Sociedade

A data já está marcada. No próximo dia 5 de outubro, conforme estabelece a Constituição Federal, deverão estar votados pelas Assembléias Legislativas os textos das futuras constituições estaduais. Depois disso, as Câmaras Municipais têm o prazo de seis meses para votar suas Leis Orgânicas, que são as "constituições das cidades". Neste processo, a experiência, a criatividade e a ousadia política devem orientar a ação dos vereadores e dos militantes empenhados em fazer das leis orgânicas instrumentos que auxiliem na construção da sociedade sem exploração e democrática

Desde a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, em 1º de fevereiro de 1987, o Brasil vive um processo de intensa transformação no âmbito do ordenamento jurídico. A elaboração de uma nova Constituição desencadeou um quadro de revisão que extrapolou o próprio texto constitucional e vai, sem dúvida alguma, atingir o conjunto de normas nas esferas federal, estadual e municipal.

Tanto isso é verdade que a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 fixou, nas disposições transitórias, o prazo de um ano para que os Estados elaborem suas novas constituições. Ou seja, até 5 de outubro de 1989 os deputados estaduais deverão ter votado os novos textos constitucionais de suas respectivas unidades da Federação. Mas a Constituição federal foi mais além e estabeleceu, também nas disposições transitórias, que, promulgada a Constituição do Estado, as câmaras municipais deverão votar as respectivas leis orgânicas no prazo de seis meses.

Como consequência desse processo, o país viverá, de maneira ininterrupta, o desenvolvimento das atividades constituintes federal, estadual e municipal. Além disso, dar-se-á, paralelamente às assembléias constituintes e por decorrência delas, a revisão da legislação complementar e ordinária em todas as esferas. Finalmente, fruto dessas mudanças, haverá a modificação de procedimentos por parte do poder público, que terá de adaptar suas normas de conduta aos novos preceitos constitucionais e legais.

É importante se ter em mente, todavia, que a radicalidade implícita em todo esse processo de transformação não é, em absoluto, uma característica predeterminada. Pelo contrário, de maneira sistemática os movimentos de transição política e jurídica no Brasil acabam por convalidar a ideia de que plus ça change, plus ça reste la même chose, ou seja, quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem como estão.

Várias determinantes contribuem para atenuar o potencial transformador do processo constituinte. Em primeiro lugar, o fato de o conjunto de normas que regulam a vida cotidiana das pessoas não ser oriundo exclusivamente do ordenamento jurídico. Há um sem-número de regras inerentes, por exemplo, à vida doméstica, que não derivam de leis: horários, critérios de repreensão dos filhos, elementos para definição do orçamento familiar, exercício da autoridade etc. Assim como no lar, nos locais de trabalho, no mundo dos negócios e nos contatos de vizinhança, a maior parte das relações entre as pessoas é regulada por regras que a sociedade determina sem que sejam necessariamente ratificadas no mundo jurídico. As constituintes, em todos os níveis, produzirão efeitos transformadores que, no entanto, atingirão apenas de modo marginal as regras fixadas fora do processo legislativo oficial.

Um segundo fator redutor da radicalidade do processo constituinte é o fato de ele expressar, em suas decisões, o processo de transformação vivido pela própria sociedade. Nos marcos de uma transição conservadora, que se procura conduzir sob o controle absoluto das elites, os textos elaborados pelas assembléias constituintes federal, estaduais e municipais, por mais que apresentem algumas inovações importantes, tenderão de forma natural a manter intocados os pilares que sustentam juridicamente o quadro de dominação e hegemonia consagrado na sociedade brasileira. Mais do que fator de transformação social, a dinâmica jurídica resulta das transformações sociais e, se estas são tímidas, aquela também o é.

Cabe ainda ressaltar, como terceiro elemento controlador da aceleração transformadora que pode decorrer do processo constituinte, o fato de o ordenamento jurídico de uma sociedade não decorrer unicamente das normas escritas, isto é, do direito positivo. Elaborada uma Constituição ou uma lei, os juristas cuidam de interpretar o real significado de seus dispositivos e, quando há divergências em sua aplicação, é o Judiciário que dá a última palavra. O ordenamento jurídico que vigora efetivamente em uma sociedade é resultante, portanto, da norma escrita, da doutrina (a interpretação da norma) e da jurisprudência (a definição sobre a aplicação da norma). E, tradicionalmente, tem sido regra a doutrina e a jurisprudência serem, em nosso país, instrumentos refreadores de um alcance transformador maior - eventualmente almejado no âmbito do direito positivo. Exemplo disso é a interpretação, que acabou predominando, de que a limitação constitucional de taxa de juros em 12% ao ano, fixada na nova Constituição para vigorar imediatamente, deveria aguardar regulamentação legal.

Por fim, outro perverso elemento de freio de qualquer ímpeto mudancista é a ausência de mecanismos efetivos, inclusive materiais, para fazer valer conquistas asseguradas no processo constituinte. O povo, sábio, diz freqüentemente que tal ou qual lei "não pegou", como se lei fosse doença, porque sabe que determinada norma está destinada a não produzir efeitos. Ou porque os instrumentos processuais destinados a garantir determinados direitos ainda são precários (apenas com a nova Constituição é que se cuidou de pensar como assegurar os direitos que ela mesma preceitua), ou porque a estrutura do Judiciário - e a máquina administrativa como um todo - é um fator de inibição na luta judicial em defesa do direito ameaçado ou atingido. Nada mais demonstrativo dessa realidade do que a Justiça do Trabalho, na qual a regra "mais vale um mau acordo do que uma boa demanda" é prova cabal do descompromisso do aparelho do Estado com a prevalência dos direitos eventualmente assegurados no ordenamento jurídico.

Inovação do Óbvio

Nesse quadro de tensões, em que a ocorrência de um processo constituinte amplo e complexo favorece a realização de transformações importantes, que tendem porém, a ser atenuadas por anticorpos presentes no sistema jurídico e social, a realização, pela primeira vez na história brasileira, de assembléias constituintes em todos os municípios do país é um elemento de importância extrema na dinâmica política deste final do século XX.

A nova Constituição diz expressamente que "o município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição e na Constituição do respectivo Estado" (artigo 29). Isto é, cada município terá uma lei orgânica própria, correspondente a uma verdadeira Constituição municipal, já que, assim como ocorre com a Constituição federal e as constituições estaduais, será votada e promulgada pela Câmara Municipal, sem qualquer possibilidade de veto por parte do Executivo.

Aparentemente lógico e óbvio, o fato de o município ter uma lei fundamental votada em seu próprio âmbito por uma Câmara Municipal dotada de autonomia plena é uma inovação importante no sistema constitucional e político brasileiro. A regra geral que vem de muitos anos consagrou o entendimento - para muitos contraditório com o que dispunha a própria Constituição de 1967 - de que cada Estado poderia perfeitamente elaborar uma só lei orgânica, destinada a reger a vida de todos os municípios nele existentes. Assim é que na quase totalidade dos Estados brasileiros existe uma única Lei Orgânica dos Municípios, votada e modificada no âmbito da respectiva Assembléia Legislativa e submetida ao crivo do governador do Estado, cumprindo o papel de Constituição de todos os municípios estaduais. Exceções importantes são os Estados do Paraná, no qual a Constituição estadual admite que a capital do Estado tenha sua lei orgânica própria, e do Rio Grande do Sul, onde, também por disposição constitucional, todos os municípios já têm o direito de possuir sua própria lei orgânica há mais de duas décadas.

Terminada a elaboração das novas constituições estaduais, cujo prazo limite é 5 de outubro de 1989, as câmaras municipais elaborarão as leis orgânicas de seus respectivos municípios. As câmaras municipais se transformarão, portanto, em assembléias constituintes municipais encarregadas da elaboração das leis orgânicas municipais, ou seja, das constituições que conterão as diretrizes fundamentais responsáveis pela regência dos assuntos inerentes especificamente a cada localidade do país.

Lei Orgânica e Participação

As câmaras municipais terão o prazo de seis meses para votar as leis orgânicas de seus respectivos municípios, a contar da promulgação da Constituição do Estado. Supondo-se que os Estados promulguem suas constituições apenas no prazo limite previsto na Constituição federal, o que realmente deverá ocorrer na maioria deles, em 5 de outubro de 1989 principiará a correr esse prazo de seis meses, que se estenderá, portanto, até 5 de abril de 1990. E aqui reside o primeiro problema, pois outubro, novembro e dezembro deste ano serão meses, no calendário político nacional, dedicados com exclusividade à eleição presidencial, e janeiro e fevereiro são, tradicionalmente, meses de reduzida atividade legislativa, em razão, inclusive, do recesso parlamentar.

Tem-se discutido, em diversas câmaras municipais, a hipótese de antecipação das assembléias constituintes locais, diante das dificuldades impostas pelo calendário. Não há, aparentemente, impedimento no sentido de que, no plano de cada município, se façam, antes mesmo da Constituição estadual estar pronta, os debates preparatórios à elaboração da lei orgânica, em especial no que diz respeito às normas regimentais que deverão se aplicar à Constituinte local bem como à coleta de sugestões destinadas a subsidiar a discussão mais substantiva.

Todavia, na medida em que o texto da Constituição federal é claro ao mencionar que a Lei Orgânica Municipal deverá respeitar, inclusive, os princípios fixados na Constituição do Estado, apenas com a conclusão do texto constitucional estadual o debate na esfera local poderá adquirir um caráter mais conclusivo. A antecipação do debate constitucional no âmbito municipal é um elemento positivo para o enriquecimento do processo político, mas não terá o condão de resolver as dificuldades impostas pelo calendário. Prova disso é o fato de não ter gerado um benefício considerável para o Estado do Paraná a iniciativa de sua Assembléia Legislativa de se declarar Assembléia Constituinte estadual, através de emenda constitucional, antes mesmo de estar promulgada a Constituição federal.

Com relação ainda ao processo constituinte propriamente dito, há um dado fundamental para a caracterização do perfil Político do texto final de cada Lei Orgânica Municipal: o quorum necessário para sua aprovação. Se a impossibilidade do veto por parte do Executivo é um fator estimulador de inovações por parte da Câmara Municipal na organização da gestão do poder local, a necessidade do voto favorável de dois terços dos vereadores para a inserção de qualquer dispositivo no texto constitucional municipal funcionará como elemento refreador de mudanças mais ousadas, isto porque se fará presente, obrigatoriamente, um alto grau de consenso para se lograr a aprovação de qualquer regra. As minorias terão dificultada sua intenção de se converter em maioria, mas, paralelamente, terão aumentado seu poder de veto no processo de elaboração das leis orgânicas municipais.

Tudo leva a crer, portanto, que as constituintes municipais tenderão a ser textos mediados ao extremo, com baixo grau de inovação em relação a como se dá atualmente o exercício da gestão do poder a nível local e com grande número de disposições muito genéricas, correndo-se o risco de que, para a resolução de impasses no processo constituinte, haja o adiamento de definições mais conclusivas através da inserção de muitas remissões a uma futura legislação complementar e ordinária, - reprodução talvez do fenômeno verificado na Assembléia Nacional Constituinte. A respeito do ponto de partida para a elaboração da Lei Orgânica Municipal, cada Constituinte local deverá se debruçar sobre a discussão acerca da conveniência de se adotar ou não um texto-base oficial para orientar seus trabalhos.

A Assembleia Nacional Constituinte, em uma atitude inédita nas constituintes brasileiras, optou por dispensá-lo, prevendo, em seu Regimento Interno, um processo de decantação através do qual 24 subcomissões, nas quais se distribuíram os senadores e deputados constituintes, realizaram a coleta inicial de sugestões para a elaboração de anteprojetos temáticos, que foram posteriormente agrupados em oito anteprojetos de comissões, cada uma englobando três subcomissões. Por fim, houve um trabalho de síntese efetuado pela Comissão de Sistematização, que apresentou, em julho de 1987, cinco meses após a instalação dos trabalhos, o primeiro anteprojeto global de Constituição, destinado a servir de referência para a complementação da atividade de elaboração da nova Carta. Tal procedimento foi extremamente positivo, pois se a presença de um texto-base oficial logo de início pode contribuir para agilizar o trabalho de elaboração da Lei Orgânica, a experiência federal demonstrou que sua inexistência impede que uma camisa-de-força atue como elemento político e psicológico de restrição do poder constituinte da Câmara Municipal. O que deve existir é o estímulo à elaboração, por parte de partidos políticos e entidades em geral, de anteprojetos globais e setoriais, mas deve ser evitada, na perspectiva de um processo constituinte mais democrático e criativo, a adoção de qualquer texto-base oficial.

A participação popular no processo constituinte municipal é outro aspecto extremamente relevante. Há vários modos de propiciá-la: realização de audiências públicas com entidades com atuação no município; recebimento de sugestões; instituição, nas sessões, de períodos nos quais seja liberado à população o acesso à tribuna da Câmara Municipal etc. Talvez uma das inovações mais importantes da nova Constituição federal seja a garantia da iniciativa popular legislativa, isto é, o direito de um grupo de cidadãos apresentar propostas que tenham a natureza de projetos de lei. Se para o âmbito federal se fixou um número de assinaturas razoável (1% do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos cinco Estados, com não menos de 30% dos eleitores de cada um deles) e, para o plano estadual, deixou-se a cada unidade da Federação a prerrogativa de determinação do quorum, para a esfera municipal o previsto é extremamente elevado. A Constituição federal fixou-o em 5% do eleitorado, mas deixou uma brecha: a possibilidade da iniciativa popular legislativa para propostas de interesse da população de bairros - o que pode permitir que o quorum venha a incidir não sobre o total de eleitores do município mas apenas sobre o número dos que possuem domicílio eleitoral na região efetivamente afetada pela iniciativa. A importância desta matéria reside no fato de que a iniciativa popular legislativa cabe não apenas no processo de elaboração da Lei Orgânica de cada município mas também no âmbito do funcionamento regular do Legislativo.

Competência

Indagam-se sistematicamente quais as matérias que devem constar da Lei Orgânica Municipal e o que não deve ser objeto da ação normativa da Constituinte local. Qual deve ser, portanto, o raio de ação do vereador.

A nova Constituição federal é bastante precisa ao reservar para o âmbito federal um rol de competências (artigo 21) e a prerrogativa de legislar privativamente sobre uma série de questões (artigo 22). Cabe à União, por exemplo, emitir moeda e legislar sobre desapropriação. O texto constitucional preceitua também uma série de matérias cuja regulamentação deve ficar a cargo dos Estados e do Distrito Federal, competindo à União o estabelecimento de normas gerais; trata-se da competência concorrente (artigo 24), que envolve, por exemplo, a normatização de educação, cultura, ensino e desporto.

Os Estados possuem a chamada competência residual, ou seja, são reservadas a eles as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição, com exceção de matéria de ordem tributária, cuja competência residual é da União.

O que sobra para o município? Os assuntos cuja competência lhe seja especificamente atribuída e aqueles de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. A lei orgânica deverá tratar, portanto, das matérias previstas para serem normatizadas em âmbito municipal, exclusivamente ou em comum com outras esferas, além de reproduzir os preceitos de acatamento obrigatório previstos na Constituição federal e atender os princípios estabelecidos nos textos constitucionais federal e estaduais.

Compete especificamente aos municípios (artigo 30): 1) legislar sobre assuntos de interesse local; 2) suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; 3) instituir e arrecadar os tributos de sua competência bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; 4) criar, organizar e suprimir distritos, observando a legislação estadual; 5) organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o transporte coletivo, que tem caráter essencial, 6) manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; 7) prestar com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; 8) promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (cada município com mais de vinte mil habitantes deverá ter um plano diretor votado pelo Legislativo); 9) promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observando a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

É da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios (artigo 23): 1) zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; 2) cuidar de saúde e assistência pública, de proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; 3) proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; 4) impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; 5) proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; 6) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; 7) preservar as florestas, a fauna e a flora; 8) fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; 9) promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; 10) combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; 11) registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; 12) estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

A Lei Orgânica do município terá também de reproduzir preceitos de acatamento obrigatório previstos no texto constitucional federal (artigo 29): 1) eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores, para mandato de quatro ano, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o país; 2) eleição do prefeito e do vice-prefeito até noventa dias antes do término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do artigo 77 (eleição em dois turnos, a partir da eleição municipal de 1992), no caso de municípios com mais de duzentos mil eleitores; 3) posse do prefeito e do vice-prefeito no dia 1º de janeiro do ano subseqüente ao da eleição; 4) número de vereadores proporcional à população do município observando os seguintes limites: a) mínimo de nove e máximo de 21 nos municípios de até um milhão de habitantes; b) mínimo de 33 e máximo de 41 nos municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes; c) mínimo de 42 e máximo de 55 nos municípios de mais de cinco milhões de habitantes; 5) remuneração do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente, observando o que dispõem os artigos 37, XI; 150, II; 153, III; e 153, § 2º, I (normas de limitação da remuneração); 6) inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município; 7) proibições e incompatibilidades no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto na Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado, para os membros da Assembléia Legislativa; 8) julgamento do prefeito perante o Tribunal de Justiça; 9) organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal; 10) cooperação das associações representativas no planejamento municipal; 11) iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, 5% do eleitorado; 12) perda do mandato do prefeito, nos termos do artigo 28, parágrafo único (assunção de outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta).

Finalmente, a Constituinte municipal, na elaboração da lei orgânica, deverá atender os princípios estabelecidos na Constituição federal e na Carta estadual (artigo 29). O problema deste dispositivo é que, ao contrário da Constituição federal anterior, a nova não enumera um rol de princípios, deixando em aberto, para interpretação futura, a própria caracterização do que é exatamente um princípio constitucional. Supõe-se que o sistema de governo (parlamentarismo e presidencialismo) seja um princípio constitucional fundamental, sendo a adoção do sistema presidencialista efetuada no texto constitucional federal de observância obrigatória pelos municípios; todavia, até que ponto a inclusão eventual numa lei orgânica de dispositivos que, ao possibilitar à Câmara Municipal maior interferência na gestão do poder público local, possam denotar a adoção de mecanismos de cunho parlamentarista caracterizará uma incompatibilidade com o sistema vigente para a União? Certamente, as questões referentes aos princípios constitucionais serão muito polêmicas, e não resta dúvida de que ao Judiciário caberá, em última instância, demarcar os limites da autonomia municipal.

O Desafio Constituinte

As assembléias constituintes dos cerca de 4.300 municípios serão um espaço muito valioso para o amadurecimento político da sociedade brasileira. Estão em debate as normas relativas ao exercício do poder num âmbito em que é indiscutivelmente maior e mais direta a relação entre governantes e governados. Serão discutidas as regras de organização da sociedade em tudo o que diga respeito à esfera local. Trata-se de um enorme desafio fazer com que um tratamento essencialmente político, que contemple a explicitação de convergências e contradições, se sobreponha a uma tendência, que já se delineia, de caracterização da Constituinte municipal como uma instância burocrática responsável pela realização de um trabalho fundamentalmente administrativo de adaptação em nível local das regras dos textos constitucionais federal e estadual.

Há evidentes limitações a um enfoque mais abrangente do papel da Constituinte municipal. Limitações de procedimentos, como a questão do prazo, por exemplo, e no tocante às competências. A maior, no entanto, decorre de um vício imperante na cultura jurídica e política brasileira: a visão do município como uma esfera hierarquicamente inferior à União e aos Estados.

Não existe hierarquia na Federação brasileira; o que há são atribuições distintas entre os diversos entes da Federação. A percepção desse fator é essencial para que se aproveite todo o potencial de transformação social inerente à realização, simultânea em todo país, de um amplo processo de discussão acerca da gestão do poder político em nível local.

Como fazer para que as constituintes municipais sejam momentos políticos passíveis de registrar a evolução democrática da sociedade brasileira? Só há uma resposta: estimulando-se a pressão popular. O ponto de partida para a elaboração das leis orgânicas não deve ser o conjunto de parâmetros fixados pelos juristas mas sim o conjunto de propostas que a população construir para sua cidade, seu município. A criatividade e a ousadia política deverão ser as marcas da ação, no âmbito das constituintes municipais, de todos aqueles empenhados em fazer com que as leis orgânicas sejam instrumentos capazes de auxiliar a tarefa de construção de uma sociedade sem exploração e democrática.

Pedro Dallari é vereador pelo PT e líder do governo na Câmara Municipal de São Paulo.