Sociedade

Não é só o fogo das queimadas que atenta contra a vida no Estado de Rondônia. A destruição das florestas, o mercúrio dos garimpos e dos lagos imensos das novas hidrelétricas comprometem o ecossistema. Em 15 anos, apenas, as matas podem estar reduzidas a um terço de suas áreas atuais. Com a selva, morrem o solo, a fauna, a flora e até mesmo a esperança. Rondônia está à beira da morte

Neste ano, Rondônia virou notícia, tanto nacional como internacionalmente. Para cá vieram jornalistas, ecologistas e estudiosos do meio ambiente, para documentar a destruição da floresta amazônica pelo fogo das queimadas. Uma destruição causada pelos pelos homens que vieram para o estado, aos milhares, atraídos pela promessa de terras boas e em abundância para plantar, ou pelo fascínio do garimpo no rio Madeira.

A ocupação de Rondônia foi planejada e estimulada pelos governos militares que propalaram nos quatro cantos do país, que o Estado tinha terras boas para quem nelas quisesse trabalhar e delas tirar seu sustento. Governos que, em nome da segurança nacional, anunciaram a integração da Amazônia: ligaram Brasília a Rio Branco, capital do Acre, pela BR-364, abriram a Transamazônica, asfaltaram a BR-19, de Porto Velho a Manaus. Bilhões de dólares, acrescentados à dívida externa, foram gastos nessas obras. Tudo em nome da ocupação do Norte e de livrar o país de inimigos externos e internos que, na época, ameaçaram a estabilidade do regime autoritário.

A palavra de ordem era ocupar e desbravar a selva amazônica, hostil ao homem civilizado. Entre 1980 e 1987 chegaram ao Estado 677.899 migrantes. Destes, 63,34% eram lavradores em busca de um pedaço de terra para cultivar. Apenas 57,50% deles conseguiram seu lote. Madeireiros, mineradores, garimpeiros e aventureiros de toda ordem também chegaram. Rondônia tinha que ser ocupada. E o resultado está aí.

Cinzas do paraíso
Rondônia tem uma área de 24.304.000 ha. Em 1985, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma e Agrária (INCRA), órgão do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad), tinha cadastradas 54.497 propriedades rurais, perfazendo um total de 13.330.735 ha de terras. Uma área dividida entre pequenos e grandes proprietários: 4.550.713 ha (34% da área) repartidos entre 51.947 propriedades; e 8.780.016 ha (66% das terras) ocupados por 2.550 propriedades. Como se vê, Rondônia é latifúndio.

Há uma área de 7.213.548 ha protegida pelo Estado. Essa área é composta por 16 reservas indígenas (que ocupam 5.365.597 ha), sob a responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai); uma estação biológica, de responsabilidade da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema); duas reservas biológicas, um parque e duas florestas nacionais, que estão sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF).

Rondônia já desmatou cerca de 30% de suas florestas, segundo estimativa dos técnicos do Instituto de Estudos Florestais (IEF). Como essa área desmatada está sendo aproveitada? O único dado existente é da Secretaria Estadual da Agricultura, a partir de um levantamento feito nos anos 1987/1988:

Culturas Área (em ha)
Arroz
Feijão
Milho
Mandioca
Café
Cacau
Banana
Soja
Sorgo
150.090
94.516
145.454
28.613
128.665
50.879
21.280
6.000
100
TOTAL 623.597

Essa área de 623.597 ha não representa nem 10% das florestas derrubadas em Rondônia, em doze anos de colonização. E o restante? Ninguém tem dados estatísticos reais sobre seu aproveitamento. Estima-se que aproximadamente 50% transformaram-se em capoeiras e 40%, em pastagens. Os dados disponíveis indicam uma perda anual de 600.000 ha de vegetação nativa. Os pequenos produtores derrubam cerca de 155.000 ha de florestas anualmente. Não é difícil concluir que os principais responsáveis por essa devastação na selva (que o ecologista Fernando Gabeira chama de apocalipse) são os pecuaristas instalados em Rondônia.

As terras de Rondônia têm uma vida útil fértil de, no máximo, três anos. Há regiões do Estado em que essa vida útil do solo cai para dois anos. A falta de uma política agrícola definida induz o pequeno produtor a derrubar, em média, 3 ha de florestas por ano, segundo técnicos do IBDF. Chega-se assim a um total de 155.841 ha anuais de novas derrubadas. Essas terras, após três anos de cultivo, perdem significativamente sua fertilidade, em conseqüência do fogo, da alta precipitação pluviométrica e da temperatura. Abandonadas pela queda acentuada da produtividade, isoladas, transformam-se em capoeiras e fatalmente se incendeiam todos os anos, entre agosto e setembro. Incêndios causados pelo descuido de lavradores e pecuaristas, e por falta de fiscalização dos órgãos encarregados de proteger o meio ambiente - IBDF, IEF e Polícia Florestal.

Os pecuaristas, ao atearem fogo em suas pastagens, descuidam-se das capoeiras. Os lavradores idem. Multas elevadas não resolvem, nem podem intimidar a ação dos pequenos produtores. Estes não são os principais culpados pelo desastre dos incêndios na mata - pois ocupam apenas 34% do total da área das propriedades rurais. Não há como evitar as queimadas em Rondônia, pois são a forma mais rápida e econômica de se preparar a terra para o cultivo, que ocorre de março a outubro. A fiscalização é, portanto, o meio mais eficaz no combate à destruição da seiva amazônica pelo fogo. Essa destruição não se elimina, mas se ameniza. A solução está na extinção total das pecuárias e em uma política agrícola voltada ao pequeno produtor - com sua conscientização sobre a importância da ecologia para a vida e sobre a ameaça que as queimadas na Amazônia representam para todo o planeta.

Prevê-se que, neste ano, as queimadas atingirão 3 milhões de hectares no Estado, 15% de sua área total. Desses 3 milhões, cerca de 400 mil ha serão de novas derrubadas (segundo estimativa do IBDF); cerca de 1,5 milhão de hectares são pastagens e 1,1 milhão, capoeiras. Neste ano a queimada será menor que no ano passado, quando atingiu 19% do Estado, segundo fotos do satélite NOAA-9, da Nasa.

O que causa essa fumaça que despertou a atenção do mundo todo? Técnicos e lavradores afirmam que, neste ano, se queimaram muitas capoeiras, que produzem muita fumaça escura devido ao tipo de vegetação que nelas crescem, geralmente verdes. Essa vegetação é a que mais perigo oferece para a floresta, pois está diretamente ligada à mata e o fogo tem assim todas as condições de se propagar: as árvores estão se desfolhando e o solo está com uma cobertura de cerca de 20 cm de folhagens secas, de alta combustão.

Os órgãos encarregados da fiscalização e proteção do meio ambiente são os culpados do desastre causado pelos incêndios. Quando deveriam fiscalizar as novas derrubadas que se iniciam em junho, verificando se os aceiros de proteção à mata estão sendo feitos, nada fazem. Só se preocupam em se explicar na época das queimadas, de agosto a setembro. Alegam falta de funcionários para efetuar essa fiscalização. Mas quando a selva estava se incendiando, no início de setembro, falou-se até em intervenção da Polícia Federal e em auxilio das Forças Armadas. Já era muito tarde. O fogo na Amazônia não se controla, previne-se.

As queimadas na Amazônia representam o segundo maior problema ecológico do país, ultrapassadas apenas pelas questões de saneamento e poluição ambientar urbanas. Só o tempo poderá reparar os prejuízos causados pelas queimadas. É preciso avaliar já o prejuízo causado à fauna e à flora, para que se saiba até quando será suportável conviver com essa destruição. Um pequeno cálculo pode ajudar a prever o tempo de vida das florestas de Rondônia: numa área total de 24 milhões de hectares, 7 milhões (menos de um terço) são protegidos pelo Estado; sobram portanto 17 milhões de hectares de área não-protegida. Estima-se que 7.300.000 ha dessa área já foram desmatados, restando ainda 9.790.852 ha de floresta intacta. 600.000 ha são derrubados anualmente. Neste ritmo, em 15 anos restarão florestas apenas nos parques e áreas indígenas.

A motosserra em ação

Em julho de 1987 havia 1.010 madeireiros operando no Estado, serrando 3.309.643 m3 de madeira por ano, algo em torno de 1 milhão de árvores, segundo dados da Secretaria de Indústria e Comércio do Estado. Esses números, porém, não refletem a realidade, pois se referem apenas à madeira que é exportada. Não incluem portanto a madeira serrada para o mercado interno, que geralmente é comercializada sem nota fiscal.

Até agosto de 1988, a Carteira de Comércio Exterior (Cacex) liberou guias para a exportação de 48.679.373 kg de madeira, vendidos para Alemanha Ocidental, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bolívia, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Irlanda, Islândia, Chipre, Itália, Japão, Malta, Noruega, Porto Rico, Reino Unido, Suécia e Venezuela. A Cacex diz que, em seus arquivos, não constam os nomes das firmas que exportaram essa madeira. Muito estranho... Como é que uma mercadoria é exportada sem que se saiba quem a exportou? Como um órgão do governo expede guias sem saber em nome de quem as faz?

Esses quase 49 milhões de quilos de madeiras exportadas não representam 10% da madeira extraída das matas de Rondônia. As madeiras de exportação são de primeira qualidade, como mogno, cerejeira e angelim. Mas em Rondônia serram-se diversos tipos de madeira menos nobres, que são vendidas no Sul do país. Essas madeiras representam 90% de toda a produção. Pesquisa do IBDF indica que começa a haver escassez de madeira no Estado. A totalidade dos madeireiros entrevistados acredita que as espécies de maior valor comercial (especialmente o mogno e a cerejeira) sofreram grande diminuição nos últimos anos. 6% dos entrevistados crêem que dentro de um ano não será mais possível encontrá-las para extração, 29% acreditam que isso só ocorra em dois anos e 47% acham que essas espécies desaparecerão da floresta em três a cinco anos. Apenas 18% dos madeireiros afirmam que será possível explorá-la por mais de cinco anos.

A indústria madeireira (serrarias, beneficiadoras, fábricas de móveis e combinadas) é responsável por 6% do desmatamento das florestas do Estado. Ultimamente, estavam retirando madeira até das reservas indígenas, com a conivência da Funai, o que levou à instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembléia Legislativa do Estado, presidida pelo deputado Neri Firigolo, do PT. Só neste ano calcula-se que já foram retirados mais de 60.000 m3 de madeira das reservas indígenas, segundo publicações da imprensa local.

A exploração desenfreada das madeiras no Estado vem causando danos irreparáveis à flora e à fauna. Além disso, sem a cobertura vegetal da floresta, depois de três anos o solo fica impróprio para o cultivo de lavouras temporárias. Compactado pelas pisadas dos tratores e caminhões, só é possível seu aproveitamento para pastagens.

Quem lucra com a exploração de madeira em Rondônia são as grandes empresas que aqui se implantaram com incentivos fiscais dados pelo governo federal por meio da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

A primeira notícia de existência de ouro no rio Madeira data de 1826. Louis d'Allincourt, um francês, percorrendo a região da província de Mato Grosso, localizou ouro depositado próximo à Cachoeira do Ribeirão.

Só em 1978 ocorreu a primeira afluência de garimpeiros no rio Madeira. Esses garimpeiros trabalhavam de forma rudimentar, com suas bateias, em praias e cachoeiras. Encontraram ouro e a notícia se espalhou.

Começou então a corrida do ouro no Madeira: em 1979 já havia perto de 5 mil homens trabalhando com bateias e com bombas de sucção (que retiram o cascalho do fundo do rio, lavam a areia e retiram o ouro). Em 1979, o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) fez um levantamento da viabilidade do garimpo no Madeira, e deu concussões para que o Ministério das Minas e Energia (MME) criasse a reserva garimpeira (Portarias 1.345/79 e 1.034/80).

A reserva garimpeira do rio Madeira tem 192 km2 de área e se estende por 180 km, acima de Porto Velho. Atualmente, há cerca de 20 mil pessoas - garimpeiros, aventureiros, marginais, traficantes e prostitutas - vivendo nos núcleos do garimpo: Teotônio, Morrinho, Caldeirão, Jirau, Embaúba, Vai Quem Quer e Prainha são os mais importantes.

O trabalho concentra-se no período de junho a novembro, época da baixa do rio. O garimpo é de fundamental importância para a economia do município de Porto Velho, principalmente para o comércio local. Mas traz também grandes prejuízos em virtude da poluição das águas do Madeira pelo mercúrio, utilizado na extração do ouro.

O mercúrio é usado pelos garimpeiros para a amalgamação do ouro extraído do leito do rio por meio de balsas, dragas, bombas de sucção e bateias. Na hora da lavagem do cascalho e da queima do mercúrio para amalgamar e separar o ouro da areia, há a contaminação do ambiente. 45% do mercúrio que se perde nesse processo vai diretamente para as águas do rio e 55%, para a atmosfera, na forma de gases. Ao cair na água, o mercúrio entra em reação química, formando o metilmercúrio, altamente tóxico. Os gases com mercúrio permanecem na atmosfera por aproximadamente seis dias, quando se precipitam sobre o solo e sobre os afluentes do rio Madeira. Depositado no solo e no cascalho das margens desses afluentes, com as primeiras chuvas esse mercúrio é levado para o Madeira, contaminando a água e os peixes que se alimentam das algas e plantas aquáticas.

Além de ser a principal via fluvial de Rondônia, o Madeira é responsável, juntamente com o igarapé Bate-Estaca, pelo abastecimento de água e de peixes para a população de Porto Velho. Os mais de 300 mil habitantes de Porto Velho estão portanto sujeitos à contaminação pelo mercúrio, tanto por meio da água e dos peixes consumidos, como pelo próprio ar. Isto porque no centro da capital do estado existem cerca de 80 compradores de ouro que, ao queimarem mercúrio no processamento do ouro, jogam gás venenoso na atmosfera por meio dos exaustores. Essas firmas de compra de ouro deveriam ter concentradores de gases em seus exaustores, para não expor seus vizinhos e os transeuntes ao perigo de contaminação.

Em 1985, um estudo realizado pelo pesquisador francês Jacques Cousteau revelou índices subtóxicos de mercúrio na população que consome o peixe proveniente do rio Madeira. Também nesse ano, estimativas indicavam que a perda anual total de mercúrio, em virtude da atividade do garimpo, estava em torno de 5,21 t, em média. Dessas, 2,84 t eram lançadas na atmosfera e 2,37 t, diretamente nas águas do rio. Considerando-se todo o período de garimpagem, de 1979 (abertura da reserva garimpeira) até 1985, chega-se a uma perda de 41,41 t de mercúrio: 18,66 t diretamente lançadas no rio e 22,75 t, na atmosfera. Esses números estão, na verdade, longe da realidade. Ninguém sabe exatamente a quantidade de mercúrio perdido para o rio e para a atmosfera. O trabalho da equipe de Jacques Cousteau, em 1985, indicou que as quantidades de mercúrio despejadas no rio não correspondem às estimativas, que estão aquém da realidade por falta de informações mais precisas.

Como se calcula a quantidade de mercúrio utilizada na amalgamação do ouro? Em Rondônia, o azogue (como o mercúrio é chamado pelos garimpeiros) é usado na proporção de três para um: utilizam-se 3 kg de mercúrio para extrair 1 kg de ouro. Há garimpeiros que dizem perder cerca de 3% do produto, enquanto outros afirmam que perdem 10%. Fiquemos com 5%. A produção de ouro registrada em 1987 foi de 3,9 t. Já a produção estimada foi de 10 t, segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Isto significa que, para extrair a produção registrada, foram utilizadas 11,706 t de mercúrio (o que indica uma perda de 588 kg do produto tóxico nesse ano). Para a produção estimada, a perda foi de 1,5 t de mercúrio.

Técnicos da Companhia de Mineração de Rondônia (CMR) afirmam que, para se manter economicamente viável, uma draga ou balsa tem que produzir 200 g de ouro em 36 horas de trabalho. Levantamento feito em junho de 1987, início da temporada de garimpagem no Madeira, constatou que havia 1.030 equipamentos em operação (592 dragas e 438 balsas). Operando ininterruptamente durante seis meses (ou 120 dias de trabalho), esses equipamentos extraem 24 t de ouro. Para isso, lançam aproximadamente 3,6 t de mercúrio no rio e na atmosfera.

O quadro a seguir, elaborado por técnicos do DNPM, indica a relação entre a produção de ouro e a perda de mercúrio:

ANO PRODUÇÃO
DE OURO(t)
Hg lançado
no rio
Hg lançado na atmosfera Perda total
de Hg
oficial estimada
70
80
81
82
83
84
85
86
0,17
0,23
0,81
1,35
3,45
1,93
1,48
0,46
1,50
1,20
2,40
4,50
8,00
4,00
5,00
5,00
0,90
0,73
1,44
2,70
4,80
2,40
3,00
3,00
1,08
0,86
1,73
3,24
5,76
2,88
3,60
3,60
1,98
1,58
3,17
5,94
10,56
5,28
6,60
6,60
total 9,88 31,60 18,96 22,75 41,71
média anual 1,23 3,95 2,37 2,84 5,21

Os jornais de Porto Velho noticiaram recentemente que 78 t de mercúrio já haviam sido despejadas no rio Madeira. O diretor local da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe-RO) afirma que a quantidade real é muito maior chega a 150 t em dez anos de garimpagem. Também se noticiou a assinatura de um convênio entre a Sudepe, o Sindicato dos Garimpeiros da Bacia Amazônica (Simbra), o Sindicato dos Garimpeiros de Rondônia (Singro) e a Universidade de Brasília (UnB), para a realização de uma pesquisa sobre o índice de poluição do rio Madeira.

Não defendemos a desativação do garimpo no Madeira; mas é preciso que sejam tomadas providências imediatas contra a poluição, a exemplo das modernas técnicas de controle já empregadas na África do Sul. Não vamos deixar que aconteça ao rio Madeira o que está acontecendo com o Tapajós, onde já há seres humanos morrendo, contaminados pelo mercúrio.

A terra submersa

As barragens das hidrelétricas que serão implantadas em Rondônia são mais uma agressão ao ecossistema.

A hidrelétrica de Samuel, praticamente construída, deve entrar em operação até meados do próximo ano. Sua represa afogará 600 Km2 de terras, uma área rica em flora e fauna, para produzir 240 megawatts de energia. Essa energia não será suficiente para desativar as usinas termoelétricas existentes em Porto Velho, ou seja, não suprirá as necessidade da capital. Muito menos atingirá os objetivos para os quais foi construída: "gerar energia boa e barata para atender Porto Velho e Rio Branco, no Acre". Além das complicações ambientais, levantam-se dúvidas sobre a viabilidade econômica dessa usina.

A hidrelétrica de Ji-Paraná, cujas obras já têm data marcada para seu início, é um grande desafio para entidades e grupos que lutam em defesa da vida no Estado. Depois de construída, sua barragem inundará uma área de 95.700 ha para produzir, no pique, 520 megawatts de energia, a um custo de 694 milhões de dólares. 1.035 lotes rurais ficarão submersos totalmente, 487 serão parcialmente inundados e 464 ficarão isolados. 2.417 famílias serão desalojadas, num total de cerca de 9.600 pessoas, provocando êxodo rural, e o incitamento das periferias das cidades vizinhas com os conseqüentes problemas sociais, principalmente na área da habitação. Além disso, 11.000 ha da reserva indígena dos Arara e Gavião serão submersos, assim como 4.074 ha da reserva biológica de Jaru. Arqueólogos e estudiosos afirmam que a bacia do rio Machado, onde será construída a usina de Ji-Paraná, é uma das regiões brasileiras onde se encontram vestígios dos mais antigos da passagem de seres humanos. Pesquisas arqueológicas apontam a presença de seres humanos nessa região há mais de 12 mil anos. Estudiosos afirmam que nessa área se refugiaram espécimes da fauna, quando das mudanças ocorridas na floresta amazônica, há milhares de anos: com o passar do tempo, a floresta se retraía e expandia, mas essa região se mantinha intacta. Há quem afirme que a grande nação Tupi teria surgido na bacia do rio Machado, há cerca de 5 mil anos: numa das retrações da floresta, esses humanos teriam se refugiado ali por um longo período, desenvolvendo sua língua e sua cultura. Quando a floresta voltou a se expandir, essas comunidades migraram, levando com elas um idioma, uma forma comum de se comunicar, o tronco dos Tupi-Guarani, uma das mais importantes nações da América do Sul. Trata-se, portanto, de uma verdadeira relíquia em plena Amazônia, que deve ser preservada para que possamos pesquisar a presença do homem na região. A falta de sensibilidade das autoridades pode fazer submergir para sempre uma parte de nossa história e da história de toda a humanidade.

Não somos contra a energia. Temos consciência das necessidades energéticas do Estado. Mas é preciso discutir formas alternativas de se conseguir energia sem ter que destruir a natureza e sem perder um patrimônio que é de interesse para toda a humanidade.

É possível viver numa sociedade ecologicamente equilibrada no sistema capitalista? Sabemos que, para crescer, o capitalismo tem que explorar os recursos naturais da forma mais econômica possível, do ponto de vista do lucro. Isto se dá sempre irracionalmente, principalmente nos países periféricos. O socialismo também explora os recursos naturais e também precisa crescer. Mas não tem o lucro como seu objetivo maior. Por isso pode explorar os recursos naturais de maneira mais racional. Não somos contra a ocupação da Amazônia de forma racional, pois os recursos da região são de toda a coletividade. Somos contrários à irracionalidade do capitalismo.

Os ecossocialistas do PT já iniciaram essa discussão. A vida depende também de uma sociedade ecologicamente equilibrada. À luta, em defesa da vida!

Bernardo Liro Lopes, 30 anos, é mecânico. Filiado nº2 do PT de Rondônia, é secretário de Movimentos Populares do DR-RO. Colheu os dados para este artigo em órgãos oficiais e em pesquisas paralelas.