A conjuntura nacional, marcada por uma profunda crise econômica, social e política, vai avançando para um período de definição dos rumos da transição política conservadora.
Na estratégia de "transição lenta, gradual e segura", a "Nova República" vai se confundindo cada vez mais com o regime militar, por sua política econômica continuísta e por seu projeto político institucional conservador. Os compromissos de mudanças e as aspirações populares por democracia e participação, que emergiam da campanha pelas Diretas Já, vão sendo abandonados de forma acelerada pelo governo Sarney, enquanto o rearranjo pelo alto das elites dominantes avança na perspectiva de consolidação de um regime civil-militar conservador. O violento confisco salarial imposto pelo Plano Bresser, a subordinação aos banqueiros internacionais e o retorno ao FMI, e a preservação do modelo de acumulação herdado da ditadura militar são a expressão mais acabada desta estratégia. Enquanto a constituição vai sendo imposta pelo autodenominado "centro-conservador", que tenta assegurar alguma fonte de legitimidade para as manobras de reestruturação do passado autoritário na vida política nacional.
Em meio a este processo que perpassa toda a sociedade civil, o movimento sindical vem atravessando um processo de transição sindical. Uma transição que se processa em dois níveis básicos, o primeiro no plano institucional, que de certa forma está associado à evolução da Constituinte e que deverá determinar as mudanças no plano institucional da estrutura sindical oficial. O segundo, e mais importante, está se travando no embate político das diferentes concepções sindicais que disputam o espaço de representação político-sindical dos trabalhadores. O movimento sindical está atravessando um período de ascenso nas lutas sindicais, de grandes greves, de um intenso debate político em que se desenvolvem rearranjos de forças, articulação de novas estratégias de ação, consolidação de centrais sindicais e que será absolutamente decisivo para estabelecer o potencial e os limites da intervenção da luta sindical dos trabalhadores no cenário político nacional.
Uma das características importantes da história da industrialização e das lutas operárias no país é que o Estado sempre esteve presente e interveio de forma decisiva na evolução do mercado de força de trabalho, na determinação dos salários, na gênese e no funcionamento das entidades sindicais e em toda a disposição jurídica responsável pela normatização das relações trabalhistas.
A constituição do edifício institucional, que garante a presença determinante do Estado na estrutura sindical, tem início a partir da chamada "Revolução de 30". O processo político a partir de 1930 revela uma ruptura da "Primeira República" e é acompanhado da instalação de um Estado que, em um quadro de relativa crise de hegemonia, permite à burocracia estatal gozar de um certo grau de autonomia e reorganizar o bloco dominante sob sua direção. Verifica-se nesse período um processo de reorganização das classes sociais no Estado, estabelecendo-se políticas públicas e uma estrutura orgânica do aparelho de Estado, que permitirão um certo deslocamento do poder de decisão de grupos privados para a burocracia pública.
É portanto no início da década de 30, no contexto de um Estado que passa a internalizar os conflitos de classe inspirado no corporativismo fascista italiano, que se constitui a estrutura sindical oficial, que sobrevive às mais diversas conjunturas históricas, chegando praticamente intacta até os dias de hoje.
Os princípios que sustentaram essa estrutura sindical durante todos esses anos e que definem sua natureza podem ser resumidos da seguinte forma:
1. O corporativismo sindical, inspirado na "Carta Del Lavoro", do fascismo italiano.
2. Uma estrutura rigidamente vertical, em que a cada setor da produção corresponde uma organização uniforme para patrões e trabalhadores, hierarquizada em três instâncias: sindicatos, federações e confederações.
3. A conciliação dos interesses de classes, assegurada através de inúmeros instrumentos e pela definição do sindicato como instituição mista de direito público e privado, o que legitima os mais diversos mecanismos de controle pelo poder público.
4. A dependência e o controle do Estado através de formas diferenciadas, como:
· autorização prévia para o reconhecimento do sindicato;
· enquadramento sindical prévio;
· exigência de um estatuto padrão;
· ingerência do Estado na vida administrativa e financeira;
· possibilidade de intervenção do Poder Executivo no sindicato;
· possibilidade de cassação do mandato de diretores;
· contribuição sindical obrigatória e regulamentada pelo Estado,
· controle das eleições sindicais; e
· limitação no direito de sindicalização.
5. O assistencialismo como elemento fundamental da prática sindical. Não foram, portanto, legalizadas as formas organizativas livres, gestadas pelo próprio movimento operário, que passou a estar sob o controle direto do Estado, articulando-se os mecanismos de cooptação, repressão e controle, que, ao longo da história do país, se mostraram muito eficazes no combate aos interesses dos trabalhadores, sempre na razão direta do crescimento das lutas operárias.
A atual conjuntura histórica, depois de meio século de preservação da estrutura sindical oficial, parece apontar para a possibilidade de mudanças institucionais significativas. Porém, estas mudanças dependerão fundamentalmente dos desdobramentos da luta política que está se processando no interior do movimento sindical, mais precisamente da capacidade da CUT, que tem assumido de forma isolada a luta pela liberdade e autonomia sindical, através da reivindicação de homologação da Convenção 87 da OIT de se impor como alternativa orgânica e instituir na prática uma ruptura organizativa com a estrutura sindical oficial. As mudanças orgânicas na estrutura sindical oficial, ainda que tenham uma certa dependência com os marcos legais a serem impostos pela Constituinte, e que parecem apontar para a manutenção dos elementos centrais de estrutura corporativista e atrelada ao Estado, poderão ser impulsionadas, mesmo neste contexto, se a consolidação orgânica e a hegemonia política da CUT avançarem no conjunto do movimento sindical. E esta possibilidade histórica dependerá do embate político entre as diferentes concepções sindicais, entre CUT e CGT, no interior da CGT e na vida interna da própria CUT. Por tanto, ainda que a Constituinte projete pesadas sombras sobre a aspiração de conquista da autonomia e liberdade sindical, o movimento sindical na sua evolução política caminha em direção contrária, e parece irradiar algumas luzes, que tendem a impulsionar a transição sindical, no contexto de institucionalidade conservadora.
Embora lentamente preparado, através de uma conspiração político-militar, que começou no dia seguinte à posse de João Goulart na Presidência da República, a 7 de setembro de 1961, o golpe militar foi desfechado em 48 horas, e representou a mais profunda e dura derrota do movimento sindical e operário de toda história política do país.
Dentro do quadro jurídico-institucional que definia os limites da atuação sindical legal no período anterior, e que em suas linhas gerais já foram apontadas, o sindicato, apesar da tutela do Estado, era inegavelmente um canal de participação corporativa, por onde fluíam as demandas sociais e se exercitavam as formas de pressão dos trabalhadores sobre o Estado e o empresariado.
O pacto de dominação que caracteriza o período anterior - "pacto populista" - não só assegurava ao movimento sindical o papel de representação político-sindical aos trabalhadores, como, dentro dos limites em que a classe dominante reconhecia o conflito trabalhista como parte integrante da dinâmica social, o próprio governo em inumeráveis momentos tinha nas massas trabalhadoras urbanas organizadas sindicalmente e mobilizadas seu aliado político menor no jogo de poder estabelecido.
O golpe destruirá o antigo pacto de dominação e os marcos político-institucionais no qual este se movia.
Todo o processo de preparação e desfecho do golpe terá no movimento sindical um de seus objetivos político-militares. A desarticulação orgânica e a destruição política deste sujeito coletivo era fundamental na estratégia golpista, não só porque esta era uma frente potencialmente importante de resistência do regime anterior, mas principalmente por se tratar de um grande obstáculo na realização histórica da vontade política relativamente definida das forças político-militares que assaltavam o Estado.
A estratégia de desarticulação orgânica e tentativa de aniquilamento político do movimento sindical atuante de pré-64 foi se revelando ao longo do período e poderia ser descrita brevemente da seguinte forma:
1º A execução desta estratégia militar implicará, desde a madrugada do dia 31 de março de 1964, a invasão de centenas de sindicatos no país, a prisão, seqüestro e espancamento de milhares de líderes sindicais, a expropriação de equipamento gráfico e arquivos e a destruição de uma parte importante da memória acumulada por inúmeras entidades.
Sindicatos de Trabalhadores e Intervenções - 1964
Estados | Total de intervenções | % de intervenções |
BA | 142 | 26 |
MG | 268 | 16 |
SP | 490 | 35 |
GB | 102 | 17 |
RJ | 159 | 30 |
RS | 360 | 5 |
PR | 228 | 17 |
BRASIL | 2786 | 26 |
Fonte: Godinho, Maurício. "As Mudanças no Sindicato Brasileiro e o Problema do Assistencialismo", Caderno CEAS, nº 72.
2º O segundo momento que acompanha a investida repressiva no movimento sindical foram as intervenções sindicais. As intervenções estavam amparadas em toda uma legislação autoritária e tutelar sobre o movimento, que, apesar de ter sido considerada com certa tolerância por governos anteriores, nunca deixou de constar no arsenal jurídico de controle do Estado sobre os trabalhadores. Vários abusos legais estiveram presentes neste processo de intervenção, desde as prisões iniciais no momento do golpe até a superficialidade das "acusações" nos inquéritos encaminhados pelo MTPS, e o desrespeito aos prazos legais para as intervenções fixadas pela CLT. Mas o que realmente merece destaque é que todo aparato institucional e jurídico de controle de tutela do movimento sindical, que sobreviveu às mais diversas conjunturas políticas, seria utilizado da forma, mais ampla e profunda em toda a história do movimento sindical brasileiro.