Estante

As Políticas Culturais e o Governo LulaA coleção Brasil em Debate da Editora da Fundação Perseu Abramo tem por objetivo “mostrar de forma direta e simples, as principais áreas em que as transformações [dos dois governos liderados pelo presidente Lula e pelo Partido dos trabalhadores] ocorreram, como elas foram feitas e como possibilitaram que tais resultados fossem alcançados, para que haja o fortalecimento da democracia e a ampliação do conhecimento sobre o quadro político atual”.

Para fazer cumprir esses objetivos na área da cultura ninguém mais qualificado do que o professor Albino Rubim da Universidade Federal da Bahia, “militante e pesquisador”, hoje secretário de Cultura da Bahia, intelectual pioneiro na discussão das relações entre as comunicações e a política e, de há muito, dedicado às questões relacionadas às políticas culturais.

Em texto ágil e de fácil leitura o professor Albino vai além dos oito anos de governo Lula e faz uma síntese das questões envolvendo as políticas culturais no Brasil em torno do que ele chama de “tristes tradições”: ausência, autoritarismo e instabilidades.

Desde os antecedentes pioneiros ainda da década de 30 do século passado – com Mário de Andrade na Prefeitura de São Paulo e Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde do primeiro governo de Getúlio Vargas –, o livro mostra as oscilações entre as três “tristes tradições” e se concentra no período posterior a 1985 quando, no governo Sarney, foi criado o Ministério da Cultura.

Desde que se implantou no nosso país a lógica das leis de incentivo fiscal (1986), a presença e/ou ausência do Estado como formulador de políticas e a abdicação dessa responsabilidade – entregue ao mercado, embora os recursos para o setor continuassem sendo basicamente públicos –, talvez seja o eixo principal em torno do qual se consolidam historicamente as três “tristes tradições”.

É necessário que Lula assuma o poder (2003) e escolha Gilberto Gil – e depois Juca Ferreira – como ministros da Cultura, para que a “lógica de incentivo fiscal”, levada ao extremo no período tucano (1994-2002), seja rompida através de uma nova conceituação – ampla e transversal – do que seja cultura.

Um exemplo emblemático refere-se ao que ocorre com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Como diz o professor Albino “desde sua fundação em 1937 até o final dos anos 70, o Iphan só tombou como patrimônio cultural, bens de pedra e cal vinculados às classes dominantes: palácios, fortes e igrejas, em geral católicas e de estética barroca. O patrimônio, material e imaterial, associado aos setores oprimidos e excluídos foi sistematicamente não reconhecido e desconsiderado. (...) A ampliação do conceito de cultura. permite que o ministério deixe de ter seu raio de atuação circunscrito ao patrimônio (material) e às artes (reconhecidas) e abra suas fronteiras para outras culturas: populares; afro-brasileiras; indígenas; de gênero; de orientação sexual; das periferias; audiovisuais; das redes e tecnologias digitais etc.”

A ação do MinC no período que vai de 2003 a 2010 é analisada ao longo do livro que descreve os principais programas criados e colocados em execução. Vale lembrar, por exemplo, a realização de duas Conferências Nacionais de Cultura e a implementação do Programa de Formação e Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro, o conhecido e bem-sucedido DOC-TV, lançado em 2003, e o Projeto Pontos de Cultura parte do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, criado em 2004.

No que se refere às conexões contemporâneas entre cultura e comunicação, o professor Albino, reconhece que, apesar do MinC “haver se mostrado sensível”, os projetos mais ambiciosos na área enfrentaram enorme resistência de setores conservadores da sociedade, em especial aqueles vinculados à grande mídia e até mesmo de alguns setores do governo, como o próprio Ministério das Comunicações.

Os exemplos definitivos são a tentativa frustrada de transformar a Agência Nacional de Cinema (Ancine), em Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), que não logrou nem mesmo ter um projeto oficial; e a criação de uma rede pública de televisão, inicialmente articulada dentro do MinC. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), como se sabe, acabou sendo criada, todavia, “a participação mais efetiva do MinC se tornou paulatinamente menor, o que ocasionou a retração de uma dinâmica mais cultural e inovadora em termos de formatos audiovisuais.”

Ainda na sua Apresentação, o professor Albino chama a atenção do leitor (a) para as dificuldades de se fazer a avaliação de uma experiência que está em andamento. Ao final do livro vai ficando claro a necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional de vários projetos de lei que impedirão que uma das três “tristes tradições” – a instabilidade – volte a perturbar o MinC e impeça a continuidade das políticas de cultura iniciadas no governo Lula.

As Políticas Culturais e o Governo Lula constitui leitura obrigatória não só para gestores de cultura e interessados nas políticas da área, mas é também indispensável para quem quiser conhecer um pouco mais sobre um setor fundamental para a própria identidade nacional.

Venício A. de Lima é sociólogo e jornalista, autor de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa