O Partido dos Trabalhadores realizou nos dias 2, 3 e 4 de setembro o seu 4º Congresso, em etapa extraordinária, quando aprovou resoluções que podem mudar significativamente a composição partidária no futuro, como a paridade de gênero e o mínimo de 20% de jovens em suas direções, e resgatam algumas de suas bandeiras históricas. Sobre esse momento do partido, Teoria e Debate conversou com o seu presidente nacional, Rui Falcão
Há um sentimento geral de que com este 4º Congresso inaugura uma nova fase do PT. Na sua avaliação, isso tem alguma relação com o fim do governo Lula?
Depois de oito anos de governo Lula e com a terceira vitória consecutiva em eleições presidenciais, o PT precisava expor mais o seu projeto estratégico porque tem um projeto de transformação da sociedade brasileira e não apenas de ganhar eleições e governar o país. O 4º Congresso mostrou isso, ao tomar decisões que antecipam realidades que o Brasil já deveria estar vivendo.
A primeira delas é imprimir na prática partidária a igualdade de gênero. A paridade de gênero na composição das direções, delegações, comissões, aprovada, guarda coerência com uma de nossas bandeiras que é construir no Brasil a igualdade de gênero, acabar com o preconceito que ainda pesa contra as mulheres. Esse é o primeiro recado do PT à sociedade.
A segunda diz respeito à renovação. Queremos renovar nosso partido e para isso decidimos que nossas direções tenham pelo menos 20% de jovens. A ideia de renovação se expressou também na decisão de limitar o número de mandatos parlamentares. Junto com essas resoluções muito importantes na relação do PT com a sociedade há também a decisão de fazer uma grande campanha nacional de filiação. O PT hoje tem 32% da simpatia da população, tem a maior votação, governa o país pela terceira vez, mas tem apenas 1,5 milhão de filiados. Queremos ampliar esse número e transformar a simpatia manifesta nas pesquisas e que se realiza nas eleições em participação na vida orgânica partidária. Queremos que essas pessoas ajudem a formular nossas políticas e a decidir em conjunto.
O 4º Congresso também aprovou uma resolução política abrangente, resgata o governo Lula, apoia o governo da presidenta Dilma, mas acima de tudo reafirma bandeiras partidárias e lutas dos movimentos sociais. Como foi o processo de elaboração e o que você destacaria desse documento?
Inicialmente era somente debater mudanças no estatuto do partido, mas decidimos que o congresso também teria esse marco: fazer um balanço do governo Lula, uma avaliação dos oito primeiros meses de governo Dilma e criar uma agenda própria para o partido. Para isso, nós tivemos um processo que envolveu todas as tendências do partido e contou com a colaboração de um grupo de conjuntura da Fundação Perseu Abramo. O fato de ter sido feito a várias mãos, possibilitou que fosse apresentado como documento-base da Executiva Nacional, o que não era muito comum nos últimos tempos.
Além de fazer um balanço positivo do governo Lula e dos oito primeiros meses do governo Dilma, a resolução reaviva o compromisso do PT de ter uma agenda comum com os movimentos sociais, a CUT, o MST, resgata bandeiras nossas históricas, como o internacionalismo – principalmente em relação aos países da América Latina –, apoia a luta pela conclusão da reforma agrária no país, a redução da jornada de 40 horas sem redução de salários, a votação imediata da Comissão da Verdade. Também se dispõe a fazer uma campanha pela redemocratização dos meios de comunicação, uma bandeira agitada pelo PT desde sua fundação, que teve em Perseu Abramo um de seus defensores históricos, e que nada tem a ver com censura, controle, interferência no conteúdo. Ao contrário, quer mais liberdade de expressão, mais versões sobre um único fato e que a sociedade tenha acesso amplo a esses meios, não apenas para ser informada mas também para informar. Por isso, nosso apoio ao marco civil da internet, diverso do AI-5 digital defendido pelo senador Azeredo.
Enfim, o 4º Congresso põe o PT na agenda da sociedade e convoca a militância a participar ativamente de suas instâncias, traçar políticas e influir nas decisões coletivas.
Além de uma moção em que apresenta um compromisso com uma agenda estratégica para as comunicações, a resolução enfatiza a defesa do marco regulatório para democratizar a mídia no país. Qual deve ser a atuação partidária nesse sentido?
Criamos um grupo de comunicação ligado à presidência do partido que, a partir dos documentos aprovados, poderá ter um calendário de debates, cartilha, incluindo a discussão sobre o marco regulatório que está sendo finalizado e deve ser submetido à consulta pública e apresentado ao Congresso Nacional até o fim do ano. Na área de comunicação, essa é nossa agenda, além de estimular os blogueiros independentes, os militantes que querem construir núcleos do PT em atividades virtuais. Por exemplo, no Nordeste, há os Guerrilheiros Virtuais. Queremos valorizar essas novas formas de comunicação, que reúnem a juventude e formam uma rede de comunicação social, com sindicatos, a Brasil Atual, o Intervozes, enfim, vários grupos que lutam pela democratização da mídia e podem participar dessa campanha pela democratização da comunicação no país.
Há algum sentido na afirmação de que o congresso seria a tentativa do PT de privilegiar menos a luta institucional com os partidos aliados para ganhar a opinião pública para suas bandeiras?
Eu diria que o PT apoia o governo, participa do governo, tem uma agenda comum com o governo mas tem também uma agenda voltada para a sociedade. Não é uma coisa ou a outra, são duas formas de luta e participação. Em um momento anterior, talvez, o PT estivesse voltado mais para a agenda governamental. Continuaremos com o mesmo peso na sustentação ao governo, participando de seus projetos, ajudando a encaminhá-los, mas também queremos ter nossas próprias bandeiras e um diálogo direto com a opinião pública.
As alterações estatutárias aprovadas no partido têm consequências internas, mas no que elas podem influenciar na relação do PT com a sociedade?
Estamos com uma campanha em defesa da reforma política e eleitoral no Brasil. A despeito de serem ou não aprovadas medidas que consideramos corretas para o funcionamento do parlamento, estamos mostrando para a sociedade como achamos que deve ser a relação dos partidos com seus filiados. Fizemos isso ao criar a cota de 30% de mulheres nas chapas e que depois virou lei no país. Pode até parecer exótico para uns, o PT criar e se submeter a regras internas que não valem para os outros, mas nós estamos dando o exemplo, estamos prenunciando um outro tipo de sistema, possível e melhor. Quantas mulheres, por exemplo, que estão na vida política, poderão cobrar de seus partidos que haja uma sincronia com a política que o PT começa a aplicar?
Há alguma chance de influência na proposta de reforma política em curso?
Talvez, no curto prazo, não. Vimos batalhando pelas eleições diretas durante alguns anos. Essas medidas inovadoras e transformadoras muitas vezes não têm efeito no curto prazo, pode demorar dez anos ou a materialização de uma dessas realidades pode encurtar os tempos.
Qual a qualidade da relação estabelecida entre o Partido dos Trabalhadores e o governo da presidenta Dilma?
Nós temos uma relação muito positiva, em primeiro lugar porque o contato entre a Executiva do PT e a presidenta é muito fácil; em segundo porque os nossos ministros são bastante acessíveis, têm visitado os estados, tido contato com as bancadas parlamentares e com as direções partidária. Essa interação também facilita as relações. Outro aspecto positivo é que em momentos de discussão de grandes projetos e de medidas de maior impacto, como de elevação do superávit primário, há sempre uma reunião do Conselho Político, organismo no qual estão todos os partidos da base, inclusive o PT. A relação partido–governo está bem azeitada.
A presença da presidenta no Congresso do PT é mais um dado nesse sentido. Ela fez um discurso político importante, demarcou sua condição de militante e sua integração com o ex-presidente Lula, ao contrário do que tenta mostrar a mídia. Alertou para os riscos da crise econômica, mas afirmou que não sacrificaremos nossas políticas, reafirmou seu compromisso com a política de de defesa dos direitos humanos, que é a mesma do PT. Há uma integração muito grande entre partido e governo, naturalmente guardando as particularidades de cada um.
O Congresso já aprovou uma política de alianças para as eleições de 2012...
Nossa política de alianças é no sentido de fazer o PT crescer em número de prefeituras e aumentar a presença nas Câmara de Vereadores, fortalecer o partido pensando inclusive nas eleições de 2014, embora não haja uma relação automática entre os dois processos. Procuraremos manter as prefeituras que temos e conquistar outras em cidades estratégicas, ter como aliados os partidos que dão sustentação ao governo da presidenta Dilma. Assim, em municípios onde a candidatura de um aliado se revelar mais viável e competitiva, a ideia é que o PT o apoie, naturalmente levando em conta programa e princípios. Teremos como adversários, e não comporemos chapa com o PSDB, o DEM e o PPS, partidos que queremos derrotar em todo país.
Na sua opinião, a oposição está se recompondo?
A oposição era caudatária de propostas que vêm sendo derrotadas no plano internacional, como as ideias de que o mercado regula tudo e do Estado mínimo. A aplicação dessas políticas na Europa para combater a crise tem resultado em seu aprofundamento e sacrificado as populações dos países europeus.
Então, como no Brasil a oposição, particularmente PPS, DEM e PSDB, era defensora dessas ideias, ficou sem rumo, sem orientação e sem projeto. Também o fato de perder três eleições presidenciais consecutivas a desarmou, já que os partidos que a compõem faziam política a partir da ocupação de espaço no aparelho de Estado. Desalojados daí, sem vinculação com os movimentos sociais, não sabem como fazer oposição e se agarram a temas pontuais. Torciam pela volta da inflação, imaginando que as medidas de combate à crise não seriam suficientes e que o país seria tomado por ela. Mas desde o governo Lula a nossa economia vem sendo blindada, ampliou-se o mercado interno, constituíram-se reservas internacionais e houve diversificação de nossos parceiros internacionais, comerciais e diplomáticas.
O Brasil seguiu outra política que dá novamente condições de o país resistir à crise internacional. Isso deixa a oposição totalmente sem perspectivas neste momento.
E quanto à tentativa de a oposição querer encampar um movimento contra a corrupção no país?
O nosso governo desde o primeiro mandato do presidente Lula vem combatendo a corrupção e a má utilização dos recursos públicos, a apropriação de recursos para fins privados, seja para enriquecimento, seja para financiamento de campanha eleitoral. Reitero a necessidade de uma reforma política que acabe com o financiamento privado e institua o financiamento público exclusivo.
A presidenta Dilma já dissera na campanha e no seu discurso de posse que não permitiria que seu governo tivesse malfeitos e que esses permanecessem impunes. Esses malfeitos aparecem porque o presidente Lula restruturou a Corregedoria Geral da União, hoje um organismo respeitado internacionalmente, valorizou a Política Federal, que estava sucateada, contratando mais e investindo na especialização de seus quadros e em novos equipamentos. O mesmo ocorreu com a Receita Federal. Esses mecanismos de fiscalização de controle permitiram que qualquer tentativa de corrupção pudesse ser detectada. Isso a nossa presidenta, assim como o Lula, vem fazendo.
Não é admissível que aqueles que permitiram que a corrupção grassasse ou foram coniventes com ela queiram agora se erigir em juízes da moralidade e colocar todos os políticos numa vala comum. Sabemos que o objetivo que os norteia não é o de zelar pela ética e pelos bons costumes, mas tentar minar a base de sustentação do governo. Como a nossa presidenta disse, corrupção não é programa de governo, nosso programa de governo é erradicar a pobreza extrema, fortalecer o mercado interno, transformar a economia brasileira em uma das maiores do mundo, com a população participando dos frutos do desenvolvimento, aprofundar a democracia com a reforma política e maior participação da população, não só nos processos eleitorais como também na definição das políticas públicas, como vem ocorrendo por meio das conferências. Combater a corrupção não deve ser tarefa exclusiva do governo, mas de toda a população, que deve zelar para que o dinheiro dos impostos seja aplicado em finalidades públicas e não apropriado para benefícios privados.
E para finalizar...
Para finalizar, eu acho que a Teoria e Debate eletrônica está muito boa. Tenho muita satisfação em ser o primeiro presidente do PT a ser entrevistado na nova fase da revista. Sou o presidente 3.0, uso uma conexão thunderbolt, mais rápida que a 2.0
Rose Spina é editora de Teoria e Debate