Estante

Forum Social MundialJosé Corrêa Leite trata o Fórum Social Mundial como uma invenção política. Aqueles que têm acompanhado os diversos Fóruns e sabem que são encontros de movimentos sociais e ONGs de diferentes países do mundo se perguntam: “Por quê? Historicamente já não existiam encontros internacionais? Não existiam movimentos sociais no mundo inteiro?”

Para o autor de Fórum Social Mundial – A História de uma Invenção Política, no fim do século 20 ocorreram grandes mudanças com o colapso da União Soviética e com a queda do Muro de Berlim; o capital internacional se globalizou e o capitalismo entrou numa nova fase da globalização neoliberal. Sobretudo nos países do Sul, pioraram as condições sociais, o que fez com que surgisse uma crescente resistência nas diferentes camadas populares. Citando A Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm, chega à conclusão de que o novo cenário abria caminho para novos experimentos. Novas práticas de lutas sociais foram conseqüência desse desenvolvimento. Os protestos de Seattle a Gênova abriram uma nova fase na resistência contra a globalização. Participaram dessas manifestações muitos jovens que não eram ligados politicamente aos tradicionais partidos ou estruturas. As possibilidades de comunicação facilitaram a criação de redes interligadas.

No Brasil, onde havia fortes movimentos políticos e sociais, surge a iniciativa de organizar um encontro anti-Davos. José Corrêa desenha o caminho percorrido pelos movimentos sociais até chegar ao I Fórum Social Mundial, com o lema “Um mundo melhor é possível”, em Porto Alegre, cidade do Orçamento Participativo. Todas as expectativas foram ultrapassadas, pela primeira vez a política neoliberal e o pensamento único foram questionados. O autor constata: “O Fórum (...) acabou se transformando em algo muito maior e um pouco diferente do que originalmente previsto, configurando uma nova realidade”. Uma realidade que expressa a vontade de muitos de resistir ao neoliberalismo, de travar uma luta contra as conseqüências fatais de uma política de exclusão social e antidemocrática.

Mantendo a diversidade, as convergências e a internacionalização, o processo do Fórum seguia se desenvolvendo. Realizaram-se mais dois em Porto Alegre e o quarto em Mumbai, na Índia. No decorrer dos anos após o primeiro FSM em Porto Alegre realmente se pôde constatar que se tratava de uma invenção política.

Numa síntese geral, José Corrêa chega a algumas conclusões: o Fórum é um espaço, e não uma organização; incorpora de forma pluralista setores que se identificam com os objetivos de lutar contra o neoliberalismo; sua diversidade é uma força; é um processo no sentido de ser uma parte de um movimento mais amplo; em sua base se pode construir um novo internacionalismo; mostrou que existem outros valores que não apenas o ditado pelos mercados; dele participa uma nova geração de atores que não sofreram as derrotas do passado.

O autor também aponta as dificuldades enfrentadas pelo processo do Fórum. Um dos problemas diz respeito ao próprio futuro desse processo. Trata ainda da complexa relação de movimentos sociais e partidos políticos. Sua Carta de Princípios não permite que partidos políticos e outras instituições governamentais integrem o Fórum como organizadores, pois isso, segundo o autor, poderia ter conseqüências desastrosas “para a dinâmica do Fórum”, tal qual o Foro de São Paulo, exemplifica.

José Corrêa reconhece os partidos políticos como parceiros de um certo diálogo, mas duvida que, ao lado dos movimentos sociais, possam ser decisivos para uma recomposição para uma nova esquerda mundial. Este parece ser o ponto fraco na análise do autor. Os partidos de esquerda não podem ser excluídos de uma nova e tão necessária composição das forças da esquerda. Apesar dessa restrição, o pequeno livro representa uma necessária contribuição ao debate sobre o futuro do Fórum Social Mundial e uma preciosa avaliação de seu processo.

Joaquim Wahl é diretor do Instituto Rosa Luxemburg Stiftung no Brasil