EM DEBATE

No último número de Teoria & Debate a circular antes do 2º Congresso do PT, apresentamos a terceira rodada do debate "Rumos do PT", trazendo desta vez as contribuições de José Dirceu (presidente Nacional do PT), Tarso Genro (ex-prefeito de Porto Alegre) e Plínio de Arruda Sampaio (secretário Agrário Nacional do partido).

Estes três artigos se somam aos já publicados em nossas duas edições anteriores, de autoria dos deputados federais Aloízio Mercadante, José Genoíno e Milton Temer, do ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque, do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Luiz Marinho e da senadora Heloísa Helena com o dirigente partidário Carlos Henrique Árabe, fornecendo assim um amplo quadro das diversa opiniões existentes no espectro partidário com relação ao futuro do PT.

Colônia ou nação soberana?

Cenários para o Brasil e as perspectivas do PT

Entre a ortodoxia e o democratismo

Colônia ou nação soberana?

A atual crise que vive nosso país não é apenas conjuntural e nem simples reflexo de crises internacionais. Trata-se, na verdade, de uma regressão histórica. O que está em jogo é nossa independência e soberania enquanto Nação e nosso destino como um povo, uma cultura e uma civilização.

Em quase todos os momentos históricos em que o Brasil mudou, sempre o fez por meio de compromissos entre diferentes frações das classes dominantes. Assim foi na Independência, na Abolição, na Proclamação da República, na Revolução de 30 e após a Segunda Guerra Mundial. Essas mudanças preservaram o caráter conservador da estrutura política e social brasileira, expresso na concentração da terra, da propriedade, da renda, da cultura e do poder.

No atual período, as elites políticas e empresariais perderam a perspectiva nacional e esperam que o capitalismo internacional, ao submeter nossa economia à sua nova dinâmica e controle, resolva nossos problemas sociais e culturais, o que de per se é impossível, pois, por esta via, não teremos desenvolvimento nacional.

O grande desafio da sociedade brasileira, nos próximos anos, será a superação dessa crise por meio de uma ruptura histórica que liberte o país da atual dependência e realize as tarefas da revolução democrática que o Brasil não viveu.

A grande questão é saber se algum setor da elite está disposto a assumir os riscos de romper com a ordem internacional e retomar um projeto nacional, ou se nas esquerdas e nas forças políticas populares existe capacidade para liderar e conduzir esse processo.

Esta revolução terá que ser não apenas a ruptura com a dependência mas a refundação da república e a realização de transformações sociais e políticas que democratizem o poder, a riqueza e a cultura no Brasil. Trata-se de uma revolução nacional, popular, social e democrática.

<--break->Programa e alianças

Nosso principal objetivo é a retomada do desenvolvimento nacional, o que exige o rompimento com a atual dependência do Brasil à dinâmica da chamada globalização e à hegemonia norte-americana no processo de internacionalização do capitalismo. O Brasil tem condições sócio-econômicas, políticas e culturais para romper com a atual situação de estagnação e regressão a que foi submetido por suas elites políticas e empresariais e liderar um bloco regional. Nosso país tem base industrial, agrícola, tecnológica, educacional; um povo com condições socioculturais para se desenvolver num dos maiores territórios, com grandes reservas naturais e minerais; um amplo mercado interno e, principalmente, uma nascente civilização tropical. Isto significa defender nosso mercado interno, nossos empregos, os interesses nacionais e retomar o controle sobre os investimentos, além de desenvolver políticas industrial, tecnológica e de comércio exterior.

Numa nova ordem, o Brasil deverá romper a atual relação de subordinação com o FMI e revisar todos os acordos da dívida externa. O atual programa de desestatização será suspenso e todas privatizações serão revistas, por meio de auditorias e comissões parlamentares de inquérito, particularmente as do setor de telecomunicações e energético, evitando a desnacionalização e os riscos de segurança no controle e suprimento estratégico de serviços públicos.

As políticas monetária e Fiscal serão subordinadas à retomada do crescimento econômico e do financiamento de programas de geração direta e indireta de empregos.

Para tanto, haverá uma ampla reforma do sistema financeiro e uma redução dos juros e, inclusive, o controle cambial, visando impedir a fuga especulativa de capitais e reduzir as taxas de aplicações das instituições financeiras.

A reorganização e reestruturação do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e dos bancos regionais, com a revisão do papel dos fundos sociais, são condições para, junto com uma reforma tributária, garantir os recursos necessários à retomada do desenvolvimento econômico e social.

Para priorizar o pleno emprego e uma política de rendas que recupere o valor do salário, será implementado com recursos oriundos da reestruturação dos fundos públicos e sociais, da redução das despesas financeiras e do redirecionamento dos recursos orçamentários - um plano nacional de investimentos públicos democrático, descentralizado e sob controle social.

Os objetivos principais de uma reestruturação dos recursos públicos são o financiamento da pequena e média empresa, a implementação de um plano nacional de obras de infra-estrutura, habitação e saneamento, a reforma agrária, o apoio à agricultura familiar, um plano de segurança alimentar e renda mínima, a reorganização dos serviços públicos de seguridade social, saúde e previdência, da educação pública e dos investimentos em ciência e tecnologia.

<--break->A idéia é impulsionar o crescimento com base na expansão de nosso mercado interno, por meio de um programa de distribuição de renda e de aumento das exportações, apoiado numa política de financiamento e de aumento da produtividade.

Só uma frente política de esquerda pode conduzir estas mudanças, com base nos interesses da maioria popular: das classes trabalhadoras e médias, dos micro, pequenos e médios empresários nacionais.

Estas transformações econômicas e sociais dependem de radicais mudanças em nossas instituições e de medidas que garantam os direitos humanos e a cidadania e coloquem o Estado sob controle da sociedade. São prioridades para as quais o PT tem propostas já apresentadas no Congresso Nacional: as reformas política, do Judiciário e dos órgãos de segurança, a democratização dos meios de comunicação e o controle social do Estado por meio do orçamento participativo e da democratização das políticas públicas.

A orientação estratégica que deve orientar o PT nos próximos anos deve ser a de constituir um bloco social, uma aliança política e dirigir este processo.

O PT já iniciou esta trajetória com sua luta democrática contra a ditadura, pelos direitos sociais e políticos dos trabalhadores e na constituição de suas organizações representativas, na sua ação inovadora, ética e opositora nos parlamentos e em seus governos populares.

Na constituição de um amplo movimento social, na construção de programas de governo, alianças e frentes eleitorais e políticas e nas coalizões de governo fomos dando forma ao bloco democrático-popular que poderá fazer a revolução democrática.

As formas de luta

Já está incorporado à nossa cultura e prática política que a luta tem que se dar nos campos social e institucional e que para tanto temos que disputar o poder.

O PT e a esquerda brasileira cresceram na luta social e na construção de entidades representativas dos trabalhadores, que nos conduziram ao parlamento e ao governo, onde passamos a defender os direitos políticos e sociais das classes populares.

Nossos governos devem ser um instrumento de realização de nossas políticas públicas, mas só terão sentido histórico se articulados com nosso objetivo estratégico. Isto significa que, além do cumprimento de nossos programas de governo, temos que integrar as ações à luta política nacional e à oposição ao governo FHC, que expressa a coalizão conservadora que cumpre as orientações do capital internacional.

Esta é uma questão ainda não resolvida. Por mais que nossa simples ação de governar seja um contraponto a FHC, a situação de falência dos estados herdada por nossos governadores limita sua participação na mobilização contra o governo federal. Isto é uma contradição, já que esta mobilização pode ser a única saída para os impasses que vivemos na governabilidade nos estados.<--break->

Apesar desta situação, nos governos estaduais estamos, a exemplo das prefeituras, desenvolvendo nossas políticas de participação popular, inversão de prioridades e combate à miséria, além de consolidarmos coalizões e experiências de governos de frentes populares. Nesses governos, podemos também dar seqüência às experiências de alianças pontuais e de interesses comuns com o pequeno e médio empresariado e mesmo com setores do grande empresariado sufocados pelo neoliberalismo.

Um dos maiores desafios de nossos governos é a participação popular e o combate à miséria e à ignorância, que podem levar a um novo patamar de participação e a uma nova cultura política. Esta ação tem que estar articulada com o fortalecimento das entidades, principalmente as populares, não deve excluir as outras forças sociais organizadas, com as quais devemos disputar a hegemonia.

A experiência de governar estados não deve ser subestimada, pois representa um ensaio para testar os limites de nossas políticas públicas em dar respostas aos problemas sociais e à nossa capacidade de dar governabilidade aos estados e colocá-los sob controle social. Devemos caminhar no sentido de transformar nossos governos do PT, nos três estados, em contraponto à política neoliberal que impera no país.

Em nenhuma hipótese devemos recuar de nossa política de ter em nossos governos apoio para as mobilizações, como aconteceu em outros momentos históricos, quando governadores de oposição foram decisivos na mobilização das diretas e no irnpeachment de Collor.

Nada disso porém será realidade sem uma ampla mobilização social e sem a disputa com o governo FHC. Toda experiência recente demonstra que não existem mudanças e transformações políticas e sociais no Brasil sem luta social e rupturas. Nossas elites nunca vacilaram em recorrer inclusive à guerra civil - como em 30 - para realizar seus objetivos. Todas as lutas dos últimos anos partiram dos movimentos sociais e ganharam espaços institucionais, seja nas diretas, no impeachment ou em vitórias eleitorais, como em 88 e em 98.<--break->

Nossa ação de governo só terá êxito se articulada com os movimentos e entidades sociais a partir de uma aliança e programas comuns, base para a sustentação política de nossos governos, sem prejuízo de outras alianças e da disputa da hegemonia no conjunto da sociedade.

Os movimentos sociais, em sentido amplo, são as bases permanentes que podem viabilizar uma mudança duradoura na correlação de forças na sociedade. Estes, junto com suas entidades e instituições, forjaram milhares de dirigentes, políticas e programas para suas categorias e para o país e têm grande representatividade e legitimidade social, como a CUT, a Contag e o MST.

No atual momento, vivemos um descenso das lutas sindicais e populares, que não se expressam em grandes campanhas e movimentos nacionais e sofrem os efeitos do desemprego, da recessão e das derrotas nas disputas institucionais. A saída para esta situação tem sido a unificação das entidades no Fórum Nacional de Lutas e a realização de campanhas e manifestações conjuntas, desde a luta contra a privatização da Vale, passando pela marcha dos semterra em 97, até as recentes manifestações de 26 de março, 21 de abril e 10 de maio, continuando com a campanha do abaixo-assinado e a marcha a Brasília.

As entidades e movimentos, mesmo o MST, vivem um momento de crise e reorganização e o PT não pode ficar omisso frente a esta situação. Ele deverá participar ativamente da reavaliação dos movimentos sociais.<--break->

O PT e o governo FHC

A posição do PT é de absoluta e intransigente oposição, expressa no pedido de impeachment do presidente protocolado na Mesa da Câmara dos Deputados pelas oposições e na marcha a Brasília.

Nossa determinação é de deslegitimar o governo e inviabilizar as chamadas reformas e privatizações, que só agravam a situação do país e representam a continuidade do desmonte do Estado e a desconstituição da Nação.

A situação do governo FHC é contraditória: é fraco pela perda de legitimidade e autoridade, não tem apoio popular e está com sua base de apoio parlamentar dividida na disputa aberta pela sua sucessão.

Ao mesmo tempo, tem apoio internacional, maioria absoluta no Congresso, apoio da maioria dos governadores e prefeitos e, principalmente, apoio do grande empresariado brasileiro, somado à omissão dos pequenos e médios empresários, muito afetados pela política econômica do governo. Desfruta ainda de apoio em alguns setores populares, como resquício do fim do imposto inflacionário.

O governo oscila entre crises políticas e de governabilidade e tentativas de criar fatos, como a reforma ministerial, para buscar abafar os escândalos de corrupção e as sucessivas crises no interior da coalizão de partidos que o sustenta.

O aumento do desemprego e da recessão, seguido de cortes de gastos públicos nas áreas sociais, aumento de impostos e perda de valor dos salários só faz aumentar a sua impopularidade.

No campo da coalizão que apóia FHC, já existe uma disputa aberta com relação à sua sucessão e, mesmo para o caso de uma eventual crise institucional, articulam-se saídas parlamentaristas e se fala em uma reforma política que criaria as bases para uma eventual estabilidade institucional na hipótese provável de um descontrole da situação econômica e das contas externas do país.

<--break->Para o PT, as esquerdas e os movimentos sindical e popular, a questão de fundo é corno aumentar as mobilizações e criar uma alternativa de governo, pois pelas experiências das diretas e do impeachment de Collor, é evidente que não basta a renúncia, o afastamento do presidente ou mesmo sua derrota eleitoral; é preciso formar uma aliança social e uma coalizão política para governar. Caso contrário, estaremos repetindo as experiências anteriores, como, por exemplo, nas diretas, em que a aliança PMDB-PFL, hegemonizou a transição, ou no caso do impeachment, em que Itamar Franco assumiu e seu governo também foi hegemonizado pela centro-direita apesar de, num primeiro momento, parte da esquerda participar do mesmo.

As esquerdas, ao se lançarem num movimento contra FHC, devem criar as bases de uma aliança que deverá disputar para assumir o governo no caso de uma crise político-institucional que leve à saída de FHC, ou mesmo de uma vitória eleitoral em 2002.

Assim sendo, um dos nossos critérios para definir palavras de ordem, programas, plataformas de luta e táticas deve ser a mais ampla unidade das forças de esquerda, populares e das entidades democráticas, como a OAB e a CNBB.

Mas não podemos trabalhar apenas com a hipótese de um agravamento da crise e a saída de FHC, que depende não só de nossa ação, mas de fatores que não controlamos. Seria subestimar a direita e os interesses internacionais no Brasil supor que não haverá, da parte deles, a busca de saídas que evitem uma crise institucional.

Pode acontecer que o governo FHC sobreviva aos três anos e meio de mandato que lhe restam ou, pelo menos, que ele chegue até 2000, o que dará às eleições municipais um papel de plebiscito sobre o governo e sua política econômica, corno se fosse o segundo turno das eleições de 98.

Seja no caso de uma crise institucional ou no de uma vitória eleitoral das esquerdas em 2002, a questão de fundo é saber se somos capazes de mobilizar a sociedade e construir uma aliança política e social para dar sustentação ao nosso programa de governo.

Devemos portanto trabalhar, sem sectarismos e dogmatismos, com dois cenários: a possibilidade de crise institucional a curto prazo; ou a sucessão presidencial em 2002.<--break->

Os desafios do 2° Congresso

Além dos desafios programáticos e teóricos sobre o socialismo e nosso projeto para o Brasil, há também um problema de fundo - que precisa ser enfrentado - na nossa forma de organização partidária.

Talvez o principal desafio do 2º Congresso seja romper com a inércia de nossa estrutura e criar novas formas de participação dos filiados no PT; uma nova relação entre as instâncias partidárias dirigentes, tendências, lideranças, militantes - e entre o PT e a sociedade.

É um equívoco aceitarmos as visões simplistas e maniqueístas, ou mesmo salvacionistas, de que os problemas do PT são suas tendências ou sua bipolarização entre esquerda e direita, radicais ou moderados.

As visões e relações políticas dentro do PT passam, atualmente, não apenas por tendências e blocos, mas por nossas ações nos governos, no parlamento, na sociedade, pela opinião pública petista e, dentro do partido, pelas lideranças e por um recorte de visões que vai além das tendências e blocos.

O PT é uma grande organização e tem que atuar em diferentes frentes: nas lutas sociais, nos parlamentos, nos governos. Sua estrutura de direção, assessoria e organização não dá conta destas tarefas e da necessidade de ser, também, um instrumento de mobilização da sociedade.

Aos poucos, fomos assumindo que somos uma instituição política e além de oposição somos governo, que atuamos no social e no institucional. O partido se organizou para disputar eleições e para ser governo, mas não foi capaz de dar prioridade para sua organização de base, nos diretórios, núcleos e setoriais.

Por outro lado, o partido está voltado para si mesmo, corno produto menos da dinâmica de tendências, mas de nossa incapacidade de abrirmos nossos diretórios e núcleos para a sociedade, principalmente para a juventude, a cultura, a solidariedade social, o novo setor informal e para os filiados e militantes do PT.

A própria formulação política e programática fica prejudicada, já que não participam desse esforço atores importantes. É pequena ou insuficiente nossa interlocução com nossos prefeitos e governadores e mesmo os parlamentares - com exceções - participam pouco da vida partidária. É pequena a participação da universidade, de artistas e intelectuais, profissionais, formadores de opinião e lideranças políticas e sociais.

As atuais divisões internas acabam por se refletir na CUT, na UNE, na Central de Movimentos Populares, limitando nossa atuação e dificultando a superação dos impasses e da crise que vivem aquelas entidades.

Nos últimos quatro anos conseguimos avanços na estruturação do Diretório Nacional e na articulação de nossas políticas no parlamento e junto aos nossos governos e avançamos muito nas relações com os partidos de esquerda e corri as entidades do campo democrático-popular.

Retomamos também o controle sobre as finanças do partido, o que viabilizou nossa ação interna e externa, principalmente nas mobilizações de caráter nacional.

Nossa ação interna não é sem importância, já que assegura o funcionamento do partido nas frentes parlamentar e de governo e todo nosso trabalho de comunicação, formação política, articulação com os movimentos sociais e relações internacionais.

Pode-se afirmar que vivemos dois momentos importantes, em 95 e 97. O primeiro deu governabilidade e credibilidade ao PT; o segundo definiu nossa política de alianças e nosso perfil programático para as disputas de 98.

Devemos, agora, nos credenciarmos para um terceiro momento, que pode nos conduzir a uma ampla reformulação do PT e às definições programáticas para enfrentar o atual impasse do país. Desta definição sairá nossa política de alianças e nosso caminho para o poder.

<--break->O 2° Congresso terá que fazer esta definição programática e mudar - o que defendemos desde 95 - nosso estatuto e regimento interno, para criar uma nova organização partidária.

Trata-se de fazer uma revolução, começando pela eleição direta de nossas direções em todos os níveis - o que também defendemos desde 95 - e uma radical mudança nas filiações e formas de realizar encontros.

O prazo de filiação, de constituição de núcleos e setoriais deve ser de um ano antes dos encontros partidários e todo filiado deverá passar por uma apresentação pública ou um ato de filiação. Deverá haver, em todos os diretórios, núcleos e setoriais, material sobre o PT para os novos filiados: cartilhas, vídeos, além da realização de debates e conferências sobre nossos programa e estatutos.

Os encontros e congressos do PT, em todos os níveis, deverão ser precedidos de conferências, plenárias e atividades culturais e todos filiados devem receber, 45 dias antes dos mesmos, convite com todas as informações sobre seus objetivos, pauta, programas e composição das chapas, quando for o caso.

Todo dirigente do PT e ocupante de cargo eletivo contribuirá mensalmente para o partido (proporcionalmente a seus rendimentos), deverá assinar o jornal e a revista do partido e estar cadastrado na mala-direta, tudo sob pena de perda do mandato.O DN priorizará a formação política e a comunicação com mais recursos e uma avaliação e reestruturação das respectivas secretarias. Na formação política, é preciso envolver a Fundação Perseu Abramo por meio de convênios e parcerias e se buscará novas formas de formação como a universidade aberta, o uso da Internet, publicação de cadernos de debate, circuitos de conferencistas e debatedores etc.

Na comunicação, o Diretório Nacional, em parceria com os diretórios regionais e municipais, criará uma rede intranet, desenvolverá mais nosso site, uma agência de notícias e consolidará o Linha Aberta e o PT Notícias.

Mas, nenhuma proposta terá eficácia se não equacionarmos nossa organização de base: os diretórios municipais e seus núcleos. Isto significa discutir os papel das secretarias-gerais e de organização em níveis estadual e nacional e a regionalização do partido.

Toda ação do PT depende de seus diretórios municipais, núcleos e setoriais. Logo, nossas secretarias de organização precisam articular, nos níveis estadual e regional, políticas de descentralização financeira (uma vez que o DN repassa para os DRs 36% do Fundo Partidário Nacional e 20% para a Fundação Perseu Abramo), de formação, de assessoria institucional, comunicação e mobilização.

As grandes decisões políticas e programáticas do PT só terão sentido se forem produto de um acúmulo e interação corri nossos filiados e militantes. O 2° Congresso tem que enfrentar e vencer esse desafio.

José Dirceu é deputado federal e presidente Nacional do PT

Cenários para o Brasil e as perspectivas do PT

Na exploração dos cenários possíveis para a atuação do PT, podemos partir da visão de Caio Prado Jr. sobre o traço essencial da história brasileira: a transição do Brasil-Colônia ao Brasil Nação.

O primeiro aspecto a considerar é que os parâmetros históricos dentro dos quais esse processo se desenvolvia alteraram-se totalmente na quadra final deste século, em razão dos movimentos tectônicos havidos tanto no plano econômico como no plano político internacional. Esse giro de 180 graus no interior do sistema capitalista internacional determinou a redefinição das relações centro-periferia, com a redução substancial do grau de autonomia econômica e de soberania política das nações periféricas.

Como assinala Celso Furtado: "Na lógica da ordem econômica internacional emergente parece ser relativamente modesta a taxa de crescimento que corresponde ao Brasil. Sendo assim, o processo de formação de um sistema econômico já não se inscreve naturalmente em nosso destino nacional." Todos os países periféricos enfrentam atualmente essas terríveis pressões.

No caso brasileiro, as próprias classes dirigentes nativas prontificaram-se a promover o ajuste. Após um período de grande confusão, durante toda a década de oitenta, elas se unificaram em torno do objetivo de modernizar o país ao preço da redução da autonomia e da soberania no plano internacional. A contrapartida da submissão no plano externo foi a recuperação da hegemonia absoluta no plano interno - aquilo que Leo Lince chamou de "restauração oligárquica". Nestes dez anos, a "nova direita" montou um dispositivo praticamente inexpugnável, formado pelo Executivo, pela maioria governista no Congresso, pelo Judiciário e pela mídia. Diante dessa barreira intransponível, a disputa política e a disputa eleitoral transformaram-se em mera formalidade, posto que a oposição não tem objetivamente meios de impedir a consecução de qualquer dos objetivos e políticas do governo e nem mesmo de que eles sejam parcialmente alterados, em decorrência do diálogo democrático.

Importa, contudo, notar que, se a adesão das classes dominantes ao projeto de recolonização das nações periféricas assegurou-lhe condições de acesso aos padrões de consumo das nações desenvolvidas, não lhes deu condições de resolver a crise econômica e menos ainda a crise social.

A renúncia ao projeto de construção nacional - idéia-força que organizava as instituições do país e estabelecia regras de solidariedade orgânica entre regiões e classes sociais - projetou-se negativamente em todos os outros planos da vida nacional e explica, em boa medida, a onda de corrupção que tomou conta dos negócios públicos e privados.

O Brasil afunda-se cada vez mais perigosamente na barbárie, como, aliás, os jornais televisivos documentam diariamente. Não se vislumbra nenhuma possibilidade (de que a crise possa ser superada em um horizonte de tempo próximo, porque o nível de consciência e de organização das massas populares é ainda extremamente baixo. Ela tende, portanto, a se tornar crônica, perpetuando, sob novos moldes, a mesma situação de dualidade estrutural que caracteriza a sociedade brasileira desde o seu nascedouro.

À medida que essa situação for se aprofundando, os espaços democráticos tenderão a estreitar-se e os riscos de quebra da unidade territorial do país tornar-se-ão cada vez mais graves. O cenário previsível é este.

Para concluir esta análise com a metáfora de Caio Prado Jr.: Não pode haver dúvida de que a partir de 1990 o pólo Nação começou a perder terreno e que o país enfrenta um processo de regressão neocolonial.

As novas formas de luta

Uma crise prolongada apresenta aspectos muito negativos para a retomada do projeto de construção nacional, pois, por um lado, o fantasma da "exclusão" exacerba a busca de soluções individuais e inibe protestos e movimentos coletivos; e, por outro lado, a barbárie estimula as explosões individuais de violência; a fuga para a religiosidade fetichista; a política de clientela.

Mas, por outro lado, não se pode deixar de ver os aspectos extremamente favoráveis ao avanço do projeto nacional. Para começar, a crise se encarregará de desfazer ilusões quanto às soluções de acomodação e o avanço da barbárie na vida cotidiana dos brasileiros irá aumentar a indignação e a revolta os combustíveis de todas as transformações sociais. Por outro lado, a evidência cada vez mais avassaladora da falta de alternativas para quem ficou na parte excluída do novo sistema de apartheid social não só contribuirá para dar mais nitidez à luta de classes, como levará contingentes crescentes de pessoas a se confrontar diretamente com o sistema de dominação.

A crise prolongada não altera a contradição básica da nossa sociedade - a oposição entre o Brasil-Colônia e o Brasil-Nação - mas determina mudanças radicais na liderança do processo de construção nacional e no eixo organizador do espaço econômico brasileiro.

Quanto à liderança, fica muito claro que, com a deserção das classes dominantes, as classes populares terão de comandar a construção nacional. Como explica Florestan Fernandes: "Com o deslocamento da importância do trabalho para a tecnologia e as tendências ao crescimento rápido do trabalhador excedente e do pauperismo, a composição do capital só deixa abertas duas saídas - a revolução social, para os assalariados, e uma autocracia de corte fascista, para os manipuladores do capital das empresas gigantes."

Quanto ao eixo de organização da economia, a industrialização substitutiva de importações deixa de ser, na atual etapa, o centro dinamizador do desenvolvimento para ceder lugar à construção de um sistema produtivo organizado para o atendimento das necessidades básicas de toda a população. Que setor da sociedade assumirá a vanguarda dessa luta?

Tudo indica que, durante o longo período de crise, a luta de classes será conduzida, não por uma vanguarda operária clássica, mas por um amplo movimento social no qual se integrarão segmentos de todas as classes sociais exploradas.

É só ver como as bandeiras da liberdade, da justiça social, dos direitos humanos, da igualdade de gêneros, da luta contra o preconceito, da exigência de democracia estão atualmente nas mãos das igrejas da libertação (católicas e evangélicas), dos movimentos de lavradores, das organizações de marginais urbanos, dos movimentos de mulheres, de negros, de índios, de entidades ambientalistas, de entidades, portanto, que recortam diversas classes sociais.

Em torno do MST e de outras entidades como o MPA (Movimento dos Pequenos Trabalhadores), o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), centros de direitos humanos espalhados pelo país, começa a surgir esse movimento social contestador da dominação oligárquica. Isto não acontece por acaso. A natureza do embate entre o sistema dominante e as necessidades e aspirações da população rural dificulta as soluções de acomodação. O confronto é, por natureza, radical, o que permite ao MST cunhar a palavra de ordem "reforma agrária, uma luta de todos" e lhe dá legitimidade para, sem invadir a esfera da política partidária, patrocinar a Consulta Popular - uma tentativa de levar o debate de um projeto alternativo para o Brasil até as camadas excluídas. A admiração e o respeito dos verdadeiros intelectuais, dos artistas, das referências morais da nossa sociedade pelo MST mostram que a melhor parte da nossa sociedade já vislumbrou nesse movimento o embrião de um movimento cívico de envergadura ainda maior.

Só por meio de um movimento com essas características será possível vencer o conformismo, combater a mistificação religiosa, desfazer a sedução do consumismo e fazer a aspiração por uma sociedade justa "penetrar no sentimento e na vida da Nação".

Basta considerar a natureza desta tarefa para verificar que ela se desenvolverá basicamente no âmbito da cultura, no qual sentimento, mística e devotamento têm tanto peso quanto a racionalidade da proposta política.

O papel do PT

O PT é um partido político. Um partido político é, por definição, um conjunto de pessoas que se associam para a conquista e o exercício do poder do Estado.

Nos seus primeiros dez anos de existência, o PT galgou posições no interior de um Estado cuja dinâmica e cuja estrutura, apesar da crise e das vacilações cias classes dirigentes, ainda era o Estado da era Vargas - um Estado voltado para a construção da Nação.

No final da segunda década da existência do partido, a situação é diametralmente oposta: o Estado que surgiu do desmantelamento da era Vargas aponta para o Brasil-Colônia.

Diante dessa realidade, parece óbvio que a luta pela conquista e pelo exercício do poder do Estado desenvolvida pelo PT até agora não pode obedecer aos parâmetros anteriores. Antes, tratava-se de conquistar o poder do Estado burguês para implantar uma política reformista destinada a democratizar a sociedade; agora, se trata de destruir o Estado que aponta para a regressão colonial e construir em seu lugar um novo Estado, fundado no poder das classes populares, para promover a homogeneização social e a ruptura da dependência externa.

Os objetivos últimos do partido permanecem os mesmos, mas as táticas e métodos de atuação precisam mudar completamente, a fim de se ajustar às exigências da nova forma de luta pela conquista do poder.

O PT, tal como está estruturado e operando atualmente, não tem condições de cumprir essa tarefa.

Nestes vinte anos de existência, o partido foi por demais envolvido pela cultura política do país. Um dos aspectos mais negativos desta é que os partidos são canais para carreiras políticas. Embora não se possa comparar a seriedade e o compromisso político dos parlamentares e executivos petistas com os políticos tradicionais, a verdade é que as carreiras políticas estão gerando uma verdadeira dualidade na vida partidária: de um lado, as instâncias partidárias; e, de outro, os "mandatos". Carreiras políticas exigem um tipo de atuação incompatível com o trabalho político conjunto requerido por uma agremiação destinada a fomentar um grande movimento popular.

As campanhas eleitorais mais recentes mostram que o partido está se afastando cada vez mais do projeto inicial de financiamento conjunto das campanhas eleitorais como condição para estabelecer um mínimo de igualdade entre os candidatos da sua chapa. Campanhas milionárias, muito parecidas com as dos "tubarões" da direita, ofuscam campanhas destituídas daquele mínimo de recursos necessários para aproveitar o potencial de votos de candidatos de extração mais popular.

O eleitoralismo contribuiu ainda para estabelecer o critério da popularidade eleitoral como o critério básico para a escolha dos candidatos majoritários, transformando a exposição à mídia e o marketing político em elementos preponderantes na orientação das nossas campanhas eleitorais.

Alterar radicalmente esse tipo de conduta é o desafio colocado para o 2° Congresso. Ele estaria de antemão perdido se os vícios da cultura política tradicional tivessem matado na militância e nos dirigentes o espírito de luta que os levou a criar o PT. Mas, felizmente, a grande maioria está consciente de que é preciso mudar o estado atual das coisas para ajustar o partido às exigências de um período de crise histórica da Nação.

Tarefas do 2° Congresso

A primeira tarefa do 2° Congresso consiste em explicitar para a sociedade brasileira os traços básicos da Nação que o PT quer ajudar a construir.

Trata-se de organizar um Estado nacional para resolver os dois problemas principais da nossa sociedade: a exclusão social e a dependência externa.

Será um Estado fundado no poder político que as classes populares forjarão na longa luta contra as classes dominantes. Esse Estado promoverá a homogeneização social e a prosperidade do povo, como condições da verdadeira democracia.

Prosperidade não consiste em reproduzir aqui as sociedades consumistas dos países desenvolvidos do sistema capitalista, mas em construir uma economia capaz de produzir os bens e serviços que permitam a toda a população um padrão de consumo compatível com os requerimentos de uma vida civilizada.

É de Celso Furtado, a observação: "Segundo a lógica [da civilização surgida da Revolução Industrial], somente uma parcela minoritária da humanidade pode alcançar a homogeneidade social ao nível da abundância. A grande maioria dos povos terá que escolher entre a homogeneidade a níveis modestos de consumo e um dualismo social de grau maior ou menor".

O Brasil dispõe de todos os recursos necessários para alcançar esse objetivo, mas a Nação deverá estar preparada para tomar medidas drásticas no plano interno e para romper com os centros do capitalismo internacional como condição do controle do seu espaço econômico e do ritmo do seu desenvolvimento material.

Não há contradição entre um projeto de construção nacional e o caráter socialista do PT. Na conjuntura histórica atual, a única alternativa que as sociedades têm para evitar o impacto destruidor da globalização consiste em organizar-se na forma de Estados nacionais. Quando a conjuntura histórica for outra e o movimento socialista conseguir abalar o centro do capitalismo internacional, soará a hora dos Estados nacionais e será necessário criar formas supranacionais de organização do poder político das massas populares. Até lá, o caráter internacionalista do movimento socialista concretizar-se-á na forma de solidariedade contra todas as formas de injustiça e exploração e na cooperação efetiva na luta dos povos com problemas análogos aos nossos, a começar pelos nossos irmãos latinoamericanos.

A segunda tarefa do Congresso é uma decorrência da primeira. Trata-se de redefinir a linha tática, de modo a precisar com clareza o tipo de atuação do partido nesta nova quadra da história brasileira e nesta segunda etapa da sua trajetória para o poder.

Desde sua fundação, o partido adotou a estratégia da luta institucional. O pressuposto dessa opção é que a ordem institucional seja suficientemente democrática para permitir que uma proposta alternativa de organização da sociedade tenha condições de prosperar. Esse pressuposto tornou-se bastante discutível no momento em que as classes dominantes engajaram-se no movimento de destruição da Nação. Apesar disso, existem espaços suficientes para avançar e enquanto eles existirem convém manter a estratégia inicial. Mas, há, contudo, que qualificar melhor o que se entende por atuar na faixa institucional. Não se pode confundir via institucional com via eleitoral. A eleição é uma, porém não a única forma de atuação do PT dentro da ordem institucional das classes dominantes.

Na atual conjuntura histórica, a participação nos órgãos do Estado perdeu a importância que tinha no tempo em que o Estado perseguia o objetivo de construir a Nação. Desse modo, a via eleitoral precisa adequar-se às exigências dos novos tempos. A forma principal de luta, dentro do campo institucional, passou a ser a criação do grande movimento social que permita conscientizar as massas excluídas e articulá-las com as classes dominadas da nossa sociedade.

A primeira conseqüência dessa decisão diz respeito à tática de conquista de poder sintetizada na expressão: "o PT é um partido de luta e de governo". Subentendida na expressão está a idéia de que o partido se prepara para conquistar o Poder Executivo dentro do quadro institucional vigente e que, uma vez galgado este patamar, será capaz de administrar eficientemente o Estado.

Se o Congresso voltar o partido para a criação de um amplo movimento popular destinado a destruir o Estado da "restauração oligárquica", essa tática terá de ser descartada, pois, nos quadros da institucionalidade vigente, os governos do PT não terão condições de resolver os problemas para cuja solução o partido surgiu no espectro partidário do país.

Não se veja nisso uma recusa à estratégia de buscar o poder pela via institucional, pois é possível identificar facilmente um amplo espectro de atividades compatíveis com a institucionalidade e que deverão constituir atividades prioritárias do PT nesta nova etapa da sua trajetória política.

Estas duas diretrizes deveriam determinar uma radical mudança na dinâmica da vida partidária, estabelecendo rumos para o trabalho coletivo das bancadas, fixando normas para a propaganda eleitoral, restabelecendo o sistema de consulta aos núcleos de base, revendo a política internacional, e dando prioridade, no uso dos recursos humanos, materiais e financeiros do partido, para o apoio a campanhas de mobilização popular, formação de militantes e montagem de um dispositivo de comunicação.

Plínio de Arruda Sampaio é secretário Agrário Nacional do PT e diretor do jornal Correio da Cidadania

Entre a ortodoxia e o democratismo

"A terra entrega-se cheia de golpes cicatrizados..."

(Garcia Lorca - Tamar e Amon)

A metáfora de García Lorca sobre a terra na luz da manhã, entregando-se ferida, lembra a situação da esquerda perante a nova ordem global. Vagarosamente digerimos a derrota. Com cicatrizes. Vamos prosseguir? Em que rumo? Tento contribuir para a nossa reflexão, partindo de uma formulação sobre o período histórico que atravessamos: "A repressão direta praticada pelos sistemas políticos autoritários foi substituída pela 'repressão sistêmica' imposta pelo mercado mundial, não menos eficaz ou rígida do que aqueles regimes anteriores"Unknown Object.

Tenho como verdadeira esta afirmação de Altvater. Uma onda democrático-liberal varre grande parte do planeta e tem impulsionado um certo conformismo. No Brasil, em especial, definimos algumas "regras do jogo" essenciais para sustentar liberdades políticas e elas, ao mesmo tempo que abrem espaços de disputa política, são vistas como o limite da democracia. 0 conformismo é uma espécie de "desafogo" comemorativo das liberdades. Comparativamente ao período da ditadura, é óbvio que houve avanços essenciais, mas nada autoriza que subestimemos o potencial autoritário e antidemocrático do neoliberalismo.

Em nome da defesa da democracia, preliminar que interfere necessária e diretamente na concepção de partido e de estratégia, aceitamos os limites das "regras do jogo", embora sejam regras que gerem sempre os mesmos vencedores. Secundarizamos que a sua tendência é fazer da democracia um instrumento de reprodução da dominação e também fazer do oposicionismo uma mera teatralização da vida pública. Com isso a sociedade "acostuma-se" a uma oposição destinada a não chegar ao poder. E mais, que se chegar ao poder o fará com um tal grau de retração programática, que se tornará aceitável pela "repressão sistêmica imposta pelo mercado mundial".

Não se trata sequer de perda do "potencial revolucionário" do PT, em sentido estrito, mas trata-se da perda do seu potencial democrático-plebeu (ou democrático-radical para usar a expressão clássica). Esta, aliás, é a característica capaz de definir, minimamente, um partido de esquerda (nem necessariamente "socialista") no mundo controlado pela economia e pela ideologia neoliberal, cuja relação com a democracia é transfornmá-la num mero ritual.

Esta posição conformista do oposicionismo está influenciada abertamente pelas grandes transformações na cultura política democrática que ocorreram na humanidade, na década de 80. Transformações na arte, na economia, no "modo de vida". Na informação e na produção. Transformações que criaram o mito do fim da história e do fim da utopia socialista, reproduzido incessantemente pela direita, pelo centro e também por setores de centro-esquerda. São transformações que impulsionam o conformismo e o fatalismo de "uma história única e absoluta de liberdade e prosperidade, (com) a vitória global do mercado"Unknown Object: O mercado como limite ontológico da forma democrática.

Quando se retira da perspectiva democrática a questão do socialismo, a questão democrática adquire um sentido diferente. A democracia passa a ter um cheiro de fase terminal da busca das liberdades, com instituições que garantem apenas as liberdades políticas, estas configuradas pelo seu estágio atual. A defesa da democracia, portanto, passa a ser a indutora da aceitação contratual da política e das instituições autoritárias do projeto neoliberal.

A "esquerda" do espectro partidário, de outra parte, esquece-se que a "repressão direta" exercida pelo Estado, na época das ditaduras militares e da existência do bloco "socialista-real" do Leste europeu, apenas equivale à dominação atual. Mas não é a mesma. A atual é muito mais complexa e sofisticada: os campos políticos são mais difíceis de delimitar e as classes sociais tradicionais - com profundas alterações internas e novas relações entre si - movem-se na cena pública com mais fluidez e indeterminação.

O domínio quase absoluto do capital financeiro global sobre o conjunto (da reprodução capitalista e a conexão deste com as políticas econômico-financeiras dos Estados alteram a cultura política. Esta alteração reconstrói os interesses imediatos, "desclassifica" (marginaliza milhões da sociedade formal), desterritorializa a política e a economia e constrói novas conflitividades. A política de esquerda deve incidir, portanto, sobre um outro mundo.

Os projetos nacionais - ainda mais necessários - nestas condições já não podem mais ser pensados como os mesmos da década de 60. Não haverá mais um padrão civilizatório mínimo sem algum tipo de conexão com o mercado e a economia mundial: a política local, regional e nacional, passa a ser, em conseqüência, sempre e objetivamente uma política com conexões internacionais.

É a época em que "as corporações estratégicas desempenham funções de direção geral (sócio-políticas, tecnoculturais) que vão além do horizonte econômico da produção e do âmbito financeiro. Assumem o papel de sistemas de ação tecnopolítica, desenvolvendo a gestão concentrada - embora descentralizada espacialmente - e articulada por meios de comunicação sofisticados, que permitem um estágio superior de comando, controle e coordenação"Unknown Object.

Por estas razões, a questão do poder, logo, a questão do socialismo e da democracia coloca-se, hoje, também como uma questão anterior ao poder político e ao poder do Estado. A questão do poder deve ser tratada, nestas condições, também corno criação de uma nova cultura e de uma nova hegemonia. Para isso, o trabalho de médio e longo curso do partido, como partido principalmente dirigente (e também partido de interlocução com setores não necessariamente do mundo do trabalho); e como partido "de governo" (local e regional) e de "luta" (junto aos novos e novíssimos movimentos sociais) - este trabalho de médio e longo prazo para pensar o poder de forma séria - é absolutamente imprescindível.

Entendo que das duas posições hegemônicas no partido, sumariamente apresentadas, decorrem duas concepções estratégicas e duas concepções de partido. A primeira ainda está amarrada ao velho radicalismo "proletário" de origem bolchevique - cujo espaço de atuação política reduz-se crescentemente face às mudanças que superam a dinâmica da 2ª revolução industrial; e a segunda está limitada pelas velhas concepções contratuais da social-democracia, cujos sujeitos contratantes-burguesia industrial e proletariado clássico - perderam força social e capacidade de barganha, nos marcos da globalização.

A primeira posição (bolchevismo tradicional) usa uma linguagem meramente mais ofensiva e baseia a sua estratégia fundamentalmente na radicalização das demandas sociais. Ela não se preocupa em disputar a hegemonia numa sociedade complexa e seu método é simples: combinar as lutas sociais com uma visão programática vinculada ao velho projeto social, estatista-autoritário. A segunda posição (mais aproximada da social-democracia) apenas "teatraliza' a oposição, a partir da mera consciência democrática, e verdadeiramente não se coloca a questão do poder, nem a questão da atualidade do socialismo e mesmo a questão da produção de um novo projeto emancipatório.

A conseqüência, enquanto teoria e prática para um partido do socialismo, é transparente nas duas visões:

• a primeira posição sobrevaloriza o partido só como partido dos movimentos sociais ou dos trabalhadores, sem dirigir-se estrategicamente para outras lutas emancipatórias, a não ser como ritual; assim, não se confronta com os elos da dominação que estão colocados, hoje, também na cotidianidade, como cultura e como controle numa sociedade complexa, sedimentando um imaginário popular submisso e alienado;

• a segunda posição encanta-se com o ritual democrático-formal, sem considerar que ele contém - por portador histórico, hoje, do projeto neoliberal - uma crise de contratualidade; uma crise que introduz, pelo referido ritual, a "predominância estrutural dos processos de exclusão sobre os processos de inclusão"Unknown Object, logo, configurando-se como uma nova forma de "repressão sistêmica".

A mera "chegada ao Estado" sem uma profunda modificação na sociedade de "antemão" como intuía Gramsci pode redundar apenas na tragédia ou na ditadura do aparato (ou em ambas). De outra parte, na situação atual, a simples conformidade com os limites estruturais da democracia republicana clássica na era globalitária - sem construir, desde logo, novas instituições - pode tornar-se uma simples cumplicidade com a reorganização do capitalismo. Na verdade, já temos cada vez menos Estado público para "melhorar", o qual se configura quase só como um aparato de "gerenciamento de reprodução do grande capital (...) e a cidadania ficou reduzida aos consumidores, isto é, aos habitantes do mercado, que se sobrepõem à sociedade civilUnknown Object, ou aos que não existem nem para o mercado nem para o Estado (os excluídos).

Aquilo que nas sociedades capitalistas altamente desenvolvidas ocorre de maneira plena - identificação cultural quantitativa pelo consumo, e não mais diretamente ligada ao trabalho e à produçãoUnknown Object - alterando as formas de controle social e de manipulação da informaçãoUnknown Object, em países da semiperiferia como o nosso aparece ao lado de uma brutal "desclassificação" pela exclusão.

Os antigos sujeitos da reação e da revolução, do conservadorismo e da reforma, da democracia e do autoritarismo foram abalados por novas relações materiais de reprodução da sobrevivência e pela conseqüente emergência de novas subjetividades. A vida política tornou-se uma vida quase inteiramente manipulada pelo fetichismo da pura forma democrática e pelo consumismo como padrão de identidade. A democracia tornou-se quase só espetáculo e riso.

Quanto à questão do projeto socialista há uma notável falta de discussão partidária sobre o assunto. Essa ausência torna-se mais eloqüente numa época em que os projetos autoritários faliram e a social-democracia foi assimilada pelo neoliberalismo. O que se vê do recente documento de Blair e Schrõeder e mesmo das posições de D'AlemaUnknown Object (com uma relutante inconformidade de Jospin) é uma espécie de fim de período da ideologia social-democrata.

As limitações estratégicas das "duas maiorias" partidárias têm, como conseqüência, uma cumplicidade paralisante. É uma paralisia impulsionada por razões diferentes: a ortodoxia já tem o seu socialismo pronto, que se traduz na tentativa sincera de recuperação do velho projeto por meio de uma retórica democrática; e os "moderados" não entendem a questão do socialismo como "pertinente", porque a defesa da democracia já conteria - para eles - o projeto socialista democrático.

Se é verdade que as formas democráticas atuais só têm reproduzido o poder do capital Financeiro globalizado, o que é comprovado pelo alastramento da "democracia global", da violência e da pobreza, no mesmo período históricoUnknown Object, não é menos verdade que o socialismo da ditadura estatal é irrecuperável para a utopia.

*Neste novo ciclo ou etapa do capitalismo, não será um partido de quadros, sequer semelhante ao bolchevique (voltado com exclusividade para o assalto ao Palácio de Inverno), que terá "capacidade dirigente" para induzir as transformações culturais, políticas e econômicas que os tempos estão a exigir. Será um outro tipo de partido dirigente - apto para atuar numa sociedade complexa, que tem instituições políticas e burocráticas fortes e que foi organizada, no Brasil, pela articulação de um poderoso bloco que alterna e integra modernização, conservadorismo e dependência.

Este partido deve estar apto para promover mudanças na sociedade e no Estado pela via democrática - parlamentar e direta - e igualmente apto para, por meio da mobilização social, alterar a relação de forças entre as classes visando construir um novo Estado.

É um partido que, pela relação com a sua base social e com o conjunto das organizações democráticas da sociedade civil, é o real fiador da democracia: é também desde logo o partido organizador da sociedade para a resistência contra o autoritarismo e a ditadura, que estão no limite da ordem neoliberalUnknown Object.

Não é um partido de massas que apenas luta por direitos sociais, mas é um partido que se abre para todos os que querem lutar pela emancipação e por mais igualdade, buscando, desde logo, construir novas instituições de controle social sobre o Estado. É também um partido de ampla base popular e eleitoral, porque entende que os processos eleitorais traduzem momentos fundamentais para alterar a correlação de forças entre as classes, buscando inclusive novas linguagens na disputa eleitoral, adequadas à luta pela hegemoniaUnknown Object.

Do ponto de vista organizativo é um partido com capilaridade no movimento social, na intelectualidade, no movimento sindical e nos "novos movimentos", e que introduz, ao lado da questão democrática como princípio fundador irrenunciável, as questões de gênero, raciais e ambientais, num patamar análogo àquele em que estão situadas as questões econômicas e institucionais.

Sem deixar de atuar junto às categorias profissionais tradicionais, é um partido que orienta e dá preferência, no seu trabalho organizativo, a novas prioridades, que devem ser atribuídas aos principais setores da classe trabalhadora que adquirem importância fundamental no desenvolvimento capitalista em curso: trabalhadores da informação e das telecomunicações; da área de informática e microeletrônica; dos transportes aéreos; da área da cultura e lazer; dos grandes bancos e instituições de pesquisa e ensino; das grandes empresas prestadoras de serviços e nas organizações dos trabalhadores cooperativados.

Sua política de organização privilegia os lugares estratégicos da dominação, da produção e também os lugares da economia que são fundamentais para a construção do novo projeto produtivo.

É preciso inovar, do ponto de vista organizativo, com o aproveitamento da experiência do passado, conectando-a com o tipo de sociabilidade que hoje é impulsionada como resistência à própria fragmentação da sociedade. Refiro-me à integração do lúdicoUnknown Object com o político, por intermédio de variadas formas de lazer e esportes que tendem para a vivência pública, coletiva, de molde a politizar - não quer dizer "partidarizar" - as relações entre os diversos grupos fragmentários que compõem a base social potencial do nosso projeto.

É preciso notar também que surgem, em função da fragmentação já referida, trilhares de novos movimentos e reações sociais espontâneas nos grandes centros urbanos. Elas vão desde as redes comunitárias de solidariedade, que potencialmente podem ser consideradas embriões de controle democrático do Estado, até novos movimentos culturais. Trata-se de uma alteração qualitativa na sociabilidade urbana "pós-moderna", que recompõe espontaneamente elementos vitais para uma nova ordem estatal democráticaUnknown Object.

O partido democrático do socialismo buscará na democracia moderna o que ela tem de irrenunciável: o seu potencial de revogação das desigualdades e dos privilégios e a irrenunciabilidade do direito à plena liberdade. Mas este partido deduzirá a sua idéia de democracia da idéia de igualdade social, o que significa não aceitar os limites impostos pela ordem do capitalismo globalitário.

*As posições que tento caracterizar aqui não se referem milimetricamente à "esquerda" ou ao "campo moderado" do partido, mas a conjuntos de idéias que muitas vezes se integram e se confundem na vida partidária. Entendo que em ambos os campos existem contribuições substanciais para superarmos os atuais limites do nosso projeto partidário.

Tarso Genro é membro do Diretório Nacional do PT, ex-prefeito de Porto Alegre (1993-96)

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