesso exatamente àquelas informações que lhe seriam mais importantes. Não é por acaso que, sistematicamente, a Previdência se vê obrigada a fazer recadastramentos, mobilizando significativo volume de recursos materiais e humanos.

Esses dados indicam que é absolutamente prioritária, para melhorar a situação financeira da Previdência, a realização de uma ação coordenada entre o Ministério do Trabalho, da Previdência e a Receita Federal. Somente aumentando a fiscalização e fazendo cumprir as leis trabalhistas pode-se diminuir o nível de evasão e de sonegação. Para isso, no entanto, é preciso vontade política. E esse parece não ser o caso do atual governo.

Além de aumentar significativamente a disponibilidade de recursos, a melhora da fiscalização e o aumento do grau de formalização do mercado de trabalho tornariam evidente que o recente processo de envelhecimento da população brasileira é, neste momento, favorável à Previdência. Isso porque, não fosse o tamanho do mercado informal de trabalho, o aumento do número de pessoas em idade de trabalhar colocar-nos-ia em situação semelhante a dos sistemas europeus na década de 50, quando o ingresso de contribuições sobre a folha de salários apresentou um desempenho extremamente favorável.

Por outro lado, somos obrigados a reconhecer que a velocidade das mudanças demográficas por que está passando a população brasileira é muito maior do que a verificada nos países chamados desenvolvidos. Acentua-se, em todas as classes de renda, a queda da fecundidade e o aumento da sobrevida. Essa realidade exigirá que, num futuro próximo, tenhamos que discutir seriamente alterações nas condições de acesso aos benefícios relacionados com os riscos previsíveis, tal como a aposentadoria.

No que se refere à eliminação das diferenças de tratamento entre homem e mulher, entre segurados do setor privado e servidores e entre trabalhadores rurais e urbanos, é preciso dizer que, mesmo defendendo, como princípio geral, que a proteção social deva ser igual para todos, não podemos esquecer que as condições de trabalho e vida desses segmentos permanecem desiguais. Sendo assim, a defesa de tratamento igual torna-se, além de abstrata, extremamente injusta e regressiva, penalizando os que ingressam mais cedo no mercado de trabalho e penalizando as mulheres que exercem dupla jornada de trabalho.

Nesse momento, dada a ofensiva do governo, a única atitude que nos cabe é lutar pela retirada da emenda constitucional e pela abertura das contas da Previdência e da Seguridade Social. Exigir que o governo pague, como mandava a lei, os Encargos Previdenciários da União (EPU) com recursos fiscais, deixando de desviar receita da Seguridade, tal como a arrecadação da Cofins. Exigir que os benefícios de caráter assistencial sejam financiados, como manda a boa doutrina, por recursos de impostos. E, mais do que isso, exigir que os trabalhadores e os segurados tenham, junto com os empresários e representantes do Estado, efetivo poder para administrar o sistema previdenciário.

Essas são as condições necessárias para que os trabalhadores e a sociedade possam discutir de fato quais são os problemas da Previdência e qual o tipo de proteção social que almejam e estão dispostos a financiar. Somente quando as informações estiverem disponíveis e quando os verdadeiros interessados na Previdência tiverem como interferir na gestão é que questões como a aposentadoria por tempo de serviço e a extinção das aposentadorias especiais vinculadas a categorias e não a indivíduos podem ser seriamente discutidas. Enquanto isso não acontecer, e a Previdência não se constituir realmente num fundo dos trabalhadores, toda proposta de mudança somente pode ser vista como uma tentativa de destruição de direitos.

Qualquer outra alternativa de encaminhamento implicaria aceitar o processo antidemocrático imposto pelo governo. Este, ao propor a desconstitucionalização de aspectos fundamentais do atual plano de benefícios e ao não explicitar por inteiro sua proposta, sugere que a sociedade lhe conceda uma procuração, com todos os poderes, para que altere o sistema como bem quiser. Sendo assim, rechaçar a emenda da Previdência não consiste somente em defender a Previdência; é parte integrante da construção da democracia neste país.

Rosa Maria Marques é professora do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e técnica da Área de Financiamento das Políticas Sociais do Instituto de Economia do Setor Público (IESP) da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap).

Conquistar a Seguridade Social

O governo FHC faz um movimento permanente para viabilizar o mais rápido as reformas da Constituição, manipulando a opinião pública com a idéia de que sem reformas não há desenvolvimento para o país. Ao mesmo tempo, deixa de lado a reforma prioritária, que é a mudança na estrutura tributária nacional, cujos mecanismos falhos de controle, fiscalização e arrecadação são um incentivo à fraude, à sonegação e à inadimplência.

A importância do assunto nos leva a algumas reflexões:

1) O modelo previdenciário brasileiro caracteriza-se como o maior instrumento de redistribuição de renda institucionalizado do mundo ocidental, ao pagar anualmente aos seus mais de 15 milhões de aposentados e pensionistas importâncias que giram entre US$ 25 e US$ 30 bilhões, recursos estes que movimentam as economias das nossas pequenas comunidades nos rincões do Brasil.

2) As alterações reduzindo os tetos de contribuições geram uma fatia expressiva de recursos a ser imediatamente abocanhada pelas entidades privadas de previdência complementar, em especial as mais de oitenta empresas ligadas a instituições financeiras e seguradoras. As projeções indicam que se o atual teto de contribuições for reduzido para cinco salários mínimos, haverá uma perda de receita imediata de 32%, ou algo em torno de US$ 9 bilhões anuais. Como se verifica, é uma receita potencial, extremamente expressiva que se colocará à disposição das empresas privadas de previdência complementar. Daí a pressa do governo.

3) Uma outra preocupação diz respeito à intenção do governo FHC de varrer do mapa a aposentadoria por tempo de serviço, alegando que este benefício é uma das razões maiores dos males da Previdência. Os números desmentem: em janeiro passado, o INSS mantinha 1,5 milhão de aposentadorias por tempo de serviço, correspondendo a 10,4% do total de benefícios pagos, com um desembolso médio per capita de R$ 278,20. Na prática, a eliminação pura e simples da aposentadoria por tempo de serviço não traz efeitos benéficos imediatos aos cofres da Previdência. É preciso estar atento, ainda, à possibilidade do governo manter, no rótulo, a aposentadoria por tempo de serviço, mas aumentando tanto o tempo de contribuição que, na prática, funcionaria como aposentadoria por tempo de contribuição.

4) A gestão da Previdência é outro ponto central. Enquanto não tivermos o envolvimento dos principais interessados - trabalhadores, empresários e inativos -, com poderes para estabelecer as diretrizes do sistema, o mesmo continuará sendo indefinidamente objeto de manipulações políticas, que têm contribuído para o desmonte planejado da instituição.

5) Além disso, os recursos da Previdência e, por conseqüência, da Seguridade Social não têm sido administrados com a transparência necessária, tamanho o número de fraudes e desvios, inclusive dentro do próprio governo. Para exemplificar, em 1994, foram arrecadados pelo Tesouro Nacional mais de R$15 bilhões entre Cofins e Contribuição sobre o lucro, rubricas específicas da Seguridade. E ao INSS foram repassados tão-somente R$ 1,2 bilhão. Para onde foi o restante do dinheiro?

Como se vê, a discussão envolvendo Previdência demanda esclarecimentos e um estudo mais aprofundado, que nos levam a questionar o que realmente é necessário mudar na Constituição, na legislação infraconstitucional ou, ainda, no gerenciamento.

De qualquer forma, o PT não pode ter uma visão economicista da questão. É necessário garantir os direitos adquiridos e expectativas de direitos dos atuais segurados dos diferentes sistemas da Previdência. A efetiva eliminação de distorções, como aposentadorias precoces indevidas, não pode levar à extinção pura e simples de aposentadorias especiais para quem desempenha atividades sujeitas a agentes insalubres, danosas e perigosas ao indivíduo, ou atividades desgastantes, como é o caso dos professores.

Nós do PT devemos fazer a defesa intransigente do conceito de seguridade social que atribui aos poderes públicos um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social. Isto se fundamenta na solidariedade entre as pessoas e entre as gerações. Para viabilizar tal conceito, é importante pensar um caixa próprio para as três esferas de seguridade, no qual se atue no sentido de aumentar a receita. É preciso moralizar a Previdência, combatendo a sonegação, a apropriação indébita, as fraudes e a corrupção, bem como carreando recursos de outros tributos para a Seguridade Social.

Dados da revista Conjuntura Econômica, de março 1995, revelam que a arrecadação do ICMS em todo o Brasil, em 1994, totalizou R$ 25 bilhões, contando com um quadro de mais de 28 mil fiscais. A Previdência, para arrecadar R$ 21 bilhões (85% do ICMS), possui apenas 3.500 fiscais em todo o país! A isto se soma que mais de 50% das empresas fiscalizadas em 1994 estavam em débito com a Previdência.

Está claro que o mal da Previdência não é culpa do aposentado, do desempregado, do trabalhador rural, da viúva, dos deficientes...

Somos cobrados: "Qual é a proposta do PT?" Isto não pode nos levar a agir como se estivéssemos numa disputa acadêmica. Há conflitos de interesses e o governo quer mudar o principal para entregar ao seguro privado. E há maioria governista no Congresso. Mas há milhões de desassistidos nas ruas. Então, devemos pensar em mudanças e escolher a melhor tática que, obviamente, não é fazer a batalha somente no Congresso Nacional.

A nossa chance de vitória está condicionada em sabermos combinar informações, com valores, princípios e interesses que apaixonem o debate, visando aumentar a mobilização social.

Para isso, é preliminar a exigência de uma auditoria pública nas contas do Tesouro da Previdência e da Seguridade Social, para termos conhecimento daquilo que estamos tratando. O próprio Tribunal de Contas da União revelou dias atrás que são sucessivos os superávits financeiros nas contas do INSS, ao contrário do que revelam as fontes oficiais. E, de forma mais preocupante ainda, que todas as projeções feitas pelo Ministério não têm sustentação técnica, embasadas que são em modelos de simulação empíricos, frutos da concepção pessoal de um único técnico.

Como se pode decidir a partir destas premissas pobres e despidas de credibilidade? Como formular um modelo de seguro social que atenda ao povo, sem a confiabilidade e a transparência em seus números, sem dominar a estrutura de financiamento e o elenco de benefícios?

O PT não pode estar despreparado - tem que conhecer e formular!

E não podemos, sob nenhuma hipótese, abandonar a defesa inabalável de conquistas para os trabalhadores, tendo como norte a ampliação destes direitos. E é um ponto central a questão dos funcionários públicos civis e militares.

É necessário ouvi-los, é necessário definirmos o que pretendem com a máquina do Estado, para não colaborarmos, inconscientemente, com o desmonte da mesma, pois na medida em que não houver garantia de boas condições de trabalho e remuneração, os profissionais abandonarão de vez a perspectiva de servidor público.

Como sempre se disse, a Previdência é propriedade do povo e do trabalhador e por eles deve ser gerida, para que a liberte das manipulações e ingerências que têm colaborado para o seu desmonte e para a perda de qualidade de seus serviços.

Arlindo Chinaglia é deputado federal e presidente do Diretório Regional do PT-SP.

Seguridade Social - mudar para melhor

Em todo o mundo as mudanças tecnológicas seguidas de desemprego estrutural, a informatização das relações de trabalho, a menor exigência na jornada de trabalho, o crescimento da expectativa de vida em todos os países, a fome, as doenças, os custos crescentes da assistência à saúde e outros fatores vêm pressionando por adaptações os sistemas de Seguridade Social.

Os ultraliberais como é o caso dos republicanos nos Estados Unidos e os herdeiros de Pinochet no Chile, simplesmente querem desmontar os sistemas de proteção social e deixar o cidadão à mercê das forças selvagens e bárbaras do "puro mercado".

Isto não é justificativa, porém, para os socialistas não apresentarem suas propostas de como enfrentar os problemas concretos para defender a essência dos programas de proteção social e garantir sua perenidade e estabilidade.

No caso da reforma na área da Seguridade Social no Brasil, não mudar é perpetuar injustiças e ameaçar a viabilidade do sistema como um todo. Mudar no sentido da privatização e liquidar um dos únicos programas redistributivos no nosso país, aprofundando a desigualdade social.

A Proposta de Emenda Constitucional 172/1993 de minha autoria, já refletia uma preocupação bem anterior de, por um lado, defender o conceito e programa de Seguridade Social iniciado pela Constituição de 1988 e, por outro, procurar mudanças para corrigir aspectos que conflitam com os princípios de universalidade, democratização, seletividade e eqüidade e dar estabilidade financeira ao sistema. Ela nasceu de debates no Congresso, entre parlamentares de vários partidos, inclusive com centrais sindicais e associações de aposentados.

Quais são suas orientações básicas?

1) Defender a Seguridade Social prevista na Constituição como uma articulação entre Assistência Social, Saúde e Previdência, com financiamento integrado e orçamento próprio. É a superação dos antigos conceitos mais estritos de seguro social que priorizavam quem contribuía diretamente. Passa a ser um direito da cidadania. Nada mais correto, pois afinal a maior parte do financiamento sempre foi pago indiretamente por toda a população.

Em termos de reforma administrativa, a opção seria um Ministério da Seguridade Social com secretarias para cada uma das três áreas. Não seria uma estrutura tão grande se lembrarmos que tanto a Saúde quanto a Assistência Social devem ser fortemente descentralizadas em direção aos estados e municípios e a Previdência Social pode ser amplamente informatizada.

A Previdência Social deve ser transformada em uma autarquia independente, mantendo distância do restante da máquina federal.

2) Uma gestão que seja pública e não meramente estatal. No comando, inclusive administrativo estarão representantes do governo, dos trabalhadores, dos empresários e dos aposentados com mandato outorgado pelo Congresso Nacional. Com isso, estaremos enfrentando com mais eficácia as fraudes e as sonegações por parte dos empresários, além dos desvios de recursos e clientelismo do Executivo federal.

3) Uma Previdência Pública Básica Geral que proteja a faixa dos trabalhadores brasileiros situados entre 1 e 10 salários mínimos. Eles são 90% de nossa população. Nela todos estariam incluídos sem exceção, servidores civis, militares, trabalhadores urbanos, rurais, autônomos etc., com iguais direitos e deveres. O regime é de repartição simples.

4) Acima de 10 salários seria Previdência Complementar, facultativa, pública e/ou privada pelo regime de capitalização. Este é um fato econômico e social que deve ser regulamentado para evitar abusos e subsídios injustificáveis de forma que o pais se beneficie da sua capacidade de ativar e democratizar a economia nacional.

A Previdência Complementar fechada é a solução para aqueles extratos médios e altos da burocracia militar, do Judiciário, do Executivo e Legislativo. É uma experiência que vem dando certo como política de proteção para os trabalhadores mais especializados nas empresas estatais e grandes empresas privadas e que permitiria a manutenção da estabilidade destes aparelhos estatais, sem os absurdos subsídios dos sistemas atuais.

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5) Reformular a aposentadoria por tempo de serviço introduzindo o fator renda na sua concessão. Para os trabalhadores de baixa renda exigências menores quanto a tempo de contribuição e/ou serviço e idade. Para os trabalhadores de renda mais elevada maiores exigências.

6) As aposentadorias especiais ou diferenciadas devem todas ser consolidadas numa lei complementar que especifique os fatores que justifiquem sua concessão. É prioritário, porém, mecanismo protetor e redução da jornada de trabalho. Desta forma, o trabalhador fica menos exposto ao fator de risco para sua saúde e abrem-se novos postos de trabalho.

7) Aposentadoria por idade unificada em 60 anos para aqueles que não consigam aposentadoria por tempo de serviço. É necessário abrir exceção para trabalhadoras rurais (55 anos), por um período que ficaria garantido nas disposições constitucionais transitórias. Na Proposta de Emenda Constitucional 172/93 este período ficou fixado em 10 anos. Caso seja considerado pouco podemos corrigi-lo para 20, 30 ou mais anos.

8) Homens e mulheres com regras uniformes de benefícios. A compensação pelas especificidades da mulher deve ser dada através de maiores benefícios na época da maternidade, nos primeiros anos dos filhos e com redução da jornada de trabalho quando houver o trabalho doméstico.

9) A transição deve preservar os direitos adquiridos e expectativa de direitos. As regras devem proteger os atuais aposentados e os trabalhadores e os trabalhadores que estão nos atuais sistemas. Os novos devem ingressar diretamente nos critérios reformados. Uma transição mais abrupta, até desejável em certos casos, provavelmente encontraria obstáculos jurídicos intransponíveis no estado de direito.

10) O financiamento da Seguridade só pode ser pensado em sincronia com a reforma tributária, pois as atuais contribuições representam praticamente 50% do arrecadado pela União. A contribuição deverá ser ampliada obrigatoriamente para todos os trabalhadores, com alíquotas bem baixas para trabalhadores rurais e trabalhadores do mercado informal urbano. Isto permitiria inclusive que estes setores pudessem se habilitar no futuro ao benefício da aposentadoria por tempo de serviço. Ao contrário do que acontece hoje, quando só conseguem na prática a aposentadoria por idade ou a renda mensal vitalícia.

Com o intuito redistributivo, mantido o teto de benefícios no Sistema Básico Geral em dez salários mínimos, pode-se cobrar a contribuição sobre o total dos salários.

Finalmente, no âmbito da reforma tributária deve-se pensar uma forma de substituir a contribuição sobre a folha das pequenas empresas, por outro tipo de contribuição ou tributo que favoreça o aparecimento e a formalização das pequenas unidades produtivas.

A previdência, acossada por distorções corporativas, por mudanças de perfil demográfico e pelo crescimento da economia informal, necessita de mudanças estruturais. Mas ainda não está falida, não precisa ser reformada a toque de caixa.

O que quero é levantar um outro fator determinante para as mudanças, o da justiça, da eqüidade. Não devemos concordar com a manutenção de benefícios não universalizáveis.

A Seguridade Social deve ser uma rede de proteção das famílias brasileiras e agir no sentido redistributivo em um país fortemente desigual como o nosso. Desta forma, não é responsável fechar os olhos às ameaças a sua estabilidade.

Em última instância, reforma da Seguridade Social, reforma tributária, reforma da ordem econômica, todas elas estão interligadas e só podem ser pensadas tendo em vista o que se quer como modelo político, social e econômico geral para o país e como se vê sua integração na economia mundial.

Para que isto seja feito nunca se poderia seguir pela reforma "quebra-cabeças" ou "cabra-cega" do governo FHC, feita sem paradigmas claros, gerando todo tipo de desconfiança e oposição.

Na verdade, somente um verdadeiro pacto nacional em que o governo, a oposição e entidades da sociedade civil debatessem e acordassem metas a curto, médio e longo prazos, seria capaz de pôr o Brasil de pé diante dos desafios gigantescos colocados a sua sobre vivência.

Eduardo Jorge é médico sanitarista e deputado federal pelo PT-SP.

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