Mundo do Trabalho

Só durante a "nova república", já somam 700 os assassinatos políticos no campo. Impunes. A balas ou a decretos, o trabalhador rural é massacrado. O PT, que tem nos camponeses 30% dos filiados, deve colocar a questão agrária como um dos alicerces da construção do socialismo. Isso passa pela defesa da Reforma Agrária e pela compreensão das alianças que podem se apresentar.

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No IV Congresso da Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura —, em 26 de maio de 1985, compareceram o Presidente José Sarney e o Ministro Nelson Ribeiro, do MIRAD. Perante mais de 5 mil trabalhadores apresentaram o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Era um plano relativamente avançado, o qual propunha assentar 300 mil famílias por ano, durante 10 anos. Baseado no Estatuto da Terra (PNRA) procurava regionalizar a realidade brasileira e desenvolvia propostas que faziam nascer no seio do povo alguma esperança de que as terras e o latifúndio, nesse Brasil, começariam a ser repartidos e devolvidos para seus verdadeiros donos: os trabalhadores rurais.

É importante lembrar que durante a campanha pelas diretas em 1984, uma das principais palavras de ordem levada aos palanques em todo o país, mobilizando milhões de pessoas que se engajaram naquela campanha, era a Reforma Agrária. O IV Congresso da Contag parecia ser o início do cumprimento das promessas feitas no ano anterior.

Naquele Congresso, uma camponesa acompanhada por um grupo de trabalhadores da Bahia entregou ao ministro Nelson Ribeiro um presente. Era uma panela toda furada a tiros. A companheira denunciava que durante uma invasão de pistoleiros em suas posses, os jagunços haviam atirado, matado animais, derrubado casas e a panela era a verdadeira prova do terror por que passavam os posseiros no Brasil.

Nelson Ribeiro, juntamente com Sarney, recebeu o presente e, exibindo a panela, afirmou que aquele símbolo seria levantado diante de qualquer pressão dos latifundiários. O governo, segundo o ministro, via naquela panela furada a balas um símbolo de luta do povo brasileiro, diante do qual se comprometia a não recuar no processo de implantação da Reforma Agrária. Demagogia pura. O Plano foi reescrito 12 vezes, até que, no dia 10 de outubro de 1985, foi apresentado à Nação um texto que nada tinha a ver com a proposta original.

O resultado foi muito pior do que se imaginava. Previa-se, para o período 85/86, desapropriar 4.620.000 hectares para assentar 110 mil famílias. Em janeiro de 1987 haviam sido desapropriadas, por decreto, 265 áreas, correspondentes a 1.558.949 ha. O governo, ao mesmo tempo, desenvolvia intensa propaganda sobre esses números, em todos os veículos de comunicação de massa.

Mas, na realidade, só tinha havido emissão de posse para 101 áreas, que cobriam cerca de 521.000 ha, de terras já habitadas por lavradores. E só foram assentadas, aproximadamente, 10 mil famílias, número bem inferior às 300 mil por ano do plano original.

Além desses resultados medíocres, a Reforma Agrária foi enterrada de vez com o Decreto 2363, de novembro de 1987, que, além de extinguir o INCRA — substituído pelo Instituto de Terras Rurais —, acaba com qualquer esperança de se realizar uma reforma agrária nesse país.

A Nova República dá continuidade à política do regime militar responsável pelo esvaziamento do campo, que favoreceu e acelerou a concentração da propriedade da terra. Em 1964, por exemplo, cerca de 2/3 da população brasileira vivia no campo. Hoje, 28,7% continuam habitando as zonas rurais. Por outro lado, a concentração da terra superou todas as expectativas: 4% das propriedades rurais envolvem 2/3 das terras do Brasil.

As mudanças ocorridas neste período transformaram muita coisa que era ensinada, como o catecismo pelos partidos de esquerda. O latifúndio deixou de ser obstáculo para o avanço do capitalismo no Brasil. Os grandes proprietários de terra no Brasil, hoje, são também Bradesco, Itaú, Liquigás, Volkswagen, Philco, Ford, Sharp, enfim, as grandes empresas nacionais e multinacionais que também detêm o capital financeiro, industrial e comercial. Portanto, o poder nacional, que passa pela propriedade da terra, não está somente nas mãos de uma oligarquia.

O capitalismo, no Brasil, ao se expandir no campo, não rompe com o monopólio da terra. Pelo contrário, reforça-o. Consegue unificar o latifúndio com todos os segmentos do capital. Como na Constituinte, onde vem recebendo apoio de todos os grupos econômicos urbanos, comprovando que a estrutura agrária brasileira não tem contradição com o modelo econômico implantado em 1964, agora sob a orientação política da Nova República.

A luta pela Reforma Agrária – contra o monopólio da terra e contra o grande capital, independente da sua nacionalidade – é, portanto, uma questão nacional e não só dos camponeses. Sua realização exige modificações profundas na nossa sociedade.

É por isso que o PT tem o dever de trazer para o centro de suas discussões e decisões a aliança entre os trabalhadores urbanos e rurais. Trata-se de um esforço para que haja unidade no interior do PT e que os dirigentes do nosso partido precisam compreender como uma questão principal.

Caso contrário, não teremos tão cedo modificações necessárias para que a democracia seja implantada no Brasil A História do Brasil nos ensina, tanto do ponto de vista das classes dominantes como dos partidos de esquerda, que os trabalhadores rurais sempre foram excluídos de suas preocupações.

Nunca lhes foi dada a oportunidade de qualquer participação concreta. É preciso romper com esta tradição, e o PT tem obrigação de avançar e contribuir para que o entendimento da questão agrária seja encarado como um dos alicerces na construção de uma nação socialista, desde que conte com a participação, em todos os níveis, dos trabalhadores rurais.

Conhecer as características de cada região, em função da extensão territorial do Brasil, e saber analisá-las sob a ótica dos trabalhadores, são, portanto, tarefas básicas para quem luta por transformações revolucionárias.

No Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), parte de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, apesar das diferenças que existem dentro de cada estado, há uma realidade comum. Os pequenos proprietários têm sido os grandes impulsionadores do desenvolvimento econômico. Os minifúndios são grandes produtores de suínos, soja, feijão etc. e estão sendo encurralados, perdendo terras por causa dos tipos de financiamentos, dos preços baixos, da ausência de uma tecnologia voltada para este setor.

Milhares de colonos que fizeram empréstimos durante o plano cruzado a juros de 6% a 10% ao ano, hoje estão sendo obrigados a pagar 300%, 500% e até 1000% ao ano. Os financiamentos subsidiados acabam sendo absorvidos pelos grandes proprietários. Os pequenos lavradores, em geral, recebem muito pouco ou são simplesmente marginalizados.

A falta de uma política que garanta preços mínimos razoáveis por parte do governo, favorece a ação dos atravessadores que só sabem especular com preços. No Congresso da CUT em Santa Catarina, em abril de 1987, os trabalhadores denunciaram que recebiam Cz$ 18,00 por quilo de carne de porco, enquanto que no supermercado custava mais de Cz$ 100,00 o quilo.

A política agrícola, que faz parte do plano econômico do governo, está voltada para a produção de mercadorias para exportação como soja, cacau, café, açúcar, sucos etc. Não há incentivos, praticamente, para quem produz para o abastecimento interno. Além disso, para manter o enorme arrocho salarial na cidade, os preços dos produtos agrícolas são também jogados lá em baixo.

Essa realidade tem levado milhares de pequenos proprietários a perderem suas terras, transformando-os em trabalhadores sem-terra, bóias-frias, assalariados rurais, ou empurrados para as cidades, formando um exército de mão-de-obra barata. Em nome do progresso, milhares de famílias são lançadas na desgraça como aconteceu com a construção de Itaipu.

No Nordeste, o problema da seca — na verdade o problema é a cerca, o latifúndio, a concentração de terra — transformou-se em indústria lucrativa, para meia dúzia de aproveitadores da desgraça dos trabalhadores. Na Frente de emergência se constrói açudes ou cercas para os fazendeiros, enquanto o trabalhador ganha hoje Cz$ 1.000,00 por mês ou Cz$ 30,00 por dia. Se houvesse interesse em atender o povo, o uso de tecnologias já poderia ter resolvido o problema da seca.

Nas regiões de terra boa, com chuvas abundantes, estão as grandes plantações de café e cacau na Bahia ou a cana de açúcar, como em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. Lá trabalham mais de um milhão e meio de assalariados rurais, nas piores condições de vida. Grande parte destes trabalhadores nem carteira assinada possuem. Eu vi, na Paraíba, um pai de família, na última campanha salarial de 87, ganhando Cz$ 40,00 por dia (cerca de 15 dólares por mês). Além disso, trabalham sob um regime repressivo, imposto pela policia militar ou milícias privadas dos próprios usineiros.

No Norte, a chamada fronteira agrícola desenvolvida a partir da Rodovia Belém-Brasília, nos anos 60, e da Transamazônica nos anos 70 é, sem dúvida, a região mais violenta. A maioria dos pequenos lavradores é formada por posseiros que resistem ao avanço do grande capital, enfrentando a polícia, jagunços e a marginalização imposta pelo próprio governo.

A colonização oficial iniciada nos anos 70 — e eu conheço bem porque foi quando minha família chegou na Transamazônica — foi um fracasso. Os contingentes de trabalhadores levados para lá em busca das terras férteis prometidas hoje não passam de peões das grandes fazendas, trabalhando por quase nada. A não ser em áreas onde as organizações sindical e partidária chegaram a tempo e estimularam diferentes formas de resistência.

Nos garimpos, calcula-se que existem em torno de 280 mil homens que vivem e trabalham em condições subumanas, enquanto as grandes empresas exploram o ferro, o ouro, bauxita, cassiterita etc., sem falar da madeira e dos peixes que estão sendo exterminados.

Além disso, os povos indígenas estão sendo dizimados pela ganância de lucro do grande capital, dos proprietários das mineradoras que, com o apoio do governo, perseguem todos os que lutam pela defesa dos índios ou do meio ambiente. O CIMI (Conselho Missionário Indigenista) está sendo violentamente atacado pela grande imprensa, pelo governo e por todo aparato repressivo do Estado, testas de ferro das grandes mineradoras. E nós do PT, apesar dos militantes petistas que atuam nestas áreas, estamos sem propostas para enfrentar esses problemas.

O Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra tem trazido para o centro das questões nacionais a questão da Reforma Agrária. E um movimento de massa dos mais importantes. O PT deve dar-lhe maior atenção, principalmente nesse momento de crise, de impasse nacional. Com a reforma agrária enterrada, e a luta direta por ocupações de terra está colocada na ordem do dia, apesar de violentamente reprimida pelo governo, por organizações paramilitares, jagunços e fazendeiros.

Sob a Nova República já se registram mais de 700 assassinatos no campo, por meio da mão armada do latifúndio impune. Até hoje não tem ninguém na cadeia. Há uma matança seletiva de sindicalistas, religiosos, agentes de pastoral, advogados, militantes políticos de esquerda e uma longa lista de ameaçados.

Esse quadro de violência faz com que a luta dos camponeses seja permanente. Nos últimos anos, essa luta se desenvolveu, cresceu. No Sul, houve grandes mobilizações exigindo uma política agrícola, contra as barragens, greve por melhores salários, ocupações de terra e muita resistência. Na greve do dia 20 de setembro, os camponeses tiveram papel decisivo em muitos estados. Em Erexim (RS), João Pessoa (PB) e outras localidades, os camponeses foram às cidades e imprimiram o ritmo das paralisações. A manifestação nacional, em Brasília, de 4 a 7 de outubro do ano passado, contou com aproximadamente 10 mil camponeses de todo o Brasil para diante dos ministérios, exigir preços justos, reforma agrária e fim da violência. O eixo da manifestação era pressionar a Constituinte, o que revela o crescimento da consciência da massa.

A organização dos trabalhadores rurais vem crescendo em todo o Brasil. O movimento sindical combativo tem sido abraçado pelos camponeses, desempenhando um papel muito importante na construção da CUT. Mas falta muito a ser feito porque, do ponto de vista da transformação social, temos de ter clareza que isso é apenas o começo.

No campo se concentra uma das maiores parcelas de trabalhadores. São cerca de 20 milhões de trabalhadores rurais contra 17 milhões na área de serviço e comércio e 15 milhões no setor industrial. Esses 20 milhões estão distribuídos entre trabalhadores sem-terra, meeiros, parceiros e arrendatários, assalariados permanentes e temporários e pequenos proprietários.

O PT tem sido o único partido em nossa história que penetra no campo como escola de resistência, ajudando a elevar o conhecimento e a consciência das massas. Os camponeses totalizam cerca de 30% dos filiados em todo o Brasil. Já temos vereadores e deputados camponeses e nessas eleições certamente novos serão eleitos.

A participação dos lavradores tanto na produção de alimentos como no governo que queremos conquistar deve ser cada vez mais evidente. Só o PT oferece condições concretas para que isso se realize.

A UDR (União Democrática Ruralista), defensora do latifúndio, formada pelos grandes fazendeiros, em particular pecuaristas, atua na formação da opinião pública, comprando espaço na TV, rádio e imprensa escrita, com agências de propaganda, gastando fortunas. E, por trás dessa propaganda, organiza a violência paramilitar, espalhando o terror no meio rural, procurando impedir a organização dos trabalhadores e a realização da Reforma Agrária.

No campo econômico, temos que acertar nossa política agrícola e agrária para mostrar que a UDR não tem nada a ver com o interesse dos pequenos lavradores porque ela defende o grande proprietário, uma pequena minoria, enquanto marginaliza a grande maioria. É preciso dar continuidade àquilo que o PT fez no seu programa nacional de TV, levado ao ar no dia 7 de dezembro. E, ao mesmo tempo, fazer um levantamento em cada estado das propriedades dos dirigentes da UDR, divulgar esses dados para o povo de uma maneira sistemática e esclarecedora.

Só assim conseguiremos nos contrapor à ofensiva da UDR, que tem crescido graças a mentiras, como a que o PT, a CUT e CPT (Comissão Pastoral da Terra) querem tirar a terra de todos os proprietários, pequenos e grandes. Essa campanha mentirosa, infelizmente, está atingindo setores que não estão conseguindo entender e ver aonde está de fato a concentração de terras no Brasil.

Não podemos esquecer que o trabalhador rural quer ser dono dos meios de produção, dos quais, no caso, o principal é a terra. Portanto, não se trata de propor a coletivização da terra, com o Estado sendo o dono de tudo. Essa experiência, feita em países que estão empenhados na construção do socialismo, não pode ser simplesmente importada e transposta para a nossa realidade. Aqui há todo um processo cultural próprio, na formação do povo que tem desenvolvido, ao mesmo tempo, o sentido de propriedade e o senso comunitário.

Porém, o sistema cooperativo tem sido um fracasso no Brasil. As cooperativas ou viram grandes empresas sob a direção e à serviço de uma minoria de grandes proprietários, que obtêm privilégios só para si, como a Ctrujuí, no Rio Grande do Sul, ou vão à falência como as centenas de experiências espalhadas por esse país. Mas isso não quer dizer que o PT não deva incentivar as formas de trabalho associativo. Muito pelo contrário.

No Pará, no meu município, por exemplo, criamos grupos de revenda, em que cada um contribui com uma cota para a formação de uma caixinha comum, administrada por uma coordenação. Com esses recursos é feita uma compra coletiva, no atacado, por um preço bem menor do que no varejo. Coloca-se uma pequena margem de lucro para cobrir a inflação e os custos operacionais chegando-se a um preço bem mais em conta do que a compra feita individualmente. Além dessa economia, não se perde tempo para ir à cidade. Essa experiência espalhada pelas comunidades provocou a discussão sobre a necessidade de se ter um local na cidade que foi batizado de "revendão", onde o lavrador tem a garantia de colocar seu produto e, ao mesmo tempo, adquirir as mercadorias que necessita. Nesse caso, temos um trabalho organizativo e conscientizador, de um lado, e o resultado concreto no bolso do lavrador, do outro.

São experiências como essa que revelam como é possível desenvolver a mentalidade do nosso povo voltada para uma sociedade socialista, vivida e construída no dia a dia por quem vive do seu trabalho.

É por isso que afirmamos, o tempo todo, que o PT, além das propostas gerais, precisa desenvolver medidas concretas para cada região, para cada estado, adaptadas à realidade e às lutas locais.

Uma política com os pés no chão

Não podemos cair no desvio esquerdista de propor a coletivização das terras e sair pelo Brasil a fora lançando essa palavra de ordem. Nem criar ilusões de que há alguma saída para os trabalhadores sob o capitalismo.

É preciso voltar-se para a maioria, garantindo terra para quem nela vive e trabalha, juntamente com assistência técnica e financeira, com estradas, transportes, armazenamentos, preços justos para a produção. Essa decisão atingiria proprietários de até 3 módulos regionais, podendo chegar até 500 hectares de terra, conforme decisão tomada pela Secretaria Agrária do PT, em Goiânia. Acreditamos, que se houver esse forte, essa separação, conseguiremos um entendimento nacional.

O partido tem que compreender o momento histórico que estamos vivendo. É preciso combinar esse tipo de proposta com outras mais mobilizadoras, sem perder de vista a necessidade de intensificar uma prática associativa e conscientizadora.

O Partido dos Trabalhadores, para se consolidar como uma opção estratégica para a classe trabalhadora, particularmente no caso do campo, deve ter propostas claras que não separem os objetivos imediatos das lutas reivindicatórias daqueles que visam a construção de uma sociedade socialista, baseada no poder e no bem estar da classe trabalhadora do campo e da cidade. A consciência e o conhecimento do nosso povo são fundamentais para solucionar possíveis contradições que surjam nessa caminhada.

Há duas linhas de raciocínio que devem nortear nossa análise: sob o governo dirigido pelos próprios trabalhadores e sob o regime atual.

1) Feita sob a direção dos trabalhadores, a Reforma Agrária deverá dirigir-se para a consolidação e fortalecimento de uma estrutura fundiária democratizada, a serviço da grande maioria. O progresso econômico, social, cultural e político dos pequenos agricultores terá prioridade. Sua execução será feita por meio de uma política integrada de apoio tecnológico, infra-estrutural e financeiro, que garanta o escoamento e comercialização da produção desses trabalhadores. A solidariedade e a cooperação terão todo o estímulo no sentido de aumentar a capacidade produtiva e a organização dos pequenos agricultores.

2) Enquanto perdurar o regime atual, ou uma cópia malfeita do mesmo, deveremos batalhar por uma política agrícola que diminua o sofrimento dos trabalhadores rurais, combatendo as organizações patronais e de direita, para reduzir e se possível, acabar com a influência sobre os pequenos e médios agricultores. Nesse sentido, devemos incentivar as lutas localizadas e reivindicatórias que tragam resultados concretos para o trabalhador.

E, ao mesmo tempo, conscientizá-lo de que não há solução definitiva dos seus problemas sob um governo de paus mandados dos patrões nacionais e estrangeiros. A luta pela terra deverá abrir um grande debate no interior do Partido e do movimento sindical, principalmente a partir das resoluções tiradas no Encontro Nacional da Secretaria Agrária, em Goiânia, em fevereiro de 87, quando, além da luta direta de resistência e ocupação, definiram-se os principais pontos a serem atacados.

O maior desafio é, sem dúvida, superar as dificuldades com que são discutidos os problemas rurais, tanto no PT como na CUT. A representação nas instâncias partidárias é um reflexo dessa debilidade.

Hoje há um impasse na luta pela terra quando muitas esperanças foram enterradas. O PT apoiou a ocupação de terras e os acampamentos; na Constituinte, ajudamos a recolher mais de um 1,2 milhão de assinaturas — que foram jogadas no lixo — para um resultado insignificante Junto à Comissão de Sistematização sobre a função social da terra, enquanto que a imissão de posse foi jogada para a legislação ordinária (lei complementar).

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Nas ocupações de terra e acampamentos há uma repressão violenta por parte da UDR e do governo. O que fazer? Só nos resta incentivar grandes mobilizações e lutas para, por meio dessas pressões, alterar as atuais regras impostas pelas classes dominantes.

O que não podemos fazer é ficar de braços cruzados vendo a miséria campear nos ranchos dos trabalhadores. Nós sabemos ser o governo o criador desse impasse que exige resposta que, a meu ver, ainda não temos condições de dar. Estão aí as experiências do passado que nos ensinam que não devemos entrar em aventuras e muito menos aceitar provocações. Não podemos pensar que vamos combater o avanço da direita e vencê-la sem um partido forte e coeso com um projeto estratégico bem definido, sem avançarmos para implantação do nosso sistema de comunicação e informação. É fundamental que o PT tenha audácia para lançar um jornal nacional para as massas, juntamente com uma revista, procurando criar seus próprios meios de comunicação por meio de rádios e TV.

É preciso, portanto, continuar desenvolvendo um trabalho de massa e de organização que consolide o papel da direção nacional do PT, dos diretórios estaduais, municipais e os núcleos de base, e quebrar, ao mesmo tempo, o isolamento entre as diversas instâncias do partido e entre o partido e as massas.

Sobre uma política de alianças

Está claro dentro do PT que a principal aliança a ser feita é entre os trabalhadores da cidade e do campo.

Porém, o avanço da direita, nos obriga a refletir com mais profundidade. No caso da Reforma Agrária não há como negar que houve um retrocesso em relação ao início da Nova República. E não temos dúvidas de que um dos principais responsáveis por esse retrocesso é o PMDB. Esse partido que não é partido, que está no governo mas insiste em fazer discursos de oposição, é o responsável pela volta de antigos arenistas que hoje comandam a política oficial do PMDB.

Reconhecemos que existe dentro dele um bom número de militantes progressistas, mas sem nenhum compromisso com a construção do socialismo. Muito pelo contrário, procuram implantar certas reformas dentro do capitalismo para modernizá-lo, e nada mais. São pessoas de valor, que acreditam sinceramente ser possível promover algum avanço dentro dessa Nova República. Mas possuem uma visão alienista que dá as costas para o povo. Omitem vergonhosamente os cambalachos desse governo ilegítimo. Não denunciam o retrocesso provocado pela derrota das propostas iniciais da Nova República, nem o avanço da direita que toma conto da direção do PMDB. Não revelam os compromissos desse governo com o processo de internacionalização da economia que não precisa de uma Reforma Agrária para desenvolver o tipo de capitalismo que querem nos impor. E, portanto, esse governo não vai permitir qualquer tipo de repartição da terra e muito menos mexer na repartição da renda.

Acredito que além do fisiologismo, que garante empregos para todos os cupinchas e cabos eleitorais e verba para as próximas campanhas eleitorais, o comportamento passivo desse segmento mais progressista do PMDB foi fruto de uma análise incorreta sobre a prioridade de suas alianças. Optaram pelos setores mais conservadores.

Apesar dessas críticas, algumas das medidas tomadas pelos progressistas que estavam no governo poderiam ter sido apoiadas pelo PT e pela CUT. Houve uma série de medidas regionalizadas que poderiam ter favorecido a luta dos trabalhadores. Mesmo que não fossem exatamente sob os mesmos critérios da CUT e do PT, aquelas medidas significavam um avanço dentro do nosso quadro histórico. Esta é a minha compreensão, hoje, após todos os fatos ocorridos.

No Norte houve desapropriações de terras ocupadas há mais de 70 anos, como nos casos de Santarém e Conceição do Araguaia. Apesar de ter sido um presente dado aos latifundiários, que acabaram sendo indenizados por terras que não tinham direito, essas medidas atendiam, de certa forma, aos interesses dos trabalhadores da região.

No Paraná e Santa Catarina, os trabalhadores ocuparam terras que foram mais tarde desapropriadas pelos governos estaduais para o assentamento dos mesmos, provocando muito ódio nos setores mais reacionários.

A grande imprensa tratava tudo como se fosse a mesma coisa, tanto no norte como no sul. Armou-se uma grande campanha contra a Reforma Agrária, o que acabou atingindo os setores mais avançados do PMDB e, até mesmo, prejudicando alguns resultados concretos obtidos pelos trabalhadores naquelas regiões.

Hoje, o quadro esta bastante piorado. Jader Barbalho, o novo ministro da Reforma Agrária, é um latifundiário envolvido em altas corrupções na Região Norte, comprometido com o grande capital e que se adapta à política da UDR e dos grandes empresários. Ele é bem mais conservador do que os outros ministros da Nova República que o antecederam.

Naquele momento, quando eram tomadas medidas mais progressistas, faltou clareza para todos nós. Não conseguimos separar o inimigo principal daqueles que poderiam ser nossos aliados em situações bem concretas. Talvez fosse o caso de se fazer algumas alianças pontuais com aqueles setores que estavam implementando medidas mais favoráveis aos interesses dos trabalhadores, contra a reação raivosa da extrema direita e seus aliados da grande imprensa.

Faltou também amadurecimento de nossa parte por falta de uma definição mais clara do projeto estratégico do PT, particularmente no que se refere à política agrícola e política agrária para os pequenos e médios lavradores e proprietários rurais. Quando a estratégia não está clara, as questões táticas ficam muito difíceis de serem conduzidas.

Minha opinião pessoal é que, por parte do PT, faltou uma melhor compreensão do que estava acontecendo e quais as possibilidades de se fazer algum tipo de aliança com aqueles setores mais progressistas. Só agora estamos desenvolvendo uma política de alianças. Só agora estamos amadurecendo nossas análises, como no caso das eleições que se aproximam e que exigem que se trave esse debate.

Mas deve ficar claro que o problema não foi e nem está sendo do PT, mas sim dos companheiros do PMDB, que continuam apoiando a política da Nova República, iludidos pela possibilidade de promover mudanças substanciais com esse tipo de regime. Esses setores, na verdade, estão sendo marginalizados dentro do próprio PMDB.

Naquele momento, não ficou claro se seria o caso de se fazer alguma aliança, por dois motivos:

1) Não sabíamos se era o momento de levar aquele tipo de discussão para o conjunto da população 2) e, por outro lado, não tínhamos dimensionado as reais possibilidades daqueles setores mais progressistas e, tampouco, qual o entendimento que teriam diante de uma aliança que poderia ter sido proposta.

O resultado final é que a nossa indefinição e o aliancismo daqueles setores do PMDB que dão as costas para o povo favorecem o pólo mais reacionário e conservador.

A CUT e o PT, recentemente, convocaram, juntamente com outras forças progressistas, uma Plenária Nacional de todos os que estão preocupados com o avanço da direita. Na reunião do dia 3 de dezembro, foi formado um movimento denominado Articulação Nacional de Entidades Democráticas, Populares e Sindicais, que elegeu uma coordenação nacional com ramificações nos estados. A defesa dos direitos dos trabalhadores na Constituinte é bandeira que unifica essa articulação, dando-lhe um mínimo de unidade. Essa iniciativa poderá ser o embrião de uma frente única contra a direita, porém, sem perdermos de vista a importância de considerarmos a construção do nosso partido estratégico: Partido dos Trabalhadores.

Quem é Avelino Ganzer

Em 1972, a família Ganzer chegou à TRANSAMAZÔNICA, abandonando seus 15 hectares de terra em Iraí, às margens do Rio Uruguai, no Rio Grande do Sul. Dos onze filhos do casal de origem italiana, nove participavam dessa nova vida, atraídos pela intensa propaganda oficial, que prometia "levar homens sem terra para as terras que não tinham homens". Era época do Brasil Grande, do tricampeonato mundial de futebol, das 200 milhas marítimas, do milagre econômico, da repressão política, da tortura, da guerrilha. A ditadura, comandada por um general de plantão, controlava e orientava todos os meios de comunicação, fazendo a cabeça de quem não tinha outras fontes de informação.

O caminhão deixou a família Ganzer 175 km dentro da mata Amazônica, no Sul do Pará, a 300 km de Altamira, 240 km de Santarém e 176 km de Itaituba. As assistentes sociais diziam, nas reuniões com as milhares de famílias atraídas para lá, que os maiores ladrões de carro e do patrimônio público estavam naquelas matas. Qualquer estranho deveria ser enunciado para as autoridades. Era a Guerrilha do Araguaia.

Um tapete verde de arroz vicejante, recém-plantado, cobria toda a extensão não construída de Rurópolis Presidente Médici, no dia de sua inauguração, com a presença do próprio presidente, em abril de 1974. Esse arroz fora semeado alguns dias antes em cima de destroços do que havia sido a vila dos operários que construíram aquele novo núcleo. O próprio coordenador do Incra havia comandado pessoalmente, com a ajuda da Polícia Federal e do Exército, a colocação de óleo e gasolina que queimavam as casas dos operários expulsos sumariamente. Tudo isso para que a paisagem se tornasse propagandista diante das câmeras de TV e das máquinas fotográficas.

A família Ganzer, como todas as outras que se encontravam na mesma situação, passou fome porque, além dos problemas naturais que enfrenta na formação de uma nova lavoura, o comércio mais próximo ficava a quase 180 km de distância e, muitas vezes, quando lá chegavam, a mercadoria já havia se esgotado.

Foram esses acontecimentos que despertaram a consciência de Avelino Ganzer, hoje secretário-geral da CUT e membro do Diretório Nacional do PT. Contribuiu muito também com a amizade travada com Geraldo Pastana à Pastoral Rural naquela região.

Em 1977, participaram da eleição sindical e foram derrotados. Avelino, nessa época, não era ainda nem sócio do Sindicato. Em 1978 criaram a delegacia sindical na comunidade de Avelino, que foi eleito seu representante.

Em 1980 colheram os principais resultados desse trabalho de formiga, quando venceram as eleições sindicais de forma espetacular, diante de uma chapa de situação que não conseguiu obter sequer meia dúzia de votos. Geraldo Pastana foi eleito presidente e Avelino o representante junto à Federação.

O trabalho desenvolvido junto ao sindicato e à categoria fez com que nas eleições de 1983 Avelino fosse eleito com 97% dos votos, em uma chapa formada basicamente por habitantes. Em agosto deste mesmo ano foi eleito membro da executiva nacional da CUT, no seu 1º Congresso Nacional. Reeleito para a executiva da CUT, é secretário geral desde 1986.

Paulo de Tarso Venceslau é jornalista, economista, trabalha no Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos (DESEP) da CUT. É membro do Conselho de Teoria e Debate.

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