Economia

Já não se pode adiar a tarefa de pensar a política econômica para o futuro, que leve em conta as novas relações de força de âmbito internacional, algumas ainda embrionárias, e os fatores transformadores dados pelo progresso tecnológico. Com ousadia e criatividade, este artigo traz contribuições inéditas para este desafio.

 

Estamos vivendo um momento da história marcado por aceleradas transformações e recorrentes e profundas crises. Um processo complexo, multidimensional, que afeta os principais aspectos de nossa vida cotidiana e desafia as verdades teóricas e políticas aparentemente estabelecidas. No Brasil, até o ano 2000 seremos 179 milhões de pessoas, sendo que 143 milhões deverão viver nas grandes cidades.

Apenas para absorver os 12 milhões de jovens que estarão chegando ao mercado de trabalho, teríamos que crescer a um ritmo de pelo menos 6% ao ano. Esses desafios são colocados para um país em que há uma década o PIB por habitante praticamente não cresce e que acumulou imensas demandas sociais, produtos de um padrão de desenvolvimento que concentrou riqueza, renda e poder e excluiu as amplas massas dos frutos do crescimento econômico.

Por outro lado, assistimos a um atraso tecnológico crescente no país, enquanto o potencial de transformações, de criatividade e de novas possibilidades acumulado pelo padrão tecnológico que verificamos em nível internacional é absolutamente inimaginável. A informática, a biotecnologia e as inovações tecnológicas vão invadindo nosso dia-a-dia e ampliando nossos sonhos e desafios.

São estas inquietações que nos estimulam a tentar praticar um exercício relativamente arriscado e difícil: refletir sobre o futuro - em nosso país, com a atual instabilidade econômica e política, isso parece quase um exercício de ficção científica, uma curiosidade descabida. Mas acreditamos que discutir esse futuro que já começa é quase uma questão de sobrevivência e uma dimensão fundamental para ampliarmos nossos horizontes e redefinirmos o próprio significado de nossos projetos políticos. Há certa crise de percepção, ao mesmo tempo que emergem novos movimentos sociais, novas iniciativas, enquanto os dogmas e as receitas prontas e acabadas vão envelhecendo nos pequenos guetos políticos, que ainda tentam entender e transformar a realidade rebelde e implacável com velhos paradigmas, tão convenientes às tradições de certos setores da esquerda.

Temos uma premissa de que estamos vivendo um processo que já está modificando radicalmente o significado do trabalho, do lazer, das relações internacionais, da cultura e da política, de que nos encontramos enfim diante de novos dilemas no limiar de um novo século deste sofrido planeta.

Revolução Tecnológica

As mudanças tecnológicas em andamento são de tal magnitude e profundidade que tendem a transformar substancialmente a estrutura de produção mundial, com implicações sobre o emprego, a produtividade, a utilização dos recursos naturais e as relações internacionais, entre outras atividades.

Evidentemente, ainda que estejamos diante de um novo patamar tecnológico, esse processo não é linear no tempo e há diferenciações muito significativas no nível dos diferentes espaços da economia mundial.

As novas tecnologias podem ser agrupadas em algumas linhas básicas:

1. microeletrônica (possui enorme capacidade de transformar as características de uso e transmissão das informações, com implicações decisivas em numerosos setores de serviços e administração);

2. robótica (significa a implantação de sistemas de automação no nível do processo produtivo, com "robôs" reprogramáveis em função das diversas exigências da produção);

3. biotecnologia (torna possível ao homem modificar a estrutura e o comportamento de seres vivos bem como a forma e a natureza de sua participação nos processos de transformação produtiva);

4. novos materiais (podem modificar o perfil das demandas de produtos naturais e suas aplicações nos diversos setores da produção manufatureira);

5. novas fontes de energia (a energia fóssil, que foi a base do padrão industrial nas últimas décadas, terá de ser substituída. Há várias iniciativas em andamento, mas esta é uma das áreas mais problemáticas, especialmente pelos riscos das opções, como a energia nuclear, e pela ausência de uma alternativa compatível comas exigências atuais);

6. novos processos de produção (as novas técnicas de desenho, a aplicação da informática no processo produtivo, novas formas de controle e gestão da produção diretamente associadas a este novo padrão tecnológico estão sendo introduzidas).

Não há como negar esse processo, tampouco parece recomendável se posicionar contra o progresso tecnológico em si, mas há um grande campo de discussão sobre a quem tem servido e quais suas implicações estratégicas. A essa problemática, no caso brasileiro, se somam as dificuldades de modernização da estrutura produtiva e de participação do país nesse novo padrão tecnológico.

Blocos Hegemônicos

As inovações tecnológicas significam mudanças nas relações de poder e riqueza. A luta pela hegemonia no interior dos grandes blocos capitalistas tende a se acirrar mas com significativas mudanças de qualidade, o mesmo ocorrendo em relação às economias socialistas. Os projetos para o século XXI começam a se definir.

- 1992: a Europa unida - No mesmo ano em que a América "comemora" quinhentos anos de "descobrimento e colonização" e a América Latina vive uma grave e dramática crise, a Europa se unifica. Não haverá mais barreiras alfandegárias e tarifárias entre 12 países, que se converterão, pelo menos teoricamente, numa única economia de 320 milhões de consumidores e 120 milhões de trabalhadores.

O "Projeto 1992" está definido num estudo de 6 mil páginas, elaborado pela Comunidade Econômica Européia, e possui alguns estímulos decisivos diretamente associados às novas tecnologias:

- a possibilidade de coordenar esforços de pesquisa tecnológica e científica para enfrentar a concorrência crescente dos outros pólos, especialmente Estados Unidos e Japão;

- a especialização da produção, com aumento da capacidade produtiva, diminuição potencial de custos, via economias de escala e mudança no padrão de concorrência intercapitalista;

- ampliação do mercado, tornando-o compatível com o aumento de produtividade das novas tecnologias.

É evidente que deverão surgir inúmeros obstáculos, como as disparidades regionais e setoriais, os movimentos migratórios, entre outros. Também é evidente que os trabalhadores não são o sujeito histórico desse processo controlado por grandes grupos monopolistas e marcado pelos poderosos interesses das elites dominantes. No entanto, a Europa definiu um novo projeto histórico para o novo século, que está superando o pessimismo que reinava no velho continente e disputando seu lugar no "neoimperialismo" emergente. Um aspecto que merece destaque é que o movimento sindical, através basicamente da Conferência Européia de Sindicatos e dos mais diversos e representativos partidos de esquerda, vem procurando intervir nesse processo histórico que coloca grandes desafios e novas exigências para o conjunto dos trabalhadores europeus.

- Japão: as reformas Maekawa - Há alguns anos, uma comissão oficial comandada por um antigo chefe do Banco Central japonês, Haruo Maekawa, sugeria políticas drásticas para impulsionar a expansão da economia doméstica e redefinir a política externa, com a perspectiva de gerar um pólo mais agressivo no cenário internacional: "Chegou a hora de o Japão produzir uma transformação histórica". No plano interno, a economia japonesa tem um vigor impressionante e tende a crescer sua importância relativa no contexto mundial. O Japão, que após a Segunda Guerra Mundial possuía um PIB equivalente a 1,5% do PIB mundial, em 1982, já atingia 9%, além de uma população de robôs de 41 mil unidades, quando toda a população do planeta era de 67300. Há também um movimento de integração imperialista das regiões próximas, como Coréia, Hong Kong, Cingapura, Formosa, Malásia, Indonésia, além da própria China, que esboçam um pólo alternativo na concorrência econômica e comercial internacional, desde o Pacífico, e uma clara transição do centro de gravidade comercial do Atlântico para o Pacífico.

- As economias socialistas: glasnost e perestroika - A União Soviética, desde a morte de Lenin, passa pelas mais importantes transformações econômicas e políticas. O projeto de Gorbatchev está revelando uma grande ousadia histórica, com riscos imensos, para recuperar de forma acelerada o desenvolvimento das forças produtivas e promover uma reconversão produtiva capaz de absorver as inovações tecnológicas em outros setores, que não a indústria bélica e astronáutica. As estimativas econômicas revelam que o PIB soviético, cuja participação no PIB global em de 16,3% em 1950, caiu para 9,1% em 1982. Paralelamente, a corrida militar e nuclear tem consumido cerca de 18% do PIB, comprometendo as políticas sociais e os investimentos na modernidade. O enfrentamento da burocracia, as redefinições políticas e as iniciativas no plano da política internacional projetaram a URSS no cenário internacional, e avanços significativos estão aparecendo nas relações econômicas e comerciais com o campo capitalista. Por outro lado, há divergências profundas no interior do campo socialista sobre o significado, os limites e as implicações políticas e ideológicas das transformações em curso, sendo que a luta interna tende a se agravar diante das transformações que começam a surgir. Um processo semelhante se verifica no contexto das reformas econômicas na China e na chamada retificação cubana, ainda que com perspectivas políticas e ideológicas bastante diferenciadas.

Porém uma interrogação permanece no ar: qual deverá ser a política da URSS, que se encontra em uma posição claramente defensiva no cenário econômico e político internacional, diante de eventuais revoluções políticas no nível do Terceiro Mundo e mais precisamente em relação à América Latina?

- EUA: a ausência de um projeto articulado - Na luta pela hegemonia no interior das potências imperialistas, os EUA aparecem com um imenso poder militar e um enorme controle sobre as instituições supranacionais do sistema capitalista, mas sem uma proposta política mais estratégica para o novo período que se inicia. São inúmeros os esforços da economia americana para promover uma reconversão produtiva e assegurar o controle estratégico sobre os setores de ponta da economia mundial. O PIB dos EUA representava 38,1% do PIB mundial em 1950; em 1970, tinha caído para 32,6% e, em 1982, para 27,7%. Esse processo revela que, se o planeta continua bipolar no campo político e militar, é crescentemente multipolar no campo econômico e comercial. No interior dos EUA há uma transferência das indústrias do Norte para o Sul, um processo de integração com o Canadá e a fronteira norte do México, mas as eleições presidenciais revelam o vazio político na principal nação imperialista e um relativo isolamento político. Os elevados déficits comerciais e o crescimento prolongado do endividamento público revelam as debilidades da economia americana em campos importantes da indústria e do comércio internacional. E demonstram também que somente por meio do poder político e do controle sobre a ordem capitalista internacional é que esse processo econômico vem se sustentando ao longo dos anos. No entanto, em alguns setores econômicos estratégicos os EUA continuam dominando ou disputando a hegemonia internacional.

A instabilidade da transição

Uma primeira consideração a ser feita é que o mito do crescimento econômico sem limites está comprometido para o futuro. A água, o ar e os recursos naturais são limitados e terão de ser considerados um valor fundamental na concepção de desenvolvimento do futuro. Não é possível imaginar que a renda per capita das grandes potências continue crescendo ilimitadamente, ou que um país como a China possa vir a ter automóveis para toda a população e um padrão de consumo nos marcos das economias capitalistas centrais.

A potencialidade das novas tecnologias deverá ser mediada por decisões políticas estratégicas. Mais grave é que não só estamos longe dessa possibilidade como a transição que a economia mundial começa a viver parece extremamente complexa e instável.

Nesse processo de transição, os Estados nacionais deverão sofrer mudanças importantes. O projeto "neoliberal" conservador, que tenta amparar no plano político e ideológico as modificações em curso, deve ser analisado no contexto do deslocamento progressivo dos mercados domésticos para os macromercados e o mercado global, que tende a reforçar as agências coordenadoras supranacionais e os novos espaços de poder transnacionais. A ausência de políticas coordenadas e a crise da institucionalidade supranacional existente, que se move de forma quase reflexa dos interesses do governo dos EUA, tendem a potencializar as crises próprias de um período de grandes transformações. A perda de confiança na ONU (Organização das Nações Unidas), na OIT (Organização Internacional do Trabalho) e na UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), que nasceram para universalizar e democratizar as decisões políticas internacionais, cresce progressivamente com o imobilismo e a falta de poder desses organismos multilaterais. Há uma verdadeira disjunção entre o poder e a ordem econômica e jurídica capitalista internacional. Paralelamente, o estoque de dívidas externas, a começar pela própria economia americana e a ampla maioria dos países do Terceiro Mundo, revela os riscos e a profunda instabilidade do processo de transição descoordenado e imprevisível da economia capitalista internacional. Os fantasmas de 1929 aparecem no crash da bolsa em outubro de 1988, e apesar das profundas diferenças deverão rondar a economia mundial no próximo período, principalmente se a inércia política e a crise financeira não forem superadas em grande escala. Há grande distância entre a evolução da economia real e a chamada "economia simbólica", ou seja, a evolução dos papéis, créditos e demais formas de especulação está crescentemente desvinculada da produção real de riquezas. Os dados disponíveis revelam que o PIB mundial está em torno de US$ 13 trilhões ao ano. O comércio internacional global de bens e serviços atinge cerca de US$ 3 trilhões. Porém, o montante global de transações financeiras no mercado de Londres, que concentra todo o sistema de eurodólares, tem atingido cerca de US$ 300 bilhões por dia, ou seja, nada menos do que US$ 75 trilhões por ano. Essa disparidade entre "economia simbólica" e "economia real" é uma fonte monumental de instabilidade. Outro entre muitos exemplos é a própria variação do dólar e outras moedas desde o fim do sistema de paridade cambial fixada pelo acordo de Bretton Woods, que contribui para a instabilidade geral e revela a irracionalidade que o poder político dos EUA assumiu no contexto da economia capitalista internacional. No plano político, ocorre processo muito semelhante. Exemplos bem mais dramáticos são o martírio do Líbano, a destruição mútua entre Irã-lraque, para não falarmos da África austral, Afeganistão, América Central, enfim os inúmeros conflitos bélicos que explodem no Terceiro Mundo enquanto as grandes potências procuram vantagens estratégicas e a ONU permanece como um clube internacional de discursos.