Nacional

"A gente sabe que, com o voto, deveria influir na mudança do que está errado. Mas a gente acha que não adianta nada." (João, estudante, 18 anos, Rio de Janeiro)

"Política é o que existe de pior. Mas quem sabe votando a gente coloca alguém competente no poder e ajuda o país a sair do buraco. Acho que vou votar no Jânio."

(Sérgio Ricardo, estudante-trabalhador, 17 anos, São Paulo.)

"Tô a fim de votar porque acho legal. Vou votar no Collor, fui com a cara dele; meus amigos também."

(Lílian, estudante, 16 anos, São Paulo.)

"Se um presidente for eleito agora, depois de tantos anos, não vai mudar muito, eu sei. Mas muita coisa ele tem a obrigação de mudar, de tudo um pouco custo de vida, educação, saúde, moradia. Está tudo interligado. Acho que vou votar no Brizola, porque ele é contra os militares."

(Fernando, estudante, 16 anos, São Paulo.)

"Vou votar, sim; acho que é uma chance da gente influir na prática. Voto no Lula; acho que as idéias dele são menos ilusórias e mais sensatas."

(Luciana, estudante-trabalhadora, 16 anos, São Paulo.)

"Para mim tanto faz votar como não votar. Acho importante escolher o presidente, mas parece que o momento não está muito bom."

(Paulo, estudante, 16 anos, Rio de Janeiro.)

"Quero votar para ajudar a modificar as coisas. Meu candidato é o Silvio Santos, uma pessoa boa, que ajuda os outros".

(Wellington, estudante-trabalhador, 16 anos, Belém.)

Recentemente, centenas de estudantes de escolas públicas do Rio de Janeiro ganharam as manchetes dos jornais locais: garotas e rapazes de 1º e 2º graus estavam nas ruas, em direção ao palácio do governo, reivindicando verbas para o ensino público, mais qualidade, melhores transportes.

Notícias como essa não seriam manchete na década de 60, época em que fervilhavam as manifestações estudantis lideradas por universitários e com participação expressiva dos chamados "secundaristas". Mas, em 1989, esses fatos trazem a marca do novo: vinte anos depois do verdadeiro massacre que se abateu sobre as formas de organização estudantil e o ensino, os meninos estão de volta. Vagarosamente reconstruíram suas entidades representativas, e hoje continuam a reorganizar os grêmios, as entidades de base de cada escola. As uniões municipais, estaduais e nacional secundaristas ainda estão distantes da grande massa estudantil. Poucos as conhecem e participam delas. A linguagem, a postura, a denúncia dos graves problemas do setor não encontraram o caminho dos anos 90, repetindo muitas vezes visões do mundo da década de 60.

Mas os secundaristas estão voltando às ruas. E suas manifestações se intensificam em todo o país, no ano em que, pela primeira vez, jovens de dezesseis anos podem votar para presidente. A maioria que optou por esse direito de cidadania vai exercê-lo junto com seus pais - estes também o farão pela primeira vez. A desorientação que transparece na maior parte de suas declarações (colhidas entre estudantes de colégios estaduais) parece reafirmar uma versão corrente que define essa geração como individualista, descomprometida, apática, inconseqüente. Interessada em nada mais do que sexo, drogas, rock-and-roll e cercada de violência - conservadora.

Contemplando a paisagem apenas pelo recorte possível da janela, a definição não soa falsa. Os planos da ditadura para o ensino não poderiam ter dado mais certo: o esfacelamento das lideranças estudantis; a destruição dos grêmios e sua substituição (1971) por centros cívicos limitados a atividades recreativas; a introdução (1969) de disciplinas como Educação Moral e Cívica (obrigatória em todos os graus); a lei 5692/71, que canalizava todos os esforços para um ensino acrítico e com tendências profissionalizantes; a eliminação de matérias da área de Humanidades, que ensinavam a pensar; a implantação do autoritarismo, do medo, da censura. Essas medidas delinearam os trágicos contornos de um quadro que correspondia à famosa ideologia: "estudante é para estudar". E estudar apenas o que é permitido.

Ao longo dos anos, muitas vezes estudantes e professores conseguiram, por algumas brechas, fugir desse quadro. Alguns grêmios se mantiveram, algumas idéias resistiram. Mas até novembro de 1979, quando ocorreu a I Reunião Nacional Secundarista, no interior do Congresso de Reconstrução da UNE, e a reconstrução da UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), em 1981, os estudantes estavam silenciados.

"O movimento estudantil só pôde ser reconstruído de cima para baixo", conta Elias Ferreira, 23 anos, primeiro-secretário da UBES. Somente em 1985 foi aprovada a lei de organização dos grêmios livres, até hoje em reconstrução. Marcelo Amaral, 21 anos, tesoureiro da UPES (União Paulista de Estudantes Secundaristas), conta uma história que se repete nos últimos anos: "Eu estudava em São Vicente (SP) e era considerado rebelde. Não podia participar da chapa do centro cívico porque seus membros eram escolhidos pela diretora. Desisti, e um tempo depois voltei a encontrar o pessoal do movimento estudantil. Foi uma batalha criar o grêmio; a diretora dizia: 'Discutam política só do portão para fora'. Sentimos muito como a escola deseduca nessa questão".

A política governamental fez o possível para apagar as formas de organização da memória dos estudantes. Não raro eles se espantam quando questionados: "Grêmio? O que é isso?" (que aliás é o título de uma cartilha preparada pela Secretaria da Educação do Distrito Federal e distribuída à rede, para resgatar esse instrumento, ensinar o que é e como pode ser organizado).

Muitos estudantes já descobriram a importância do grêmio e fazem experiências com bons resultados. Há outros que gostariam de participar, mas são estudantes-trabalhadores e não têm tempo. "Trabalho o dia inteiro, estudo à noite e tenho muitos problemas em casa", afirma Estevão, dezesseis anos, categórico.

De qualquer forma, depois de vinte anos, eles estão de volta. As caras são as mesmas e, de braços dados, o que os diferencia da turma dos anos 60, além das roupas e mochilas presas às costas, assinalava um jornal carioca, é o número maior de meninas que participam. Certamente, não apenas isso. Esses jovens saem às ruas brigando contra um ensino muito mais degradado do que há vinte anos, com evasão de professores devido aos baixos salários, falta de segurança etc.

A escola estadual dos anos 80 não é mais um porto seguro para os alunos. Os muros e as grades instalados para proteger a escola dos ladrões e agressores fecharam o espaço precioso que abrigava crianças, mesmo nos fins de semana, em festivais, brincadeiras, exibição de peças de teatro. A escola pública está fechada para os alunos, com raras exceções.

Os estudantes sempre foram personagens de destaque na nossa história. As primeiras aulas de cidadania, entretanto, quase nunca partem da escola, historicamente descolada das grandes questões que agitam a sociedade. Mas, se ela dava espaço para as discussões, já marcava um ponto importante, perdido depois da ditadura. O longo e difícil processo de reconstrução passa pela democratização da escola, a reconstrução das entidades e a participação em manifestações coletivas.

Aquela definição dessa geração, vista pelo recorte possível da janela, não soa falsa, mas não é um retrato do real. Nascidos na ditadura, esses jovens não tiveram a chance de conhecer qualquer exercício democrático, e a política é "uma coisa suja, dos que querem levar vantagem em tudo e não ligam para o povo".

Eles criticam a política oficial, e seu ceticismo em relação aos órgãos governamentais se repete nas entidades representativas dos estudantes. Eles sabem que o país está "num buraco", sentem na pele a inflação, os salários defasados, problemas de habitação e saúde, criticam a formação oferecida pela escola e muitos deles afirmam que começaram a ter consciência da situação a partir de discussões com os professores que entram em greve.

Dizem que não estão "fazendo política" quando elegem a diretoria de seus grêmios e começam a atuar dentro da escola. Acham os discursos políticos velhos e chatos, e se afastam deles.

Opção pelo novo

Até março deste ano 2,3 milhões de jovens eleitores haviam se habilitado a votar, entre os 6,5 milhões em condições. Uma pesquisa do IBGE realizada no mesmo mês verificava que 76% dos jovens de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador querem votar, e o índice deve crescer com o início da campanha nos meios de comunicação.

O representante da UBES acredita que, "quando a juventude tem contato com o novo, a tendência é optar pelo novo. O jovem vai votar em um candidato que apresente esse programa novo, que rompa com as estruturas atrasadas. O jovem vai decidir a eleição e derrubar os candidatos conservadores". Tomara! O comportamento político-eleitoral do adulto em geral é assimilado pelo jovem, quando não há uma abordagem específica de seu universo. Um exemplo que vale por muitos: o estudante e office-boy paulista Sérgio Ricardo, dezessete anos, diz que "o futuro presidente deve demonstrar urgência em resolver os problemas de saúde, educação, habitação. É um absurdo gastar dinheiro com monumentos quando podiam construir casas para os sem-teto, que vivem fazendo manifestações na avenida Paulista. Ainda não conheço bem os candidatos, mas acho que voto no Jânio".

"Mas com dezessete anos você vai votar num candidato com idéias tão velhas?"

"Não sei, ele fez muita coisa. Ele briga."

Da minha janela, eu os vejo sem muito lugar no mundo. Uma geração cercada por imagens e sons do futuro que - se ter acesso - ainda hoje é submetida a um ensino voltado apenas para o verbo. Entre o marasmo das escolas, o ensino fragmentado e tutelado (com pouco espaço para a criação) e a agitação de um mundo voltado para o consumo e a competição, o recorte possível de sua janela para o país descortina uma situação que precisa ser mudada, "mas a gente acha que não adianta nada".

Incitados ao individualismo por uma sociedade que tem horror ao fazer e saber coletivos, cada vez mais distantes da própria individualidade, desesperançados de mudanças, essa chamada apatia não seria uma resposta bastante "politizada" à geléia geral brasileira? O aparente conformismo "político" não estaria represando uma rebeldia induzida por outros canais?

Espremidos entre uma infância cada vez mais curta e a idade adulta batendo à porta celeremente. Empurrados para o mercado de trabalho informal, expulsos da escola - dados do MEC de 1988: 26.821.134 matrículas no 1º grau; 3.339.090 matrículas no funil do 2º grau; e, finalmente, 442.314 vagas à disposição dos vestibulandos -, sem falar dos milhares de miseráveis absolutos.

Talvez Elias Ferreiro, da UBES, tenha razão. Os jovens podem se identificar com uma proposta política nova, mas se ela realmente espelhar as graves questões que envolvem essa geração abandonada, desamparada, jogada num redemoinho de valores enxovalhados e princípios desacreditados. Por exemplo: a questão comportamental, tão urgente, em especial na fase da adolescência, não faz parte das prioridades dos setores da sociedade que se dirigem aos jovens, do movimento estudantil às lideranças político-partidárias. A estreita visão da maioria desses setores ainda se ampara em preconceitos que separam a vida da política - visão compartilhada mesmo por segmentos de esquerda, que nada mais fazem do que repetir a postura da política oficial. E, todos sabemos, não há nada de novo nisso.

Há ainda os que reforçam seus preconceitos evocando o aparente espaço conquistado pelos "jovens" na sociedade. A categoria "jovem" tem um espaço bem grande na publicidade e nos meios de comunicação, sempre voltado ao consumo e à análise superficial de seus problemas. Nada de botar o dedo na ferida, que afinal é bem grande.

São os "filhos da ditadura". São o reflexo da conjuntura "sócio-político-econômica". À parte as constatações, por mais que corretas, óbvias, necessita-se de mais luz. Mesmo porque os meninos têm urgência. Criar o novo exige cabeças abertas e sensibilidade, muito especialmente dos que "fazem política". E o novo passa pelos jovens.

No subtexto de suas declarações, não raro se nota a revolta, às vezes surda, outras incontrolável. Mesmo entre os que não conseguem se expressar por palavras. A desconfiança é tangível - a perplexidade. Há pouca ingenuidade, e o desejo de mudar tudo confrontado com a impotência.

Seus porta-vozes não são líderes estudantis ou de partidos políticos, mas sim, por exemplo, boas bandas de rock (como os Titãs) que traduzem suas inquietações melhor do que qualquer especialista:

"A gente não quer só comida, /a gente quer comida, diversão e arte. /A gente não quer só comida, /a gente quer saída para qualquer parte. /A gente não quer só dinheiro, /a gente quer dinheiro e felicidade. /A gente não quer só dinheiro, /a gente quer inteiro e não pela metade".

Elizabeth Lorenzotti é jornalista e foi diretora da Associação Brasileira de Imprensa – SP (ABI-SP).