Estante

Vol.I A resistência à ditadura; Vol.II A crise do milagre brasileiro; Vol.III A reconstrução

Celso Frederico revive, aqui, importante pesquisa documental sobre as complexas e problemáticas relações entre a esquerda e o movimento operário, num período decisivo, que se inicia com a crise de 64 e vai até a reorganização do movimento sindical nacional.

O volume I - A resistência à ditadura - cuja reedição está programada pela Oficina de Livros reúne textos do PC, PC do B, Polop, AP, PCBR, ALN, Ala Vermelha, VPR, entre outros, oferecendo elementos relevantes para a análise da esquerda sobre o significado de 64. Da equívoca tese do PCB, que caracterizou sua ação no pré64 como comportando um "desvio de esquerda", até a crítica feita pelos outros agrupamentos que entendiam que o principal limite daquele partido foi ter cometido um "desvio de direita", este volume mostra, numa leitura crítica dos documentos transcritos, a tragédia que marcou a nossa esquerda durante o período estudado pela antologia. A direitização do PCB, sua prática sindical conciliadora, sua atuação politicista, seu descolamento cada vez maior do movimento operário, sua quase diluição no interior do MDB. Em contrapartida, a crítica elaborada à esquerda do PC que, entretanto, não conseguia soldar-se ao movimento operário e que, muito rapidamente, no curso da radicalização política do bonapartismo militar de 68/69, deu origem a um movimento armado que falava em nome das massas trabalhadoras, mas que não contava com sua adesão. Conciliação e reformismo de um lado; foquismo e ultra-radicalização de outro. O resultado, trágico, foi a brutal derrota da esquerda e do movimento operário, intensificada a partir da greve de Osasco em 68 e de decretação do AI-5 e que atingiu seu ponto mais crítico em 71 quando, segundo Celso Frederico, "o cerco se fechou e o movimento operário foi desmantelado".

O volume II - A crise do milagre brasileiro - traz documentos com várias informações sobre as repercussões da crise junto ao movimento operário nos primeiros anos da década de 70 e a "acumulação de forças" que este empreendeu entre 75/77. Época em que, sob a vigência do "milagre econômico", desmoronava a crença da esquerda na tese da estagnação do pós-64, quando na verdade se desenvolvia um brutal expansionismo. Estes documentos estampam as conseqüências econômicas, sociais e políticas do terror de Estado praticado pela ditadura militar que, dizimou inicialmente a esquerda armada para depois atingir a espinha dorsal da esquerda tradicional, especialmente do PC e PC do B, através da prisão (e morte) de vários membros de seus respectivos Comitês Centrais. Destacam-se neste volume as informações da resistência operária nos anos 73/74, quando a eclosão de algumas greves não pôde encontrar repercussão na grande imprensa, então sob terrível censura. Pode-se, lendo estes documentos, obter informações da dura luta de resistência defensiva do movimento operário e da esquerda, bem como da reorganização das oposições sindicais, suas concepções em busca da independência operária e da estratégia classista. A Antologia acrescenta documentos do POC, MEP, MR8, além das organizações anteriormente citadas e que peraneciam com atividade ao longo dos anos 70.

O volume III - A reconstrução - inicia-se com documentos da esquerda sobre as greves metalúrgicas de 1978/ 80, ocorridas no ABC paulista e na cidade de São Paulo, chegando às articulações sindicais que deram origem à CUT e à Conclat, ao final de 83. Traz documentos das Oposições Sindicais, do PC do B, MR-8, PCB, AP-ML, de militantes diversos e tendências presentes no interior do PT. É particularmente importante a polêmica sobre as greves metalúrgicas de 79 no ABC e em São Paulo, bem como a greve dos 41 dias, em São Bernardo, em 80. Uma leitura que permite constatar o distanciamento prático do PCB que, após a repressão que sofreu nos anos 70, consolidava a concepção da "frente democrática" em detrimento do movimento operário.

Completam este volume documentos de setores que se encontram na gênese das centrais sindicais em nosso país ao final de 70 e início de 80. Textos da Unidade Sindical, do Entoes, da Anampos, que demarcavam as diferenças e heterogeneidades presentes no interior do nosso movimento sindical e que se constituem em importante material para o entendimento do porque da impossibilidade, naquele momento da nossa história sindical, da constituição de uma única central sindical, ao menos no campo da esquerda. Clivagens sindicais e políticas obstavam uma unidade concreta no interior do mundo do trabalho. De lá para cá esta história é conhecida e tem sido objeto de pesquisa e controvérsia...

Trata-se de urna pesquisa abrangente e séria; realizada junto ao Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano em Milão, ao Arquivo Edgard Leuenroth da Unicamp, ao Centro Pastoral Vergueiro, entre outros centros de documentação, e que fornece expressivo acervo para novos estudos acerca do entendimento feito no interior da esquerda sobre o movimento operário.

Ricardo Antunes é professor de Sociologia do Trabalho na Unicamp.