Nacional

Cresce a esquerda, cresce o PT dentro dela. Dependendo de uma política acertada do Partido, o que vai da política nas administrações à campanha presidencial, à política de alianças, à política nos movimentos sociais e à de construção partidária, poderemos enfrentar 1989 numa correlação de forças muito mais favorável do que aquela que tivemos nos últimos anos.

Há acordo geral sobre o significado das eleições de 15 de novembro: derrota do governo Sarney, dos governadores, do PMDB (que perdeu em quase todas as capitais mais importantes), crescimento do PDT (embora pouco brilhante: perdeu em Porto Alegre, teve a votação mais baixa desde 1982 no Rio de Janeiro, e ganhou em várias capitais com uma penca de ex-arenistas e pedessistas), crescimento da direita e extrema-direita não peemedebista (PDS, PFL, PTB, com a UDR por trás), mas sobretudo, grande vitória do PT.

Também há um acordo razoável quanto às razões destes resultados: extremo desgaste do governo Sarney e do PMDB com a quebra de todas as expectativas, com a inflação; repúdio à repressão às várias greves (especialmente aos assassinatos de Volta Redonda); rejeição à corrupção, ao fisiologismo. Ou seja, o voto foi em grande medida um voto contra o que está aí, um voto de protesto. Mas foi também (o que é reconhecido pela maioria dos analistas) um voto a favor do PT: o partido foi reconhecido por sua coerência, por seu respeito aos princípios, por sua combatividade, por ser o partido que não apoiou em nenhum momento a "Nova República". Além disso, o PT já consolidou em muitos lugares um eleitorado identificado ideologicamente com o partido, de esquerda.

Na verdade, já bem antes das eleições a simpatia pelo PT era grande, como mostravam as pesquisas feitas regularmente. Segundo a Folha de S. Paulo de 18/07/87, o PMDB era o partido preferido na média de oito capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Brasília), com 22%, e o PT era o segundo, com 16%. Mas a mesma pesquisa apontava que se as eleições fossem realizadas naquele momento, o partido mais votado seria o PT (com 22%), ficando o PMDB em segundo (com 20%). A revista Isto É - Senhor publicou em 7/09/88 uma pesquisa nacional que indicava o PMDB como o partido preferido (18%) e o PT como o segundo (14%). Outras pesquisas davam resultados semelhantes: o PT sempre disputando com o PMDB a primeira colocação (registre-se que em todas estas pesquisas o índice dos "sem preferência partidária" era alto, cerca de 50%).

O que podemos verificar é que há muito tempo, e de forma crescente, o enraizamento do PT e a sua imagem como partido mais coerente vêm se firmando junto à população. O que reduzia sua votação era a percepção de que o momento (até 1986) ainda era para o PMDB, e a visão de que em geral o PT não tinha condições de ganhar. Agora, combinaram-se três coisas: a simpatia pelo PT (e seu maior enraizamento), a decepção com o PMDB e (ao final da campanha, em muitos lugares) a percepção de que o PT podia ganhar (aliada até a um certo "voto útil" antimalufista, no caso de São Paulo).

Pesquisas realizadas após as eleições confirmam o caráter partidário da votação no PT. Segundo a Folha de S. Paulo de 01/12, o fator que mais influiu no voto em Luiza Erundina foi o partido (44%). O mesmo jornal, no dia 4/12, aponta um salto da preferência partidária pelo PT após as eleições: nas dez principais capitais (as oito citadas antes, e mais Fortaleza e Belém) é escolhido por 27% (acima da média de votos que teve nelas), contra 11% do PMDB em segundo e 10% do PDT em terceiro. Fica evidenciada a possibilidade de o PT não apenas manter, como também de ampliar o apoio conseguido em 15 de novembro.

Finalmente, como parte da explicação da vitória petista, é importante lembrar que o segundo semestre de 1988, ao contrário de 1986, foi pródigo de mobilizações sociais e greves. Mais uma vez, fica claro que o PT é o partido beneficiado com a combatividade da população.

Se ampliamos a análise, temos um crescimento da esquerda mais conseqüente, e crise e fragmentação à direita. Há um deslocamento geral do quadro partidário para a esquerda. Todos reconhecem que Lula passa a ser um candidato forte na disputa presidencial. O centro e a direita, assustados, vêem a maioria dos seus nomes afundarem (Ulysses, Quércia, Newton Cardoso etc.) e chegam a cogitar até de candidatos antes mal vistos por eles, como Mário Covas, ou até Leonel Brizola.

É útil situarmos estas questões no contexto latino-americano. São muitos os países onde se registra o crescimento da esquerda (ou centro-esquerda): no México o candidato popular (embora não socialista), Cuauhtémoc Cárdenas ganhou as eleições de julho, sua vitória só não foi proclamada por uma fraude muito maior do que a tradicional naquele país; no Peru, no momento, a lzquierda Unida é favorita para as eleições do próximo ano; no Uruguai, existem possibilidades reais de vitória da Frente Ampla para as eleições, também no próximo ano; no Chile (numa situação evidentemente muito diferente dos outros países) Pinochet perdeu o plebiscito.

Há razões gerais para este quadro latino-americano. Uma enorme crise econômica, cuja razão principal é o enorme peso da dívida externa; a necessidade para as burguesias de buscarem um novo modelo econômico (mais privatista, mais exportador, sem o papel populista do Estado comum em tantos países latino-americanos); a necessidade de as burguesias renovarem seus aparatos políticos, tendo em vista tanto o novo modelo econômico buscado, quanto as transições de ditaduras a democracias burguesas em muitos países, o que contribui para uma instabilidade da direita; o acúmulo importante conseguido pelo movimento de massas, inclusive com novas expressões políticas mais combativas, com caráter partidário (como o PT) ou frentista (como a Izquierda Unida peruana). A tudo isto se soma a influência da revolução centro-americana.

Outra lembrança importante é com relação à particularidade da transição brasileira. Muito se comparou com a espanhola que foi concluída sob a égide dos Pactos de Moncloa, com a desmoralização e fragmentação do Partido Comunista, o enfraquecimento da esquerda revolucionária e a transformação do Partido Socialista (PSOE) não apenas num partido social-democrata (o que ele já era) mas num partido que é hoje o mais confiável administrador do capitalismo espanhol, que abandonou qualquer referência, ainda que longínqua, ao socialismo. Mas no Brasil temos uma grande diferença: construímos, mantivemos e reforçamos um pólo independente politicamente no movimento sindical (a CUT) e na política em geral (o PT), capaz de resistir às sereias do "pacto social" ou do "entendimento nacional" e não se isolar. O significado da permanência deste pólo aparece claramente agora, quando os resultados põem em risco todo o esquema planejado pela burguesia para a conclusão da transição.

Se procuramos identificar as conseqüências dos resultados eleitorais, talvez tenhamos de colocar em primeiro lugar a volta da esperança. Como já foi amplamente comentado, o povo brasileiro, na campanha das diretas, e depois na fase das ilusões com a "Nova República", acreditou muito em que as coisas iam mudar. Depois, foi tomado por uma imensa frustração e desesperança (ainda visíveis no alto índice de votos brancos e nulos). Mas agora, uma parcela importante começa a acreditar no PT, que o PT pode fazer o que o PMDB não fez. Segundo pesquisa da Folha de S. Paulo publicada em 27/11, 59%, da população acreditam que o governo de Luiza Erundina será ótimo ou bom; entre os que ganham até 10 salários mínimos este índice cresce para 64% e entre os operários para 69%. 64% gostaram da vitória de Erundina (mais do dobro dos que votaram!).

Mas nem precisaríamos das pesquisas para sabermos que a esperança começa a voltar: desde a "boca de urna" do dia 15/11, desde o anúncio dos resultados, que o clima em muitas cidades foi de festa. Víamos muita gente feliz de votar nos candidatos do PT (ao lado de uma parte importante que continuava anulando o voto ou votando em branco). Do mesmo modo, tem sido grande o afluxo de antigos militantes que estavam desmobilizados, ou de gente nova, querendo ajudar aos novos governos petistas. Uma parte pode estar motivada por oportunismo, mas certamente não é o caso da maioria.

Em seguida, a conseqüência que mais salta aos olhos é o crescimento da candidatura Lula. Até agora, quem foi mais longe nisto foi o presidente Sarney: em entrevista ao O Estado de S. Paulo de 4/12, disse que "partiremos para a revolução socialista (...) o Brasil está hoje no plano inclinado da esquerda, e não há no horizonte forças capazes de reverter este quadro (...). Abram os olhos, porque a esquerda é formada por gente determinada, organizada e com objetivos bem delineados". Há muito não recebíamos tantos elogios. Mas o que Sarney pretendia, além de pregar a união do "centro" (leia-se direita), ficou claro quando no dia seguinte seu escudeiro Robertão saiu a campo defendendo a ilegalização do PT, do PCB e do PCdoB.

Com a candidatura Lula muito fortalecida, a direita tanto procura um nome viável para se unir em torno dele (podendo chegar a Covas ou Brizola), quanto começa a jogar em criar um clima para medidas contra o PT. Não há dúvidas de que no próximo ano subirá a temperatura da luta de classes. O mais provável é que a crise econômica permaneça (com o governo conseguindo ainda evitar a hiperinflação,) e também o desgaste crescente de Sarney, Ulysses e cia. A burguesia fica entre confiar na vitória eleitoral (sentindo-se ameaçada, as chances de que se coesione eleitoralmente aumentam) e a possibilidade de jogar no pior (até provocando a hiperinflação).

Outra questão importante a ser ressaltada é que a vitória do PT representou já um início de mudança da correlação de forças da sociedade, e que esta vitória amplificou esta mudança (o crescimento da preferência pelo PT é uma indicação disto). Cresce a esquerda, cresce o PT dentro dela.

Dependendo de uma política acertada do partido, o que vai da política nas administrações, à campanha presidencial, à política de alianças, à política nos movimentos sociais e à de construção partidária, poderemos enfrentar 1989 numa correlação de forças muito mais favorável do que a que tivemos nos últimos anos.

Uma questão que tem de ser muito mais aprofundada pelo PT é o que significaria uma vitória eleitoral nas eleições presidenciais, e o que seria um governo Lula. Todos temos claro que um governo, mesmo o federal, não representa ainda o poder. Mas o que é claro é que com a presidência a questão da disputa do poder real estaria obrigatoriamente colocada num prazo curto. Se a burguesia já teria dificuldades para permitir a posse de Lula, é evidente que é impensável que assista tranqüilamente à colocação em prática do programa do PT, democrático e popular, que penalizaria o imperialismo (começando com os credores da dívida externa), o grande capital nacional, os grandes latifundiários etc. Já a Resolução do V Encontro apontava corretamente: "nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas democráticas e populares, de caráter antiimperialista, antilatifundiário e antimonopólio - tarefas não efetivadas pela burguesia - tem um duplo significado: em primeiro lugar é um governo de forças sociais em choque com o capitalismo e a ordem burguesa, portanto um governo hegemonizado pelo proletariado, e que só poderá viabilizar-se com uma ruptura revolucionária; em segundo lugar, a realização das tarefas a que se propõe exige a adoção concomitante de medidas de caráter socialista em setores essenciais da economia e com o enfrentamento da resistência capitalista" (item 75 das Resoluções).

Fica mais do que claro que não podemos continuar a pensar nas tarefas colocadas para o PT de modo tradicional, rotineiro. Na verdade, depois de 15 de novembro, temos um outro país e um outro partido. A maior mudança para o PT não está em que "agora passa a ser vidraça". De certa forma, sempre fomos "vidraça", porque sempre fomos alvo de campanhas de calúnias arquitetadas pelas classes dominantes (como a de Leme). As maiores mudanças estão em que teremos uma grande quantidade de quadros puxados para as administrações municipais, e com possibilidade de por meio dos recursos delas, atingirem muito mais gente; e que somos um partido que reconhecidamente disputa pra valer a presidência do país, e que tem de se preparar para dar sustentação a isto, para garantir a posse, o exercício do mandato.

Se alinhamos rapidamente as principais tarefas colocadas para o partido agora, temos a de realizar boas administrações, de ter orientações unificadas para as bancadas, de estabelecer relações corretas entre as prefeituras petistas, as câmaras, os movimentos populares; mas temos igualmente de reforçar a estruturação do partido fora das administrações e voltada para as questões não-institucionais, de modo a evitar um perigoso desequilíbrio no PT. Assim, todas as secretarias e comissões (sindical, agrária, de movimentos populares, de mulheres, de juventude, de negros) precisam ser reforçadas em todos os níveis. Também a filiação e a organização na base têm de crescer - os núcleos, plenárias, as várias formas de participação nas frentes de massa. A questão da imprensa de massas do partido, uma das necessidades que até agora fomos menos capazes de suprir, passa a ser mais essencial do que nunca. Precisaremos de, mais quadros e de mais formação política. Naturalmente, tudo isto exigirá direções mais capazes, mais unitárias, mais profissionais.

Pode ser questionado que tudo isto já era importante antes, e até já consta de resoluções do partido. É verdade. Mas há agora duas diferenças radicais: aumenta a necessidade, aumenta as possibilidades. Tomando a campanha presidencial, ela será certamente um momento privilegiado de ampliar a organização partidária, pelo impacto que certamente ganhará. E com a vantagem de que não teremos eleições proporcionais, sempre causa de dispersão da militância nas várias candidaturas. E, é bom repetir, precisamos de um partido mais forte, mais estruturado, não apenas para disputar as eleições, como também, para mobilizar o povo e garantir a posse.

Finalmente, é necessário pôr na roda uma série de discussões fundamentais que teremos de fazer logo. Não temos ainda uma elaboração sobre como uma administração municipal se combina com nossa perspectiva socialista (além da colocação muito geral de que faz parte da "acumulação de forças"). Temos de aprofundar toda a nossa política de alianças. Ainda não elaboramos o programa de governo presidencial - e aqui a combinação com a perspectiva socialista tem de ficar ainda mais clara. Mais ainda: por enquanto não discutimos de modo aprofundado o quadro da conjuntura no próximo ano, e das repercussões de uma possível vitória petista para a presidência, e o significado da alternativa democrática e popular. E todas estas questões na verdade fazem parte de uma outra mais geral: qual a nossa estratégia para a revolução socialista no Brasil? Sobre tudo isso, o V Encontro deu indicações. Mas é preciso ir muito mais longe.

Pode ser levantado que desse jeito há coisas demais a serem feitas no próximo ano, que não temos condições para tudo isto. Pode parecer que estamos pedindo demasiado. Mas o caso é que, de certa forma, foi "demasiado" o avanço que tivemos. Precisamos, agora, de um partido que esteja à altura da nossa vitória, da nossa influência social e da nossa responsabilidade. E, por outro lado, dispomos hoje de condições muito melhores. Mais que tudo, as esperanças que o 15 de novembro despertaram significam também novas e imensas energias.

João Machado é membro da Executiva Nacional do PT e do Conselho de Redação de Teoria e Debate.