Mundo do Trabalho

A ortodoxia da esquerda e a herança jurídica do sindicalismo brasileiro interagem para aprofundar a confusão que sempre esteve presente na organização dos trabalhadores do campo: classes distintas são tratadas como iguais. A CUT deve, imediatamente, delimitar as diferenças de classe na sua estrutura sindical rural

O sindicalismo rural baseado na existência de um sindicato único para todas as categorias profissionais, inclusive classes sociais distintas, está sendo posto em xeque. O tabu começa a ser quebrado. Não se questiona o sindicato, mas a concepção que o transforma em um fim em si mesmo, sem refletir os limites políticos e ideológicos que o sistema nos impôs ao longo das últimas décadas. Sem refletir sobre a herança que nos foi legada pelos militares responsáveis pela rápida e acelerada, criação de sindicatos de trabalhadores rurais no começo dos anos 70. A história do sindicalismo brasileiro é essencialmente urbana, corporativista e, desde a sua criação, voltada sobretudo para os assalariados urbanos que se multiplicavam em função do desenvolvimento capitalista industrial.

Os trabalhadores rurais, mais dispersos e mais reprimidos do que os urbanos, encontraram sempre formas de organização e de resistência que não tinham paralelo nas cidades. A luta e a resistência no campo têm uma tradição que não passa pelo sindicalismo tal qual foi concebido historicamente.

No início do século, por exemplo, o Estado interveio para normalizar as relações de trabalho que ameaçavam o bom desempenho do setor agroexportador, à época dependente da produção de café. Era um período em que predominava o liberalismo econômico ortodoxo e se consolidava a República, em nome da qual se justificou toda a repressão promovida pelo Exército brasileiro contra o movimento messiânico de Antônio Conselheiro, em Canudos, na Bahia.

Em 1903 foi regulamentado o sindicato rural por meio do Decreto-Lei nº 979, complementado por um novo decreto em 1907 que, apesar de não colocar limites ou restrições para o seu funcionamento, determinava a obrigação de congregar patrões e empregados através do termo genérico "profissionais rurais de agricultura". Nessa categoria estavam incluídos "o proprietário, o criador de gado, o jornaleiro e quaisquer pessoas empregadas em serviços dos prédios rurais, bem como a pessoa jurídica cuja existência tenha por fim a exploração da agricultura ou outra indústria rural".

O Estado tentava, então, desde aquela época, harmonizar as relações entre o capital e o trabalho no Brasil. Apesar de todo o aparato legal, a aplicação daquela regulamentação nunca chegou a se concretizar, nem mesmo no setor cafeeiro, que se colocava como o segmento e ponta da economia brasileira nesse período.

Refletindo ainda a correlação de forças existente na sociedade, inclusive nas relações interburguesas, o Estado cumpria seu papel, fortalecendo a burguesia urbana. O início da decadência do setor agroexportador e a ascensão dos setores urbanos industriais fizeram com que a regulamentação das relações de trabalho na cidade assumisse uma importância maior do que as relações trabalhistas no campo.

A confusão e a indefinição jurídica se acentuam a partir de 1933, quando são revogadas as leis estaduais referentes à esfera trabalhista no campo. Em 1943, com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os trabalhadores da agricultura e da pecuária permaneceram excluídos da sua esfera de abrangência. Portanto, a "modernização" das relações trabalhistas impostas pelo Estado Novo impedia que os trabalhadores rurais pudessem se organizar legalmente em sindicatos. A pressão exercida pelos setores mais conservadores do campo garantiu a marginalização do trabalhador rural, transferindo-lhe a maior parte dos custos sociais provenientes de um processo acelerado de industrialização.

As lutas sindicais no campo praticamente não existiam. Há registros de mobilizações e de luta dentro de fazendas onde os colonos se insurgiam contra a falta de pagamento ou contra contratos leoninos impostos pelos fazendeiros. Mas não se tem notícia de mobilizações de massa dirigidas pelo sindicato. As organizações no campo não passavam, mesmo sob a vigência da CLT, pelo sindicato.

Os grandes movimentos sociais desde Canudos e do Contestado passam por lideranças messiânicas e não são de natureza trabalhista sindical.

O conflito de Trombas e Formoso, em Goiás, e outras lutas que vão marcar o período pós-1945 têm na terra a sua razão de ser. Naquela região goiana, desde os anos 40, os posseiros resistiram aos grileiros. A realização do 11º Congresso Camponês de Goiás possibilitou que o PCB tomasse conhecimento da extensão e da gravidade do conflito e deslocasse quadros para a região. Do conselho de córrego, primitiva forma de organização dos posseiros, evolui-se para a criação de uma associação presidida por José Porfírio. Constituiu-se uma autêntica área liberada, onde nem jagunço nem polícia e muito menos grileiro tinham acesso. Em 1961 já existiam três associações (Trombas e Formoso, Serra Grande e Rodovalho) e 23 conselhos. O governo do Estado acabou reconhecendo o direito dos posseiros sobre uma área com cerca de 10 mil quilômetros quadrados. José Porfírio, eleito deputado estadual em 1962, perseguido após o golpe de 1964, resistiu até o início dos anos 70, quando o Exército invadiu a área, prendendo e torturando dezenas de posseiros.

Outros conflitos poderiam ser citados, como o de Santa Fé do Sul (SP), o da Baixada de Guanabara (RJ), o do sudoeste do Paraná e o de Porecatu (GO), assim como as lutas dirigidas pelas Ligas Camponesas, com movimentos organizados por meio de associações, conselhos e ligas, sem qualquer participação sindical.

A tradição sindical praticamente inexiste no campo. Trata-se de fenômeno relativamente recente, marcado pela dificuldade e pela incapacidade de um único sindicato contemplar todas as lutas e demandas oriundas da diversidade de segmentos sociais e categorias profissionais que formam a massa rural.

No período denominado pré-sindical, que se estende de meados dos anos 50 até as vésperas do golpe de 64, a organização e a mobilização no campo assumiram a forma de associações civis. As Ligas Camponesas, pelo seu peso e importância, desempenharam o papel mais relevante. Essas entidades eram reguladas pelo código civil e foram criadas à margem do Estado pela ação das várias correntes de esquerda que atuavam no meio rural.

A posse da terra, a reforma agrária e a legislação trabalhista para o campo, assim como o direito a representação sindical, formavam o eixo das lutas travadas naquele período e permitiam ao mesmo tempo a construção de uma identidade social capaz de unificar a massa dispersa e inorgânica do ponto de vista político. Na medida em que as massas rurais aumentam a sua pressão e a reforma agrária é colocada no centro da luta política, não resta ao governo outra alternativa senão o reconhecimento político da força social representada pelos interlocutores das classes subalternas do campo. Do contrário, o Estado correria o risco de ter contra si um forte movimento de massa completamente fora de seu controle. É nesse contexto que o Estado concede uma legislação trabalhista para o campo, assim como o direito de representação sindical.

As Ligas Camponesas sofrem perdas políticas através da ação do PCB e dos setores ligados à Igreja, que, para combater a radicalização daquele movimento bastante influenciado pela Revolução Cubana, partem para a arregimentação dos assalariados rurais, criando sindicatos e dividindo a direção do movimento. A autonomia das ligas, que politizavam o tema da reforma agrária e avançavam nas formas de luta, combinando a resistência armada pela posse da terra com as grandes concentrações de massa nos centros urbanos, foi enfraquecida pelos recém-criados sindicatos rurais, atuantes dentro da legislação sindical e sujeitos ao controle social do Estado.

O golpe de 64 aniquila as Ligas Camponesas e elimina as condições de o movimento social rural se expressar por diferentes formas de representação e de acordo com as particularidades de cada segmento social. Estava aberto o caminho para a construção de sindicatos únicos, dóceis e submissos ao regime.

A herança da ditadura

Em novembro de 1962, através da Portaria nº 355-A, o governo regulamentou o sindicalismo rural e, visando o enquadramento sindical, estabeleceu as seguintes categorias profissionais: trabalhadores na lavoura, na pecuária e similares, trabalhadores na produção extrativa rural e produtores autônomos. Estes últimos englobavam pequenos proprietários, arrendatários e autônomos, desde que explorassem atividade rural em regime de economia familiar ou coletiva sem agregados. Naquele momento, marcado pelo acirramento da luta de classes que desembocaria no golpe militar de 1964, o Estado reconheceu que o campo possuía categorias profissionais bastante diferenciadas e que, em última instância, permitiria que se constituísse um sindicato para cada categoria.

Em 1965, porém, a ditadura eliminou essa possibilidade ao definir, para fins de enquadramento, uma única categoria - a de trabalhador rural. A Portaria nº 71, de fevereiro daquele ano, definiu como trabalhador rural toda "pessoa física que exerça atividade profissional rural sob a forma de emprego ou como empreendedor autônomo, neste caso em regime de economia individual, familiar ou coletiva e sem empregados". Um único sindicato passou a representar todas as categorias profissionais do campo.

Foi a ação da ditadura militar, portanto, que consolidou a falsa unidade em torno dos três grandes segmentos que compõem a estrutura sindical no campo: os assalariados com as dezenas de formas de assalariamento existentes; os pequenos proprietários e suas respectivas subdivisões; e os posseiros, meeiros, parceiros, arrendatários, que se somam aos trabalhadores sem terra, com suas especificidades e características próprias. Todas essas categorias estão dentro de um mesmo sindicato, como se este fosse capaz de promover a unidade entre as mesmas.

É muito comum, por exemplo, que pequenos proprietários contratem mão-de-obra ou eles mesmos se empreguem na época da colheita ou do plantio, surgindo conflitos trabalhistas entre essas duas categorias. As demandas são encaminhadas para o mesmo sindicato, que passa a administrar a disputa entre os seus associados. É muito comum, também, a existência de sindicatos com bases formadas predominantemente por assalariados e cujas diretorias são controladas por pequenos proprietários, ou vice-versa, dificultando e até mesmo esvaziando o movimento como um todo.

As demandas imediatas são muito distintas. O assalariado luta por melhores condições de trabalho e salários mais altos, enquanto os pequenos proprietários estão preocupados com os preços mínimos, com o crédito, com a comercialização, enfim, com a política agrícola do governo.

Os assalariados formam um contingente superior a 6 milhões de trabalhadores, entre assalariados permanentes e temporários, fichados e clandestinos, volantes e bóias-frias, os que ainda possuem algum pedacinho de terra e aqueles totalmente despossuídos.

Enquanto o assalariado enfrenta o patrão, o pequeno proprietário tem no governo o interlocutor imediato.

Os trabalhadores sem terra, por outro lado, não formam um grupo homogêneo. Além das diferenças internas, existem as regionais. Os arrendatários do Sul, por exemplo, caracterizam-se, geralmente, por ser capitalistas que possuem máquinas, capital e contratam mão-de-obra mesmo para lavouras que abrangem áreas consideradas pequenas em outras regiões. Em boa parte do Nordeste e do Norte, entretanto, os arrendatários possuem poucos ou nenhum recurso.

Entre os posseiros existem os que herdaram a sua posse, formando um contingente de posseiros antigos e arraigados à terra, assim como os recém-chegados, que conseguem sua terra depois de muita luta ou até mesmo em conflitos com posseiros antigos. Diferenciam-se dos assalariados, pois há um código entre eles que valoriza a cooperação, o papel das comunidades, as formas coletivas e autodefesa e de produção.

Os meeiros, parceiros e arrendatários defrontam-se ainda com a dificuldade de elaborar e fazer cumprir os contratos, em geral verbais, estabelecidos com os proprietários de terras, portanto sem a menor base legal para se mover uma ação judicial contra os fazendeiros.

A ditadura impôs um sindicato único para todas essas categorias, obrigando-o a desempenhar uma função essencialmente assistencialista em detrimento das suas reivindicações específicas. Os sindicatos foram transformados em postos avançados da Previdência Social, em que a aposentadoria, a pensão, o auxílio funeral, o atendimento médico-odontológico eram os únicos serviços prestados.

É muito comum, até hoje, a população do interior simplesmente ignorar a existência do sindicato e, por outro lado, saber onde funciona o Funrural, ambos abrigados num mesmo prédio.

Simultaneamente, no início dos anos 70 foram criados mecanismos que estimulavam a obtenção de empréstimos por parte dos sindicatos para adquirir sedes próprias, colônias de férias, hospitais etc. Essa situação favoreceu durante todo o tempo a troca de favores entre políticos e autoridades regionais com o governo federal. Não seria arriscado afirmar que a criação da maioria dos sindicatos fundados nesse período foi fruto dessa troca de favores para fortalecer o curral eleitoral os políticos locais, com recursos e apoio do governo central. Somente no período de 1971 a 1975, por exemplo, criaram-se no Estado de Minas Gerais nada menos que 165 sindicatos, que correspondem à metade do que existe hoje no Estado.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) criada em 1963, reprimida e colocada sob intervenção em 1964, foi retomada por setores progressistas em 1967, liderados por José Francisco da Silva, presidente da entidade até hoje. Sua ação, limitou-se sempre aos estreitos marcos legais contidos no Estatuto do Trabalhador Rural, quando se tratava dos conflitos entre capital e trabalho, e no Estatuto da Terra, de 1964, quando se referia às demandas dos posseiros, parceiros e arrendatários contra os proprietários de terra.

A prática legalista da Contag caminhou para a montagem de um verdadeiro aparelho burocrático-sindical, baseado numa estrutura vertical poderosa e com recursos suficientes para constituir uma assessoria especializada e politicamente afinada, estabelecendo uma ligação direta entre os sindicatos, as federações e a confederação. O fortalecimento da Contag resultou na consolidação de uma concepção corporativista, cuja unidade sindical é representada pela coesão do próprio movimento social rural em torno dos seus objetivos políticos, onde o sindicato aparece como a única entidade que representa o conjunto do movimento. Desse modo, a confederação significou um entrave para a recuperação das formas independentes de organização e de luta, que marcam a história da resistência dos trabalhadores do campo.

O modelo de campanha salarial, por exemplo, implantado pela Contag, baseado no estrito cumprimento da legislação vigente, ao mesmo tempo que estimula as mobilizações de massa procura contê-las dentro dos estreitos e tímidos limites que há mais de uma década o próprio movimento social se incumbiu de romper e ampliar. Essa prática se repete quando se trata da luta pela terra nas regiões mais críticas, como na fronteira agrícola do Centro-Oeste, no Vale do São Francisco ou no Polígono das Secas.

O descontentamento de grandes parcelas do movimento social no campo com o sindicalismo desenvolvido pela Contag favoreceu o surgimento de oposições sindicais e de entidades extra-sindicais, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em várias regiões do Brasil, a partir de 1975.

A herança legada pela ditadura, portanto, inclui a manutenção de um sindicalismo corporativista, cuja ação não conseguiu romper os limites legais impostos pelo sistema, ao mesmo tempo que inibiu a recuperação das formas de luta mais tradicionais dos trabalhadores rurais, mesmo depois do surgimento de amplos movimentos de massa que marcaram o final da década de 70.

Dentro desse quadro, foi criada a CUT, em 1983, com a excepcional participação de trabalhadores rurais. Curiosamente, a maior parte das delegações do campo era formada por pequenos proprietários, categoria na qual a CUT se implantou de forma mais profunda. O início dos anos 80 foi marcado, por um lado, pelo fim do regime militar e, por outro, por um novo sindicalismo, que tem na CUT a sua maior expressão. Porém, se o movimento sindical urbano evoluiu rapidamente, e as teses vitoriosas no III Congresso da CUT atestam essa evolução, o mesmo não se pode afirmar em relação ao sindicalismo rural.

Desafios

Historicamente, a aliança operário-camponesa está na origem dos programas e plataformas dos grupos e partidos políticos de esquerda oriundos direta ou indiretamente da ortodoxia exportada após a Revolução Russa de 1917. Cristalizou-se a idéia de que os interesses do campesinato só seriam concretizados após a vitória do movimento revolucionário apoiado estrategicamente naquela aliança de classes. Essa concepção transformou-se em dogma, em receita pronta e acabada para o sucesso, pelo menos teórico, de todo tipo de revolução: socialista, democrático-burguesa, de libertação nacional ou de qualquer outro caráter.

A diversidade e a dinâmica da sociedade, porém, não se submetem a modelos e tampouco permitem generalizá-los para todas as formações sociais. Além disso, no Brasil, o desenvolvimento capitalista no campo provocou profundas mudanças nas relações sociais de trabalho, consolidando uma diversidade de categorias profissionais e de classes sociais subalternas. O campesinato há décadas deixou de ser a melhor expressão para se denominar o conjunto dos trabalhadores rurais.

A aliança entre o campo e a cidade não pode ser simplificada na palavra de ordem "aliança operário-camponesa". O entendimento incorreto da realidade social, por outro lado, que amplia a expressão "trabalhador rural" para "o conjunto dos setores sociais subalternos no meio rural" pode induzir a formulação de propostas equivocadas.

A CUT, apesar das importantes alterações introduzidas na sua estrutura sindical após o III Congresso Nacional, ainda não respondeu aos desafios reais colocados pela complexa diversidade do meio social rural. À semelhança da estrutura corporativista, criou-se o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais, que, apesar das secretarias constituídas para cada categoria (assalariados, pequenos produtores, sem terra), ainda mantém o mesmo conceito de trabalhador rural para explicar o conjunto de categorias profissionais e classes sociais subalternas no campo. Dessa maneira, estruturam-se dentro de um mesmo sindicato grupos sociais com interesses e demandas distintas e até conflitantes.

A falsa unidade imposta pelo Estado, portanto, acabou sendo absorvida pelo movimento sindical, que não se preocupou em dar formas organizativas adequadas para cada categoria específica ou para o conjunto das mesmas. A expressão "camponês" foi substituída por "trabalhador rural", e os 21 anos de ditadura contribuíram para consolidar a concepção de um sindicato único para o campo. É insustentável a manutenção dessa estrutura sindical e já se notam algumas tentativas para modificá-la.

Hélio Neves, dirigente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp), por exemplo, está propondo a criação de sindicatos só para assalariados, acompanhados de uma nova estrutura sindical destinada exclusivamente a essa categoria, argumentando sobre a necessidade de "unificação futura do conjunto dos trabalhadores da agroindústria num mesmo sindicato, que, hoje, por conta da legislação, se encontra disperso em vários sindicatos...".

Apesar do oportunismo que está por trás dessa proposta em que a disputa por espaço político próprio assim como pela Contag compõe o pano de fundo, a CUT e o PT não podem ignorá-la frente à responsabilidade que têm na direção, na organização e na formulação de propostas para as lutas que se travam no campo. A diversidade que se observa no meio rural exige um tratamento diferenciado, assim como formas específicas de organização para as diferentes categorias.

Os conflitos observados entre assalariados e pequenos proprietários tendem a se agravar com o desenvolvimento capitalista e de suas relações sociais de trabalho. A agroindústria tem um peso estratégico cada vez maior na economia, e a tendência é aumentar a sua importância em função da dimensão e dos recursos naturais do país. Hoje, por exemplo, nove produtos agroindustriais do Estado de São Paulo são responsáveis por 31% de todas as exportações do Estado e por 11 % das exportações globais do Brasil. A integração das categorias que trabalham nesse setor num único sindicato assume importância tão grande que exige a revisão da existência de um sindicato único para assalariados, meeiros, parceiros e arrendatários.

A convivência de diferentes categorias e até mesmo de classes sociais distintas num sindicato único delega a essa entidade a tarefa de promover verdadeiras alianças de classe dentro do movimento sindical. Seria mais compatível atribuir ao PT a tarefa de promover as alianças de classe dentro da sua estrutura partidária, com base no seu programa, do que uma central sindical classista promovê-la dentro de um sindicato.

Além disso, a justa preocupação de que a criação de sindicatos destinados exclusivamente aos assalariados poderá enfraquecer o movimento e permitir o avanço da UDR sobre os pequenos proprietários tem impedido também o aprofundamento dessa discussão e, consequentemente a recuperação das formas de organização mais ágeis e adequadas para cada categoria.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), por exemplo, possui uma estrutura orgânica própria que tem se mostrado mais ágil e eficiente para travar a luta pela terra. Essa realidade vem gerando alguns atritos entre o MST e a própria CUT, apesar a identidade existente entre o movimento e a central sindical. A questão de fundo é que o MST, a exemplo das Ligas Camponesas, utiliza-se do sindicato, dos seus recursos, mas não se subordina aos limites impostos por sua estrutura.

A proliferação de associações de pequenos produtores por todo o Brasil, principalmente na região Sul, tem contribuído para enfraquecer o movimento sindical e abrir espaço para ação do governo no processo de organização desse setor. Essas associações conseguem dar respostas mais imediatas às demandas dos pequenos proprietários, principalmente quando se trata de questões ligadas à política agrícola. Entidades governamentais, como a Funabem e a LBA, e até estrangeiras, como o BID, o Banco Mundial etc., têm repassado sistematicamente recursos para essas associações.

Nas regiões de fronteira agrícola os sindicatos controlados e dirigidos por posseiros com tradição de luta estão se enfraquecendo diante dessa realidade.

Em São Félix do Araguaia, por exemplo, o governo, através da EMATER, estimulou a criação de uma associação com recursos da LBA e da Funabem, fornecendo dois tratores para a prefeitura. Essas máquinas são controladas por três entidades: o sindicato formado por posseiros e pequenos proprietários, a associação recém-criada composta por pequenos, médios e grandes proprietários e a direção de uma escola técnica em fase de construção. O resultado é que as máquinas acabam sendo utilizadas exclusivamente pelos grandes e médios fazendeiros que possuam recursos para pagar o combustível utilizado, já que esta é a única exigência imposta. O sindicato se enfraqueceu e com ele a sustentação política do prefeito, oriundo da corrente popular do PMDB e das lutas populares da região. A UDR venceu as eleições em 1988.

Com raras exceções, o sindicato não tem condições de concorrer com essas formas de organização. Por que então insistir em mantê-las dentro da estrutura sindical da CUT? Cabe à CUT lutar por preços mínimos, organizar a comercialização ou propor uma política agrícola? Qual a diferença entre pequenos proprietários rurais e os pequenos empresários urbanos, como o feirante, o dono de botequim, da oficina etc.? Seria correto a CUT abranger em sua estrutura o sindicato destes pequenos empresários? Acredito que não, porque neste caso a própria CUT seria obrigada a abrir mão do seu caráter classista.

Estabelecer e desenvolver políticas e programas para esses segmentos sociais não-assalariados é tarefa que cabe ao PT, visando trazê-los para sua área de influência e promover as alianças de classe necessárias para o acúmulo de forças que conduzirão às transformações mais profundas da sociedade.

À CUT, caso não queira ser confundida com um partido político, caberia desenvolver a política sindical classista, voltada prioritariamente para os assalariados, e ao mesmo tempo estabelecer um relacionamento e um plano de ação conjunto com os movimentos não-sindicais (MST, associações de lutas contra as barragens, movimentos ecológicos etc.), sem integrá-los, porém, num único sindicato.

O sindicato, pelo menos como foi historicamente concebido, não tem como comportar uma diversidade social tão grande dentro de sua estrutura orgânica. Portanto, a CUT deveria repensar a sua estrutura em relação ao campo antes que os oportunistas o façam.

Paulo de Tarso Venceslau é membro do DM/São Paulo, membro do Conselho de redação de Teoria e Debate e pesquisador do DESEP-CUT.