Ainda que tenha sido penoso, quantas vezes fomos obrigados a conviver com a morte nestes últimos vinte anos? Perdemos amigos e companheiros aqui, no Brasil, depois no Chile, mais tarde na Argentina e, à força de ver nossos próximos morrerem nas mãos da repressão na tortura ou em enfrentamentos armados quantas vezes nos perguntamos se um dia esta sorte não nos seria reservada. Depois os tempos mudaram: uns saíram da clandestinidade ou dos cárceres, outros voltaram do exílio e os fantasmas que nos freqüentaram por tanto tempo pareciam exorcizados. Mais maduros, ou talvez apenas mais velhos, abandonamos a idéia de que poderíamos um dia vir a ser heróis ou mártires da causa revolucionária.
Mas a morte voltou a rondar os nossos e me dou conta de que este prolongado convívio com ela não nos tornou mais capazes de suportá-la. É possível que isto reflita uma qualidade, pois o que se pode pensar daqueles que acabam por se conformar com a idéia de perder seus companheiros e amigos?
Eder Sader, nascido a 7 de agosto de 1941, nos deixou a 21 de maio último. Ele foi um dos tantos que experimentaram esta dura convivência com a morte de pessoas próximas e queridas. Como hemofílico, desde criança enfrentara pessoalmente situações de risco extremado. Mais tarde, teve claro que, se caísse um dia nas mão dos aparelhos repressivos, teria poucas chances de sobrevivência. Esta possibilidade se configurou como ameaça real pelo menos duas vezes em sua atividade de militante político: em 1970, quando, procurado pela polícia, foi obrigado a passar para a clandestinidade e buscar refúgio no exterior, e posteriormente, em 1973, quando foi preso pelos militares chilenos, no momento do golpe de Estado de Pinochet, sendo então confinado na Ilha Quiriquina.
Tendo superado tantas dificuldades em sua vida, é cruel pensar que viesse sucumbir de AIDS, adquirida provavelmente em 1985, em uma das transfusões de sangue que periodicamente era obrigado a fazer. Este fato quem sabe forneça um argumento adicional para explicar nossa inconformidade com sua morte, resultante não da fúria contra-revolucionária dos órgãos de repressão, mas da irresponsabilidade criminosa das autoridades sanitárias do país, absolutamente paralisadas diante de mais este flagelo que se abate sobre nossa sociedade.
No dia de seu enterro, seus amigos, colegas e companheiros expressaram seus sentimentos com um demorado e comovido silêncio, antes que seu corpo fosse retirado para ser sepultado. As palavras faltaram ou se tomaram incapazes de traduzir naquele momento o verdadeiro impacto que todos sentimos ao ver retirado de nós um pouco de nosso passado, mas, igualmente, de nos vermos amputados de parte de nosso futuro.
Hoje talvez já seja possível recobrar a fala e, retraçando a trajetória de Eder Sader, inventariar a dimensão de nossa perda. Mais do que isso: é chegado o momento de oferecer aos que com ele conviveram, mas dele tiveram uma percepção apenas fracionada, uma visão mais abrangente de sua vida, na qual se confundem permanentemente a figura do intelectual e a do militante político.
Primeiros passos
Eder e seu irmão Emir começaram sua atividade militante ainda na escola secundária. Nesse período ele sofre a influência de seu tio, o sociólogo Azis Simão, autor de um clássico do pensamento social brasileiro, Sindicato e Estado. Azis, uma personalidade fascinante, aliava sua condição de arguto observador do movimento operário a uma indisfarçada simpatia pelas idéias libertárias, que abraçara desde sua juventude.
Este tipo de influência e, mais tarde, o contato com intelectuais e militantes de esquerda de várias tendências devem ter pesado para seu engajamento na Liga Socialista, um pequeno grupo influenciado pelas idéias de Rosa Luxemburgo. Um peso significativo na constituição de seu pensamento político deve ser creditado a Eric Sachs, um refugiado austríaco, que estivera próximo de Augusto Thalheimer, dirigente anti-stalinista do Partido Comunista Alemão, e do revolucionário russo Nicolai Bukharin, tendo militado durante a guerra civil espanhola no POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista).
Como Eric, Eder esteve presente na formação, em 1961, da Organização Marxista Revolucionária Política Operária, a Polop, grupo que teve uma influência significativa nas esquerdas brasileiras durante os anos 60 e parte da década seguinte, apesar de nunca se ter constituído numa organização de grandes dimensões nem de implantação social nas classes trabalhadoras.
Na Polop ele vai se destacar como crítico severo das posições então hegemônicas na esquerda brasileira e que tinham no Partido Comunista Brasileiro (PCB) o seu principal centro de irradiação. Em meio à agitação social do período que antecede ao golpe de Estado de 1964, Eder denunciava as ilusões da maioria da esquerda sobre a possibilidade de que transformações "nacionalistas e democráticas" da sociedade e do Estado brasileiros pudessem vir a ser obtidas através de uma aliança do proletariado, do campesinato e da pequena-burguesia com uma burguesia nacional supostamente interessada na consecução de reformas "antiimperialistas" e "antifeudais".
Com o golpe, a audiência da Polop cresceria enormemente na esquerda. Eder conheceu sua primeira experiência de clandestinidade, de vez que teve seu nome indiciado em Inquérito Policial-Militar, já em 1964.
Com a crise do Partido Comunista e o início da formação de várias dissidências, a Polop se funde com uma cisão do PCB no sul, dando nascimento ao Partido Operário Comunista, o POC, do qual Eder será dirigente até 1970. Nesta época, já em meio a um refluxo importante do movimento de massas e com a derrota política e militar das esquerdas praticamente consumada, Eder é obrigado a abandonar o país. O POC se dividira, a Polop se reconstituíra, mas um e outro grupo encontravam-se reduzidos a um estado de fragilidade política e orgânica profundo.
Originalmente, a saída do país teve para Eder um sabor de derrota, política e pessoal, segundo ele revelaria recentemente em carta enviada a uma amiga que investiga o fenômeno do exílio. Mas nesse mesmo depoimento ele aponta a gradual mudança de seus sentimentos. Pouco a pouco seu exílio se transforma em um aprendizado, que duraria nove anos, e que o devolveu intelectual e politicamente transformado para o Brasil, em 1979.
Tempos sombrios
Nesses nove anos fora do Brasil, Eder viveu em três países - Uruguai, Chile e França - observando e por vezes participando de ricos processos políticos, sobre os quais realizou vários registros, seja na condição de pesquisador universitário, seja como militante político, que nunca deixou de ser.
No Chile, onde foi professor e pesquisador, primeiro da Universidade Católica de Santiago e, posteriormente, da Universidade de Concepción, teve a oportunidade de iniciar pesquisas sobre os movimentos sociais urbanos que tanta importância ganharam durante o governo da Unidade Popular, entre 1970 e 1973. Lá ele se filia ao Movimiento de Isquierda Revolucionária (MIR), sem perder, no entanto, seus vínculos com a Polop e com a esquerda brasileira de uma maneira geral. Com o golpe de Estado, em setembro de 1973, é expulso do país depois de ter sido preso pela Marinha.
Começa aí seu segundo exílio, na França, onde divide seu tempo entre a atividade de professor dos Departamentos de Sociologia e Economia da Universidade de Paris VIII-Vincennes e sua condição de um dos principais responsáveis pelo trabalho exterior do MIR chileno. Eder mostra, então, toda sua capacidade de organizador, ajudando a estruturar um poderoso movimento de solidariedade material e política com a resistência chilena, ao mesmo tempo que desempenha tarefas importantes no setor de formação política e no intenso debate que teve como eixo a análise da experiência fracassada da UP no Chile, suas causas e as perspectivas que se abriam para aquele país e para a América Latina. Durante esses anos ele multiplicou contatos com a esquerda européia e de outras partes do mundo, teve a possibilidade de acompanhar de perto e analisar as transformações políticas em nível internacional que jogavam por terra as esperanças revolucionárias gestadas nos anos 60. Viu os impasses das esquerdas européias, mesmo em Portugal, onde pôde observar a explosão social posterior à queda da ditadura. Acompanhou o debate sobre o socialismo real na URSS e na maioria dos países socialistas, constatando a incapacidade da maior parte da esquerda em dar respostas aos problemas que eram aflorados pelas denúncias das dissidências e pelos setores conservadores. Mas, sobretudo, viveu intensamente os tempos sombrios da América Latina: a repressão sem precedentes que se abateu sobre o Cone Sul do continente, que dizimou toda uma geração de militantes no Chile, na Argentina, na Bolívia, no Uruguai e também no Brasil. Em todos estes países perdeu companheiros, amigos e ex-alunos.
Sua reflexão sobre esses tempos sombrios nada teve de desesperada ou de derrotista. Ela não foi, porém, complacente, mas tampouco escorregou para os mesquinhos ajustes de contas comuns nos debates dos rarefeitos ambientes de exílio em momentos de derrota. Em um plano mais geral, procurou analisar as causas dos golpes militares no Brasil e no Chile, em textos publicados em revistas como Les Temps Modernes, Critiques de L'Economie Politique ou em outros periódicos latino-americanos. Parte desses estudos foi reunida em seu livro Um Rumor de Botas: a Militarização do Estado na América Latina (Editora Pólis, 1982). Mas ele contribuiu, igualmente, para a análise específica da esquerda, destacando-se o artigo que assinou com seu tradicional pseudônimo de Raul Villa, "Para um balanço da Polop", escrito em Paris, em 1976, e publicado na revista Brasil Socialista. Esta (auto)crítica transformou-se rapidamente em um texto de referência para a esquerda brasileira que recém começava a cicatrizar as feridas provocadas por uma derrota acachapante. Mais adiante passaria a ser uma fonte obrigatória para o estudo da política revolucionária no Brasil nos anos 60.
Começa a delinear uma nova reflexão, em que assume uma importância muito grande a crítica do vanguardismo das esquerdas e a valorização das experiências de luta autônoma das classes exploradas e oprimidas da sociedade. O que poderia ser apenas uma revolta ao luxemburguismo de sua juventude era mais do que uma substituição de referência doutrinária. Eder e alguns de seus companheiros começaram a analisar o significado da reanimação política do Brasil, preocupando-se menos com os aspectos institucionais da transição que começa a se insinuar a partir de 74/75, e mais com o aparecimento de uma nova classe operária, de combativos movimentos reivindicatórios nas periferias das cidades brasileiras ou de outros tipos de movimentação social onde detectava uma dinâmica cuja característica fundamental era a autonomia.
O caminho de volta
Esse tipo de análise, somado à crítica do vanguardarismo, permitiu sua rápida e natural inserção no Brasil, quando de sua volta em princípios de 1979.
Ele está como um peixe n'água. Participa dos debates da esquerda, frequenta cursos e seminários nos meios sindicais e nas periferias. Está presente na constituição do Movimento pró-PT e, logo após, participa da fundação do Partido dos Trabalhadores.
No início dos anos 80, Eder será o principal animador da revista Desvios que tem como eixo de reflexão a análise dos novos movimentos sociais, de sua dinâmica autônoma e da necessidade de repensar os referenciais teórico-políticos que persistiam na esquerda e que se evidenciavam incapazes de dar conta de fenômenos como o novo sindicalismo, o PT etc.
Suas posições, expressas em textos e intervenções públicas, fizeram com que alguns setores de esquerda tentassem colar-lhe a etiqueta de autonomista, procurando identificá-lo como líder de mais uma organização dentro do PT. Eder sempre se divertiu sobretudo com a indigência do argumento daqueles que buscavam apontá-lo como suposto dirigente de uma organização que eles próprios diziam ser "contra as organizações".
Não foi necessário muito tempo, no entanto, para que ficasse claro que as posições que defendia de forma transparente, por mais que se chocassem com o ponto de vista de alguns de seus interlocutores e companheiros, representavam uma decisiva contribuição para um partido que se autodefinira como em construção e que abrigava em seu interior distintas referências político-ideológicas e diferentes experiências sociais de luta.
A trajetória de Eder Sader como dirigente do PT, a partir de 1983, quando chegou inclusive à Comissão Executiva Estadual de São Paulo, foi marcada por uma extraordinária capacidade de diálogo, que se exerceu inclusive com aqueles que mais diferentemente dele pensavam. Esta possibilidade de diálogo advinha não só da força de seus argumentos como de sua disposição de escutar posições alheias, refletir sobre elas e não raro, conceder-lhes razão.
Talvez disso resulte em grande parte a respeitabilidade que ganhou dentro do partido. Respeitabilidade tanto mais significativa porque jamais cercada de espetacularidade ou arrogância.
Possuindo uma sólida cultura política, tendo desenvolvido uma intensa atividade de reflexão sobre temas teóricos que tinham ligação direta com o dia-a-dia do PT, possuidor de uma intensa experiência nas esquerdas, no Brasil e no exterior, Eder transformou-se em uma verdadeira ponte entre mais de uma geração de militantes, função fundamental quando se sabe com que freqüência se perde a memória neste país.
Em 1982, Eder foi candidato a uma cadeira na Assembléia Legislativa de São Paulo. Obteve uma expressiva votação - em tomo de 15 mil votos - que, no entanto, não foi suficiente para elegê-lo deputado. Candidato de novo em 86, uma vez mais viu frustrada sua perspectiva de estender sua atividade ao campo parlamentar. Durante a campanha eleitoral já começaram a se manifestar sinais de uma particular fragilidade de sua saúde, que sempre foi bastante precária.
Eder decidiu afastar-se por alguns meses da atividade partidária para poder concluir sua tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, onde reingressara como professor pouco após sua volta ao Brasil.
O resultado desse período de hibernação, consagrado exclusivamente à atividade intelectual, foi a conclusão de sua tese, defendida em fins de 1987, que recebeu nota dez e distinção por parte da banca examinadora.
Quando Novos Sujeitos Entram em Cena, cuja publicação pela Editora Paz e Terra ele não pôde presenciar, representa o resultado de muitos anos de reflexão sobre os movimentos sociais e suas implicações para a construção de uma política dos trabalhadores. Mas é, igualmente, o fruto de uma meditação sobre o marxismo e o pensamento das esquerdas de uma maneira geral, que ele havia desenvolvido em seminários acadêmicos, em artigos e debates com estudantes, sindicalistas e militantes do PT. Parte dessa reflexão havia sido exposta de forma didática e aguda em Marxismo e Teoria Revolucionária (Editora Ática, Coleção Princípios, 1976).
A leitura de seu livro póstumo mostrará aos militantes que os meses em que esteve retirado da atividade partidária acabariam por ser extremamente benéficos para o partido, pois permitiram que sistematizasse questões fundamentais para o debate dos trabalhadores nesta complexa conjuntura que atravessamos.
Nos últimos meses de sua vida, Eder Sader voltou a intervir no PT, na condição de membro do Conselho de Redação da revista Teoria e Debate. Sua saúde a partir de fins de 1987 se revelava, no entanto, cada vez mais inquietante.
Em março deste ano, o que todos temíamos se revelou certo: Eder era mais um dos hemofílicos contaminados pela Aids no Brasil, o que todos os testes até então haviam negado.
A despeito do grande movimento de solidariedade, em todo o Brasil e mesmo no exterior, para arrecadar fundos e tentar salvar sua vida, todos os esforços foram em vão. Em poucas semanas, seu organismo foi dominado pelo vírus e uma pneumonia abateu-o na madrugada de 21 de maio.
Todos talvez conheçamos os famosos versos de Brecht sobre os militantes "imprescindíveis", aqueles que "lutam o tempo todo". Seria fácil, e até mesmo tentador, enquadrar poeticamente Eder Sader nessa categoria, especialmente em um país onde a crise política dos últimos anos e uma certa frivolidade muito em curso afastaram tantos intelectuais da militância, para não dizer de uma idéia de responsabilidade social.
Não seria correto, porém, para contestar aos energúmenos da pós-modernidade na política, transformar Eder em um homem de bronze. Nada mais estranho à sua maneira simples de ser, à sua aversão a formalidades e honrarias.
Sua opção pelos trabalhadores e pelo socialismo não se confundia com demagógicas concessões populistas, como daqueles que chegam a falar errado para apresentar-se mais próximo do povão. Eder sempre considerou estas atitudes - adotadas de boa ou má-fé, não importa – como um profundo desrespeito aos trabalhadores, como uma forma disfarçada (às vezes nem tanto) de tentar exercer uma tutela sobre eles.
Sendo dotado de uma grande capacidade de comunicação, não hesitou em expor questões sofisticadas nas mais variadas assembléias, talvez na convicção iluminista de que, por mais complexos que fossem os problemas, a verdade acabaria por se impor. Isso só não lhe valeu mais dissabores porque ele se revelou sempre pronto a enfrentar incompreensões, pois colocava suas idéias acima de seus interesses pessoais.
A forma pela qual levou adiante dentro do partido e das esquerdas de uma maneira geral a discussão sobre as relações entre socialismo e democracia pode ser considerada como emblemática. Eder mostrou-se um crítico implacável de todas as concepções que procuraram dissociar estes dois termos, embora reconhecesse as dificuldades, tanto históricas quanto teóricas, de compatibilizá-los. Ele atacou explicitamente as visões instrumentais que certas correntes socialistas tinham da democracia e, ao mesmo tempo, apontou para a pobreza e obsolência de suas pretensas reflexões positivas sobre o tema, mostrando como, ao fazer a crítica dos limites da democracia nas sociedades capitalistas, muitos acabam por abandonar a idéia mesma de democracia, jogando fora a criança junto com a água do banho. Socialista e democrata, Eder não foi nunca um social-democrata no sentido que a expressão tem hoje no vocabulário político: de alguém convicto na capacidade de auto-reforma do sistema capitalista, sem rupturas, como via de justiça social para os trabalhadores. Ainda que não considerasse a social-democracia um estigma, defendendo o debate franco e leal com ela, havia um abismo entre sua posição e as ilusões desta corrente, porque tinha suficiente conhecimento da realidade brasileira para dar-se conta da inviabilidade de um projeto social-democrata em um país onde mais de 1/3 da população vegeta em condições infra-humanas e está desprovida realmente da cidadania.
Da mesma forma, defendeu uma concepção de partido ajustada a estas idéias de socialismo e de democracia com as quais (e sobre as quais) trabalhava. O PT com que sonhou e que ajudou a construir não seria o produto de uma teoria clarividente sobre a História e o Brasil, mas fundamentalmente o resultado de uma extraordinária experiência social e política de dezenas de milhares de operários e trabalhadores em geral. Os resultados dessa experiência exerceram sobre inúmeros setores da sociedade brasileira - os intelectuais entre eles - um poder de atração extraordinário. Criaram-se, então, as condições para um novo tipo de relações entre trabalhadores manuais e intelectuais, o que colocava novos problemas para articulação entre teoria e prática.
A reflexão de Eder a este respeito foi extremamente moderna. Como Sartre - personagem que tanto marcou nossa geração -, Eder considerava que cabia ao intelectual esta função de porta-voz e de sistematizador das experiências dos trabalhadores. É claro que ele sempre teve presentes os riscos que esta forma de representação apresentava, como de resto toda representação. Mas ele esteve disposto a levar adiante esta aposta, talvez porque projetasse sobre os demais os valores éticos que lhe eram próprios e a integridade de seu caráter. Talvez, é mais provável, porque compreendesse que os trabalhadores haviam demonstrado uma virtu política tal que seria difícil pensar que pudessem vir a se tornar prisioneiros de projetos políticos tutelares.
Mas os "imprescindíveis" de que nos fala Brecht têm a paradoxal particularidade de não serem "insubstituíveis". A herança intelectual que nos deixou Eder Sader, como Hélio Pellegrino e tantos outros que partiram, é de tal maneira forte que exerce sobre seus companheiros um efeito multiplicador. O exemplo de homens e mulheres com estas características alimentará as reflexões e iniciativas de milhares de militantes que ocuparão os lugares deixados vazios.
Dizer que a luta continua, pode soar como vulgar e conformista retórica num momento como este. Mas que fazer, se ela continua mesmo?
Que nos reste, então, o consolo de que ela prosseguirá iluminada pelas idéias de Eder e de tantos outros e a tristeza de saber que quem conosco compartilhou derrotas não poderá estar conosco para festejar vitórias.
Marco Aurélio Garcia é historiador da Unicamp, membro do Diretório Regional do PT/SP e do Conselho Editorial de Teoria e Debate.