Internacional

Os velhos burocratas soviéticos se incomodam. Os críticos mais ferozes afirmam não passar de um truque de marketing. Mas há algo de novo na União Soviética, que atenta contra os altos funcionários parasitas e contra os segmentos de privilegiados encastelados no governo. Para os que desejam democracia e mais produtividade na vida soviética, um fator de esperança. Para o dirigente Mikhail Gorbatchev, tudo se resume em duas palavras: glasnost (transparência) e perestroika (reestruturação). A palavra é dele.

 

 

Por ocasião dos 70 anos da Revolução Russa, as reformas anunciadas pelo governo soviético, bem como mudanças em marcha na China Popular, Polônia e em outros países do Leste Europeu, ganham a atenção da grande imprensa mundial e acendem o debate nas organizações dos trabalhadores em muitos países.

A Revolução Russa, a primeira revolução socialista vitoriosa no planeta, marcou a história da humanidade com a possibilidade concreta da emancipação dos trabalhadores. Mas a burocratização e deformações que se seguiram - hoje reconhecidas pelo secretário-geral Mikhail Gorbatchev como obstáculos a remover - influenciaram negativamente e deixaram profundas seqüelas, dificultando o desenvolvimento do socialismo na União Soviética. No entanto, o exemplo de 1917 impulsionou novas revoluções socialistas e alimentou nos trabalhadores dos países onde a burguesia foi expropriada a disposição e a vontade política de acelerar a construção do socialismo.

As reformas impulsionadas por Gorbatchev têm encontrado no Brasil defensores e, não menos frequentemente, críticas e ataques. Numa primeira análise, entre as reformas anunciadas destacam-se:

1 - A implantação do sistema de autogestão em empresas do Estado, auto-regulagem de setores da economia e uma reforma monetária e da política de preços.

2 - O desenvolvimento da iniciativa privada, inicialmente com pequenas empresas, individuais, de grupos, familiares etc.

3 - A criação de empresas e empreendimentos mistos, com capital internacional.

4 - O chamado a uma maior participação da sociedade civil e da opinião pública no processo de reformas, possibilitando maior transparência (glasnost) e relativa democratização.

5 - A reabilitação parcial de dirigentes da Revolução Russa e o reconhecimento de crimes e falsificações stalinistas (durante a década de 30).

Elas suscitam, sem dúvida, algumas questões:
1 - Que conseqüências terá na vida política soviética, além de um eventual incremento na produtividade de alguns setores, o desenvolvimento de uma pequena burguesia?

2 - Diante dos propósitos de democratização e transparência, como ficam a liberdade partidária e sindical? E a independência entre Partido e Estado, apenas para lembrar mais uma questão polêmica?

A apresentação de trechos do informe de Mikhail Gorbatchev ao Pleno do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (de junho/87) tem por objetivo oferecer subsídios para a discussão sobre o caráter destas reformas e visa o debate a respeito nos próximos números da revista.

Camaradas! Vamos analisar hoje um dos aspectos cruciais da reestruturação do país: a reforma radical do sistema de gestão da economia e mudanças de fundo no sistema econômico, que devem abrir novas possibilidades de valorização das vantagens do socialismo. Antes de começar, o Birô Político considera útil comunicar ao Comitê Central o seu parecer sobre o andamento da reestruturação e do cumprimento das resoluções do 27º Congresso do PCUS.(...)

A situação política do país evoluiu sensivelmente nos últimos dois anos. Tem crescido a consciência de que a reestruturação foi imposta pelas contradições que se vinham acumulando na sociedade e que, não resolvidas a tempo, ganhavam formas de fenômenos de crise. O processo de democratização de todos os aspectos da vida social vai-se aprofundando e ampliando. As organizações sociais demonstram maior iniciativa. Os princípios democráticos ganham terreno na administração da produção. A opinião pública manifesta-se e faz sentir seu peso. A comunicação social está trabalhando com dinamismo e no interesse da reestruturação. A burocracia é alvo de ataques enérgicos, os métodos dirigistas de gestão estão a ser gradualmente abandonados. Há mudanças sensíveis no trabalho com os quadros cuja composição se renova através da promoção de novas forças, mais progressistas.

A explosão de atividade espiritual também pode ser considerada uma conquista da reestruturação. Aumentou o interesse da opinião pública pela ciência, literatura e arte, imprensa, rádio e televisão. As pessoas querem saber mais do passado, presente e futuro do nosso país, demonstram maior interesse pelos assuntos sociais e estatais, os problemas ideológicos, éticos e morais.

Com a reforma da escola média e superior damos um passo importante para a criação do ensino moderno. Levanta novas potencialidades para o aprofundamento e ampliação da reestruturação.

Na avaliação política dos processos em curso na economia, daria prioridade à adoção de uma nova atitude para com o trabalho e o desempenho das funções profissionais. Isso se deve, em muito, ao fato de os trabalhadores apoiarem a política de mudanças e dinamização do desenvolvimento sócio-econômico.

Em segundo lugar, tudo isso está ligado à passagem dos ramos econômicos para os novos métodos da gestão, total autogestão, e autofinanciamento com o simultâneo desenvolvimento de formas progressistas de organização do trabalho, e sobretudo da empreitada coletiva.

As mudanças revolucionárias em curso na sociedade avançaram para o primeiro plano a contradição entre as exigências de renovação, criação, iniciativa, por um lado, e o conservadorismo, inércia e interesse egoístas, por outro. A falta de correspondência entre o crescimento da atividade das massas e o estilo burocrático nos mais diversos domínios da vida e as tentativas de congelar o processo de reestruturação são uma das manifestações dessa contradição. A superação dessa contradição exige medidas imediatas e decisivas na política de quadros e novas abordagens e normas de vida partidária estatal e social.

Qual, então, o melhor meio para acabar com esta contradição? O aprofundamento da democracia. A vida volta a provar que as formas administrativas de gestão da sociedade travam o nosso progresso. Só as formas democráticas poderão assegurar uma forte aceleração.

As reformas levam-nos a examinar mais de perto as contradições entre os interesses de diferentes camadas populacionais, coletivos, departamentos e organizações. (...)

Vemos bem as dificuldades com que as reformas avançam nas estruturas do Partido, Sovietes e da economia. E quem não vê a má vontade com que certos organismos centrais a recebem? A experiência de trabalho da inspeção extra-empresarial da qualidade, de combate ao alcoolismo e aumento da disciplina e da ordem prova as dificuldades da reestruturação. São provas disso também os primeiros passos de introdução dos princípios de autogestão financeira e de pagamento dos salários de acordo com os resultados finais do trabalho. (...)

A sociedade deve combater ações e interesses egoístas. A classe operária, os coletivos de trabalhadores, sobretudo das empresas onde funciona a inspeção extra-empresarial da qualidade, têm dado bons exemplos. (...)

Quero falar das contradições com que nos deparamos na esfera do trabalho e das relações de distribuição quando começamos a introduzir a autogestão completa, o sistema de remuneração em função dos resultados do trabalho, a empreitada coletiva e familiar. O que aconteceu? A verdade é que o princípio fundamental do socialismo "de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo o trabalho" era muitas vezes sacrificado ao igualitarismo.

À primeira vista deveria ser evidente para todos que a igualdade e o igualitarismo são coisas diferentes. Mas a tendência de igualitarismo impunha-se indeclinavelmente. Estimulava o parasitismo, prejudicava o volume e a qualidade do trabalho, desmotivava o aumento da produtividade. (...)

Encontramo-nos de fato na primeira onda da reestruturação, onda que agitou as águas estagnadas.

O Partido despertou a atividade das massas e o nosso dever é incentivá-la por todos os meios. É um aspecto muito importante sobretudo porque os trabalhadores não deixam de manifestar receios pelo destino da reestruturação. Continuam a aconselhar, ou mesmo exigir, que não paremos a meio das mudanças. (...)

A reestruturação começou por iniciativa do Partido e se realiza sob sua direção. O Partido despertou o país, sensibilizou milhões de pessoas para suas idéias e gerou enormes esperanças. E se os trabalhadores se mostram preocupados com a lentidão das transformações isso significa que não nos esforçamos como deve ser.

Presenciamos, camaradas, uma tendência alarmante - e os fatos o demonstram. Certas organizações do Partido estão atrasadas em relação aos ânimos e processos que predominam na sociedade. E um problema que deve ser, naturalmente, analisado no nosso Pleno. É um aspecto decisivo do trabalho. O andamento da reestruturação depende da atuação do Partido.

Quando há dois anos exigíamos que os dirigentes do Partido, Sovietes e quadros econômicos organizassem bem o trabalho, respondiam-nos com freqüência: embora compreendamos as novas tarefas, precisamos de tempo para avaliar a situação, e dominar novos métodos e formas de atividades para levá-los à prática.

O Birô Político abordou isso com compreensão. Dissemos então que cada um teria tempo e condições para encontrar novas abordagens. Mas, camaradas, o tempo urge. Não se pode admitir que a reestruturação no Partido se atrase dos processos econômicos, sociais e espirituais operados, que as mudanças no estado de espírito das pessoas se adiantem à conscientização desses processos no Partido e, muito menos, nos seus organismos dirigentes. (...)

Camaradas! Já disse que nem todos os organismos Partido e de Sovietes participam ativamente no processo de reestruturação. E o caso da Armênia. Os trabalhadores da República estão particularmente preocupados com a situação na economia e na esfera ideológico-moral. Entretanto, os dirigentes do Partido Comunista da Armênia, especialmente o primeiro secretário do seu Comitê Central, consideram que não há problema. Há até quem diga que as transformações na Armênia iniciaram-se antes do Pleno de Abril do CC do PCUS, mas não se compreende de que mudanças se trata. Reina na República um clima de despreocupação infundada, a responsabilização dos quadros é insuficiente e o combate a corrupção, especulação e protecionismo não tem eficácia. O CC do PC da Armênia deve analisar criticamente a situação da organização partidária e da República em geral para proceder à organização de fato, e não em palavras.

A população soviética verifica que em certas esferas não se registram progressos e há alguma renúncia às posições, conquistadas. Vejamos como decorre a campanha de aumento da disciplina e ordem. Os fatos demonstram que em muitos lugares o entusiasmo arrefeceu e o trabalho avança com inércia. Reapareceram os casos de embriaguez. Como antes, vadios e ladrões vivem à custa dos outros e à vontade. Os trabalhadores estão preocupados, e a preocupação é legítima, camaradas.

Os grandes acidentes que se repetem periodicamente provam a existência de falta de disciplina e ordem. As causas são, regra geral, as mesmas: indisciplina, negligência, má distribuição e irresponsabilidade. A violação do espaço aéreo soviético e a aterragem de um avião desportivo oeste-alemão em Moscou é prova do que afirmei.(...)

Quando falamos das tarefas primordiais, consideramos que devem ser superadas em primeiro lugar as falhas evidentes e freqüentes. Tem de haver mais disciplina no comércio, na saúde pública, nos serviços básicos, ou seja, nos setores econômicos que afetam a vida cotidiana das pessoas.

O governo deve dar atenção especial a estas questões, mas também elevar as exigências colocadas aos órgãos do poder republicanos, territoriais, regionais, distritais e municipais. Lamentavelmente, hoje fala-se muito das vantagens da reestruturação, mas pouco se faz para satisfazer as necessidades mais elementares da população. A atividade de muitos dirigentes locais caracteriza-se pela inércia. Mesmo os problemas cuja resolução não exige grandes esforços continuam a depender de indicações especiais dos órgãos superiores. Não podemos tolerar mais essa prática, que deve ser condenada e eliminada. A exigência e o controle partidário devem passar a funcionar eficazmente com este objetivo.

Entre as tarefas primordiais do momento destacam-se o abastecimento alimentar, de artigos de amplo consumo, de serviços, e a concessão de habitações ao povo. Já temos desse problema certa experiência e alcançamos resultados concretos. A situação melhora na resolução do problema alimentar. Posso citar alguns números referentes aos progressos registrados nos últimos dois anos. Em comparação com 1984, a produção de cereais aumentou em 37 milhões de toneladas; a de carne, em 1 milhão de tonelada; a de leite, em 4,3 milhões de toneladas; e a produção de ovos, em 4,2 bilhões de unidades.

Podemos já considerar que se registra uma reanimação da atividade econômica no campo, só possível graças à reforma das condições e métodos de gestão do trabalho agrícola, e em especial à aplicação do regime de autogestão completa e empreitada coletiva e familiar.

O Bírô Político entende que todos os kolkhozes e sovkhozes têm condições objetivas para conseguir um rápido aumento da produtividade e da agricultura.

A que devemos prestar atenção primordial? Antes de mais nada, é necessário aplicar técnicas de trabalho intensivo na agricultura e pecuária, divulgar o sistema de empreitada coletiva e familiar, privilegiar a resolução dos problemas sociais do campo. Mas este aspecto do problema está longe de ser o único. (...)

Quando se examinam as vias da coletivização, aponta-se que as grandes explorações coletivas abrem grandes possibilidades de aplicação de máquinas, adubos e realizações da ciência, mas encerram o perigo da separação do camponês da terra. Por outro lado, as pequenas explorações vinculam o trabalhador à terra mas não permitem aproveitar ao máximo as realizações da ciência e da técnica. No nosso país há grandes kolkhozes que dispõem de uma forte infra-estrutura material e técnica e de especialistas experientes. Devemos organizar habilmente o sistema de contratos coletivos e familiares, ligar mais estreitamente os interesses do coletivo ao desvelo pela terra e outros meios de produção.