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Primeira prefeitura conquistada pelo PT, Diadema, sem trocadilhos, ostenta vitórias mas também recebe pedradas. Prestigiada nas pesquisas, a administração local cometeu erros e acertos que este artigo pretende analisar a fundo.

De acordo com pesquisa realizada em Diadema pela Folha de S. Paulo, publicada no dia 18 de abril, 55% dos entrevistados consideram o desempenho de Gilson Menezes à frente da Prefeitura de Diadema como ótimo ou bom. 66% do total votariam num candidato petista. Tal resultado é, sem dúvida, dificilmente igualado por qualquer prefeito em exercício hoje no Brasil. Como explicá-lo?

Diadema é um município de 24 km² localizado entre São Paulo e São Bernardo do Campo. Nele habitam hoje cerca de 400 mil pessoas, em geral de baixa renda, sendo que aproximadamente 1/3 das mesmas vivem espalhadas por 157 favelas. Quando o PT ganhou as eleições para prefeito em 82, com 32% dos votos, muita gente acreditou que a administração petista não fosse capaz de se sair bem. E, de fato, o quadro era difícil. Além de o PT não ter nenhuma experiência administrativa anterior, na verdade não se tinha um programa concreto de governo para Diadema. A plataforma eleitoral apresentada era muito mais um arrolamento de palavras de ordem genéricas, que não servia como um guia para a ação. O nível de organização do movimento popular em Diadema — excetuando-se o sindical — era incipiente. Além disso, a administração municipal petista enfrentou, em seu primeiro ano, dois problemas sérios. Em primeiro lugar, 2 milhões de OTNs a pagar devido à desapropriações feitas por administrações anteriores. Embora estruturalmente a saúde financeira da Prefeitura de Diadema não seja ruim (o município é hoje o 9º do estado em termos de arrecadação de ICM), a dívida herdada dificultava em muito a ação do Executivo em seu primeiro ano. E, fundamentalmente, houve sérias desavenças políticas com o Diretório Municipal e com a bancada de vereadores do PT em Diadema.

Hoje esse quadro inicial foi bastante transformado. Inquestionavelmente, a administração petista de Diadema realizou, nesses seis anos, mais obras do que todas as administrações anteriores juntas em 22 anos, atendendo prioritariamente à periferia.

A Prefeitura deixou de estar a serviço da acumulação de capital de setores da burguesia local (empreiteiras, empresas de ônibus, funerária etc.) e passou a ter uma política de realizar obras e prestar serviços diretamente, realizando com isso economia de recursos, melhorando a qualidade das obras e serviços prestados à população e criando empregos diretos. E, basicamente, a administração petista de Diadema abriu canais para a participação popular, de tal forma que hoje se estima que cerca de 55 mil pessoas (15% da população) de alguma forma participam organizadamente junto à Prefeitura.

Isso tudo se deu num quadro de ferrenha oposição à administração municipal por parte das elites locais e seus porta-vozes (CIESP — Centro das Indústrias do Estado de São Paulo —, o Diário do Grande ABC etc.) e de boicote do governo estadual, que chegou ao cúmulo de impedir a instalação em Diadema da usina de lixo adquirida pela prefeitura, ao mesmo tempo que financiava a instalação de 60 usinas semelhantes em outros municípios do estado.

Evidentemente, ao lado dos muitos acertos, a administração petista em Diadema enfrenta problemas, demonstra limitações, cometeu (e comete) muitos erros.

Diadema, talvez por ter sido a primeira e por ter tido um período longo (seis anos) de gestão petista, mais do que as outras cidades, serve para todos como um parâmetro para se analisar a política petista à frente de uma administração municipal. Conhecer sua experiência, assimilar seus acertos, corrigir seus erros, enfim, dissecá-la de um ponto de vista crítico é uma questão central. Com esse objetivo, Teoria e Debate abre suas páginas para a polêmica.

Avaliar a atuação do PT em Diadema significa examinar a primeira experiência do partido à frente de um governo municipal. Este artigo tem por objetivo contribuir para essa avaliação, procurando esclarecer dificuldades e avanços obtidos.

A experiência do PT em Diadema, nestes últimos cinco anos, teve fases distintas. Cabe portanto fazer uma pequena cronologia, que possibilite o entendimento do quadro em que se deram conflitos e embates. A partir da vitória, em 82, até meados de 84 caracteriza-se uma primeira fase, de aprendizagem, descoberta, disputa política pela ocupação de espaços e poder de influência sobre a prefeitura. Essas disputas envolveram o Diretório Municipal, a bancada de vereadores, o prefeito e sua equipe. Foi um período de criatividade e início da construção de laços orgânicos com o movimento popular e sindical, no qual se firmaram posições opostas: de um lado, diretório e bancada; de outro, prefeitura. Ao final dessa fase, concluiu-se a primeira alteração na composição da diretoria da prefeitura. Nesse período, Juraci Magalhães, então chefe de Gabinete, era o homem forte da prefeitura.

A segunda fase se estende de meados de 84 até a expulsão de Juraci Magalhães do partido, por ter aderido à campanha de Paulo Maluf nas eleições de 86. Nessa fase a diretoria da prefeitura foi em grande parte ocupada por pessoas de confiança do chefe de Gabinete, levando os que não compartilhavam de sua intimidade a, em grande parte, recuar para as suas áreas de atuação específicas. Nesta fase mesclam-se conquistas em algumas áreas e recuos em outras.

A terceira fase, a atual, é marcada por um esforço de unidade na ação da prefeitura, a partir da constituição de uma nova diretoria, bem mais afinada com as propostas do partido. As disputas entre os petistas passam a se desenvolver num clima mais amistoso e tornam-se possíveis ações conjuntas entre a prefeitura e a bancada. O diretório municipal consegue estruturar-se, incorporando todas as forças políticas internas ao PT; o conjunto do PT começa a se beneficiar com os saldos de popularidade da administração. Popularidade que se expressa em pesquisa realizada pelo Diário do Grande ABC, que aponta um índice de intenção de voto no PT equivalente a 66% da população.

Entre as teses e a realidade

É comum nos referirmos à falta de tradição de luta e de organização independente dos trabalhadores em nosso país. Porém, este aspecto da nossa cultura política raramente é tratado como obstáculo objetivo na construção do nosso partido. A vitória do PT foi notável, se considerada a sua base social organizada. Pesou no resultado o voto dos operários, em especial os metalúrgicos residentes em Diadema, grande parte empregados nas fábricas de São Bernardo; pesou também o voto da população favelada, impressionada com o discurso moralista do candidato do PT. Difícil foi, depois das eleições, a incorporação de toda esta expressão eleitoral na vida orgânica do partido.

Os poucos movimentos populares organizados encontravam-se em fase embrionária. O movimento sindical, em especial o metalúrgico, dirigido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, correspondia de fato ao segmento mais avançado da luta social1. Diadema industrializou-se na década de 70, com a instalação de pequenas e médias empresas, insuficientes para prover de empregos todos os seus habitantes. Seu processo de ocupação foi desordenado, fruto de migrações internas na região e, em particular, da expulsão sistemática da população pobre dos municípios vizinhos; 1/3 da população vive em favelas e 1/6 do município foi retalhado em loteamentos clandestinos.

Trata-se de uma população forjada na miséria e na instabilidade, habituada a uma luta permanente pela sobrevivência, marcada pela violência e pelo sentimento de exclusão. Daí advêm dois traços marcantes do seu comportamento político: o imediatismo e a desconfiança em relação ao governo e aos políticos. Do imediatismo resulta uma postura extremamente prática em relação às coisas e às pessoas. A desconfiança faz dessa população alvo difícil para uma cooptação permanente, assim como para uma postura de fidelidade a partidos e políticos.

A criação do PT não iria operar uma mudança imediata e automática nesse quadro; ademais, os próprios militantes petistas vinham dessa mesma base social. Portanto, tinha o PT de Diadema a tarefa complexa de combinar a luta pela obtenção de melhorias palpáveis nas condições de vida da população com um processo permanente de construção da cidadania, enfrentando a desinformação, a desconfiança, o imediatismo, condições favoráveis à manutenção das relações de tipo clientelista.

Não é difícil compreender que, neste quadro social, a política só ganha concretude com a eleição de prefeito e vereadores. Por meio do voto essa população delega poder e cobra soluções. Daí residem o peso político assumido pelo governo municipal e sua capacidade de atrair a mobilização e as pressões da população. Esta foi uma primeira descoberta que encontrou os petistas de Diadema despreparados – não só para direcionar a ação administrativa, como para articular essa ação àquela desenvolvida pelo partido. Este, enquanto instância, entrou em eclipse e teve dificuldades reais de assegurar seu papel.

Este quadro nos permite entender a longa distância que separava as intenções do programa do partido e a realidade social na qual se buscava aplicá-lo. Essa distância teria de ser preenchida por propostas concretas, muitas das quais exigiam preparação e capacitação específicas.

Democratizar a gestão municipal

Para a democratização da administração municipal é essencial garantir-se os meios para uma efetiva participação popular. Como garantir esta participação no quadro de fragilidade da organização da população? Como estimular o fortalecimento dos movimentos populares e a sua auto-organização sem recurso ao paternalismo?

Um primeiro ensinamento de Diadema reafirma a necessidade de respostas originais às lutas dos diferentes segmentos da população. O problema reside em se criar relações entre as necessidades da população e um processo de permanente organização popular. O Programa de Urbanização de Favelas, por exemplo, teve o mérito de articular a luta concreta de urbanização a um processo de organização que se tornou essencial à própria obtenção desta melhoria2.

A conquista da concessão do direito real de uso por 90 anos para as populações assentadas em áreas públicas e a participação ativa do movimento de favelas na Constituinte, defendendo a Emenda Popular da Reforma Urbana, dão conta de um avanço significativo nesta frente de luta.

A luta popular por melhoria nos transportes coletivos, desencadeada pela Prefeitura no início do governo através de uma fiscalização rigorosa sobre a Viação Diadema, apesar de recuos ocorridos entre 84 e 86, levou a que a administração estatizasse os transportes municipais, criando em 87 a ETCD (Empresa de Transporte Coletivo de Diadema)3.

A criação do Conselho Municipal de Saúde constitui-se em ponto de chegada de um longo trabalho desenvolvido nos bairros, em torno do atendimento dado pelas Unidades Básicas de Saúde (antigos Postos de Puericultura), cujas atribuições foram ampliadas nesta administração4.

O Conselho Popular de Orçamento, criado em 84 e que tem por atribuição definir prioridades de investimento, fiscalizar a execução da peça orçamentária e acompanhar a implantação das obras deliberadas, ainda está bem distante de cumprir todos estes objetivos. Predomina ainda uma prática corporativa e bairrista de parte dos conselheiros, e o despreparo político e técnico limita muito sua compreensão sobre os efeitos reais daquilo que deliberam5.Todas estas experiências, às quais poderiam ser somadas muitas outras, apontam alguns problemas que merecem enfrentamento.

A socialização das informações, condição básica para a participação popular, requer não só vontade política da administração como recursos aplicados na formação dos militantes do movimento popular. Requer um esforço especial de decodificação das informações técnicas, de quebra do sigilo e da compartimentação em que se dão as decisões na administração pública. São muitas as resistências do aparelho administrativo a esta transformação. A falta de informação sobre a política de transporte e sobre condicionantes de ordem técnica à sua execução, por exemplo, faz com que a participação dos representantes da população no Conselho Deliberativo da ETCD seja ainda figurativa. A falta de um trabalho sistemática de capacitação dos conselheiros para o orçamento municipal constitui-se num elemento de manutenção de sua visão corporativista e atomizada acerca das prioridades para o município.

A participação popular deve ser parte integrante da ação administrativa. Do ponto de vista da organização popular, não nos cabe questionar a sua autonomia e a necessidade de sua organização em moldes autônomos em relação ao Estado.

Trata-se aqui de falar em outros espaços de participação, que envolvem canais permanentes de relação população/governo. Só para ilustrar no movimento de favelas tanto foi criada uma associação dos moradores de favela de Diadema, entidade própria do movimento, como existem comissões de favelados nas quais o movimento popular e a administração equacionam juntos os problemas relativos à urbanização e posse da terra.

A Prefeitura de Diadema tomou diversas iniciativas no tocante à criação destes espaços; algumas delas resultaram da pressão do movimento, como o Conselho Deliberativo da ETCD; outras foram iniciativa da própria Prefeitura, como o Conselho Popular de Orçamento. Também na recente lei da Reforma Administrativa adotou-se o princípio da participação popular6. São passos significativos. Há que se reconhecer, porém, que são em si insuficientes para garantir a participação daqueles que irão representar a população. Esta tarefa recai sobre os movimentos populares e sua organização, e sobre os partidos políticos. Mas exige da parte da Prefeitura, em especial do prefeito e de seu primeiro escalão, uma postura de isenção política e uma capacidade de resistir a críticas e a pressões.

A participação popular não se restringe aos setores organizados da população. A grande maioria das reivindicações continua fluindo por fora do movimento organizado, em parte pela fragilidade deste. Inicialmente a administração reagia contra pedidos individuais, buscando combater as formas tradicionais de clientelismo. No entanto, a própria condição de fragilidade das organizações populares, incapazes de incorporar todas as pressões e pedidos, além das dificuldades inerentes ao trabalho organizado provocou recuos em relação à proposta inicial.

A administração precisa ter claro que, ao invés de atender todos os pedidos prontamente, muitos deles podem ser devolvidos à população, impulsionando a sua participação. Isto não impede que a prefeitura se capacite para responder com eficiência aos milhares de problemas que emergem no dia-a-dia de uma cidade, para os quais não tem sentido exigir uma imensa mobilização de energia da população, para desentupir um bueiro, recolocar uma placa de sinalização etc.

A participação popular contribui para aumentar as demandas da população. As necessidades da população na nossa sociedade são muito grandes e uma administração que se abre à participação popular deve se preparar para um aumento não só quantitativo como qualitativo das demandas. A construção do pronto-socorro e de novas salas de aula, a melhoria da merenda serviram para evidenciar demandas reprimidas. Ou seja, quanto mais se investe em programas sociais, mais eles atraem usuários. Esta dinâmica acaba gerando novas pressões sobre a administração.

Transformar a máquina e as rotinas

A democratização da gestão municipal requer também alterações profundas no aparelho administrativo, nas rotinas de trabalho, nas relações com o funcionalismo público.

Enfim requer transformações que têm necessariamente uma dimensão técnica, e que exigem conhecimentos específicos que, socializados, permitirão aos trabalhadores se apropriarem do ato de administrar as coisas públicas.

Neste aspecto, em que pesem as diversas realizações da Prefeitura de Diadema, em particular as obras públicas, vale destacar algumas lacunas que pesaram e ainda pesam no sentido de comprometer os resultados obtidos, e obstaculizar avanços futuros.

A administração de Diadema sempre careceu de um plano de governo, que indicasse prioridades e objetivos a serem atingidos.No final de 1987 foi realizado um "Seminário de Administração Participativa", envolvendo Diretorias e funcionários, que estabeleceu algumas diretrizes de governo.

Para muitos militantes petistas locais, este plano era a plataforma de 82, documento de caráter propagandístico, rapidamente superado pelas necessidades. Para o prefeito, a falta desse programa foi motivo inicial de preocupação, porém logo em seguida provou ser conveniente, pois lhe dava maior liberdade de ação. Soma-se a esta lacuna a não-adoção do planejamento como instrumento de ação administrativa. O Conselho Popular de Orçamento, por suas debilidades, não consegue exercer o papel de definir prioridades e objetivos.

As resistências ao planejamento têm origens distintas — a desconfiança e a insegurança em relação àqueles que dispõem do conhecimento intelectual e técnico, o temor à redução do campo de manobra dos dirigentes e dos técnicos em postos de comando, o receio de abrir flancos para um controle da administração desde fora. Todas estas resistências emergiram em Diadema. A falta de planejamento no dia-a-dia, que implicou a não definição de metas claramente enunciadas, acabou por limitar em muito a possibilidade de controle sobre a ação administrativa.Quando uma administração passa a trabalhar com metas que resultam do processo participativo e são de domínio público, dá condições a qualquer entidade de acompanhar a ação administrativa e cobrar resultados.

A falta de planejamento tem efeito sobre o conjunto das ações da prefeitura e, em particular, na política de implantação das obras públicas municipais. Já nos primeiros meses de governo, fez-se opção pela administração direta das obras públicas. Partiu-se do pressuposto da redução dos custos, ao se dispensar o lucro das empreiteiras, e também da redução dos espaços de corrupção, por meio das licitações. Foi necessário um grande investimento em equipamentos, capacitação de recursos humanos, organização do trabalho de modo a se obter um grau de eficiência comparável ou superior à do setor privado. A falta de planejamento em obras levou à adoção disseminada de horas-extras, muitos prejuízos aos padrões técnicos de qualidade, implicando gastos imensos de manutenção e ampliação do quadro funcional, sem previsão. Continua sendo difícil em Diadema a apropriação de custos das obras e serviços prestados. Longe de ser uma responsabilidade de técnicos e diretorias municipais, trata-se de uma política administrativa geral, que ainda está por ser transformada. De qualquer modo, o princípio da administração direta das obras públicas é peça-chave das plataformas municipais petistas.

Finalmente, um problema de fundo na transformação do aparelho administrativo refere-se ao tratamento do funcionalismo público, tanto do ponto de vista salarial como do ponto de vista da capacitação, moldado com base em relações de tipo autoritário, em que o apadrinhamento e a postura de subserviência têm raízes profundas, o funcionalismo acaba construindo mecanismos de autodefesa, um dos quais é a apropriação do conhecimento específico da máquina e outro, a manipulação das rotinas administrativas. Foi difícil para os petistas enfrentar os problemas do funcionalismo, em particular na condição de empregadores.

Em 1983 houve medidas que garantiram uma melhora nas condições de vencimentos, em especial para as camadas com salários mais baixos. A Associação dos Funcionários Públicos foi renovada política e sindicalmente. Em 1984, a associação sofreu um esvaziamento, resultado dos conflitos internos do PT, e recaiu sobre os funcionários parte do ônus das dificuldades financeiras enfrentadas naquele ano pela prefeitura. Um dos problemas mais sérios na condução do funcionalismo diz respeito a garantir a independência da sua organização. Alguns diretores, por serem igualmente petistas, esquecem esta condição hierárquica e acabam intervindo de forma indevida no processo de organização dos funcionários. Finalmente, além da questão salarial, outro problema que exige tempo e recursos refere-se à capacitação e reciclagem dos funcionários. Apesar das dificuldades enfrentadas, das pressões exercidas sobre prefeito e diretores para empregar pessoas, vale indicar alguns saldos. A reforma administrativa de Diadema tem o mérito de adotar um plano de carreira e de ascensão funcional que introduziu melhoras nas condições de trabalho e de remuneração do funcionalismo. A adoção das 40 horas semanais e de um piso equivalente a três salários mínimos de referência são conquistas evidentes. A implantação da reforma administrativa vai exigir um acompanhamento de perto, tanto dos funcionários, como do partido, da Câmara e da população organizada. Fica como ponto a conquistar a definição de uma estratégia para alteração do regime de contratação. O concurso público é uma meta, diz a lei da Reforma Administrativa. Para quando e como ainda resta definir; em particular será necessário superar as resistências internas à adoção do concurso público, em especial da própria Diretoria de Administração.

As relações partido e governo

A conquista da Prefeitura em Diadema eclipsou o partido enquanto entidade autônoma. Para muitos petistas, o Diretório Municipal acabou reduzido a um cartório para registro de delegados e candidatos. Os petistas estão em todas as partes, mas não há uma ação partidária articulada; fica evidente a dificuldade do partido em exercer sua condição de direção política da ação dos petistas.

A relação entre partido e esferas de governo é marcada por uma tensão permanente. No atual estágio brasileiro, essa relação tensionada encobre uma luta desigual, que favorece a submissão do partido, aos organismos de governo. Nesta relação, que envolve diretório e vereador, diretório e prefeito, todas as medidas de controle sobre a atuação dos políticos com mandato eletivo, sejam disciplinares ou administrativas, são importantes; mas são ineficazes quando os eleitos resolvem afrontar o partido e este não tem meios de resistir a isso. Portanto, além da Carta de Compromissos e da definição de critérios de escolha do secretariado, é preciso investir ideologicamente na defesa da autoridade política do partido e garantir a sua independência.

A administração municipal e a Câmara de Vereadores detêm meios, ainda que limitados em relação a outras esferas de governo, para conquistar melhorias para a população. Os petistas, ocupando postos nestes organismos governamentais, têm a responsabilidade de trazer informações para as instâncias partidárias e contribuir na capacitação política dos militantes. Em Diadema, o diretório municipal não desenvolveu em momento algum um plano de ação para o município; nas poucas ocasiões em que diretores da prefeitura levaram propostas para as reuniões do diretório, esbarraram com o problema de falta de compreensão sobre os problemas enfocados.

É importante reconhecer que no Diretório Municipal do PT em Diadema faltavam quadros políticos e experiência para se colocar como instância dirigente. Por seu lado a administração, com seu peso político pouco fez para colocar seus conhecimentos sob controle da instância partidária.

As relações do PT de Diadema com a prefeitura e com a bancada de vereadores sempre se pautaram por conflitos e pela falta de mecanismos de tratamento dos mesmos.

Fruto da inexistência de uma instância capaz de arbitrar os conflitos entre os petistas, já que o diretório municipal não lograva ser este fórum, assistimos ao desenrolar da disputa política por meio de trincheiras externas ao partido: a bancada de vereadores, a Associação dos Funcionários Públicos, as diretorias da prefeitura, as entidades populares. Não é difícil adivinhar o efeito disto sobre a unidade do partido.

A bancada em raros momentos agiu articulada com o Executivo. Isto não implica que os vereadores do PT devam fechar os olhos para a ação do prefeito do partido. No entanto, a inexistência de uma prática sistemática de reuniões do prefeito com os vereadores petistas, como chegou a ocorrer no início do governo, em particular para analisar previamente o teor dos projetos do Executivo para a Câmara, aguçou ainda mais os antagonismos. No caso recente da reforma administrativa, houve essa participação conjunta, e seus resultados indicam o quanto isto teria sido positivo ao longo do governo, inclusive como elemento de dissensão das relações.

Cabe ao partido um papel intransferível que é o de trabalhar a organização do movimento popular, disputando influência política junto à população. E isto passa a ser vital principalmente quando a administração cria canais de participação. A ação do PT no sentido de influir na escolha dos representantes dos bairros para o Conselho Popular de Orçamento tem sido insignificante; fica difícil portanto o partido criticar o atraso e as confusões criadas pelos conselheiros nesse espaço de participação que a prefeitura tem buscado ouvir e acatar para a elaboração do orçamento municipal. Apesar de a receita financeira de Diadema estar entre as maiores do Estado, muitos programas foram inviabilizados por falta de recursos e manobras políticas dos governos estadual e federal. Neste momento é preciso cerrar fileiras no município, articular aliados, para enfrentar os dois governos. O diretório municipal deve ter independência para criticar a ação do prefeito aqui e ali, mas também precisa combinar a crítica com uma política de unidade para enfrentamento de problemas que atingem a população. A experiência vivida pelo PT de Diadema, enquanto instância partidária, não fez mais que evidenciar as fragilidades do nosso partido enquanto organismo de direção política, fato que permanece encoberto naqueles municípios onde o PT tem pouca incidência na vida política local. Evidencia a necessidade imperiosa da formação política dos militantes, do desenvolvimento de instrumentos auxiliares de direção (como uma imprensa partidária), a necessidade de mecanismos permanentes de articulação do trabalho político nas diversas frentes e a adoção de prioridades e planos de ação, cobrando responsabilidades de todos os seus integrantes.

Valeska Peres Pinto é coordenadora da Comissão de Políticas Públicas do Diretório Nacional do PT-SP.