Estante

capaalceu.pngAlceu Amoroso Lima, também conhecido pelo pseudônimo de Tristão de Ataíde, foi um dos mais fecundos pensadores brasileiros do século 20. Conhecer sua história e sua obra é descobrir a influência sobre a formação de sucessivas gerações no país. Daí percebemos a importância do trabalho do professor Candido Mendes que resultou no esplêndido Dr. Alceu: da "Persona" à Pessoa. Alceu bem merece uma leitura tão detalhada, cuidadosa, amorosa e, por isso mesmo, crítica. E a recebeu a partir das lentes de um mestre, o professor Candido. Pensador cristão católico, de leituras amplas, profundas e criteriosas, ele faz um acompanhamento crítico da trajetória daquele que também foi seu mestre, com propriedade para apontar limites claros de seu pensamento e, a partir dessa abordagem, abrir novas perspectivas na obra de Alceu.

O livro torna-se uma leitura obrigatória, primeiro pela própria presença de Alceu, essa forte personalidade da nossa história que, sobretudo a partir dos anos 60 do século passado, foi se constituindo um baluarte. Sua coluna no Jornal do Brasil, às quintas e sextas-feiras, foi referência da resistência democrática ao golpe de 1964. Ao mesmo tempo em que era uma trincheira de luta na defesa dos pobres, dos trabalhadores, pela justiça social, era sempre atenta aos jovens. A juventude calada, reprimida, principalmente depois de 1968.

O livro de Candido Mendes valoriza essa dimensão e, concomitantemente, explora bastante a contribuição para o pensamento cristão, sempre com olhar crítico. Sabemos que a tradição cristã tem duas referências históricas fundamentais: uma é Santo Agostinho, que foi maior e mais importante do que a gente imagina, inclusive abrindo caminhos à hermenêutica. Depois vem São Tomás de Aquino, com quase mil anos de diferença. Nossa geração teve forte influência de Jacques Maritain, que trata do humanismo integral, do homem e do Estado, dos direitos do homem, de cristianismo e democracia, a pessoa e o bem comum, entre outras questões importantes. Mas são leituras que têm limites. Por exemplo, no princípio de uma política humanista, Maritain simplesmente desqualifica Maquiavel. Faz também uma leitura muito rigorosa em relação aos contratualistas (Hobbes, Locke, Rousseau).

O professor Candido Mendes navega nesse território, questionando certos postulados históricos fundantes do pensamento cristão católico. Ele resgata o que há de permanente: o compromisso com a justiça, com a dignidade humana. Mas abre novas possibilidades: o pluralismo, o multiculturalismo, as novas interpretações no campo da hermenêutica, da dimensão da História. Ele nos lembra que a vida não se dá no abstrato, mas sim em condições históricas concretas, às vezes sofridas, com limites cruéis e implacáveis, e o julgamento não se dá naquele momento, mas na História.

O livro de Candido é fonte de muitos aprendizados e nos remete a importantes reflexões, como a questão do bem comum. Não podemos negar que nós, cristãos, temos uma visão do bem comum um pouco romântica, até apartada da realidade. Ele é um valor, é o justo, às vezes vinculado a um conceito de ética frágil, sem historicidade, sem carne. O professor Candido coloca muito bem: a dimensão do bem comum é histórica, ela se dá nas contradições da realidade. Vivemos numa sociedade conflitiva, com diferentes interesses em jogo e, nessas condições, as coisas acontecem concretamente, muitas vezes na disputa, no conflito democrático, ético, com limites, mas sabendo que as coisas não são dadas a priori.

Candido nos traz o Alceu dialético e, por isso mesmo, crescido em humanidade. Ressalta os muitos valores de seu pensamento e, ao não se abster de indicar os limites, aponta para as muitas possibilidades que se abrem a partir de tão sólida matriz. Por isso seu livro, desde o nascimento, põe-se entre as principais referências para compreender e aprofundar uma corrente importante e muito influente do pensamento brasileiro.

Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome