Estante

ofilhodobrasiledxama.jpgA obra de Denise Paraná, O Filho do Brasil - de Luiz Inácio a Lula, teve origem em sua tese doutoral junto à USP. É uma nova abordagem sobre o particular, com as questões subjetivas. Envolve Lula em todas essas questões, a partir de uma contradição, ou quase contradição, de situações: Lula, de uma situação de pobreza transforma-se para outra situação. O seu primeiro passo foi o estudo profissional. O segundo foi o trabalho no sindicato. O terceiro foi a revelação da situação geral (política, militar, policial, social e econômica) do Brasil.

Os conceitos de cultura da pobreza e de cultura de transformação foram acompanhados pelo estudo dos Silva. As entrevistas com Lula, Frei Chico, Vavá, Marinete, Maria, Tiana (Ruth) e Jaime, embora repetitivas, com modestos vocábulos, são reveladoras.

De uma situação de miséria, pobreza e alienação, surgem novas formas de entendimento das circunstâncias. As personagens adquirem uma consciência social maior, humanista até, e procuram interagir na sociedade a fim de alterar a ordem vigente. O estudo sobre Lula, neste contexto, mostra o particular e o universal presentes nos momentos políticos mais importantes como os da greve em 1978, das fundações do PT em 1980 e da CUT em 1983. A liderança de Lula, também, se fez sentir por questões objetivas. Para essa análise muito serviram as obras de Oscar Lewis e de Eder Sader. Da mesma maneira,a obra de Ecleia Bosi constituiu um ótimo fundamento, pois "A memória pessoal é também a memória social". Os trabalhos de José de Sousa Martins foram importantes na análise.

As entrevistas ganham importância, à medida em que o discurso oral exprime mais as emoções do que o escrito. Não é sem sentido que se deve compreender o homem a partir do seu mundo subjetivo, junto com o seu mundo material. O oportuno uso da obra de Peter Gay nos dá o movimento das personagens dentro da História; pois, aparentemente parecem estáticas.

Para se chegar à cultura de transformação deve ocorrer a superação da cultura da pobreza pela substituição da competição profissional, entre os operários, pela organização coletiva. As novas experiências de vida dentro das transformações sociais podem sugerir novas maneiras de compreender a realidade. Lula superou a cultura da pobreza.

A obra traz um quadro referencial sobre o operariado urbano, a partir da década de 50. Já no final da década de 70, no ABC, os trabalhadores avançaram para posições de uma melhor conscientização política. A grande mola propulsora foi o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.

É um trabalho que foge do comum, de posições neutras a respeito do objetivo de sua pesquisa. Tende ao elogio sem fazer panegírico. Exagera em qualidades conotativas, metáforas, sem mascarar a verdade. É um estilo assumidamente emocional, vibrante e claro. Por isto, é rico em esclarecimentos. Esta face interliga-se com as outras. O prosaico é uma forma de conhecimento. Lula é a figura central. Perdeu o dedo mínimo. Segundo o conhecimento antigo, é o dedo do imaginário, da vivacidade e da rapidez. O trabalhador, na sua oficina interior, o reconstituiu por meio dos demais dedos, das demais potências. As mãos, que representam o coletivo no indivíduo, assumiram aqueles valores perdidos. O símbolo é forte.

Sob certo aspecto, é um retorno aos tempos de Dionísio, onde o pensamento mítico tinha mais condições de valorizar o Homem, em todas as suas dimensões, inclusive a divina. Com a lógica apolínea, o particular cedeu ao coletivo e o Estado fortaleceu-se ao reduzir o indivíduo. Uma história de vida, do microcosmo, sempre é analógica. Pois é rica na simbologia que se desdobra em muitas interpretações. Esta é uma tentativa de enriquecer a história do coletivo utilizando-se, também, de histórias de vida; é a retomada de valores dionisíacos; portanto, humanistas, cuja ponta do discurso é a universalidade dos sentimentos humanos. Entender essa dialética é apostar na sobrevivência da história.

Teófilo Otoni V. Torronteguy é doutor em História Social pela USP e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Maria.