Mundo do Trabalho

Dentro da estrutura sindical herdada do modelo corporativista fascista da década de 30, duas concepções apontam caminhos opostos. De um lado, a CUT propõe um sindicalismo autônomo, classista e de massas. De outro, a CGT, e o propagada "sindicalismo de resultados". Aqui, uma análise detida explica melhor cada um deles.

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A conjuntura nacional, marcada por uma profunda crise econômica, social e política, vai avançando para um período de definição dos rumos da transição política conservadora.

Na estratégia de "transição lenta, gradual e segura", a "Nova República" vai se confundindo cada vez mais com o regime militar, por sua política econômica continuísta e por seu projeto político institucional conservador. Os compromissos de mudanças e as aspirações populares por democracia e participação, que emergiam da campanha pelas Diretas Já, vão sendo abandonados de forma acelerada pelo governo Sarney, enquanto o rearranjo pelo alto das elites dominantes avança na perspectiva de consolidação de um regime civil-militar conservador. O violento confisco salarial imposto pelo Plano Bresser, a subordinação aos banqueiros internacionais e o retorno ao FMI, e a preservação do modelo de acumulação herdado da ditadura militar são a expressão mais acabada desta estratégia. Enquanto a constituição vai sendo imposta pelo autodenominado "centro-conservador", que tenta assegurar alguma fonte de legitimidade para as manobras de reestruturação do passado autoritário na vida política nacional.

Em meio a este processo que perpassa toda a sociedade civil, o movimento sindical vem atravessando um processo de transição sindical. Uma transição que se processa em dois níveis básicos, o primeiro no plano institucional, que de certa forma está associado à evolução da Constituinte e que deverá determinar as mudanças no plano institucional da estrutura sindical oficial. O segundo, e mais importante, está se travando no embate político das diferentes concepções sindicais que disputam o espaço de representação político-sindical dos trabalhadores. O movimento sindical está atravessando um período de ascenso nas lutas sindicais, de grandes greves, de um intenso debate político em que se desenvolvem rearranjos de forças, articulação de novas estratégias de ação, consolidação de centrais sindicais e que será absolutamente decisivo para estabelecer o potencial e os limites da intervenção da luta sindical dos trabalhadores no cenário político nacional.

Uma das características importantes da história da industrialização e das lutas operárias no país é que o Estado sempre esteve presente e interveio de forma decisiva na evolução do mercado de força de trabalho, na determinação dos salários, na gênese e no funcionamento das entidades sindicais e em toda a disposição jurídica responsável pela normatização das relações trabalhistas.

A constituição do edifício institucional, que garante a presença determinante do Estado na estrutura sindical, tem início a partir da chamada "Revolução de 30". O processo político a partir de 1930 revela uma ruptura da "Primeira República" e é acompanhado da instalação de um Estado que, em um quadro de relativa crise de hegemonia, permite à burocracia estatal gozar de um certo grau de autonomia e reorganizar o bloco dominante sob sua direção. Verifica-se nesse período um processo de reorganização das classes sociais no Estado, estabelecendo-se políticas públicas e uma estrutura orgânica do aparelho de Estado, que permitirão um certo deslocamento do poder de decisão de grupos privados para a burocracia pública.

É portanto no início da década de 30, no contexto de um Estado que passa a internalizar os conflitos de classe inspirado no corporativismo fascista italiano, que se constitui a estrutura sindical oficial, que sobrevive às mais diversas conjunturas históricas, chegando praticamente intacta até os dias de hoje.

Os princípios que sustentaram essa estrutura sindical durante todos esses anos e que definem sua natureza podem ser resumidos da seguinte forma:
1. O corporativismo sindical, inspirado na "Carta Del Lavoro", do fascismo italiano.
2. Uma estrutura rigidamente vertical, em que a cada setor da produção corresponde uma organização uniforme para patrões e trabalhadores, hierarquizada em três instâncias: sindicatos, federações e confederações.
3. A conciliação dos interesses de classes, assegurada através de inúmeros instrumentos e pela definição do sindicato como instituição mista de direito público e privado, o que legitima os mais diversos mecanismos de controle pelo poder público.
4. A dependência e o controle do Estado através de formas diferenciadas, como:

· autorização prévia para o reconhecimento do sindicato;
· enquadramento sindical prévio;
· exigência de um estatuto padrão;
· ingerência do Estado na vida administrativa e financeira;
· possibilidade de intervenção do Poder Executivo no sindicato;
· possibilidade de cassação do mandato de diretores;
· contribuição sindical obrigatória e regulamentada pelo Estado,
· controle das eleições sindicais; e
· limitação no direito de sindicalização.

5. O assistencialismo como elemento fundamental da prática sindical. Não foram, portanto, legalizadas as formas organizativas livres, gestadas pelo próprio movimento operário, que passou a estar sob o controle direto do Estado, articulando-se os mecanismos de cooptação, repressão e controle, que, ao longo da história do país, se mostraram muito eficazes no combate aos interesses dos trabalhadores, sempre na razão direta do crescimento das lutas operárias.

A atual conjuntura histórica, depois de meio século de preservação da estrutura sindical oficial, parece apontar para a possibilidade de mudanças institucionais significativas. Porém, estas mudanças dependerão fundamentalmente dos desdobramentos da luta política que está se processando no interior do movimento sindical, mais precisamente da capacidade da CUT, que tem assumido de forma isolada a luta pela liberdade e autonomia sindical, através da reivindicação de homologação da Convenção 87 da OIT de se impor como alternativa orgânica e instituir na prática uma ruptura organizativa com a estrutura sindical oficial. As mudanças orgânicas na estrutura sindical oficial, ainda que tenham uma certa dependência com os marcos legais a serem impostos pela Constituinte, e que parecem apontar para a manutenção dos elementos centrais de estrutura corporativista e atrelada ao Estado, poderão ser impulsionadas, mesmo neste contexto, se a consolidação orgânica e a hegemonia política da CUT avançarem no conjunto do movimento sindical. E esta possibilidade histórica dependerá do embate político entre as diferentes concepções sindicais, entre CUT e CGT, no interior da CGT e na vida interna da própria CUT. Por tanto, ainda que a Constituinte projete pesadas sombras sobre a aspiração de conquista da autonomia e liberdade sindical, o movimento sindical na sua evolução política caminha em direção contrária, e parece irradiar algumas luzes, que tendem a impulsionar a transição sindical, no contexto de institucionalidade conservadora.

Embora lentamente preparado, através de uma conspiração político-militar, que começou no dia seguinte à posse de João Goulart na Presidência da República, a 7 de setembro de 1961, o golpe militar foi desfechado em 48 horas, e representou a mais profunda e dura derrota do movimento sindical e operário de toda história política do país.

Dentro do quadro jurídico-institucional que definia os limites da atuação sindical legal no período anterior, e que em suas linhas gerais já foram apontadas, o sindicato, apesar da tutela do Estado, era inegavelmente um canal de participação corporativa, por onde fluíam as demandas sociais e se exercitavam as formas de pressão dos trabalhadores sobre o Estado e o empresariado.

O pacto de dominação que caracteriza o período anterior - "pacto populista" - não só assegurava ao movimento sindical o papel de representação político-sindical aos trabalhadores, como, dentro dos limites em que a classe dominante reconhecia o conflito trabalhista como parte integrante da dinâmica social, o próprio governo em inumeráveis momentos tinha nas massas trabalhadoras urbanas organizadas sindicalmente e mobilizadas seu aliado político menor no jogo de poder estabelecido.

O golpe destruirá o antigo pacto de dominação e os marcos político-institucionais no qual este se movia.

Todo o processo de preparação e desfecho do golpe terá no movimento sindical um de seus objetivos político-militares. A desarticulação orgânica e a destruição política deste sujeito coletivo era fundamental na estratégia golpista, não só porque esta era uma frente potencialmente importante de resistência do regime anterior, mas principalmente por se tratar de um grande obstáculo na realização histórica da vontade política relativamente definida das forças político-militares que assaltavam o Estado.

A estratégia de desarticulação orgânica e tentativa de aniquilamento político do movimento sindical atuante de pré-64 foi se revelando ao longo do período e poderia ser descrita brevemente da seguinte forma:

1º A execução desta estratégia militar implicará, desde a madrugada do dia 31 de março de 1964, a invasão de centenas de sindicatos no país, a prisão, seqüestro e espancamento de milhares de líderes sindicais, a expropriação de equipamento gráfico e arquivos e a destruição de uma parte importante da memória acumulada por inúmeras entidades.

Sindicatos de Trabalhadores e Intervenções - 1964

Estados Total de intervenções % de intervenções
BA 142 26
MG 268 16
SP 490 35
GB 102 17
RJ 159 30
RS 360 5
PR 228 17
BRASIL 2786 26

Fonte: Godinho, Maurício. "As Mudanças no Sindicato Brasileiro e o Problema do Assistencialismo", Caderno CEAS, nº 72.

2º O segundo momento que acompanha a investida repressiva no movimento sindical foram as intervenções sindicais. As intervenções estavam amparadas em toda uma legislação autoritária e tutelar sobre o movimento, que, apesar de ter sido considerada com certa tolerância por governos anteriores, nunca deixou de constar no arsenal jurídico de controle do Estado sobre os trabalhadores. Vários abusos legais estiveram presentes neste processo de intervenção, desde as prisões iniciais no momento do golpe até a superficialidade das "acusações" nos inquéritos encaminhados pelo MTPS, e o desrespeito aos prazos legais para as intervenções fixadas pela CLT. Mas o que realmente merece destaque é que todo aparato institucional e jurídico de controle de tutela do movimento sindical, que sobreviveu às mais diversas conjunturas políticas, seria utilizado da forma, mais ampla e profunda em toda a história do movimento sindical brasileiro.

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3º As intervenções sindicais foram acompanhadas da Portaria nº40, que regulamentava as eleições sindicais, e da Lei antigreve 4.330, que representaram um novo conjunto de medidas que, além do efeito desorganizador sobre o movimento sindical, permitiram a consolidação das direções sindicais impostas ou comprometidas com o regime nas entidades sindicais mais importantes do país. Será a partir deste contexto que se desenvolverá uma estratégia de alterações na legislação existente, cujo elemento central será o fortalecimento das direções sindicais identificadas com o projeto político do novo governo. Estas modificações irão aprofundar o caráter autoritário e impeditivo da legislação, restringindo ainda mais a mobilidade, autonomia e democracia interna das entidades sindicais.

4º Paralelamente, o afastamento entre base e liderança, burocratização da vida sindical, esvaziamento das entidades, promovido pela "nova geração" de dirigentes, teria que ser preenchido com algum tipo de benefício, que não implicasse reforçar o papel dos sindicatos como entidades de luta e reivindicação dos trabalhadores. Esta atividade será o assistencialismo, que vinha, de um lado, ao encontro dos interesses políticos e necessidade de legitimidade das lideranças comprometidas com o governo, e, de outro, contribuía para preencher o espaço vazio deixado pela desobrigação crescente do Estado em relação aos serviços previdenciários.

5º Na gestão financeira das entidades sindicais o governo militar apenas transferiu alguns encargos e um grande volume para as entidades (análise e aprovação anual dos orçamentos, balanços etc.) sem deixar de estabelecer detalhadamente as possibilidades de aplicação dos recursos e o direito à fiscalização e intervenção política na vida associativa.

6º De forma articulada a esta estratégia de intervenção repressiva, o governo militar irá desenvolver toda urna política salarial centralizadora e autoritária, que esvaziará o espaço da negociação coletiva, eliminará gradativamente o poder normativo da Justiça do Trabalho e delegará ao governo central a definição dos índices de reajuste, conseqüentemente esvaziando o papel básico do sindicato enquanto negociador das condições de trabalho da população.

Esta operação repressiva permitirá a emergência de toda uma burocracia de pelegos, sustentados pela legislação autoritária e pelos mecanismos de repressão política policial, que se manterão ao longo destes 24 anos, praticando um sindicalismo assistencialista e juridicista.

A fonte de legitimidade desta geração de pelegos estará na "força" do projeto do governo militar para a sociedade brasileira e para a classe trabalhadora. O regime promoverá ao longo dos anos uma degradação acentuada nos níveis salariais, um processo de perda de direitos e condições de vida, uma negação ampla da cidadania política aos trabalhadores para implantar um modelo de acumulação e um projeto social e político autoritário e excludente. Os pelegos perderão força política com o transcorrer dos anos, praticamente não possuindo espaço político próprio para atuar sem o amparo de estrutura sindical e dos mecanismos autoritários de ordenação da vida sindical impostos pela ditadura.

A crise do peleguismo que aí está é estrutural, a condição de sua sobrevivência depende cada vez menos das alianças com setores reformistas, e não da própria preservação da estrutura sindical atrelada. No entanto, o governo da "Nova República" e os empresários sabem que ao longo desta última década o pólo combativo do movimento sindical, ainda que não tenha logrado romper com esta estrutura ou modificar radicalmente esta institucionalidade herdada, conseguiu avanços imensos no interior da estrutura sindical e fora dela, e passa por um processo de avanço político nas eleições sindicais e consolidação de uma nova central sindical, a CUT.

O "sindicalismo de negócios" que tem sido recentemente rebatizado por "sindicalismo de resultados", além de uma antiga tradição histórica em nível internacional, tem tentado se instalar no seio do movimento sindical brasileiro, de forma mais organizada e sistemática há aproximadamente 24 anos. A base desta concepção sindical no Brasil tem sido o ICT - Instituto Cultural do Trabalho criado em 1963, no da campanha do governo dos EUA - "Aliança para o Progresso" - e já dentro de toda a estratégia golpista apoiada amplamente pela embaixada americana, como é de conhecimento público.

O ICT desde os preparativos do golpe até hoje promoveu cursos básicos de formação que envolverem 67 mil sindicalistas, além de 3 mil sindicalistas que passaram pelo curso residencial de maior duração e, ainda, um número desconhecido de sindicalistas que foram para Front Royal, Estado de Virgínia, perto de Washington.

O ICT asssume que tem sido subvencionado pelo "Institute for Free Labor Development", também conhecido como IADESIL - "Instituto Americano para Desenvolvimento do Sindicalismo Livre" de triste passado, além de prováveis subvenções de organizações não menos obscuras, como o "National Endowement for Democracy" criada pelo governo Reagan, que enviou apenas no ano de 1985 US$ 935.450 para atividades sindicais no país.

Esta concepção sindical fez parte de toda estratégia do regime militar para o movimento sindical, no entanto, ela reaparece, em base a uma ampla campanha publicitária, com ares de novidade histórica e tentando se firma como "novo sindicalismo". Esta bem orquestrada operação tem sido possível devido a algumas condições políticas muito particulares.

Em primeiro lugar, a decomposição acelerada do peleguismo tradicional e a necessidade de governo e empresários forjarem uma alternativa confiável. Em segundo lugar, os erros da CUT nas eleições dos metalúrgicos de São Paulo, que acabaram permitindo a vitória de uma chapa abertamente identificada com esta proposta sindical. Em terceiro lugar, os equívocos da proposta de greve geral, que permitiram um espaço político amplo para projeção das lideranças mais identificadas com este projeto, como Luiz Antonio Medeiros e Rogério Magri, que fingiram apoiar uma greve que não queriam fazer; que fingiram mobilizar suas bases, quando claramente as desmobilizaram e que, no último momento, tomaram coragem pelo caminho mais promissor, a posição contrária à greve, quando todos já sabiam que seria de pequena amplitude.

Porém, ainda que a projeção desta proposta sindical esteja relacionada a campanhas publicitárias e a erros políticos do setor combativo e classista do movimento, parece-nos importante identificar a natureza deste projeto e avaliar com mais rigor as possibilidades políticas, como alternativa sindical conservadora ao processo de composição das direções pelegas mais associadas ao sindicalismo propriamente assistencialista, juridicista e burocratizado.

As premissas políticas e ideológicas deste projeto sindical são muito claras e fáceis de ser identificadas:

· capitalismo como opção histórica, neste sentido eles definem o sindicato como instituição do mercado;
· a desvinculação político-partidária como objeto de discurso;
· a conciliação de classe e a identidade de interesses com o dos patrões como instrumento de fortalecimento da capacidade de negociação coletiva;
· a recusa de participação na vida política e da intervenção sindical no plano institucional como parte de uma "vocação" do sindicalismo para a negociação direta.

Estas características fundamentais estão expressas nas inúmeras declarações que a imprensa conservadora tem publicado, no esforço de promover uma alternativa que permita a superação da crise aguda do peleguismo tradicional.

Sobre o capitalismo e o papel do sindicato:

· "Do capitalismo eu não abro mão" (Magri - Senhor, 04.07.87).
· "O sindicato será um instrumento para desenvolver o capitalismo brasileiro no sentido do lucro e de melhores acordos para os trabalhadores. O Brasil é um país onde o comunismo não dá certo e, sabendo disso, o sindicalismo seguirá a tendência de se aperfeiçoar na renovação do capitalismo" (Magri - Afinal, 01.09.87).
· "Eu acho que o capitalismo venceu no Brasil" (L. Antonio Medeiros - OESP).
· "O trabalhador brasileiro não é contra o lucro, não é contra a existência das empresas. O que ele quer é a participação nos lucros".

Sobre a relação entre o sindicato e a política:

· "A CGT quer tratar de questões trabalhistas, recusa-se a tratar de questões políticas, particularmente partidárias" (Magri - Senhor).

Sobre a Constituinte e as reivindicações dos trabalhadores:

· Redução da jornada de trabalho - "é preciso ter capitalismo forte, patrões com lucros, para negociar e ganhar mais e talvez depois trabalhar menos" (Magri - OESP, 13.08.87).
· "A imposição de cima para baixo de pseudoconquista não vai garantir a sua aplicação na sociedade... o que fomos conquistar conquistaremos na mesa de negociação" (Medeiros - O Globo, 26.07.87).

Outro aspecto desta submissão política e ideológica ao empresariado, em especial a um setor poderoso vinculado ao grande capital internacional, está expresso nas posições destes expoentes do "sindicalismo de resultados" acerca da dívida externa e privatização das estatais:
· "A privatização é necessária para libertar o empresário brasileiro, para ele tomar iniciativas" (Magri - OESP, 26.07.87)
· "A conversão da dívida externa em ações de empresas no Brasil é favorável, porque representa a expansão da economia e isto significa mais emprego... A transformação do trabalhador em acionista é o passo seguinte da privatização" (Magri - 26.07.87).

Todo o discurso se articula a partir da ofensiva neoliberal que pretende promover a internacionalização do capital e debilitar o papel do Estado como agente regulador do processo de acumulação de capital. A tentativa de identificação com a história da AFL-CIO, especialmente com a campanha de Samuel Camperas (1850-1924), fundador e presidente histórico da AFL, na famosa expressão "more" (mais) é pálida e distante. Luiz Antonio Medeiros andou ensaiando frase como:

· "O sindicalismo melhor é aquele que consegue mais" (Senhor, 30.06.87).

Porém, além das condições históricas serem absolutamente distintas, o capitalismo americano, no início do século, passava por um poderoso ciclo expansivo, industrialização acelerada e uma capacidade crescente de negociação e concessões materiais por parte do patronato. De outro lado, o sindicalismo americano, apesar de sua opção histórica pelo capitalismo, era profundamente combativo, com ações de massa e inclusive com uso recorrente dos piquetes e violência nas greves. A situação de impasse histórico do capitalismo brasileiro, no contexto da dívida externa, da crise internacional, da queda recorrente do PIB por habitante, em meio à sucessivas políticas recessivas e arrochos salariais vinculados à medidas impostas pelos credores internacionais, tem representado uma redução do espaço de negociação, e um pequena capacidade de representar "resultados", para este "sindicalismo de negócios".

A estratégia de desmobilização sindical desta proposta frente à Constituinte, os pequenos resultados nas negociações salariais recentes, que ficaram muito abaixo de diversos acordos já conquistados por outras categorias, têm revelado os limites desta concepção sindical no país, que se sobressai muito mais por campanhas publicitárias que exploram os erros do pólo combativo do que por ações sindicais eficazes ou resultados alternativos. Infelizmente temos que concordar com a análise de Julio Lobo, inescrupuloso assessor da FIESP:
· "Os patrões querem cooptar interlocutores legítimos do lado dos trabalhadores, de forma que as medidas cruéis, que devem ser tomadas, não causem turbulência além das usuais. E a parte mecânica. Ideologicamente a aproximação com Magri e Luiz Antonio é óbvia. Eles têm idéias mais próximas do pensamento empresarial" (Jornal da Tarde, 10.07.87)

Definição que tem sido apoiada publicamente por várias lideranças patronais:

Afif Domingos:

 "Antonio Rogério Magri assim como Antonio Medeiros integram uma corrente do sindicalismo brasileiro que é descomprometida com ideologia e comprometida com reivindicações de classe... que tem certeza que o sindicalismo."

Luis Eulálio B. Vidigal:

 "Concordo em gênero e número com as declarações de Magri, que considero um sindicalista inteligente e mais realista que os demais, que optaram por uma atuação politizada".

Ronaldo Caiado - UDR:

 "Ainda bem que existem homens lúcidos e inteligentes no sindicalismo brasileiro. Aos poucos as lideranças dos trabalhadores acabam concordando que a única saída para o Brasil é o fortalecimento da iniciativa privada." (OESP, 26.06.87).

Todo o esforço de promoção destas lideranças dificilmente será capaz de representar uma opção eficaz à crise do peleguismo. No entanto, é evidente que sua fonte de legitimidade está na força de um poderoso e conservador setor de classe dominante na sociedade, mas que no espaço de atuação sindical dificilmente encontrará condições para avançar, ainda que tenda a sobreviver localizadamente por um período relativamente longo.

Para finalizar, podemos deixar dois comentários escritos em momentos históricos distantes, com mais de cem anos de distância um do outro, mas extremamente oportunos. O primeiro, de Cláudio Abramo:

"Essa nova mentalidade consiste basicamente em adotar todos os pontos de vista e todas as opiniões, preconceitos e prejuízos das classes dominantes, quase sem traduções, pelo menos para uma linguagem que seja medianamente acessível aos trabalhadores." (O Nacional, 22.77.87).

O segundo, de uma carta de Karl Marx a Liebknecht, de 1879:

"A direção da classe operária inglesa havia passado às mãos de dirigentes sindicais corruptos e profissionais... Parece ser uma lei do movimento operário em todas as partes que um setor da liderança se desmoralize".

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O avanço do "neopeleguismo" tende a aprofundar os conflitos no interior da CGT, cujas divergências afloram em três grandes agrupamentos, onde a unidade orgânica se torna cada vez mais difícil. De um lado, o peleguismo tradicional capitaneado pela CNTI de Benedito Calixto, em franca oposição a Joaquim dos Santos Andrade e ao chamado "sindicalismo de resultados". De outro, o "neopeleguismo" que, apesar da presença constante da imprensa, sofreu um grande revés, ao perder as eleições sindicais dos metalúrgicos do Rio para a CUT, mais de um de seus resultados, e continua com uma ,presença política localizada, ainda que em sindicatos estratégicos. E, finalmente, o bloco reformista composto pela aliança do PCB e PC do B, que continuam dando sustentação a Joaquim, agora sem a máquina do sindicato e cada vez mais incapaz de sustentar esta frente tão heterogênea e conflitante.

O elemento de unidade está na defesa da estrutura sindical corporativista e atrelada e em impedir a possibilidade histórica de um sindicalismo autônomo no país. No entanto, o "neopeleguismo" vem tentando promover a expulsão imediata do PC do B, que mantém uma certa independência de atuação, mas continua se definindo taticamente pela CGT.

A CUT representa inegavelmente a ruptura histórica com todo esse passado sindical e a força propulsora da transição sindical, seja no plano da pressão para as mudanças sindicais na Constituinte, ou mesmo como possibilidade política de se constituir na alternativa orgânica capaz de promover a ruptura com a estrutura sindical oficial no futuro.

A CUT depois de um período de crescimento nacional acelerado, que a transformou numa importante referência política de massas, com um papel de oposição política ao governo e como principal direção das lutas sindicais dos trabalhadores, começa a viver um intenso debate interno sobre concepções e práticas sindicais.

Este debate representa o fim de um ciclo e um elemento decisivo para o futuro político da CUT. O crescimento desigual e desorganizado da CUT terá que dar lugar a uma estratégia política mais articulada, planejada e que represente de fato uma concepção sindical classista e de massas, expressão do novo sindicalismo que emerge das grandes greves de 1978.

Este debate sobre concepções sindicais aflorou no 2º Congresso Nacional da CUT, realizado em agosto de 1986, e neste momento caminha para a definição de dois blocos, que expressam duas concepções sindicais.

De um lado, o "sindicalismo vanguardista", que possui urna longa tradição histórica internacional e teve como origem, na Europa, a reação ao reformismo dos partidos ligados à política de colaboração de classes. Os elementos básicos desta proposta-sindical estão presentes na prática sindical das diversas organizações políticas que atuam no interior da CUT. Em primeiro lugar, a subestimação das lutas reivindicatórias, o desprezo pelas lutas imediatas e conquistas concretas da classe trabalhadora através dos sindicatos. Isto porque as conquistas concretas, que evidentemente se dão no interior mesmo do sistema capitalista, são identificadas como reformistas e devem ser combatidas. Nestas condições, os adeptos desta proposta sindical são incapazes de encontrar e desenvolver um diálogo comum com os trabalhadores, de captar seus anseios e necessidades. Esta proposta sindical acaba, portanto, atingindo e mobilizando uma pequena parcela de ativistas radicalizados, com pequena representação política e capacidade efetiva de mobilização do conjunto dos trabalhadores. Um segundo elemento desta concepção é a confusão permanente entre partido e sindicato. Os partidos têm em seu programa político e ideológico a condição básica de filiação, porque sua força está na coesão ideológica de seus membros. O sindicato filia seus membros independentemente de ideologia e posição política, porque sua força está no seu caráter de massa, na união do conjunto dos trabalhadores. Esta concepção vanguardista é incapaz de mobilizar, atingir e organizar amplas massas, não tendo por isso a força própria do sindicalismo. De alguma forma, os resultados concretos do sindicalismo vanguardista e do "sindicalismo colaboracionista" são muito parecidos, porque historicamente jamais conseguiram articular as lutas reivindicatórias e imediatas dos trabalhadores com seus objetivos históricos.

Porém, este "sindicalismo vanguardista" vem sofrendo derrotas sucessivas nos congressos da CUT, em eleições sindicais, sendo que recentemente, nas eleições do Sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, por seu sectarismo, contribuiu de forma decisiva para a vitória de Luiz Antonio e para o fortalecimento do "neopeleguismo" no seio do movimento sindical.

A CUT caminha para se definir pelo sindicalismo de massas, autônomo e classista, o que pressupõe a democracia interna, o debate político com o sindicalismo vanguardista e outras concepções diferenciadas e conflitantes.

O sindicalismo classista e de massas vem sendo proposto e assumido pelos principais sindicatos da CUT e pelas grandes lideranças da Central, como Jair Meneguelli e Avelino Ganzer. Esta concepção sindical parte do princípio de que o sindicato é um instrumento de luta dos trabalhadores contra a exploração dos patrões, mas é ao mesmo tempo um instrumento de luta por melhores salários e condições de trabalho, que se desenvolve dentro do sistema capitalista. Essas duas características consistem na própria natureza do sindicalismo e representam suas pontencialidades e limites. É a partir desta constatação (que parte de uma experiência acumulada pelo movimento operário em todos os países há mais de um século de lutas) que se propõe o fortalecimento da CUT.

O que define o sindicalismo classista é, por um lado, atrair e mobilizar as amplas massas de trabalhadores e, de outro, dar à organização dos assalariados o caráter de uma organização representativa de toda a classe trabalhadora, em oposição à classe burguesa.

O sindicalismo classista e autônomo que a CUT representa e pretende impulsionar nega o sindicalismo reformista e de conciliação de classes, que faz da luta reivindicatória um objetivo em si mesmo, mas também pretende combater e superar o sindicalismo vanguardista, que é absolutamente incapaz de atingir as amplas massas, não sendo portanto uma real organização de classe; é apenas uma intenção política impotente.

O sindicalismo classista, por seu caráter de massa, possui uma perspectiva de construir a unidade como um elemento vital para a ação sindical.

A vocação unitária, que está no próprio nome da CUT, exige desta proposta sindical unia postura que favoreça ao máximo a realização efetiva desta vocação. Não se defende o pluralismo sindical, ao contrário, tem-se como exigência que a unidade deve ser o resultado da vontade política dos próprios trabalhadores e não imposta pelo Estado. Finalmente, o sindicalismo classista, de massas e unitário terá que desenvolver a democracia operária, procurando aprender a conviver com as divergências existentes na CUT e no movimento sindical, combatendo o sectarismo e o divisionismo, procurando encontrar sempre o caminho da unidade através de propostas que assegurem a ação conjunta, dirigidas a todos os trabalhadores.

Não poderíamos dizer que este novo sindicalismo que representa o sindicalismo classista e de massas emerge no Brasil a partir das grandes greves operárias de 1978, no ABC, fruto de anos de luta, de resistência e conscientização dos trabalhadores.

É a própria luta, que passou pelo interior dos sindicatos, com um prática de num e classista, que irá exigir o rompimento dos limites estreitos da estrutura sindical oficial.

Foram as grandes greves de massa que propiciaram a possibilidade histórica da criação de um partido classista, e de massas, o Partido dos Trabalhadores (PT). Foi todo este acúmulo político que contribuiu decisivamente para a formação de inúmeras oposições sindicais em todo o país e para a construção da própria CUT. Neste sentido, o sindicalismo classista reconhece o papel decisivo dos partidos políticos que estão efetivamente comprometidos com as aspirações históricas dos trabalhadores e que a CUT e estes partidos fazem parte de um mesmo movimento, o movimento dos trabalhadores em defesa de seus interesses e pela superação do capitalismo como forma de produção e organização social.

Mas assume que a CUT, para cumprir seu papel de organização sindical classista, de massas, democrática e unitária, tem que manter a mais completa autonomia em relação aos partidos e ao Estado.

O novo sindicalismo, classista, autônomo e de massas foi um elemento decisivo na luta pelo fim do regime militar. E neste momento, talvez seja, através da CUT, a principal força social na luta pela defesa dos interesses dos trabalhadores na Constituinte, na resistência à política econômica recessiva e subordinada aos interesses dos grandes credores internacionais e na campanha pelas eleições diretas, que deverá assumir o centro da luta política no próximo período.

Para finalizar, parece absolutamente necessário afirmar que os conflitos no interior da CUT não caminham no sentido de se transformarem em antagonismo. Ao contrário, os blocos não estão rigidamente definidos e o debate tem demonstrado que a crítica e a prática democrática através da explicitação das divergências e o respeito às identidades são absolutamente fundamentais para impulsionar a dialética interna que produz movimento, deste projeto sindical que é a grande esperança de avanço da transição sindical.

Aloizio Mercadante é economista, professor da PUC, coordenador do Centro Ecumênico de Documentação e Informação, e assessor da CUT.

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