A crítica não dialética é incapaz de identificar as muitas contradições da realidade concreta e, portanto, de formular propostas de superação
A crítica não dialética é incapaz de identificar as muitas contradições da realidade concreta e, portanto, de formular propostas de superação
Amigo fraterno, por quem tenho especial respeito no campo intelectual e político, me advertiu sobre o pessimismo desesperançado, quase frankfurtiano, de texto meu sob o título “Regulação da mídia: o ruim sempre pode piorar”.
Admito que ele tem razão.
A crítica não dialética é incapaz de identificar as muitas contradições da realidade concreta e, portanto, de formular propostas de superação. Pior ainda, pode levar à impotência e ao imobilismo e nos eximir da responsabilidade de encontrar alternativas. Na verdade, é oposta à afirmação de Gramsci que recomenda o otimismo da vontade diante do pessimismo da razão.
Não há como negar os fatos que analisei e ainda outros, mais recentes, como o recuo do relator da CPI do Cachoeira em relação ao pedido de investigação do diretor da revista Veja em Brasília. Eles comprovam uma impressionante incapacidade histórica do nosso país de enfrentar as corporações midiáticas e avançar na construção de políticas públicas democratizantes no campo das comunicações.
Por outro lado, é verdade também que nunca as circunstâncias mundiais foram tão eloquentes para revelar, comparativamente, o atraso brasileiro. Mais ainda: nunca o esforço da sociedade civil organizada foi tão grande no sentido de pautar o debate público sobre a liberdade de expressão.
De fato. Apesar da predominância de notícias parciais e distorcidas que circulam aqui, o Relatório Leveson, depois de dezesseis meses de investigação conduzida por um juiz federal que ouviu desde o primeiro-ministro até barões da grande mídia ingleses, recomenda a criação de uma agência reguladora independente, tanto da indústria de comunicação quanto do governo, e amparada por lei. O fato de isso ocorrer na Inglaterra, berço moderno da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir, onde já existe uma agência reguladora para as comunicações – a Ofcom –, torna ainda menos defensável e mais surreal o argumento de que qualquer regulação da mídia significa controle e censura.
Da mesma forma, os acontecimentos em torno da Ley de Medios na Argentina, aprovada no Congresso Nacional e repetidamente contestada na Justiça pelo principal oligopólio privado de mídia – o Grupo Clarín –, mostram a enormidade da resistência daqueles que se agarram a seus privilégios e ignoram o declarado compromisso liberal com a liberdade de expressão.
No Brasil, desde a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009, não acontecia um esforço coletivo tão importante de organização e mobilização coletivo. Refiro-me à campanha “Para expressar a liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”, que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) lançou em abril de 2012.
Eventos de lançamento regional da campanha têm sido realizados em vários estados e o relator especial pela liberdade de expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue, vem ao Brasil para participar de atividades em São Paulo e em Brasília.
A campanha “Para expressar a liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”, apesar de seu boicote sistemático pela grande mídia, tem recebido considerável atenção nas redes públicas de rádio e televisão, nas emissoras comunitárias e sindicais, nos blogs, sites, portais e nas redes sociais, capazes hoje de construir um embrionário espaço público alternativo por onde circula esse tipo de informação.
Parece haver também um alentador despertar de setores da academia para a questão da liberdade de expressão na América Latina. Embora não tenha se confirmado o papel de liderança que se esperava viesse a ser exercido pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, há um intercâmbio crescente entre pesquisadores e estudantes da região. Alunos de pós-graduação desenvolvem projetos de pesquisa comparada e novas linhas de pesquisa devem ser criadas em programas de ciência política e comunicação.
Paralelo a isso, há um interesse crescente no tema por parte de instituições como o Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso) e de agências de financiamento de pesquisas, além de entidades históricas como a Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic).
Há de se registrar também a atenção que alguns partidos políticos finalmente parecem estar dedicando ao tema.
Por fim, depois de mais de duas décadas, há hoje um Conselho Estadual de Comunicação Social em funcionamento na Bahia e processos de instalação de mais dois, no Rio Grande do Sul e em Brasília. É ainda muito pouco, mas há avanço na área.
Todas essas iniciativas revelam uma realidade nova em que a sociedade civil – o eterno não ator – está viva e se movimentando mais do que nunca, sabedora de que o caminho pela frente é longo e difícil.
De qualquer modo, é importante que não nos deixemos contaminar pelo pessimismo estéril. Fiquemos com o otimismo realista do grande pensador da Sardenha.
Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros