Internacional

Depois da entrevista bombástica com o escritor Ralph Schoenman, que lidera um movimento internacional pelo fim de toda ajuda ao Estado de Israel, publicada em Teoria e Debate nº 5, um integrante da Comissão de Assuntos Judaicos do PT paulista esclarece as posições existentes no partido sobre essa questão. Schoenman defende o desmantelamento do "Estado de Israel-apartheid" e a criação do Estado laico da Palestina em seu lugar Aqui, uma consideração criteriosa sobre outras possibilidades menos abruptas

Internamente, coexistem no PT as mais diferentes abordagens referentes à questão do Oriente Médio, o que não implica a inexistência de posições de partido. Elas existem e são muito claras.

Sinteticamente:

1) O PT reconhece e sempre reconheceu na OLP a legítima representante do povo palestino e da aspiração deste em construir um Estado próprio. A luta do povo palestino é entendida como um segmento da luta geral dos povos do Terceiro Mundo para libertar-se da tutela estrangeira e da opressão.

2) Isto não implica negar o direito de existência ao Estado de Israel nem desconhecer as forças israelenses (como o Movimento Paz Agora) que lutam para o avanço da liberdade e da democracia. O direito de autodeterminação dos povos judeu e palestino é reconhecido como legítimo.

3) Com isto, e em conformidade com um quase unânime consenso internacional sobre a questão, o PT entende que a fórmula dos "dois Estados", direcionada para a instauração de um Estado Palestino ao lado de Israel é a única que atende conjunturalmente às aspirações dos dois povos. O PT nega, portanto, qualquer hipótese que implique deslegitimar-lhes o direito de autodeterminação.

4) A paz no Oriente Médio, resultando da "cessação da repressão israelense, de uma conferência internacional de paz com a participação da OLP, e a criação de um Estado Palestino ao lado de Israel, são as premissas indispensáveis e insubstituíveis na luta pela união e confraternização dos povos, contra o obscurantismo e os exclusivismos nacionais, a exploração do homem pelo homem, a dominação de um povo por outro e o resultado de tudo isto - a guerra" (Nota oficial do PT aprovada pela sua Direção Nacional, em fevereiro de 1988).

Desde a mais remota Antiguidade, o quadro político do Oriente Médio tem sofrido as mais profundas turbulências políticas. Civilizações magníficas - e incessantes conturbações - irromperam nesse espaço geográfico: egípcios, assírios, babilônios, fenícios, cananeus e sumerianos, entre muitos outros povos, imprimiram desde lá a sua marca, seja regionalmente, seja no patrimônio cultural da humanidade. Desta época emaranhada de dinastias e impérios, de palácios e aldeias, dois povos, que alguns historiadores pretendem inimigos "milenares e irreconciliáveis", são testemunhas vivas: os judeus e os árabes. Ambos originariamente semitas, ambos de origem nômade, ambos com inestimável contribuição para a civilização ocidental. Ambos, por fim, mutuamente reconhecidos como integrantes de um mesmo trono étnico, cujas tradições encarregam-se de confirmar.

O Oriente Médio atual, assim definido pela perspectiva européia (já que a meio caminho entre a Europa e a Ásia propriamente dita), é o palco do encontro/confronto desses dois povos, e a resolução de seus conflitos é a principal via para a instauração de uma nova era de paz, liberdade e democracia. Vejamos alguns lances deste encontro/confronto.

Judeus e árabes (des)conjugados

Os judeus, um dos grupos semitas que perambulavam entre a Mesopotâmia e o vale do Nilo, instalam-se, a partir do século XVI a.C., em um território cortado pelo rio Jordão. Esta área de limites imprecisos foi mais tarde denominada pelos gregos de Palestina, numa referência aos filisteus, povo que habitava o litoral e com o qual a Grécia mantinha um ativo comércio. Nesta região, independentemente da justificativa teológica, os judeus lançam os alicerces de sua tradição cultural, suficientemente forte para que a sua identidade não se diluísse em meio às tempestades políticas que abalavam o "céu oriental" (Karl Marx). A partir daí, o povo judaico inicia uma longa trajetória histórica, que deixa para trás as pirâmides e os faraós, as muralhas esmaltadas de Babei, a Nínive dos assírios, os numerosos anfiteatros que os sucessores de Alexandre Magno ergueram por todo o Mediterrâneo oriental.

Esta continuidade, em muitos momentos creditada ao desafio popular contra a prepotência dos faraós e o falso universalismo helênico, termina por se confrontar com o Estado romano, cuja constituição era intolerável para os judeus. Em duas ocasiões, eles opõem audaciosa rebeldia política e militar ao poder imperial romano. Derrotados em 135 d.C., completam um processo de dispersão, iniciado séculos antes de forma espontânea, com o abandono de uma terra que não garantia subsistência para todos os seus habitantes. É a diáspora do povo judeu, a partir daí, "povo sem terra".

Por outro lado, os árabes, no falso silêncio de sua península, erguem suas cidades e seus templos. No sul da Arábia surgem os "reinos do incenso": Sabá, Hadramaout e Kataban, referências importantes para o comércio internacional na época de Salomão. Mas é apenas com o islamismo, doutrina religiosa elaborada por Maomé, que os árabes, a partir do século VII d.C., detonam um audacioso processo de expansão, que em pouco mais de cem anos gera um vasto império, do Sudão ao centro da França (Poitiers, 732), do Marrocos às portas da China (Tallas, 751). Nesse enorme território amalgamam-se diferentes acervos culturais, unidos pela língua árabe e pelo islamismo, cuja vitalidade respalda intenso desenvolvimento técnico-cultural. Ao lado de Avicena e de Averróis, surgem, menos conhecidos no Ocidente, homens talentosos como Imad Nassimi (a quem se deve o hurufismo) e Al-Biruni, pensador genial, à altura, por exemplo, de um Leonardo da Vinci. Para os padrões da época, esse Estado árabe mostra-se extremamente tolerante em relação às minorias: judeus, armênios e cristãos gozam de liberdade no exercício de sua língua, cultura e religião.

Se aí a população judaica goza de um clima de tolerância, o inverso ocorre na Europa feudal. Como lembra Jaime Pinsky, o judeu "era integrado pela rejeição, engendrado como marginal e diferenciado para que não deixasse de existir"1. Vivendo em um mundo que, além de cristão era igualmente agrário e voltado para a produção de valores de uso, aos judeus se reservam as funções entendidas como imperfeitamente adequadas ao sistema feudal: o comércio, a usura, o artesanato de luxo. Daí decorre o mito do "capitalismo judaico", reforçado ideologicamente pela condição de "povo-classe" atribuída aos judeus. A decadência do feudalismo revela a fragilidade da situação vivida por eles: "bodes expiatórios" potenciais, assim os utiliza a nobreza em declínio, ao mesmo tempo que o capitalismo ascendente sacrifica-os em favor do capitalista real, que revoluciona as relações de produção e constrói as monarquias nacionais. De elementos estranhos, os judeus passam a indesejáveis. Não existe lugar para eles no novo sistema. São expulsos em massa de quase toda a Europa ocidental, encontrando refúgio nas áreas ainda feudais do Leste europeu, ou junto aos principados árabe-muçulmanos da bacia do Mediterrâneo.

Mas ainda não se trata do encontro/confronto inicialmente citado. Por ora, é um encontro fugaz.

O Islam e o Ocidente

O império islâmico não consegue efetivar a sua unidade política: divergências étnicas e na interpretação da doutrina maometana, além de diversidades regionais, corroem esse projeto político. Externamente, a brutalidade das cruzadas européias, a expansão turco-otomana e a destruição de Bagdá pelos mongóis de Hulagu (1258) dão o golpe de misericórdia na pretensão de se construir um Estado universal árabe-islâmico2. O império otomano (erradamente denominado de "turco") transforma-se no herdeiro do espólio dos califas, ocupando boa parte dos territórios anteriormente pertencentes ao império árabe. Para legitimar o seu domínio, os otomanos adotam a religião muçulmana e o alfabeto árabe. Trata-se, no entanto, de mais uma estrutura débil, "asiática", que, carente de uma burguesia, passa a sofrer, ao longo dos séculos XVIII e XIX, pressões cada vez maiores da Europa industrializada. Sob o ataque constante do imperialismo, que abocanha pouco a pouco vastos territórios dominados pelo sultão, os otomanos vão sendo substituídos por rivais mais vorazes e eficientes3.

A Alemanha, a França, a Inglaterra e o império russo czarista disputam a hegemonia na região: primeiro, por meio de projetos econômicos de cunho imperial (exploração de petróleo, estrada de ferro Berlim Bagdá, o canal de Suez); posteriormente, pela guerra, a I Guerra Mundial (1914/1918).

A nação muçulmana não assiste impassível à decadência dos otomanos. A memória de um passado glorioso, de brilho intelectual e econômico, incendeia sempre a imaginação dos árabes, dispostos a cobrar novamente o seu papel na história. É o nacionalismo árabe em ascensão, um elemento político de grande atualidade no Oriente Médio de hoje.

Judeus na encruzilhada

Na Europa, o chamado "mais antigo dos povos" vive uma situação que apenas a extrema generosidade dos historiadores poderia caracterizar como "rica". Admitidos nas sociedades burguesas da Europa ocidental, que desde a Revolução Francesa (1789) passa a reconhecê-los como cidadãos, os judeus emancipam-se crescentemente da antiga condição de "povo-classe", rompem com o mundo do gueto e integram-se na moderna economia de mercado. A hostilidade para com a minoria judaica, que a isolava com muito mais eficácia do que o mais alto dos muros, parecia uma questão do passado, justificando o otimismo de alguns teóricos, para quem o anti-semitismo estaria superado e, portanto, os judeus seriam de uma forma ou de outra assimilados pelas nações no seio das quais viviam.

O "Caso Dreyfus", entretanto, destrói esta ilusão. Em 1986, um militar francês de origem judaica, Alfred Dreyfus, vê-se injustamente acusado, como espião, de entregar segredos militares franceses para o império alemão. Ainda que extremamente assimilada, a origem judaica do réu foi utilizada pelos círculos reacionários anti-republicanos e clericais como referência incriminatória no seu julgamento oportuno. Todo o rumoroso caso serviu de pretexto para esses grupos reocuparem espaços que pretendiam seus na política francesa. Mesmo com a posterior descoberta do verdadeiro culpado e anulação da sentença que pesava sobre Dreyfus, o impacto da propaganda e das manifestações anti-semitas decorrentes do processo abalaram profundamente o mundo judaico. Estava clara a força do anti-semitismo na política moderna, o que levou um jornalista austríaco de origem judaica, Theodor Herzi, residente então em Paris, a escrever o livro O Estado Judeu e a convocar o Congresso Sionista inaugural de 1897.

Na Europa oriental, por sua vez, não foi preciso um "Caso Dreyfus" para demonstrar a força do anti-semitismo. Praticamente um elemento constitutivo das culturas eslavas, a peste anti-semítica grassava com sanção oficial sob notória aquiescência das autoridades russas, realizavam-se pogroms - ataques organizados contra a minoria judaica, nos quais se cometia toda sorte de violências. Levadas a cabo por autênticos bandidos e desqualificados sociais, os pogroms constituíam-se numa importante válvula de escape à opressão sofrida pelo povo no regime czarista, que, assim, encontrou uma forma de desviar as atenções da classe trabalhadora para um alvo que não afetasse o status quo (esta manipulação ideológica foi combatida pelas forças democráticas e socialistas, mesmo porque os judeus, na Europa oriental, formavam um contingente com forte perfil operário).

Com o fracasso da assimilação e o virulento anti-semitismo do Leste europeu, coloca-se mais fortemente que nunca a "Questão Judaica", iniciando-se, entre os judeus, movimentos que procuram resgatar a sua identidade e/ou afirmar de modo positivo o seu destino. Não se trata de uma opção. Retomando preconceitos oriundos da Idade Média, pelos quais o judeu era a mais hedionda das criaturas, o anti-semitismo crescente obriga os judeus a pensarem em si próprios como um grupo autônomo, da mesma forma que os armênios no império otomano, os irlandeses, os tchecos e demais grupos étnicos oprimidos em suas pátrias. Nasce entre os judeus a idéia de constituírem uma nacionalidade, uma nação livre como outras.

Os trabalhadores judeus respondem à crise

Confrontados com o anti-semitismo e com a luta de classes, os judeus manifestam diferentes reações. Para a alta burguesia judaica, a aposta é na integração ou assimilação nas sociedades em que vivem (apesar dos anti-semitas). Muitos se convertem a outras religiões e "esquecem" a sua origem. Outros transformam-se em alemães, franceses, americanos e suíços "de religião judaica", embora o judaísmo defina-se historicamente como a religião do povo judeu. Portanto, o despertar de qualquer sentimento nacional está muito longe de suas perspectivas, ao qual, aliás, sempre demonstraram rigorosa oposição. É no grande contingente de trabalhadores judeus da Polônia, Rússia, Lituânia e Ucrânia que a questão nacional se coloca, ideológica e objetivamente.

Mal pagos e vítimas de toda sorte de preconceitos humilhantes, eles são um grupo duplamente discriminado, com altas taxas de emigração (principalmente para os EUA) e numerosa presença nos movimentos democráticos e socialistas, particularmente no movimento operário. Desde cedo se manifestam duas fortes tendências, o sionismo de esquerda e o bundismo, que passam a disputar o apoio da massa trabalhadora judaica4.

O BUND toma a dianteira. Abreviação, em iídiche5, de "Federação Geral de Operários Judeus da Rússia, Polônia e Lituânia", foi o mais importante elemento de divulgação do socialismo entre o proletariado judeu. Constituiu-se no primeiro partido marxista da Rússia, o primeiro a desafiar as trevas do czarismo. Divergindo dos sionistas de esquerda quanto à existência de um povo judeu universal, o bundismo lutou, entretanto, pela autonomia cultural dos judeus russos, utilizando o iídiche (e não o hebraico) como língua de propaganda política e de caracterização nacional. Graças a este trabalho os judeus, após a revolução bolchevique, foram reconhecidos como uma das nacionalidades da URSS. Apesar de sua enorme disseminação junto ao proletariado judeu, a conjuntura histórica do leste europeu tragou por inteiro o bundismo, relegando-o apenas a uma recordação.

No caso do sionismo, a questão é mais complexa, mesmo porque Herzl, ainda que reconhecido como fundador do sionismo político, foi precedido de movimentos6 e reinterpretado teoricamente das mais diferentes formas.

Analisar o sionismo unicamente a partir de Herzl ou do Likud de Beguin empobrece a discussão e compromete o rigor imprescindível ao raciocínio de todos aqueles que pretendem um compromisso com a verdade. A fórmula do encontro/confronto pressupõe, afinal de contas, um encontro inicial.

O encontro possível

Configura-se o quadro de confronto: judeus, particularmente os da Europa oriental, percebem o crescente avanço do anti-semitismo. Herzl pronuncia uma célebre frase, que o tempo provará trágica: "Uma terra sem povo para um povo sem terra". Ao mesmo tempo, a nação árabe procura o seu lugar junto à modernidade. O nacionalismo está, pois, colocado para os judeus e para os palestinos. No caso do sionismo, controvérsias profundas exigem algumas ponderações:

1) O sionismo é um movimento nacionalista e, como tal, portador das ambiguidades típicas de qualquer outro nacionalismo (o palestino inclusive). Correntes diversas disputam a hegemonia no movimento sionista, do sionismo marxista de Ber Borochov ao sionismo revisionista de Jabotinsky.

No primeiro caso, um grupo com base na classe operária judaica, cuja expressão partidária, o Poalei Sion, lutou lado a lado dos bolcheviques na Revolução Russa. A vocação "terceiro-mundista" do Poalei Sion é manifesta: os "Batalhões Borochov" (milícias judaicas vermelhas), após auxiliarem na derrota dos exércitos brancos e dos intervencionistas estrangeiros no sul da Rússia, propõem a continuidade da marcha rumo ao Oriente Médio. O objetivo: implantar um Estado socialista na Palestina, onde será reelaborada a cultura judaica, retomando o hebraico e a Ásia como opção histórica. No segundo caso (Jabotinsky), existiam fortes vínculos com o fascismo, a ponto de o jornal Doar Hayom (órgão oficial dos revisionistas) propô-lo como o regime ideal para a Palestina.

São linhas radicalmente diferentes no pensamento sionista: enquanto o Poalei Sion preocupava-se em revolucionar o atraso feudal do Oriente Médio, emancipando todos os trabalhadores (árabes e judeus), o revisionismo, em contrapartida, tinha na imposição da vontade de um povo sobre outro sua diretriz básica, sempre em aliança com as grandes potências imperialistas. (Diferentemente, o Poalei Sion era aliado da URSS, onde manteve a sua própria organização partidária até 1928, quando foi destruído pelo stalinismo.)

2) A colonização judaica da Palestina esteve, desde os seus primórdios, sob influência direta das correntes de esquerda. É a classe operária judaica da Palestina que procede à reorganização espacial do país. A colonização, recuperação e reversão do quadro ambiental em que se encontrava o país, no século XIX, é um fato que dificilmente poderia ser negado. O kibutz, precursor dos colcós soviéticos, constitui uma experiência radicalmente coletiva, socializada. É visível aqui uma opção anticapitalista, tornando as correntes de esquerda do sionismo o movimento que mais buscou "no socialismo a sua viabilização como nação moderna7". Complementando, cria-se a Histadrut, uma central sindical que, instalada em território árido e sem atrativos para o capital privado, volta-se para a criação dos postos de trabalho (aproveitando que a ausência de uma burguesia local impedia de implantar o modelo sionista de Herzl, mancomunado com os patrões e as potências estrangeiras). Esta base coletivista instituída na Palestina (não apenas projetual, mas concreta) é que poderia ter garantido a construção de um Estado socialista em Israel. Este foi, aliás, o principal argumento para apoiar a fundação do novo Estado, tanto da esquerda da época como da URSS, garantindo o fornecimento de armas para a vitória israelense na "Guerra de Independência" de 1948.

3) Para alguns círculos de esquerda, o sionismo como um todo seria a tradução direta, no campo político, do "isolacionismo judaico", uma forma de "exclusivismo", ainda mais condenável por "desviar as atenções das massas judaicas do processo de construção do socialismo". Poucos, no entanto, procuram a salutar reflexão sobre as razões que levaram à formação de um movimento nacional judaico. Quanto a isso, para largas parcelas do povo judeu, havia a intuição, aliás correta, de que o selvagem e inaceitável anti-semitismo europeu não lhes deixaria outra alternativa (independentemente de questões de princípio, o fato é que a História lhes garante razão. Por fim, o marxista Isaac Deutcher parece acertar ao definir, na obra O judeu não judeu, o sionismo como uma reação ao incêndio da casa européia dos judeus, criando paralelamente o problema do povo palestino. Não se tratou, pois, de uma invasão das hostes sionistas, ou então, de uma intervenção a soldo do imperialismo. Certamente, houve manipulação do desespero judaico por parte de setores do movimento sionista comprometidos com a reação. Generalizar este raciocínio, porém. é, além de historicamente incorreto, politicamente equivocado.

Evidencia-se, do que foi colocado, a impossibilidade de uma leitura linear do sionismo, que, em alguns casos, busca a sanção do marxismo. Ao imputar-se um perfil colonialista ou racista a todo o sionismo, exerce-se um raciocínio simplificador e primário, procura-se "diabolizar" uma questão que não deve ter o tratamento metafísico do Mal absoluto. No sionismo, assim como no movimento nacional palestino, coexistem (e coexistirão) diferentes tendências, cujas ações isoladas e particulares não devem jamais servir de referência generalizante, quer a um, quer a outro movimento.

Assim, não se pode manipular, como fazem alguns setores, a questão do sionismo, equiparando-o, por exemplo, ao nazismo alemão, ao qual se haveria, inclusive, associado por alianças políticas. Aos que fazem esta interpretação (de uma ingenuidade quase insultante) caberia lembrar que as lideranças do Levante do Gueto de Varsóvia (1943) eram sionistas e esquerda e que o Movimento "Paz gora" de Israel, que luta contra a reação israelense, em busca da paz com o povo-irmão palestino, também é sionista. Demagogos e fascistas existem de ambos os lados, Menachen Beguin e Ariel Sharon, do lado judeu; Hadj Amin El Hussein8, do lado palestino.

A questão é, portanto, mais complicada, o maniqueísmo característico de algumas "análises" em nada auxilia (se é que o chega a fazer) no debate e na resolução do conflito. Fundamentalmente, o processo de paz deve se nortear pela busca de interlocutores realmente dispostos a resolver a questão, e é neste momento que podemos procurar o encontro judeu-palestino. Vejamos alguns lances deste "jogo" que pretendemos final:

1) Os povos judeu e palestino devem primeiramente reconhecer-se como entidades históricas inquestionáveis. Neste sentido, pretender que os judeus de Israel não formam uma nacionalidade (posição dos extremistas palestinos) ou que os palestinos são um "não-povo" (posição dos direitistas israelenses) não auxilia a causa da paz. Se definir nacionalmente os judeus é uma tarefa extremamente difícil, do ponto de vista histórico, isto não se pode nem se deve usar como argumento para desqualificar o anseio de um grupo étnico por ter a sua voz reconhecida perante o mundo. Da mesma forma, a irrupção "recente" do povo palestino não invalida o seu nacionalismo enquanto projeto político, mesmo porque "um recém-nascido não tem menos direito à vida que um ancião" (Pal Mendel).

2) Ainda que todo socialista seja (e deva ser) contrário à existência de fronteiras nacionais, é preciso primeiramente verificar a possibilidade histórica de aboli-las. Parece mais distante do que nunca a possibilidade de implantar um Estado binacional na Palestina. Proposta primeiramente lançada pelo MAPAM (Partido Operário Unificado de Israel, um dos herdeiros do Poalei Sion), que a sustentou mesmo após a independência, ela jamais foi aceita por qualquer liderança árabe. As guerras sucessivas que sacudiram o Oriente Médio, a crise interna de Israel, fizeram com que a proposta do Estado binacional (re)lançada pela OLP também não encontrasse ressonância, desta vez no lado judeu.

Atualmente, parece existir uma convergência de opiniões: de um lado, o movimento democrático, pacifista e progressista israelense, propondo a instalação imediata do Estado palestino ao lado de Israel, em Gaza e Cisjordânia. De outro, a OLP, cuja declaração de independência (1988) reconhece implicitamente o direito de existência do Estado de Israel, as resoluções 242 e 338 da ONU e nega, por fim, o terrorismo como arma política. É o povo palestino que assume a dianteira na discussão, pois, reconhecendo o direito de existência de Israel, desarma e desmoraliza internacionalmente o Partido da Guerra israelense, cujo epicentro é o Likud e os seus fascistas. Com isso, a organização liderada por Arafat paralisa as forças que se nutrem da brutal repressão contra o povo palestino, para implantar concretamente o fascismo em Israel.

A declaração da OLP também desarma politicamente as forças que, tendo montado a milícia antipalestina, utilizam-se, por exemplo, para desarticular, com a mesma brutalidade, os grevistas da empresa aérea israelense El-Al (governo Beguin). No rastro da revolta árabe palestina da Intifada estão os pressupostos para o povo israelense destruir os seus próprios falsos-profetas. A revolta da nação oprimida capitaliza propostas que, em Israel, querem rediscutir o Estado na forma e na essência, cuja postura teocrática jamais poderá ser consensual junto ao povo judeu. Este povo que, nas sociedades onde vive e viveu, sempre lutou contra a injustiça, o autoritarismo e a ingerência da religião nos negócios de Estado.

3) Por fim, o encontro de identidades. Judeus e palestinos estão fadados a conjugar-se. Como ressalta o intelectual Roney Cytrynowicz, "atrás do choque das armas e da guerra de culturas, judeus e palestinos revelam uma profunda identidade. Lutam pela mesma terra, cantam seus símbolos, as oliveiras, a água escassa, os frutos, o deserto. Falam sempre do amor e da saudade da terra-mãe. Esta identidade talvez torne o conflito ainda mais feroz. É difícil lutar contra um inimigo cujos argumentos e identidade são tão semelhantes".

Da mesma forma que milênios atrás, está para surgir uma nova mensagem no Oriente. Que seja de paz e de justiça para todos.

Shalom/Salam!

Maurício Waldman é sociólogo e administrador, membro do GT de Oriente Médio da Secretaria de Relações Internacionais do PT, da Comissão de Assuntos Judaicos do PT paulista e presidente do DZ do PT-Vila Mariana.