EM DEBATE

A construção do programa de governo a ser proposto pelo PT para as próximas eleições presidenciais de  2006 ocorrerá nos próximos meses, ao mesmo tempo que estará definindo o cenário político-eleitoral. Até o final de abril, quando o partido realizará seu Encontro Nacional, provavelmente já deverão estar estabelecidos o quadro de candidaturas e as coalizões em disputa.

Pela primeira vez, o PT disputará a Presidência da República como partido de situação, o que lhe exigirá não só uma proposta programática consistente como um balanço do governo Lula que permita estipular as relações de continuidade e superação entre este mandato e o próximo. Iniciando o debate, publicamos quatro artigos sobre as diretrizes do programa em elaboração. Escreveram Marco Aurélio Garcia, primeiro-vice-presidente do PT, assessor Especial de Política Externa do presidente da República; Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT; João Felício, presidente nacional da CUT; e Juarez Guimarães, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

A reconstrução da esperança

É possível fazer ainda melhor

Transição, antes tarde do que nunca

Um Brasil soberano, justo e democrático

A reconstrução da esperança

Sete meses antes da realização do primeiro turno, quando estas notas são escritas, o quadro da eleição presidencial ainda se apresenta incerto. Não estão claramente configuradas as candidaturas, ainda que seja previsível a aliança PSDB-PFL, aglutinando as forças de centro-direita, como principal expressão oposicionista. O próprio presidente Lula não anunciou sua disposição de disputar a reeleição. Todas essas indefinições aparecem também na pouca nitidez do debate programático, sobretudo no campo das oposições, mais preocupadas em atacar o governo do que em apresentar propostas concretas. Essa situação se explica em boa medida pela ambigüidade do discurso oposicionista que procura combinar um programa conservador – retomada e radicalização das privatizações, Estado mínimo, mão dura com os movimentos sociais –, anunciado pelo PFL, com acenos desenvolvimentistas, feitos sobretudo pelos partidários de José Serra.

Para o PT a eleição de 2006 tem algumas especificidades.

Primeiro – diferentemente de 1989, 1994, 1998 e 2002 –, o Partido dos Trabalhadores disputará a Presidência da República não mais como força de oposição, mas como partido de situação. Isso lhe exigirá não só uma proposta programática consistente como um balanço do governo Lula que permita definir as relações de continuidade entre este mandato e o próximo.

Em segundo lugar, o impacto nacional e internacional que teve a eleição de Lula em 2002 coloca sobre a coalizão de forças hoje governante – e especialmente sobre o PT – enormes responsabilidades, que vão além de dar continuidade ao trabalho até agora feito. São necessárias mudanças qualitativamente diferentes. Na América Latina, mas não só nela, as atenções de milhões estarão concentradas no desdobramento da situação política brasileira. Ainda que o Partido dos Trabalhadores não tenha buscado transformar sua experiência em exemplo, modelo ou paradigma, é evidente que os resultados eleitorais de outubro terão fortes repercussões sobre as forças de esquerda no continente e em outras partes do mundo, da mesma forma que incidirão profundamente sobre a evolução política da América Latina.

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O papel que o programa de governo terá na campanha eleitoral é fundamental, mas não elimina outros fatores de grande importância.

O PT viveu uma grave crise em 2005 – a pior de toda a sua história –, que teve conseqüências negativas sobre o governo. Ainda que a crise não tenha tido o desfecho que a maioria das oposições e parte da mídia esperavam – o impeachment do presidente e/ou a cassação do registro do PT –, é indiscutível que a imagem partidária foi fortemente afetada.

O partido soube enfrentar internamente os difíceis meses que viveu no ano passado. Com a participação maciça da militância, renovou suas direções e abriu um debate – ainda não concluído – para apurar responsabilidades e sobretudo analisar as raízes mais profundas de sua crise. A despeito do impacto público que essas iniciativas tiveram, há ainda amplos setores da sociedade brasileira, incluindo alguns muito próximos do partido, que estão à espera de uma explicação mais cabal do acontecido. Essa satisfação à sociedade é um imperativo democrático e, ao mesmo tempo, uma forma de contra-atacar a ação insolente de uma direita reacionária e corrupta que tratou de aproveitar-se da conjuntura para buscar varrer o PT e as esquerdas da política brasileira.

A crise de 2005 se fez mais intensa na medida em que governo e PT não foram capazes de expor à sociedade brasileira o conjunto importantíssimo de realizações da administração Lula, o que será fundamental fazer para construir o programa do período 2007-2010.

Falhas de comunicação e de coordenação política impediram que as conquistas do governo, que o singularizam na história republicana recente, fossem conhecidas e valorizadas. Não fomos capazes de mostrar a situação real em que se encontrava o país – a herança recebida – quando Lula assumiu a Presidência, seja do ponto de vista estrutural, seja no que se refere à gravíssima conjuntura macroeconômica de 2002.

Essa omissão em parte se explica pela necessidade de não agravar mais a situação econômica em que se encontrava o país em 2002-2003.

Quando o governo teve de lançar mão de medidas amargas para impedir um novo surto inflacionário, que se ocorresse seria fatal para o novo governo, não fomos capazes de explicar que essa política correspondia a um período de transição, necessário para poder cumprir os grandes objetivos que levaram dezenas de milhões a votar em Lula para presidente.

Por “transição” não se deve entender que, uma vez debeladas as principais ameaças que pesavam sobre a economia brasileira, o governo negligenciaria no controle das principais variáveis macroeconômicas.

Na virada de 2004 para 2005, quando o país já celebrava um crescimento apreciável do PIB, decorrente da política econômica aplicada, o presidente anunciou a seus ministros que o país precisava acelerar seu crescimento, que este devia ser resultante do incremento da distribuição de renda, que devia dar-se sem desequilíbrios macroeconômicos, perseguindo a diminuição da vulnerabilidade externa e buscando a integração regional.

Essa fala foi mais tarde muitas vezes ofuscada por um discurso que privilegiava o ajuste econômico, ao lado dos pronunciamentos conservadores do Copom, que entendeu só poder controlar a inflação por meio de uma política monetária ortodoxa, que teve a oposição de todas as centrais sindicais, dos setores produtivos do empresariado, das universidades, e o aplauso da Febraban.

O enfrentamento desses desafios é central para a formulação do Programa de 2006. Será necessário expor a situação estrutural e conjuntural em que se encontrava o país em 2002, quando Lula venceu as eleições, para dar conta das opções políticas adotadas e valorizar o trabalho feito em três anos, mostrando como, ao lado de realizações concretas, imediatamente tangíveis, foram criadas bases para dar um grande salto no segundo mandato, que corresponda cada vez mais às esperanças depositadas em Lula por dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros. Um governo que foi capaz de evitar a catástrofe que nos ameaçava e ainda desenvolver um substancioso projeto de realizações em condições tão difíceis está apto a aprofundar e radicalizar o até aqui conquistado.

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Não houve continuidade entre o governo atual e seu antecessor.

A política econômica atual conseguiu resolver os gravíssimos problemas deixados pela administração FHC. Reduziu a inflação, que crescia em forma exponencial. Diminuiu a relação dívida interna–PIB. Através da expansão sem precedentes do comércio exterior e de outras medidas, logrou uma drástica redução na vulnerabilidade externa do país. Isso se traduziu não só em elevados saldos comerciais como em importantes superávits nas contas externas. Desdolarizou-se a dívida interna. Reduziu-se a dívida externa e melhorou-se substancialmente seu perfil. O país saldou seus compromissos com o FMI e hoje não sofre mais o constrangimento de seu monitoramento. Tudo isso derrubou o risco país de 2.400 pontos, em 2002, para 200 pontos, em março de 2006.

Essas conquistas macroeconômicas, importantes para dar sustentabilidade a um novo e prolongado período de desenvolvimento, não impediram que o país crescesse no curto prazo, ainda que aquém de nossos desejos e possibilidades. Ao fim de 2006 a comparação com o governo anterior deixará claro que Lula pôs o país de novo no caminho do crescimento, depois de mais de duas décadas de marasmo de nossa economia.

Mais importantes são, no entanto, as conseqüências sociais dessa orientação de governo. Cresceu o emprego, e um emprego formal, a um ritmo mensal dez vezes superior ao período precedente. Houve importantes aumentos reais de salários, sobretudo do salário mínimo. Aumentou o poder aquisitivo do trabalhador em relação à cesta básica. O crédito consignado e o microcrédito tiveram forte expansão, o que explica em parte o dinamismo da economia, apesar do forte arrocho monetário. A agricultura familiar recebeu quatro vezes mais recursos que no passado. Agora se pode falar efetivamente em reforma agrária, não só porque as metas de assentamento de famílias serão cumpridas, mas porque se prestou aos assentados o apoio necessário para seu desenvolvimento. Medidas fiscais recentes contribuirão para uma expansão dos programas de moradia.

Um gigantesco programa de transferência de renda – o Bolsa-Família, carro-chefe do Fome Zero – dá cobertura a 9 milhões de famílias, ao mesmo tempo que reforça a proteção em matéria de educação e saúde. Não pode ser desqualificado como “assistencialismo”. Deve ser entendido como medida transitória, mas necessária, pois nenhuma outra política poderia atenuar em curto e médio prazo a enorme dívida social deste país, responsável pela exclusão de cerca de 40 milhões de homens, mulheres e crianças.

É inegável que o Bolsa-Família, associado aos demais efeitos da política econômica em matéria de emprego e renda, está na base das transformações que a última Pnad apontou em nossa sociedade: diminuiu o número de pobres e reduziram-se as desigualdades sociais, a maior chaga de nosso país.

O Luz para Todos contribuiu para a inclusão social de 2 milhões de famílias que viviam à margem dos benefícios da eletricidade. Ele é uma pequena amostra da grande revolução por que vem passando o setor energético brasileiro, vítima, no passado, da irresponsabilidade e imprevisão dos governantes. Há visão estratégica, própria de um Estado que assumiu plenamente suas funções e se ocupa em dar sentido estratégico à sua intervenção na economia. Reconstrói-se a infra-estrutura e criou-se, com a Lei de PPP, a possibilidade de acelerar sua reconstrução. As grandes estatais – Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Infraero, BNDES, para citar só algumas – cumprem plenamente suas funções no desenvolvimento nacional e exibem uma rentabilidade incomparável.

Os programas Saúde Bucal, Médico de Família, Farmácia Popular, Samu representam uma inflexão significativa na área da saúde.

Na educação está ocorrendo a mudança que, por suas implicações futuras, terá o maior impacto no desenvolvimento do país. O Fundeb, recentemente aprovado, garantirá qualidade ao ensino público, constituindo-se, assim, em um importante instrumento de correção de desigualdades. A universidade passa por um novo momento: amplia-se, com a criação de novas unidades e a expansão de campi e com novos recursos para salários e pesquisa. O ProUni está mudando a composição social e étnica da universidade brasileira, junto com as outras medidas de democratização do ensino. As políticas industrial e de ciência e tecnologia reforçam a vocação de pesquisa das universidades e outras instituições científicas e preparam o Brasil para uma inserção competitiva no mundo de hoje.

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No plano ambiental, colhem-se grandes resultados, como demonstram a redução dos índices de desmatamento e as novas políticas sobre florestas e recursos hídricos. Prossegue a política de demarcação de terras que garante 12% do território às populações indígenas. O incentivo à produção e pesquisa sobre combustíveis renováveis – hoje reconhecido internacionalmente – contribui para nossa soberania energética e para a redução do efeito estufa.

No plano político, este governo estabeleceu nova relação com os movimentos sociais, que têm sido interlocutores na definição das políticas agrária, salarial, sindical, orçamentária e de todas as políticas públicas que foram objeto de conferências nacionais. Inverteu-se a tendência de reprimir os movimentos que marcou o governo anterior.

A Ouvidoria, a Polícia Federal, o Ministério Público desenvolveram trabalho incansável no combate à corrupção. Quando integrantes do Executivo foram acusados de atos ilícitos e investigados pelo Legislativo e pelo Judiciário, os órgãos do governo subministraram regular e abertamente as informações necessárias para que a justiça fosse feita.

Finalmente, o Brasil passou a ocupar o lugar que merece no mundo. Uma política externa independente, sem ranços ideológicos, mas com profundo sentido de soberania nacional, lançou um consistente programa de integração continental, de que são prova a expansão do Mercosul e a constituição da Comunidade Sul-Americana de Nações. O Brasil reaproximou-se da África, estabeleceu parcerias com o mundo árabe, fortaleceu os laços Sul-Sul, sobretudo com China, Índia, África do Sul e Rússia. Manteve relações fluidas com os Estados Unidos e com a União Européia e interveio nas grandes instâncias multilaterais – OMC, FMI, ONU –, defendendo sempre um mundo de paz, mais equilibrado econômica e socialmente, respeitoso dos direitos humanos e da lei internacional e multilateral.

Este balanço, ainda que incompleto, dá a exata dimensão da imensa obra realizada pelo governo Lula, em meio a dificuldades econômicas, sociais e institucionais sabidas.

Isso não significa, no entanto, que não devamos reconhecer as limitações objetivas e subjetivas que marcam esses pouco mais de três anos de governo. Não se pode propor programaticamente apenas a continuidade do governo a partir de 2007.

O trabalho realizado no primeiro mandato, além dos resultados tangíveis antes resumidos, cria condições para enfrentar os grandes desafios que estiveram na origem do PT e, sobretudo, nas grandes jornadas de 2002 que levaram Lula à Presidência.

Sob o signo da esperança, Lula recebeu a mais consagradora votação que um brasileiro obteve em nossa história. Nos momentos mais agudos da crise de 2005, as oposições tentaram colar no governo o estigma da “decepção”, sentimento que teria sucedido à frustração da esperança passada.

Meses depois, quando as pesquisas passaram a indicar de novo o favoritismo de Lula, as mesmas oposições não hesitaram em desqualificar essa preferência como fruto da “falta de memória do povo”, do “populismo” do governo que manipula programas sociais.

Não lhes ocorreu atribuir à maioria da sociedade, sobretudo às classes trabalhadoras, em primeiro lugar uma racionalidade política que lhe permitisse entender as dificuldades que cercam um governo popular no Brasil. Tampouco foram capazes de compreender a solidariedade que liga os iguais, a capacidade dos trabalhadores de reconhecer quem são os “seus”. E não se lhes acuse de “falta de memória”. Eles a têm muito boa. Sobre a história do Brasil e, em especial, sobre as últimas décadas. Por isso estão fazendo sua opção, que é a de reencontro com a esperança de 2002.

Há base para tanto. O governo tem credibilidade para renovar seu contrato com a sociedade. Tem de explicitá-lo, retomando uma idéia que esteve presente desde a campanha de 1989: a necessidade de um grande projeto nacional de desenvolvimento, que ponha fim à ainda persistente tragédia social brasileira.

Os elementos fundamentais desse projeto devem ser:

• A retomada acelerada do crescimento, em sintonia com as enormes demandas de inclusão social, de construção de uma grande infra-estrutura e de um moderno setor produtivo.

• A distribuição de renda como fator essencial do crescimento, o que implica avançar na constituição de um grande mercado de bens de consumo de massas e nas reformas sociais.

• O equilíbrio macroeconômico, que dê sustentabilidade a um crescimento livre de inflação, grandes desequilíbrios fiscais ou endividamentos externos.

• A redução da vulnerabilidade externa, que permita diminuir ao máximo os constrangimentos internacionais nesta era de globalização. Só com soberania nacional se alcança a plena soberania popular.

• Uma política externa independente, de paz, respeitosa do multilateralismo, centrada sobretudo na integração sul-americana e na solidariedade com os países do Sul.

• O fortalecimento da democracia, seja pela conclusão de reformas político-institucionais que dêem ao Estado representatividade, transparência e eficácia, seja pela multiplicação de mecanismos de seu controle social, o que exige um espaço público onde se criem novos direitos.

Arriscaria dizer que o próximo governo Lula deveria eleger uma meta que fosse capaz de sintetizar todos esses pontos. Essa meta pode ser a da educação. Educação entendida em sentido lato. Como instrumento de inclusão e igualdade socioeconômica. Como forma de acesso à plena cidadania. Como elemento capaz de garantir a soberania e a construção da identidade nacional. Como atividade ligada à ciência, à tecnologia, ao mundo das artes e da cultura, elementos essenciais de um projeto de um outro Brasil.

Finalmente, um programa não pode ser o resultado apenas de um racional mergulho na realidade do país, em busca de diagnósticos e soluções. Deve ser uma construção coletiva, em que a paixão conduz ao voluntarismo, inseparável da ação política, ampliando limites, colocando sempre novos desafios.

Marco Aurélio Garcia é primeiro-vice-presidente do PT, assessor Especial de Política Externa do presidente da República e professor licenciado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

É possível fazer ainda melhor

Os avanços que ocorreram a partir de janeiro de 2003 para os trabalhadores e suas organizações não têm paralelo na história do nosso país e vão muito além do simbolismo de ter um presidente da República com origem sindical. Existiram conquistas reais e amplas que certamente vão marcar o primeiro mandato de um governo petista. A inequívoca inversão de prioridades, que colocou o Estado a serviço dos mais pobres, e o esforço para resgatar a colossal dívida social acumulada por 500 anos de marginalização e extremada exploração dos trabalhadores são as bases a partir das quais as diversas ações ocorreram: a criação de 3,7 milhões de empregos com carteira assinada, o investimento de R$ 7 bilhões em 2004 e R$ 9 bilhões em 2005 na agricultura familiar, a promulgação do Estatuto do Idoso, o combate ao trabalho escravo, a criação do programa Primeiro Emprego, a luta contra a discriminação por gênero e raça/cor nas relações de trabalho, a contratação de funcionários públicos por concurso, o aumento real de quase 20% no salário mínimo, que hoje compra duas vezes mais produtos da cesta básica do que na época de FHC. Ações que têm como principal conseqüência o início da humanização das relações de trabalho no nosso país.

As iniciativas em áreas não diretamente ligadas à produção também beneficiaram os trabalhadores e trabalhadoras. Investimentos em habitação, maior atenção à saúde pública, extraordinários avanços na educação com o ProUni, o Fundeb, o Bolsa Família e a ampliação do período do ensino fundamental para nove anos são demonstrações explícitas do compromisso com os mais pobres – portanto beneficiando a esmagadora maioria da classe trabalhadora brasileira.

Além dessas conquistas, a grande marca deste governo, no que diz respeito às suas relações com o “mundo do trabalho”, é a democracia. Comportando-se de maneira oposta ao governo FHC, que criminalizava os movimentos sociais, Lula abriu as portas para um debate mais amplo com esses setores, embora nem sempre nossas opiniões tenham prevalecido, como ocorreu na reforma da Previdência, na elaboração da Lei de Falência e da lei das Parcerias Público-Privadas.

Os sindicalistas, em particular, foram chamados a opinar em todas as questões trabalhistas e, mesmo quando as negociações se tornavam tensas, o espírito democrático se manteve e a legitimidade das centrais sindicais jamais foi questionada. Não há dúvida, portanto, de que houve um avanço substancial nas relações do Estado com o movimento sindical, embora seja necessário melhorar ainda mais, aperfeiçoar instâncias como a Mesa de Negociação do Funcionalismo Público, que às vezes tem a interlocução com o governo truncada; o Conselho Econômico de Desenvolvimento Social, que poderia cumprir papel bem mais ativo e propositivo; e os Fóruns de Competitividade, que representam a possibilidade concreta do estabelecimento de políticas setoriais mais eficazes.

A implementação do Fórum Nacional do Trabalho, as diversas comissões criadas para discutir a reforma trabalhista, a reforma sindical, o salário mínimo e a correção da tabela do Imposto de Renda são exemplos bem-sucedidos dessa relação democrática, respeitosa e sem impedimento para que o movimento sindical exerça seu protagonismo nas decisões que afetam os trabalhadores e as trabalhadoras, aposentados ou da ativa.

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Todas essas conquistas certamente melhoraram as relações sindicais e trabalhistas no nosso país, historicamente tratadas como “caso de polícia”. Não tenho dúvidas, portanto, de que o governo Lula é o melhor das últimas décadas e não vejo nenhuma dificuldade em defendê-lo. Porém os avanços foram insuficientes para zerar a dívida social e aquém das expectativas despertadas com a eleição de um presidente com o perfil de Lula, membro de um partido da esquerda democrática com as características do PT.

Apesar de vitórias como o pagamento adiantado da dívida com o FMI, o rígido controle da inflação, o crescimento dos investimentos estrangeiros, a queda vertiginosa do risco país – com as quais o preconceito de setores da mídia, da academia e do empresariado jamais sonharia –, somos de opinião que muito mais poderia ter sido realizado, não houvesse uma administração tão conservadora da economia. A taxa Selic e o superávit primário não precisariam apresentar esses números recordes, que na verdade impedem um crescimento maior ao contribuir para que se mantenham investimentos na especulação, e não na produção, além de desviar recursos que poderiam ir para o atendimento de demandas sociais.

Meu otimismo militante faz com que acredite que um segundo mandato petista será, necessariamente, melhor que o primeiro, mas considero que essa melhora não vai acontecer automaticamente. Precisa ser construída pela militância, que, por sua vez, terá novamente o papel de “caixa de ressonância” dos diversos setores sociais onde atua. Considero, portanto, imprescindível que a elaboração do programa de governo do nosso segundo mandato seja resultado de um amplo debate, com participação dos ativistas e diálogo qualificado com os movimentos organizados. É nesse sentido que, na qualidade de petista com militância no movimento sindical, quero contribuir com algumas sugestões que, julgo, poderão significar avanços.

No campo das relações sindicais, creio fundamentais algumas iniciativas, para que a relação com as organizações dos trabalhadores atinja patamares mínimos de civilidade, tais como:

a) O reconhecimento oficial, por lei, das centrais sindicais;

b) O fim do Imposto Sindical, de modo que a contribuição dos trabalhadores com o sindicato de sua categoria seja resultado da ação da entidade, e não da imposição legal;

c) Garantia, por lei, de organização nos locais de trabalho;

d) Início do debate, envolvendo trabalhadores, empregadores e governo, em torno do Contrato Coletivo Nacional, de maneira a permitir a isonomia salarial no país todo e evitar a migração de empresas para regiões menos organizadas com o objetivo de superexplorar os trabalhadores;

e) Retomada do debate da reforma sindical e da trabalhista, numa perspectiva de qualificar as relações sindicais e ampliar os direitos dos trabalhadores;

f) Ratificação da Convenção 158 da OIT;

g) Combate às práticas anti-sindicais, seja no âmbito de órgãos do governo federal, seja de outras instâncias do poder público ou na iniciativa privada.

Nas relações trabalhistas, dois fatores devem ser considerados como pontos de partida para que o país cresça a uma taxa superior a 4% ao ano, gere mais emprego, renda e desenvolvimento: a queda com maior velocidade da taxa Selic e a diminuição do superávit primário. Será com a queda da taxa de juros que o montante de recursos que têm ido para a especulação com títulos do Tesouro irá para a produção, além de diminuir a dívida pública. Quanto ao superávit primário, que tem sido exorbitante e, não obstante, insuficiente para pagar os juros da dívida, o governo precisa fixá-lo num patamar que não impeça investimentos – bem maiores que os atuais – para atender às demandas sociais, à recuperação da infra-estrutura e ao apoio ao desenvolvimento.

Penso, ainda, que uma série de ações gerais podem ser desenvolvidas de maneira a mudar de forma significativa a realidade da classe trabalhadora brasileira:

a) A construção de um “entendimento nacional” envolvendo governo, empresários e trabalhadores e estruturado a partir do conceito de negociação de contrapartidas, de modo a possibilitar a sustentação da retomada e ampliação do crescimento, com geração de emprego e renda;

b) A implantação de uma política de longo prazo de recuperação do salário mínimo, reduzindo efetivamente as desigualdades sociais;

c) A ampliação do Conselho Monetário Nacional (CMN), democratizando as decisões sobre taxa de juros e investimentos do país;

d) A adoção de metas de geração de emprego e crescimento com o mesmo status das metas econômicas;

e) A reforma da Previdência, para que a contribuição dos empregadores seja sobre o lucro, de modo a desonerar a produção e fazer com que o sistema financeiro, por exemplo, com altas taxas de lucro e com baixa empregabilidade, contribua mais com a Previdência do que o pequeno e o médio empresário, que têm baixa lucratividade e contribuem com o país como os maiores geradores de empregos;

f) O encampamento e a maximização da campanha da CUT pela taxação das grandes fortunas;

g) A taxação, de modo especial, do capital financeiro, que graças às altas taxas de juros, à estabilidade econômica, ao aumento da produção, do crédito e da capacidade de endividamento da população, além da universalização do acesso a contas bancárias, tem tido lucros astronômicos;

h) A realização, com urgência, da reforma tributária, desonerando a produção e as pessoas físicas, cobrando mais de quem tem mais e menos de quem tem renda média e isentando uma quantidade maior de cidadãos que ganham pouco;

i) O desenvolvimento de um grande projeto nacional na área da saúde, com a radicalização do SUS, dotando as prefeituras e estados de infra-estrutura, fazendo uma cobrança rígida das contrapartidas, promovendo uma ampla campanha pela melhora da qualidade da saúde e lançando mão de todas as parcerias possíveis e do envolvimento da sociedade civil organizada.

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No nosso primeiro mandato “arrumou-se a casa”, inverteram-se as prioridades, democratizou-se o Estado, a soberania nacional foi posta na ordem do dia e pavimentou-se a estrada que, certamente, nos levará a um segundo mandato, em que, definitivamente, as nossas utopias possam ser realizadas.

Existem algumas ações que tiveram suas sementes plantadas neste mandato que irão germinar, atingindo um contingente muito grande da população e mudando, de maneira profunda, a realidade econômica e social do país. Essas ações precisam ser tratadas de maneira muito especial e agilizadas. O projeto do biodiesel, a transposição do Rio São Francisco, o investimento em reforma agrária e agricultura familiar, por serem capazes de beneficiar amplamente o país, com geração de emprego e na solução de problemas seculares, precisam de mais destaque, publicidade nacional e internacional, debate com toda a sociedade. É necessário fazer todo o país compreender seu alcance, pois têm desdobramentos na vida de todos, e não apenas na de quem está diretamente envolvido.

É fundamental que tenhamos ainda neste segundo mandato uma grande marca, um grande projeto que envolva toda a sociedade e represente uma real elevação do padrão de vida do nosso povo. Uma campanha que esteja no nível das campanhas “O petróleo é nosso” ou do “Fome zero”, que toda a sociedade se sinta protagonista e se disponha a participar. Essa iniciativa do governo, que necessita de um pacto com a sociedade, precisa ter o caráter simbólico de busca de uma utopia e também representar uma inflexão à esquerda, uma vez que as condições objetivas e subjetivas já estão dadas.

Será instrumento, ainda, da retomada da interlocução com diversos setores sociais. Se é importante o diálogo que Lula estabelece com as classes C e D e o movimento organizado, também é verdade que os setores médios, em particular os intelectualizados e formadores de opinião, historicamente nossos aliados, se sentem alijados desse diálogo – e a maneira de restabelecê-lo vai além de medidas econômicas (importantes e defensáveis) que beneficiam a classe média.

É necessário que pensemos ações de governo que contemplem parte dos sonhos que fizeram com que ativistas dos mais variados setores tivessem acorrido para criar o PT, pois estes hoje aguardam, ansiosamente, um sinal, um indicativo que justifique um comprometimento maior que o manifestado, simplesmente, pelo voto na urna. Ações que tragam de volta a empolgação pela certeza de estarem construindo um futuro melhor que o presente. Uma inflexão à esquerda, que poderá ser materializada em iniciativas capazes de ter impactos positivos em todo o país, mas permita a esses setores reconhecer neste governo a ferramenta para a realização de suas utopias.

Uma ação governamental que pode dar conta de todas essas demandas seria o chamamento para uma grande mobilização nacional pela melhora da qualidade de ensino, estabelecendo metas factíveis porém ousadas. Essa mobilização, de caráter permanente, e não apenas episódico, teria como principais bandeiras a erradicação do analfabetismo, a garantia de escola para toda criança e adolescente que vive no país, a melhora da qualidade do ensino fundamental e médio e um agressivo investimento no terceiro grau, com apoio à pesquisa, à formação continuada, ao aumento da quantidade e qualidade de mestres e doutores e a iniciativas para impedir a “evasão de cérebros”.

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Os primeiros passos já foram dados com os investimentos em educação a que nos referimos. É necessário, porém, uma atenção maior à infra-estrutura, com qualificação dos educadores e melhora de suas condições de trabalho, de modo a impedir que nossas crianças e nossos jovens continuem saindo das escolas munidos de precários conhecimentos nas mais variadas áreas de estudo. O efetivo aprendizado, portanto, é a questão central dessa proposta.

Os investimentos precisam ser maximizados e tornados prioridade de governo. Devemos envolver toda a sociedade, iniciando com o diálogo nas academias, em entidades da sociedade civil organizada, nos governos estaduais e municipais, e dar a essa proposta o caráter de um projeto promotor de uma grande unidade nacional.

Acredito que esse é o sinal que a população espera para aderir ao nosso projeto político, que deve tentar ser materializado no seu limite, pois ele provocaria mudanças tão profundas em nossa sociedade que a tornaria irreconhecível ao término dos próximos quatro anos.

Um segundo mandato precisa – e pode – cumprir esse papel, pois, se a eleição de Lula em 2002 significou uma mudança política, econômica, social e cultural só comparável ao fim do colonialismo, um segundo mandato petista poderá ter para a população pobre e para os setores médios o mesmo significado que teve o fim da escravidão.

João Antonio Felício é presidente da CUT e secretário Sindical Nacional do PT

Transição, antes tarde do que nunca

Vivemos um período de avanço da esquerda política e social em nosso continente. Um forte sinal disso é a presença simultânea dos presidentes Lula, Chávez, Evo Morales, Michelle Bachelet e Tabaré Vázquez no governo de seu respectivo país. Aos quais se deve somar Fidel, óbvio.

Esse avanço poderá ser aprofundado em 2006, principalmente com o resultado das eleições no Peru, no México, na Nicarágua, em El Salvador e na Colômbia, entre outras. Mas também poderá ser retardado ou revertido, em especial se perdermos as posições conquistadas no Brasil e na Venezuela (eleições em dezembro de 2006).

Aprofundar a “esquerdização” continental é um dos motivos pelos quais devemos lutar por um segundo mandato presidencial. Há outros: o que fizemos no governo; o que deixamos de fazer, mas poderemos realizar num segundo mandato; a onda reacionária que resultaria de uma eventual vitória dos partidos neoliberais. As declarações fascistas e racistas do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), as ameaças da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) contra a CUT e os ataques da direita na CPMI da Terra revelam o que nos espera, se algo sair errado.

Em 2006 precisamos mais do que reeleger Lula: necessitamos criar as condições políticas, institucionais e sociais que nos permitam realizar um segundo mandato superior ao primeiro. Um mandato que faça a transição rumo ao “pós-neoliberalismo”.

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Isso exigirá mais força institucional, através da eleição de senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais de esquerda, em particular petistas. Exigirá combinar alianças institucionais com uma sólida aliança com os movimentos sociais e com a intelectualidade progressista. Exigirá organizar os setores populares que se identificam com nosso governo e com o presidente Lula.

Por fim, mas não por último, exigirá uma campanha que aposte na polarização social, política e programática entre o campo democrático e popular e as forças neoliberais. Uma campanha que trate da herança deixada pelos governos tucanos e conservadores, que ataque as alternativas programáticas apresentadas pelo PSDB-PFL, que reconheça as realizações e os limites do governo Lula. Por motivos de espaço, trataremos neste texto apenas deste último aspecto.

O balanço

Um balanço completo do governo Lula é uma tarefa para o futuro, seja porque o governo ainda não concluiu seu mandato, seja porque o viés desse balanço dependerá em parte do resultado da eleição de 2006, seja ainda porque um balanço completo envolverá a reconstituição sistemática da ação do governo e uma análise comparada com outros governos similares ao nosso.

Esse balanço deverá levar em conta o contexto histórico em que atuamos, marcado pela hegemonia neoliberal, pela crise do socialismo, por uma brutal dívida social & democrática, bem como pelo refluxo das organizações e da luta da classe trabalhadora, inclusive do ponto de vista ideológico.

O balanço que podemos e devemos fazer agora tem, portanto, um caráter instrumental, a saber, servir de insumo para a elaboração das diretrizes do programa de governo 2007-2010 e, também, como elemento de coesão da militância, para que abrace com vontade a missão de vencer nas eleições de 2006.

Nosso desafio é apresentar um balanço crítico (sem o qual não haverá como avançar, como fazer algo melhor), mas ao mesmo tempo capaz de sustentar a defesa do voto em Lula e nos demais candidatos do PT.

Defender o governo Lula não é apresentar um rol de suas realizações, embora estas possam constituir um elemento da defesa do governo.

Defender o governo Lula também não é exagerar no balanço positivo das ações da administração federal.

Claro que há os que pensam que, frente a um balanço negativo ou simplesmente realista, só restaria como alternativa fazer oposição. Nesse sentido e paradoxalmente, compartilham com o esquerdismo do PSTU e PSOL um pressuposto básico: acreditar que a defesa do voto em Lula, em 2006, decorre única ou principalmente de realizações positivas de seu governo. É como se dissessem: “Se o governo não for o máximo, não merece ser defendido”. Não percebem que a necessidade de derrotar a direita e a possibilidade de construir um futuro diferente também são fatores de motivação.

Trata-se de algo óbvio: num país e num mundo que seguem sob a hegemonia do capital financeiro, do imperialismo e das idéias neoliberais, nossa presença no governo, mesmo com todas as limitações, é objetivamente positiva, seja porque deslocamos forças políticas e sociais que ocupavam o governo durante o tucanato, seja porque detivemos ou retardamos processos que estavam em curso no governo anterior (o programa de privatizações, a repressão aos movimentos sociais, a adesão acelerada à Alca).

Por outro lado, faltou ao governo Lula ter e seguir um plano estratégico cujo objetivo fosse superar a hegemonia neoliberal. Esse objetivo estava nas resoluções do 12º Encontro Nacional do PT, que falava em ruptura com o neoliberalismo. Estava presente nas posições que, em 2003, falavam de uma transição de modelo. Mas nunca chegou a fazer parte da política, além de desaparecer rapidamente do discurso da “área econômica”, que, ao invés de ruptura e transição, passou a praticar um ajuste fiscal permanente e falar em déficit zero.

Para agravar, desde 2004 até o final de 2005, a Fazenda e o Banco Central ocuparam (ou fizeram com que ocupassem) a condição de “pilares” do governo, competindo inclusive com o presidente eleito. E, como a política monetária desenvolvida pela Fazenda resulta em medidas impopulares (altas taxas de juros e superávit primário, cortes e contingenciamentos de verbas orçamentárias, redução nos investimentos etc.), isso contaminou o conjunto do governo com um discurso e uma prática que conflitavam pesadamente com as expectativas das bases partidárias, eleitorais e sociais do campo democrático e popular.

Esse conflito (que se tentava minimizar falando dos efeitos positivos da contenção da inflação) veio num crescendo, devido ao enorme êxito com que a Fazenda e o BC transferem recursos da sociedade brasileira, através da taxa de juros e do superávit primário, em direção ao capital financeiro.

Tal transferência é tão intensa que confere à política do BC e da Fazenda total predomínio sobre o conjunto do que podemos denominar de “política econômica do governo”. Como resultado, não se rompe a hegemonia do capital financeiro sobre a economia nacional.

É claro que há componentes contraditórios na política econômica, que permitem a aventura de tentar defendê-la “pela esquerda”, citando as medidas de reconstrução do Estado e sua capacidade de planejamento, a interrupção do programa de privatizações, a política energética, a recuperação e a política de crédito barato dos bancos públicos, os saldos na balança comercial, a relação dívida–PIB, o pagamento antecipado de parcelas da dívida com o FMI. É muito presente, também, o argumento segundo o qual os “fundamentos” da política econômica estariam corretos, havendo problemas e exageros na “operação”.

Em tudo isso há verdade e efeitos positivos, mas tomados no todo não conseguem quebrar a lógica imposta pelo capital financeiro ao conjunto da sociedade brasileira.

As medidas de reconstrução da capacidade de intervenção e planejamento do Estado são lentas e não conseguiram alterar qualitativamente a situação armada pelo governo FHC. Uma aceleração dependeria de investimentos que foram contidos pelo endividamento, pelo superávit primário, pela taxa de juros, pelo contingenciamento orçamentário e pela matriz tributária.

É verdade que o programa de privatizações de estatais foi interrompido, com algumas exceções e sem auditoria nem reversão das privatizações feitas. As “agências” seguiram funcionando e algumas ex-estatais, agora privatizadas, mantiveram enorme autonomia, por exemplo, na definição de tarifas, que têm impacto na taxa de inflação. Além disso, o governo manteve a política das “concessões” e busca institucionalizar as chamadas “parcerias público-privadas”, revelando uma ilusão nas possibilidades do setor privado de alavancar um novo ciclo de investimentos.

Os comemorados saldos na balança comercial são oriundos de um conjunto de variáveis, desde um cenário internacional favorável, passando pela precariedade do mercado interno, incluindo aí a baixa remuneração da força de trabalho. A existência de saldos positivos não configura, de per si, algo necessariamente ou apenas positivo do ponto de vista macroeconômico. Basta lembrar os efeitos causados pelo excesso de dólares na economia, com a conseqüente valorização do real. Ademais, o que é feito com as divisas obtidas? Qual o impacto do “sucesso exportador” na estrutura socioprodutiva? Qual a pauta de exportações e como isso localiza o país na “divisão internacional do trabalho”?

Quanto à redução na relação dívida–PIB, custou um enorme esforço social, mas não nos tirou do patamar herdado do governo anterior. O serviço dessa dívida faz a festa, dizem, de umas 20 mil famílias, naquilo que críticos sérios denunciam como uma ”política social” regressiva.

Sobre a estabilidade monetária (pois não se pode falar em “estabilidade econômica” num país cuja taxa de juros é das maiores do mundo), dizer que ela é um “fundamento” não significa absolutamente nada. O governo soviético, logo após a revolução de 1917, defendia a importância de manter estável o valor do rublo. A busca da estabilidade do valor da moeda pouco informa acerca do conteúdo da política estatal em vigor. Salvo, é claro, se estivermos diante da mitomania monomaníaca monetarista e agora neoliberal, que faz do combate à inflação uma obsessão a ser satisfeita em detrimento de todas as outras variáveis, exceto o serviço das dívidas financeiras.

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Outra orientação

A tarefa central de nosso governo era e continua sendo servir de ponto de apoio para a construção de um Brasil pós-neoliberal. Essa não é uma tarefa “econômica”, ao contrário: derrotar a hegemonia neoliberal exige construir uma contra-hegemonia política e cultural, sem o que não se conseguirá destronar a ditadura do capital financeiro. Por isso mesmo, não se poderia ter deixado o governo ficar prisioneiro dos limites do discurso, muito menos da ação, assumidamente continuísta da Fazenda e do BC.

As melhores áreas do governo são exatamente aquelas, como a política externa, em que se conseguiu manter algum nível de autonomia pelo menos frente ao discurso economicista.

Nosso segundo mandato necessita, portanto, muito mais do que de outra política econômica. Precisamos de uma nova orientação política global, que parta de alguns pressupostos:

a) No Brasil e em toda a América Latina, continua posta a tarefa de superar a hegemonia neoliberal, nas suas três dimensões: o domínio imperial norte-americano, a ditadura do capital financeiro e a tara do Estado mínimo, cujo enfrentamento exige aprofundar e radicalizar as iniciativas de integração latino-americana e caribenha;

b) Duas décadas perdidas, uma delas de hegemonia neoliberal, produziram uma tragédia que está longe de ser debelada e só o será através de reformas estruturais e de políticas sociais universalizantes;

c) É imperioso democratizar radicalmente o país, o que inclui mudanças no modelo de Estado, mecanismos de controle social, reforma política, combate ao monopólio dos meios de comunicação, fortes políticas de cultura e educação;

d) Precisamos de um desenvolvimento centrado na ampliação do público e do social, da produção e do mercado interno de massas, o que exige vultosos investimentos estatais em infraestrutura, políticas sociais e reformas estruturais (com destaque para a reforma agrária e a urbana). O PPA deve apontar, desde já, para o crescimento do orçamento dessas áreas, em detrimento dos encargos da dívida financeira;

e) O Banco Central deve perseguir metas de inflação, crescimento e emprego. As taxas de juros devem ser compatíveis com as metas de crescimento e emprego. A redução da relação dívida–PIB será buscada não na manutenção de altas taxas de superávit primário, mas sim através do crescimento do Produto Interno Bruto.

Os limites

Amplos setores do partido gostariam de aproveitar o 13º Encontro para fazer um balanço profundo, seja da crise que vivemos em 2005, seja da nossa experiência de governo. Outros gostariam, também, de travar um debate sobre a concepção, o funcionamento e a estratégia do PT.

Todas essas questões são relevantes e é fundamental que o partido as enfrente. Mas o espaço para fazê-lo, na profundidade necessária, será o III Congresso do Partido, que deve ser realizado em 2007. No 13º Encontro, aquelas e outras questões serão tratadas, mas de maneira coerente com nosso objetivo central em 2006: vencer as eleições presidenciais.

Falando claro: não será agora que faremos o necessário acerto de contas com as concepções estratégicas que vigoraram no PT entre 1995-2005. Essa é uma tarefa a ser perseguida depois da vitória. A tarefa da hora é impedir que a coligação neoliberal (PSDB-PFL) reconquiste o governo.

Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT

Um Brasil soberano, justo e democrático

Um contraste entre as agendas, ações e dinâmicas criadas pelo governo Lula em seis áreas estruturantes da ação do Estado brasileiro mostra que, de conjunto, ele já deixou para trás um paradigma tipicamente e coerentemente neoliberal de Estado. Mostra, ao mesmo tempo, que a transição de um paradigma neoliberal se deu de modo diferenciado, desigual e parcial nessas áreas. Em particular, a permanência de padrões típicos do período neoliberal na gestão da moeda, do câmbio e da dívida pública exerceu forte contenção dos avanços possíveis nas outras áreas.

É certamente nas relações do Estado brasileiro com o sistema internacional que o governo Lula mais atuou em contraste com o paradigma neoliberal e, nitidamente, mais avanços conquistou. Os governos neoliberais de FHC apostaram em uma agenda comum com as lideranças dos governantes de então dos EUA e da Inglaterra, Clinton e Blair, cedendo fortemente no campo da soberania nacional. Por largo tempo, praticaram a paridade do real com o dólar e flertaram com a dolarização, expondo o Brasil às dinâmicas da agenda da Alca no continente e tornando o país vulnerável a sucessivas crises cambiais. Os quatro anos do segundo mandato de FHC foram geridos sob o manto dos acordos com o FMI.

O conjunto da agenda, das ações e das dinâmicas imprimidas pelo governo Lula demonstrou inequivocamente uma ruptura com esse padrão. A saída do acordo com o FMI, a reconstituição das reservas nacionais (que passaram de US$ 15 bilhões para US$ 60 bilhões), a acumulação de fortes superávits comerciais e da balança de pagamentos significaram uma importante recuperação da soberania econômica. O congelamento da agenda da Alca e a retomada de uma dinâmica da integração da América Latina ajudaram a impulsionar uma nova conjuntura latino-americana. A constituição do G20, o lançamento com forte audiência de uma campanha mundial contra a fome e, agora, a realização da primeira Conferência da FAO sobre reforma agrária após décadas são momentos expressivos da ação mundial do governo Lula.

No campo das políticas sociais, o padrão dos governos neoliberais de FHC (com exceção para o Ministério da Saúde em aspectos importantes) optou pelo paradigma neoliberal dos programas focalizados de assistência social, pela ênfase no ensino fundamental em contraponto ao sistema universitário público, pelo dualismo da medicina privada para os ricos e básica para os pobres, paralisando e invertendo uma lógica de progressiva universalização da construção do Estado do bem-estar social indicada na Constituição de 1988.

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Já é possível avaliar que o governo Lula, mesmo com os limites orçamentários dados e por suas opções, vem retomando uma lógica de construção do Estado do bem-estar social no Brasil. A universalização do Fome Zero, assentado prioritariamente no programa Bolsa-Família, representa de fato a cobertura crescente de dezenas de milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza e ao desabrigo de políticas públicas permanentes. A cobrança de condicionalidades na área da educação e da saúde por parte da família dos beneficiados e a integração com um conjunto de políticas de inclusão social antes inexistentes ou inoperantes (Luz para Todos, microcrédito e bancarização, entre outras) superam a dimensão meramente assistencialista. A criação do Fundeb, ampliando o investimento federal em educação em termos de volume e cobertura, agora do ensino médio, a retomada da reforma universitária e a criação de inúmeras universidades públicas acopladas a estratégias de desenvolvimento regional, o ProUni, restituem valores básicos da escola pública e da democratização do acesso ao ensino. Na saúde, o aumento muito expressivo da cobertura do programa Médico de Família, a integração dos programas de saúde bucal, o investimento federal na emergência com o programa Samu alentam o repertório e a capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS), que já oferece o maior sistema público de transplantes do mundo. A defesa de cotas para o ensino público e raciais para o acesso à universidade constitui uma inovação histórica nas políticas públicas brasileiras. Trata-se certamente de um processo inicial, mas já capaz de criar novas agendas e dinâmicas a serem consolidadas e, principalmente, expandidas.

Essa hipótese de retomada de construção do Estado do bem-estar social, em contraponto ao focalismo das políticas sociais dos governos neoliberais, fica reforçada quando se examinam as novas relações do Estado brasileiro com o mundo do trabalho. O governo FHC inaugurou-se com forte contenção ao movimento sindical, com tanques reprimindo a greve dos petroleiros, sinalizando uma era de cassação de direitos da classe trabalhadora. Essa cassação de direitos tornou-se estrutural com o intenso avanço do desemprego e da informalização do mercado de trabalho.

A taxa média mensal de criação de empregos com carteira de trabalho durante o governo Lula é cerca de dez vezes superior à dos anos FHC. Iniciou-se a reversão da curva de informalização do mercado de trabalho, com a criação líquida até agora de cerca de 4 milhões de empregos formais. Em quatro anos, a política de valorização do salário mínimo foi já maior que nos oito anos de governo FHC. Esse processo de diminuição do desemprego, de formalização do mercado de trabalho, de elevação do salário mínimo é insuficiente para repor os danos superpostos do período do regime militar e dos anos neoliberais e aquém do que seria possível fossem outras as opções na gestão macroeconômica. Mas aponta certamente outra possibilidade histórica para as classes trabalhadoras brasileiras.

No que diz respeito ao mundo agrário, a prioridade e o eixo de continuidade das políticas públicas do Estado brasileiro foram basicamente o estímulo ao grande agrobusiness. Os anos 90 ainda registraram forte êxodo rural e de desestruturação da agricultura familiar. A agenda do governo Lula significou certamente a maior ruptura na história do país com políticas agrárias unilateralmente voltadas para o grande agrobusiness. O financiamento da agricultura familiar cresceu de R$ 2,3 bilhões no biênio 2002-2003 para cerca de R$ 9 bilhões no biênio 2005-2006. A meta de assentar 400 mil famílias de sem-terra em quatro anos parece viável: em três anos, em uma dinâmica de aceleração, já foram assentadas 245 mil famílias, contra 540 mil em 32 anos da história do Incra. A área destinada à reforma agrária em três anos do governo Lula, 22,5 milhões de hectares, já é superior à dos oito anos dos governos FHC. As famílias beneficiadas com assistência técnica chegaram a 450 mil em 2005, contra apenas 56 mil no último ano do governo FHC. Esses números, que colocam o governo Lula muito à frente de qualquer outro governo no que diz respeito à reforma agrária, são, no entanto, basicamente insuficientes para alterar de modo significativo o padrão da concentração fundiária no Brasil.

Em relação à questão central da democracia e das funções do Estado brasileiro, o paradigma neoliberal dos governos FHC optou pela lógica do Estado mínimo, privatizando estatais e terceirizando funções, criando modelos de regulação fraca do mercado. O governo Lula basicamente não privatizou estatais nem terceirizou funções do Estado. Ao contrário, retomou uma dinâmica vigorosa de contratação em áreas fundamentais do governo federal, por meio de concurso público, e conseguiu imprimir forte capitalização e dinamismo a entes estatais poderosos, como BNDES, Caixa Econômica e Petrobras. Por meio de grandes conferências nacionais setoriais e de fóruns de interlocução – saúde, campo, trabalho, mulheres, ecologia, negros, assistência –, o governo federal abriu-se a uma dinâmica de absorção de agendas e interação com os movimentos sociais. O investimento em pessoal e equipamento da Polícia Federal permitiu uma ação historicamente sem precedentes, no Brasil, de combate ao crime organizado. Medidas de transparência e de auditoria inéditas foram estabelecidas pela Corregedoria Geral da União. Mas o governo Lula não conseguiu criar nem mesmo um processo inicial de discussão pública do orçamento federal, e as medidas de democratização da gestão pública e de combate à corrupção sistêmica ficaram, em geral, muito aquém do possível e necessário.

No campo da relação do Estado com a economia foi onde se aplicou com mais força o paradigma neoliberal. Em primeiro lugar, a onda de privatizações das estatais, que significou a maior transferência de patrimônio público para mãos privadas na história brasileira. Em segundo lugar, construíram-se as condições institucionais para que os interesses do capital financeiro e especulativo passassem a exercer amplo domínio na dinâmica da economia brasileira. Se no primeiro mandato de FHC tal política tinha como chefe uma linha de dolarização (com a paridade do real com o dólar), no segundo, após a crise cambial de 1998, o caminho da financeirização estruturou-se por meio do tripé metas de inflação-câmbio flutuante-altos superávits primários.

Foi na relação do Estado com a economia brasileira que o governo Lula certamente encontrou maiores dificuldades para transitar para outro paradigma. Nela se concentraram as pressões advindas do setor que mais magnificou seu poder nos anos neoliberais, o financeiro. A “autonomia operacional” concedida pelo governo Lula aos gestores do Banco Central foi, na prática, maior que nos anos FHC, que por duas vezes destituiu seu presidente. A taxa de juros básica da economia, apesar de menor do que a média dos anos FHC, permaneceu bastante elevada, com forte impacto no aumento da dívida pública e na dinâmica da economia. O BC manteve-se trabalhando restritamente com metas de inflação, sem sequer incorporar a combinação do combate à inflação com o objetivo primordial do crescimento econômico, como faz, por exemplo, o Banco Central norte-americano. As metas de inflação continuaram a ser fixadas sem participação dos agentes econômicos centrais, empresários do setor produtivo e trabalhadores. As taxas de juros privadas, escandalosas de qualquer ponto de vista, prosseguiram sem nenhum controle ou regulação do Banco Central. Assim, se a inflação foi estritamente controlada, se a relação dívida pública–PIB conheceu uma redução na margem, se o crédito consignado permitiu acesso ao crédito com taxas bem diferenciadas, é verdade que a taxa de crescimento da economia brasileira ficou aquém da média da economia mundial e muito aquém das taxas de uma série de países emergentes. As restrições ao crescimento, ao orçamento público e à oferta de crédito para investimento e consumo a taxas compatíveis com o resto do mundo continuaram a limitar fortemente o impacto positivo de todas as políticas de emprego e renda e sociais do governo Lula, ao mesmo tempo que garantiam taxas recordes de lucratividade ao setor financeiro.

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Um outro Brasil agora é possível

Uma nova vitória contra as forças neoliberais em 2006 pode abrir um ciclo histórico de mudanças que superem integralmente o paradigma neoliberal do Estado brasileiro e inicie uma grande revolução democrática no país. Mas para isso será preciso ultrapassar os fatores estruturais que mais condicionaram e limitaram a ação criadora do governo Lula.

Em primeiro lugar, o Brasil deve avançar no caminho da afirmação da sua soberania construindo um poderoso sistema público de financiamento de longo prazo, criando um sistema nacional de inovação que alimente e amplie a produtividade de sua economia e sua capacidade exportadora, alargando e democratizando a base e a potência de seu mercado interno, enfim, consolidando uma nova espacialidade continental e internacional para o desenvolvimento.

A superação dos preconceitos historicamente enraizados que garantem privilégios de classe ou status, de raça e de sexo exige que se invista em uma revolução cultural dos valores que organizam a sociabilidade dos brasileiros. O racismo, as dimensões simbólicas do apartheid social, o machismo devem ser enfrentados, em tom alto e pedagógico, em grandes campanhas públicas que mobilizem a sociedade e a cultura brasileiras.

Para superar o modelo econômico neoliberal será fundamental democratizar e tornar republicanas as gestões do Banco Central e do orçamento público da União. Mina a democracia, em nome da complexidade e do caráter técnico, que, no fundo, mal escondem interesses de grandes rentistas, retirar do debate democrático responsável e claramente institucionalizado decisões tão fundamentais que definem a vida dos brasileiros.

Não há como construir novos padrões de governabilidade sem tornar central em nossa plataforma e nosso discurso a defesa da reforma político-eleitoral. É ela que permitirá ir desmontando os nós da influência do poder econômico nas eleições, do fisiologismo e da alimentação da corrupção sistêmica no Estado brasileiro.

O trabalho de superação desses obstáculos históricos permitirá elevar, de forma realista, o programa de metas do governo Lula. Assim, como se fez marcante na história brasileira, esse programa de metas deve ter um centro unificador e cinco dimensões fundantes.

O centro só pode ser o aprofundamento da democracia do país, o avanço da democracia participativa e do controle social do Estado. Assim como a meta-símbolo do primeiro governo foi o Brasil para todos e o Brasil sem fome, a meta agora deveria ser a construção integral da dignidade do cidadão brasileiro.

As cinco metas poderiam ser:

• A afirmação de um novo modelo econômico capaz de ser ecologicamente sustentado e distribuir renda para crescer a taxas nunca inferiores a 5% ao ano;

• A retomada da construção plena de um Estado do bem-estar universalista que acolha as metas do pleno emprego, do direito das mulheres e da ação afirmativa dos direitos dos negros;

• A reforma no sistema agrário, capaz de criar uma expansão inédita da agricultura familiar e alternativa, com base na cooperação e na democratização da terra e do crédito;

• A afirmação da cidadania cultural dos brasileiros, por meio da democratização da educação, da comunicação e da expansão da sua identidade cultural plural;

• A construção da comunidade política do continente latino-americano, a partir de valores de liberdade, justiça social e pluralismo cultural.

Construir esse programa de transformações não pode ser apenas tarefa do PT. É uma construção social, pública e democrática, que reclama a participação de todos os setores sociais que resistiram e souberam vencer o neoliberalismo.

O povo brasileiro não quer de novo provar diariamente a sopa rala e amarga do neoliberalismo. Aspira de novo a se alimentar do pão cotidiano da esperança em um Brasil justo, novo e fraterno. É essa esperança que pode, enfim, começar a se tornar realidade com a vitória das forças populares e democráticas em outubro de 2006.

Juarez Guimarães é cientista político, professor na UFMG, editor do Periscópio, boletim eletrônico da Fundação Perseu Abramo

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